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Mental

versão impressa ISSN 1679-4427versão On-line ISSN 1984-980X

Mental v.7 n.12 Barbacena jun. 2009

 

ARTIGOS

 

Trabalho e loucura: possibilidades de carreira para pessoas em situação psicótica

 

Work and madness: career possibilities for the psychotics

 

 

Marcelo Afonso Ribeiro*, **

Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo

 

 


RESUMO

Este artigo levanta os sentidos construídos sobre trabalho e carreira de um grupo tradicionalmente excluído do trabalho, ou seja, as pessoas em situação psicótica, e suas estratégias de construção da trajetória no mundo de trabalho consideradas de difícil concretização. Foram formados grupos focais com 30 pessoas com transtornos mentais psicóticos. Os resultados indicaram que a maioria dos sujeitos associa trabalho com saúde e vê a carreira impossibilitada pela situação psicótica, entretanto uma parte deles está trabalhando e diz se sentir capaz de construir uma carreira pela maior receptividade do atual mercado. Conclui-se que o estigma e a impossibilidade de carreira ainda são predominantes, mas que a atual conjuntura de transição mundial parece estar criando estruturas psicossociais mais receptivas ao diferente.

Palavras-chave: Trabalho, Exclusão, Estigma, Psicose, Carreira.


ABSTRACT

This article analyzes the meanings of work and career for a group traditionally excluded from work (the psychotic) and their strategies for career development difficult to implement. Focus groups were conducted with 30 people with psychotic mental disorders. The main findings pointed out that most participants make a connection between work and health and believe that it is impossible for them to hold a career because of their psychosis; however, some of them work and feel capable of building a career encouraged by the new market diversity. It was concluded that the stigma and difficulty in developing a career still predominate, but the transitional aspect of the world seems to be creating new psychosocial structures more open for the differences.

Keywords: Work, Exclusion, Stigma, Psychosis, Career.


 

 

O mundo sociolaboral vive um momento de flexibilização, heteroge¬neização e complexificação das estruturas e das relações psicossociais, o que leva à hipótese de que as relações entre trabalho e loucura também foram afetadas. Assim, o presente artigo visou levantar os sentidos1 atribuídos ao trabalho e à carreira de pessoas em situação psicótica2 (grupo tradicional¬mente excluído do mercado de trabalho) e as estratégias de construção de sua trajetória no mundo do trabalho, para verificar se houve ou não algum indício de mudança.

No modelo social da modernidade não havia relações possíveis entre trabalho e loucura, pois, segundo Foucault (1976), “a loucura é ruptura absoluta da obra” (p. 529); obra entendida como uma produção intersubjetiva que se inscreve na história social e singular em dada época e dada existência: “ali onde não há obra, há loucura” (p. 530). O ideário moderno normativo era gerador de verdades absolutas que norteavam os saberes e as práticas cotidianas - sociedade disciplinar que buscava criar sujeitos dóceis e úteis. (FOUCAULT, 1977)

O antagonismo e a impossibilidade de síntese da dualidade trabalho/loucura relegavam a pessoa rotulada como “louca” à exclusão3 de qualquer construção no mundo do trabalho, reduzindo sua existência ao estigma da posição de “louca” e, portanto, destinado a viver apartada da ação de obrar nas relações sociais e ocupar o lugar construído de assistido social, pois seria detentor de uma identidade deteriorada. (GOFFMAN, 1975)

Dejours (2003) versa que o trabalho seria semântica e ontologicamente associado ao sofrimento e à produção, e por isso constituiria um paradoxo psíquico: se por um lado faz emergir os limites humanos, por outro é a chance de conhecer, habitar e participar na construção do mundo. A falta do trabalho ou de seu reconhecimento como obra (reconstrução contínua do mundo e de si) faz surgir, quase sempre, uma vida sem sentido e uma situação de vulnerabilidade social (CASTEL, 1993), pois “o trabalho, é verdade, pode gerar a alienação. Mas também pode ser o mediador, insubstituível, da emancipação” (DEJOURS, 2003, p. 27).

O século XX presenciou a dominação do modelo taylorista-fordista de organização do trabalho, que foi gradativamente substituído pelo modelo toyotista-liberal, que, através da reestruturação produtiva e da flexibilização dos processos e postos de trabalho, gerou a desestruturação da sociedade salarial (BLANCH, 2003). A crise do capital trouxe como consequência uma nova questão social que, segundo Castel (1998), transformou a luta pela indignidade no trabalho na luta contra a exclusão do trabalho, já que um dos efeitos dessa crise é a diminuição dos empregos, com o aumento do desem¬prego e dos subempregos (tempo parcial, temporário, teletrabalho, terceiriza¬ção e informalidade).

