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Mental

versão impressa ISSN 1679-4427

Mental vol.7 no.13 Barbacena  2009

 

RESENHA

 

A reforma psiquiátrica no cotidiano II

 

Emerson Elias Merhy e Heloisa Amaral (Org.). São Paulo-SP: Aderaldo e Rothschild/Campinas-SP: Serviço de Saúde Dr. Cândido Ferreira, 2007, ISBN 978-85-60438-19-8

 

 

Maíra Bonafé Sei*

PUC-MG - campus Poços de Caldas

 

 

O livro “A reforma psiquiátrica no cotidiano II” é uma publicação que dá continuidade a um projeto de transmissão escrita dos saberes construídos pelo Serviço de Saúde Dr. Cândido Ferreira e primeiramente expostos no livro “A reforma psiquiátrica no cotidiano”, publicado em 2001. O Serviço de Saúde Dr. Cândido Ferreira (SSCF) é uma instituição de saúde mental existente no município de Campinas, Estado de São Paulo, desde 1924. A partir de 1990 estabeleceu um projeto de cogestão com a Prefeitura Municipal de Campinas e iniciou a reestruturação dos serviços a partir dos pressupostos da Reforma Psiquiátrica. Atualmente, tem sob sua coordenação um Núcleo de Retaguarda, serviço de internação que se divide em área para atenção à crise e área para dependência química, três CAPS III, um CAPS ad, três Centros de Convivência, Serviços Residenciais Terapêuticos, com moradias para pessoas com maior e menor grau de autonomia, além de 13 oficinas de geração de renda, organizadas pelo Núcleo de Oficinas de Trabalho. Esta estrutura compõe uma complexa rede de atenção em saúde mental que contempla os diversos campos e saberes necessários para um cuidado efetivo às pessoas com transtornos mentais.

Esta experiência é compartilhada na publicação “A reforma psiquiátrica no cotidiano II”, datada de 2007, mas ainda pouco conhecida pelos profissio¬nais do campo da Saúde Mental. O livro é organizado por Emerson Elias Mehry, médico sanitarista, professor aposentado da Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP e pesquisador da UFRJ, e por Heloisa Amaral, psicóloga do SSCF, responsável pelo “Cândido-Escola”, área da instituição destinada à formação profissional. Há, nesta instituição, a oferta de campo para atuação de estagiários e aprimorandos, além de um programa próprio de residência médica em Psiquiatria. Compreende-se que a escolha dos organizadores da citada publicação colabora para a opção de uma escrita que contempla a reflexão sobre a prática, empreendida não por pesquisadores situados na academia, mas pelos profissionais que integram as equipes de cada serviço. Contudo, ao convidar um pesquisador para contribuir nesse processo de transmissão escrita, tem-se também o anseio de instaurar um diálogo mais próximo com a área acadêmica.

Nobosu Oki, superintendente do SSCF, é o responsável pela apresentação da obra. A Introdução fica a cargo de Emerson Elias Mehry, que discorre sobre os objetivos do cuidar em Saúde e aponta que “mais forte que qualquer oferta do como fazer, está se partilhando de uma reflexão intensa do por que e para que fazer” (MERHY, 2007, p. 14). Após esse início, a publicação divide-se em duas partes e perfaz um total de 23 capítulos. A primeira parte é denominada “Textos transversais” e subdivide-se em “Pensando questões do campo da luta antimanicomial” e “Cândido Ferreira como escola”. A segun¬da intitula-se como “Manejando as clínicas e as redes sociais” e subdivide-se nos campos da “Geração de Renda”, “Dependência Química” e “Para além dos muros”.

Com essa escolha de organização de textos, o leitor pode compreender um pouco sobre como a instituição pensa a Reforma Psiquiátrica, como se dá o financiamento do cuidado ofertado, com ilustrações da articulação com as áreas da Educação e do Jornalismo. Expõem-se ainda na primeira parte ponderações sobre a formação dos profissionais, contemplando o potencial do SSCF como escola para aqueles que se tornarão trabalhadores da Saúde Mental.

O segundo momento da publicação dedica-se a textos específicos sobre os serviços, como os CAPS III, CAPS ad, Serviços Residenciais Terapêuticos, a Geração de Renda e os Centros de Convivência. Patrícia Bichara discorre sobre a Psicanálise e Saúde Mental, embasada em um viés lacaniano, bem como Sueli Francisco e Emelice Bagnola fazem considerações sobre a família. Lilian Miranda e Marília Cesarino tecem reflexões sobre a clínica winnicottiana no campo da saúde mental. Nos outros capítulos são apresentadas experiên¬cias em projetos de geração de renda, como a de Maria Eugênia Carnevalli, que apresenta os trabalhos da oficina de vitral. Flávia Seidinger descreve o dispo¬sitivo “Convivência e Arte”, que funciona nos moldes dos Centros de Convi¬vência, e defende a importância de espaços onde o cuidado ocorre por meio de mediadores que se configuram mais como objetos da cultura do que da saúde, com a “arte de conviver” como grande foco. Vivências de um CAPS III e do atendimento à crise são expostas no final da publicação.

Ao ler atentamente esse livro, o leitor não se deparará com amplas revisões teóricas dos periódicos indexados dos últimos cinco anos. Não encontrará uma escrita própria aos projetos de pesquisa acadêmicos. Tem-se nessa