O trabalho, antes marcado pela normatividade moderna, se vê entregue ao contingencialismo psicossocial, que se por um lado deixa as pessoas sem referências, por outro rompe com a tradição e com as relações de inclusão e exclusão socio-historicamente configuradas pela modernidade, que geravam a inclusão dos que se adaptavam (chamados de “normais”) e a exclusão dos que não conseguiam ou não podiam se adaptar (chamados de “anormais”), permitindo novas possibilidades num mundo em transição.

Silva (2005) relata que a mudança social em andamento desloca o mundo da sociedade disciplinar, que segregava o diferente e o assistia como excluído, para uma sociedade pós-disciplinar, na qual a gerência da diversidade tem lugar em nome da eficiência e da produtividade, abrindo espaço para grupos tradicionalmente excluídos transitarem no seio da normalidade, moldados em outros padrões, que não os modernos, e numa relação de tensão constan¬te, sem sínteses duradouras, num estado de transição com dupla consequên¬cia.

De um lado, há o reforço de padrões antigos e a produção de novos padrões de exclusão com formas mais heterogêneas de vida precária, de espaços de exclusão e de abandono social, gerando um grupo maior de desfiliados4, no qual se encontram antigos excluídos (p. ex., pessoas em situação psicótica) e novos excluídos (p. ex., pessoas em situação de desem¬prego). Entretanto, uma segunda consequência, antagônica à primeira, seria a produção de oportunidades de emancipação e de constituição de formas diferenciadas de relação social, o que se constituiria numa nova chance de retorno de grupos tradicionalmente excluídos à possibilidade de inclusão psicossocial.

Assim, a pretensa objetividade moderna com seus padrões de exclusão, que instaurava um dualismo binário entre dois grupos claramente definidos de incluídos e excluídos, perde sua potência absoluta e, gradativamente, relativiza a relação de inclusão-exclusão psicossocial ao reencontrar sua essên¬cia relacional (aplacada pelos padrões absolutos modernos) e tem, de novo, a chance de romper com o seu dualismo ao promover um trânsito constante de pessoas da exclusão à inclusão e vice-versa, num processo dialético perma¬nente (SAWAIA, 2001), gerador de novos lugares a antigos excluídos.

Vale salientar que o panorama que está sendo traçado parece configurar uma situação de mundo mais emancipadora que a anterior, entretanto o movimento de exclusão é maior que o de inclusão e a transformação de padrão parece ser mais potencial do que concreta. Apesar disso pode-se argumentar que, se antes não havia possibilidade para os grupos tradicional¬mente excluídos, agora ela existe, restando saber se ela é real e está sendo aproveitada ou é apenas uma hipótese teórica, sem respaldo empírico na realidade, o que a tornaria ideológica, por essência.

 

TRABALHO E LOUCURA NA CONTEMPORANEIDADE: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL?

Segundo Goodwin e Kennedy (2005), trabalho e loucura sempre estiveram associados de diversas maneiras, como ergoterapia, inatividade, trabalho assistido, atividade doméstica ou trabalho formal remunerado, intercalando momentos do trabalho concebido como tratamento ou como papel social valorizado. Historicamente, as atividades das pessoas em situação psicótica não foram consideradas trabalho ao longo do século XX.

Foucault (1976) disse que a loucura seria a ruptura absoluta da obra, pois ela colocaria o sujeito retido em sua própria verdade e, dessa maneira, afastado dela, mas já apontava que essa forma de pensar e agir mudaria pela reintegração social entre loucura e razão. “Tudo que hoje percebemos sobre a forma de limite ou de estranheza ou de ser insuportável, se reunirá com a serenidade do real. E aquilo que hoje designa para nós o Exterior, chegará acaso um dia a designar nós mesmos” (FOUCAULT, 1976, p. 328).

Em seus últimos escritos sobre “o cuidado de si”, Foucault (1985) apontava que a busca do sujeito é a busca pela possibilidade de constituição de si, baseada numa ética que necessita da liberdade, ausente num indivíduo consti¬tuído por uma norma, como o indivíduo moderno. O dever do sujeito contem¬porâneo seria realizar uma experiência nova de si mesmo, viabilizada por um mundo potencialmente sem referências normativas absolutas, mas ainda sobredeterminado por relações de poder, e construir uma ética de si em relação ao outro, como também concordam Touraine (1998) e Dubar (2000) ao dizer que a saída atual para a sociabilidade humana parte de estratégias construídas e colocadas em ação pelos indivíduos em relação e com sentido ao outro na articulação da dualidade da dimensão psicossocial.

A loucura não seria um fato da natureza, mas um fato da civilização, portanto sua identidade seria multifacetada e suas verdades historicamente produzidas, pois se constrói na relação com a civilização na qual existe como fenômeno. A hipótese do presente artigo é que em um mundo em transição, com suas referências, teorias e significações em crise, brechas possam se abrir na sua estruturação, possibilitando novas articulações intersubjetivas entre trabalho e loucura, e, portanto, novas formas existenciais com o trabalho como mediador privilegiado dessas novas articulações ao restabelecer uma possível dialetização das relações psicossociais para a pessoa em situação psicótica, que se concretizariam pela construção de projetos de vida no trabalho (carreiras5).

Seriam possíveis essas novas articulações intersubjetivas entre trabalho e loucura?

 

RELAÇÃO ENTRE TRABALHO E LOUCURA NAS PESQUISAS MAIS RECENTES

As pesquisas das duas últimas décadas indicam que, tradicionalmente, trabalho para as pessoas em situação psicótica seria o trabalho assistido ou a ergoterapia, que podem contribuir para o desenvolvimento das funções mentais e sociais e para a redução dos sintomas, mas devem ser ações transitórias (BOND, 1992).

Porém, somados ao não trabalho, como opção predominante, contribuem para a cronicidade de uma situação de vulnerabilidade psicossocial, com consequências limitadoras da subjetividade e da vida social como o desemprego, a pobreza, o estigma, a hospitalização e a construção de um projeto de vida marcado pela doença (BELL; LYSAKER, 1997; CARRETEIRO, 2001; GOVE, 2004): o trabalho deve ser preferencialmente real, competitivo e remunerado, como potencial para o resgate da contratualidade psicossocial, vista como habilidade de efetuar trocas em espaços concretos de ação, enten¬didos como espaços públicos de interação (SARACENO, 1996).

Apesar da constatação da importância do trabalho para as pessoas em situação psicótica, muitas questões ainda persistem, pois o trabalho traz sig¬nificado, mas também é uma situação geradora de angústia e sofrimento (DEJOURS, 2003). Muitos optam em não tentar conseguir um trabalho por conta da possibilidade do fracasso e da frustração, que gera mais medo do que motivação para o sucesso e para emancipação, e da identificação do retorno ao trabalho com a emergência de uma nova crise psicótica, pois ele agravaria os sintomas em função do estresse decorrente de sua realização (VAN DONGEN, 1996).

Os efeitos do trabalho para as pessoas em situação psicótica são controver¬sos: confirmação do estigma pelos recorrentes fracassos e gerador de novas crises (BOND, 1992; VAN DONGEN, 1996; GIOIA, 2005); possibilidade de construção de um lugar no mundo, de desconstrução do estigma de incapaci¬dade laboral, de diminuição dos sintomas e de manutenção financeira (ANTHONY, 1994; VAN DONGEN, 1996; TSANG et al., 2000); ou, então, efeitos marginais e modestos (ANTHONY; JANSEN, 1984; GIOIA, 2005), embora reconheça-se que o não trabalho e o desemprego são mais lesivos do que os fracassos no trabalho. A experiência no trabalho não é unitária e, portanto, não é boa, nem ruim, a priori, mas guarda potencialidade para ser estruturante e, por isso, pode servir para tal.

É importante entender a relação entre trabalho e loucura ao longo da vida, e não somente após o desencadear de uma crise psicótica, pois o desenvolvimento da identidade ocupacional é um processo que antecede, em quase todos os casos, a emergência de uma crise, sendo, portanto, necessário analisar a história de vida de cada um de forma longitudinal, para verificar as possibilidades e os limites de construção de um projeto de vida no trabalho.

Para Tsang et al. (2000), que de 1985 à 1997 analisaram 92 artigos focados na relação trabalho e loucura, são características que auxiliariam no retorno ao trabalho após uma crise psicótica: o funcionamento psicossocial antes da crise, principalmente uma história prévia de trabalho competitivo e formal, a passagem por trabalhos assistidos, as competências sociais desenvolvidas e o bom relacionamento familiar, devendo ser enfatizado que a sintomatologia não constituiria índice significativo para essa análise, apenas a severidade e cronicidade dos sintomas, a rapidez na saída da crise e o número de crises sofridas. (HUFFINE; CLAUSEN, 1979)

Apesar das constatações das potencialidades do trabalho para as pessoas em situação psicótica, a literatura, em geral, não focalizava a possibilidade de trabalhar e construir uma carreira nesse grupo, o que começou a acontecer na década de 1980 com as propostas de trabalho assistido ou protegido (BOND, 1992), que no Brasil ganhou força com as cooperativas de ex-usuários de programas de saúde mental. Em função das transformações psicosso¬ciais, políticas e econômicas da contemporaneidade, seria possível pensar no desenvolvimento de uma carreira para as pessoas em situação psicótica?

 

A POSSIBILIDADE DE CARREIRA PARA PESSOAS EM SITUAÇÃO PSICÓTICA

As pesquisas indicam que 40% das pessoas em situação psicótica retornam ao trabalho, entretanto conseguir trabalhar não significaria construir uma carreira (foco do presente artigo), ação que apenas de 10 a 25% conseguem realizar de forma contínua ou descontínua (ANTHONY; JANSEN, 1984; TSANG et al., 2000). Também indicam que é mais fácil conseguir um trabalho do que mantê-lo (BOND, 1992), porque sua manutenção mais contínua não depende somente das possibilidades individuais já arroladas anteriormente, mas também de mudanças nos processos organizativos do trabalho, como arranjos flexíveis, tolerância ao diferente e auxílio mais atento das chefias e dos colegas.

De tudo que foi aqui discutido, pode-se afirmar que a construção de uma carreira por pessoas em situação psicótica sempre encontrou sérias dificul¬dades, entretanto passou da impossibilidade absoluta, apontada por Foucault (1976) como padrão para o mundo moderno, para uma possibilidade potencial de acontecer para uma parcela, ainda pequena, desse grupo, conforme mos¬tram as pesquisas. Se antes nem se cogitava essa hipótese, agora ela se faz presente, ainda incipiente, na pesquisa acadêmica e em contextos de trabalho. Essa hipótese teria lugar na realidade brasileira? A presente pesquisa tentou discutir o assunto por meio de um estudo exploratório que visou levantar os sentidos do trabalho e as possibilidades e impossibilidades de construção de carreira para pessoas em situação psicótica.

 

MÉTODO

Participantes

Participaram desta pesquisa 30 pessoas com transtornos mentais psicó¬ticos, de classes sociais e formações educacionais variadas, que haviam realiza¬do tratamento em instituições de saúde mental, mas que não estivessem em crise, participantes de projetos de reabilitação psicossocial e com desejo de trabalhar, tendo ou não um histórico de vida no trabalho.

Instrumentos

Os dados foram coletados através da realização de grupos focais em duas instituições da Rede Pública de Saúde Mental do Estado de São Paulo. Nessa estratégia, o recrutamento dos participantes ocorre em função do grupo social a ser estudado, pois pressupõe uma homogeneidade relativa aos atribu¬tos que se quer estudar, mantém um roteiro de entrevista ordenado de questões gerais para específicas e permite a observação dos processos de interação entre os participantes (MORGAN, 1998; BORGES; SANTOS, 2005).

Na presente pesquisa, o roteiro de entrevista atravessou os temas gerais do histórico de vida profissional, da situação psicótica e da relação trabalho-loucura, passando pelas questões específicas do histórico profissional familiar, da trajetória da formação, do início da carreira, dos trabalhos desenvolvidos, das transições ocorridas, dos momentos de estabilidade em dado trabalho, do momento atual da carreira e das perspectivas futuras, além do histórico da situação psicótica e das mudanças que ela ocasionou na vida e na relação com o trabalho.

Procedimentos

Primeiramente, foram contatadas as instituições de saúde mental no sentido de apresentação do projeto de pesquisa e autorização da equipe técnica para a realização dos grupos focais. Os participantes receberam as informações sobre o projeto, foram convidados a tomar parte nos grupos focais e foram encaminhados pela própria equipe institucional. Foram dois grupos focais, com 90 minutos de duração cada um, sendo coordenado pelo pesquisador e co-coordenado por um psicólogo e um estagiário da própria instituição. Após a sistematização e a análise do material coletado, houve uma devolutiva para a equipe técnica.

Tratamento de dados

Os dados foram submetidos a uma análise de conteúdo temática-estrutural (BARDIN, 1977). Primeiramente, foram categorizados (análise vertical) e divididos em três grandes eixos: 1) sentidos do trabalho; 2) construção da carreira já realizada; e 3) possibilidades de construção da carreira. Em seguida, foi realizado o levantamento da frequência dos conteúdos categorizados (análise de frequência), e, por fim, a análise das estratégias e dos determinantes das possibilidades e impossibilidades na construção da carreira (análise horizontal).

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Eixo 1. Sentidos atribuídos ao trabalho

O trabalho foi uma questão extremamente mobilizadora para os partici¬pantes, assim como o é para a maioria da população, pois constitui uma das possibilidades de laborar na construção do mundo, conseguir um reconheci¬mento social e, por conseguinte, estabelecer uma identidade (BLANCH, 2003; DEJOURS, 2003; RIBEIRO, 2004).

Inúmeros sentidos foram atribuídos ao trabalho em termos de algo eman¬cipador (saúde, reconhecimento social, meio para garantir a sobrevivência, vida produtiva, respeito social, satisfação), mas também como algo alienante (tarefa sem sentido, mero meio para conseguir dinheiro, fonte de estresse) e impossibilitado para quem é psicótico (ação que só gera crises, lugar de doenças, algo não destinado a quem toma remédios e é doente mental). A partir dos relatos coletados, os sentidos atribuídos ao trabalho puderam ser categorizados como possibilidade ou impossibilidade para quem vive uma situação psicótica (Tabela 1).

 

 

A Tabela 1 indica que a maioria dos participantes (83,33%) associa o trabalho à saúde e à possibilidade de ser reconhecido socialmente, mas tam¬bém a algo que não está destinado a quem sofreu uma crise psicótica, como se vê nos trechos dos relatos dos entrevistados, aos quais foram atribuídos nomes fictícios para garantir o sigilo.

Bruno diz ter medo de tentar de novo, falta coragem de sair de casa e enfrentar o mundo. João aponta que sua família tem medo que ele entre em crise de novo se voltar a trabalhar, e que ele próprio tem medo de tentar, não pela crise, que vem independentemente de estar trabalhando ou não, mas pelo comodismo em que ele se encontra hoje em dia. Carlos fala que está trabalhando no jardim de sua casa, onde está fazendo uma pequena horta, mas ressalta que seus familiares não lhe incentivam a nada e ficam felizes quando ele está em casa sossegado. José diz que quer descobrir alguma atividade que lhe faça sentir com vida (emprego remunerado ou outra atividade qualquer), mas não pode nada, pois sua doença não permite: “não dá para trabalhar por causa da moleza causada pelos remédios”.

Mateus se pergunta: “É possível trabalhar mesmo com problemas? É possí¬vel trabalhar com essa doença que nós temos?”

Pode-se perceber a associação do trabalho com a possibilidade de retormar uma vida com sentido e construída nas relações psicossociais, entretanto vários fatores pessoais, familiares e sociais parecem contribuir para que isso não aconteça, como o medo da volta da crise, a escolha da proteção do comodismo em vez do risco da tentativa de voltar a trabalhar, a falta de incentivo da familia e o desejo social de que permaneçam num lugar de inatividade ao associar transtorno mental com desautorização para o trabalho, reforçando o ideário moderno de estigmatização da loucura, ainda intenso e significativo no grupo estudado e fator de impedimento de busca e retorno ao trabalho, apesar do reconhecimento de sua importância.

Antônio diz que “sem trabalho a vida fica parada, quem sabe uma atividade, um bico, não traga ânimo para batalhar pela vida de novo e não ficar só dormindo e tendo crises todo ano”, que parece ser o destino relegado às pessoas em situação psicótica, ou seja, construir uma carreira de “doentes mentais” e viver sob a tutela de outros, no papel de assistido social, como apontaram Goffman (1975), Carreteiro (2001) e Gove (2004).

“Vivo este dilema: sair para rua e tentar alguma coisa, enfrentando o mundo, ou ficar em casa, parado, mas protegido” (Antônio). Se 83,33% dos participantes encontram como solução para o dilema indicado uma posição de não trabalho, mas protegido, de outro lado, entretanto, constata-se que 16,66% veem o trabalho como possibilidade real de inserção social não impos¬sibilitada pela situação psicótica, o que indica uma abertura na desconstrução dos papeis de “louco” e “assistido social”, pois a modernidade preconizava 100% das pessoas marcadas pela primeira forma de atribuição de sentido ao trabalho apresentada.

Vale salientar que, como postulou Pichon-Rivière (1983), os vínculos estabelecidos pelas pessoas são a síntese dialética possível entre a verticalidade, a horizontalidade e a transversalidade6 das relações e que o comodismo e o não trabalho seriam as sínteses predominantes em um mundo em que a heteronomia marcava fortemente as configurações vinculares destinadas às pessoas em situação psicótica, sem possibilidade de mudanças pela circulação de papeis. Apesar dessa heteronomia, uma parte dos partici¬pantes conseguia arriscar e trabalhar, como relatam Fernanda e Jaime.

Ela sempre trabalhou na lavanderia de um hospital público, se aposentou e agora toma conta de um sobrinho todas as manhãs (trabalho remunerado). Sua vontade é arrumar uma outra ocupação para o resto do dia, pois quer ganhar um rendimento adicional e não ficar tanto tempo sem fazer nada. Indica que sua “doença” não interfere em nada em sua carreira, tendo apenas que se afastar de vez em quando, como todo mundo faz, quando fica doente.

Jaime já trabalhou em jardinagem e em vendas e diz que não sabe nem ler nem escrever, e tem algumas alucinações e mal-estares de vez em quando, mas que isso não o impede de trabalhar, pois tenta negociar com seus patrões essas suas características e que, se “eles ajudar quando eu necessitar, eu falo que eu faço o melhor para eles (sic)”.

Esses participantes indicaram que é possível lidar com a situação psicótica se houver auxílio externo, ou seja, se forem oferecidas oportunidades e condições de trabalho que abarquem a ocorrência de crises (afrouxamento da heteronomia moderna da dimensão transubjetiva), que não impediriam a realização de um trabalho produtivo, como preconiza o ideário capitalista (VAN DONGEN, 1996; TSANG et. al., 2000). O apoio e a continência das organizações do trabalho apareceram como decisivos para a manutenção e o desenvolvimento de uma carreira.

Eixo 2. Construção da carreira já realizada

Na Tabela 2, podem-se visualizar as categorias de respostas relativas às construções de carreira já realizadas. No grupo 1 estão José, que fala que está estudando, mas que falta muito por causa do tratamento, tem dificuldade de tomar iniciativa, mas gostaria de trabalhar, apesar de nunca tê-lo feito; Mateus, que diz procurar um emprego há anos, mas que nunca conseguiu nada; e Carlos, que é bem introspectivo, fala baixo, sempre de cabeça baixa e diz que nunca trabalhou, mas que gostaria muito. Todos colocam a situação psicótica como um empecilho permanente para trabalhar e buscam como saída serem aposentados por invalidez, que seria assumir a identidade de “doente mental” e o papel de “assistido social”, assim como outros participantes que já trabalharam ou não conseguem se manter trabalhando.

 

 

Os relatos do grupo 1 ressaltam que, apesar de o trabalho ser reconhecido como emancipador, nem todos irão conseguir realizá-lo, mesmo com uma nova abertura na transubjetividade contemporânea, em função de determinações intra e intersubjetivas que impediriam o trabalho como síntese resultante de ação no mundo.

No grupo 2 estão Bruno, Antônio, Natália e Carlos, todos sem trabalhar no momento das entrevistas. Bruno já teve vários empregos (vendedor, frentista, engraxate), mas não consegue se manter em nenhum. Diz que é muito difícil arrumar um emprego, pois na hora do exame médico, quando descobrem que ele tem problemas mentais, ele não consegue o trabalho. Antônio já fez um pouco de tudo e seu último emprego foi de ajudante de cozinha em um restaurante. Carlos já trabalhou em jardinagem e em vendas, mas nunca conseguiu fazer nada direito. Natália já trabalhou na informalidade, mas agora está parada e ajuda em casa.

No grupo 3 está Marco, que começou cedo trabalhando em um escritório, depois numa firma, em outra fábrica como operário, sendo promovido à engenheiro quando se formou. O ritmo do trabalho e o contato com substân¬cias tóxicas lhe fizeram mal e ele começou a ter alucinações, o que resultou na sua demissão, internação e aposentadoria por invalidez há nove anos, não acreditando na volta ao trabalho em função da situação psicótica e dos remédios.

Os resultados dos grupos 2 e 3 parecem corroborar o modelo moderno de relação loucura/trabalho, no qual a situação psicótica seria um fator impeditivo determinante para o trabalho, e as pessoas e as instituições sociais reproduziriam esse modelo (FOUCAULT, 1976). É importante salientar, novamente, que vários fatores contribuem para a possibilidade ou não de trabalhar e que muitas pessoas em situação psicótica, por conta de sua condição social, psíquica e orgânica, terão dificuldades decisivas para tal, em função dos efeitos colaterais dos remédios, dos sintomas psicóticos, das carac¬terísticas de cada um, da falta de formação profissional, das condições socioeco¬nômicas da família e da descontinuidade na carreira.

Contudo, a análise de alguns relatos pôde apontar que 10% dos entrevista¬dos tinham uma carreira construída (grupo 4), apesar da situação psicótica, e dos 30% que sempre tiveram uma trajetória flutuante e descontínua no mundo do trabalho (grupo 2), em torno de 50% estavam inseridos de forma constante, embora não contínua, no mercado de trabalho, corroborando os resultados obtidos por Anthony e Jansen (1984) e Tsang et al. (2000).

Se pensarmos que uma boa parte da população brasileira, que não está em situação psicótica, também só consegue construir trajetórias descontínuas de trabalho, intercalando vínculos formais e atividades informais, pode-se inferir que grupos tradicionalmente excluídos encontram-se em situação semelhante à dos novos excluídos, e o motivo principal não seria a situação psicótica, por exemplo, mas a precarização global do trabalho, sendo essa a possibilidade atual de configuração das carreiras de parte dos trabalhadores (CASTEL, 1998).

Fernanda, Jaime e Pedro formam o grupo 4 e tinham uma carreira, indican¬do que o mercado de trabalho estava mais receptivo a eles. Conforme descrito nos casos de Fernanda e Jaime, ambos continuaram suas vidas laborais de forma contínua, apesar dos problemas gerados pela situação psicótica, assim como Pedro que parou de trabalhar como administrador por causa das crises, pois não conseguia ser responsável por ninguém (era gerente de um setor numa grande empresa) e solicitou seu remanejamento para outra filial da mesma empresa, agora como subalterno, função na qual consegue “adminis¬trar” suas crises e continuar trabalhando normalmente: “hoje em dia eu aprendi a conviver com a doença e com os remédios, e minha vida ficou mais fácil”.

Eixo 3. Possibilidade de construção de uma carreira

Os participantes que achavam possível construir uma carreira indicaram como fatores básicos para tal: a necessidade de que a pessoa assuma que tem problemas mentais, que ela lide com eles e com seus efeitos colaterais (como remédios e crises recorrentes); o estabelecimento de uma constante negociação com os patrões sobre as vicissitudes de sua situação, principalmente no sentido de uma organização do trabalho mais flexível que abarque a possibilidade de crises psicóticas (não sendo fator permanente que impediria a realização do trabalho, mas temporário como qualquer outra doença); e força para mostrar que uma pessoa tradicionalmente chamada de “louca” pode trabalhar e ser produtiva, residindo, aí, a questão mais complica¬da, pois apontaram que o preconceito com a loucura ainda existe e assusta (Tabela 3).

 

 

A desconstrução da concepção de “louco” parece ser o passo mais impor¬tante para a emergência da possibilidade de trabalhar. Além disso, colocaram que o não trabalho é extremamente desestruturante, principalmente para quem atravessou uma crise psicótica, mas eles entendem que pode ser uma saída para muitos que não conseguem lidar com sua situação psicótica, dos quais o trabalho parece ser desestruturador.

Além disso, 50% dos participantes do grupo 2, que intercalam empregos formais e inserções informais no mercado de trabalho, consideram que a situação psicótica é um fator complicante, mas nem sempre impeditivo para o trabalho, e que devem aprender a conviver com ela, apesar do grau de dificuldade que isto imprime às suas vidas. Se somarmos os participantes do grupo 4 (10%) com os 50% do grupo 2, obteremos 25% do total geral que mantém uma inserção contínua no mercado de trabalho, como relataram Tsang et al. (2000).

 

CONCLUSÃO

Os resultados parecem indicar que o mundo sociolaboral vive um momento de transição, no qual convivem os tradicionais modelos de organi¬zação do trabalho e a normatização social atual, com novos modelos sociolabo¬rais, nos quais novas formas de exclusão aparecem e atingem novos grupos de pessoas e as tradicionais formas de exclusão sofrem uma fragmentação, pois ainda operam, mas não de forma absoluta.

Assim, estigmas tradicionais estão sendo desconstruídos em função da necessidade de produtividade e competitividade, que pode abarcar pessoas em situação psicótica em seu funcionamento se elas produzirem, mesmo que de uma forma diferente da maioria, pois os imperativos da lógica econômica têm dominado o cenário do trabalho e prevalecido sobre a lógica cultural geradora dos preconceitos (TOURAINE, 1998; SILVA, 2005).

Conforme colocado no início do texto, a impressão que fica é que o modelo atual de organização flexível está tornando o trabalho em algo emancipador, o que não é verdadeiro, pois há mais exclusão do que inclusão, entretanto uma nova oportunidade surge para pessoas tradicionalmente excluídas nesse novo cenário, como as pessoas em situação psicótica. Essa afirmação ainda é uma hipótese não comprovada, mas a presente pesquisa de caráter exploratório apresentou indícios de que está ocorrendo uma mudança nas possibilidades de construção de carreira para parte das pessoas em situação psicótica.

Concluindo, pode-se apontar que o estigma e a impossibilidade de construção de uma carreira para pessoas em situação psicótica ainda são predominantes, mas a atual conjuntura de transição parece estar criando novas possibilidades para parte dos grupos tradicionalmente excluídos pela fragilização das estruturas sociais modernas e pela emergência de novas estruturas mais receptivas ao diferente (transubjetividade), principalmente pela desconstrução do conceito de “louco” pela atividade do trabalho, embora ainda seja uma ação de extrema dificuldade para mais de 70% desses grupos em função de aspectos intra e intersubjetivos.

 

REFERÊNCIAS

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Artigo recebido em: 4/7/2008
Aprovado para publicação em: 29/5/2009

 

 

1 Dar sentido é visto como uma atividade cognitiva que possibilita ao sujeito posicionar-se intersubjetivamente dentro de um fluxo de acontecimentos em dado contexto sociohistórico (SPINK; GIMENES, 1994).
2 Nomeação aqui utilizada para designar as pessoas tradicionalmente chamadas de “loucas”, tendo em conta que essa é uma situação psicossocial transitória e não um papel social permanente, porém sem desconsiderar as questões orgânicas e psíquicas, que marcam um modo de funcionar diferenciado, mas não necessariamente impossibilitador de uma vida social produtiva.
3 Entende-se exclusão pela impossibilidade de ação sobre o mundo, no sentido que Arendt (1987) lhe dá, ou seja, a relação com o mundo deveria ser potenciadora de auto-transformação e transformação do próprio mundo, mas não o é pela exclusão. Sawaia (2001) aponta que a exclusão é um conceito polissêmico e ambíguo, por isso propõe a troca da ideia de exclusão pela ideia de relação dialética de inclusão-exclusão, na qual todos participam e os que estão à margem da sociedade ainda fazem parte dela, pois, dessa forma, atingiria o nível próprio das relações sociais. Nesse sentido, tanto a exclusão quanto a inclusão não seriam somente produtos, mas também processos da relação com o mundo social, numa relação dialética permanente de inclusão-exclusão.
4 Segundo Castel (1993), desfiliação seria um estado em que o sujeito despossui um lugar nas relações sociais, fica impossibilitado de fazer vínculos e é colocado à parte, apesar de continuar a fazer parte do mundo.
5 Carreira entendida aqui, não na sua visão clássica de estrutura predeterminada pelos processos organizativos do trabalho, dividida em etapas, que eram trilhadas através do progresso em posições nos postos de trabalho ao longo do tempo, sendo a mobilidade marcada pelo tempo de serviço, a qual as associa às concepções de progresso, profissão e emprego. Mas, antes, como possibilidades psicossociais e laborais de relação entre indivíduo e mundo do trabalho que, continuamente, determinam e modificam seus projetos de vida no trabalho (YOUNG; COLLIN, 2000). Dessa maneira, a carreira pode ser compre-endida como uma relação dialética entre projeto social (estrutura objetiva) e projeto de vida de cada indivíduo (estrutura subjetiva), entendendo projeto como uma articulação entre o individual e o social, concretizados pelas trajetórias de vida (deslocamentos espaços-temporais) tanto dos indivíduos, quanto dos processos organizativos do trabalho, vistos como fenômenos psicossociais, na chamada carreira psicossocial (RIBEIRO, 2004).
6 Como nos propõe Pichon-Rivière (1983), as possibilidades de vínculo grupal e, ou, social que um sujeito pode estabelecer estariam determinadas pelas dimensões da verticalidade (dimensão do sujeito em relação ou intrasubjetividade), da horizontalidade (dimensão das relações grupais ou intersubjetividade) e da transversalidade (dimensão institucional ou transubjetividade) que, em relação dialética, produziriam as sínteses das configurações vinculares possíveis, podendo uma das três dimensões ter mais determinação do que a outra em dado momento e, ou, contexto.
* Doutor em Psicologia Social e do Trabalho; especialista em saúde mental multiprofissional; Docente do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo; faz pesquisas na interface trabalho, desemprego e carreira, focando pessoas com deficiência, em situação de desemprego e em situação psicótica. Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, São Paulo-SP Av. Prof. Mello Moraes, 1.721 - Bloco D, Sala 163, Cidade Universitária São Paulo, SP – Brasil – CEP 05508-030 Telefone: 11-3091-4188 / 11-3091-1968 marcelopsi@usp.br
** Informações complementares: O projeto de pesquisa “Trabalho e loucura: possibilidades de carreira para pessoas em situação psicótica” está inserido dentro da linha de Pesquisa “Trabalho, desemprego e processos de exclusão” do grupo de pesquisa “Trabalho e processos organizativos na contemporaneidade”, que está cadastrado no CNPq e certificado pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (Líder do grupo: Profa Dra Leny Sato).

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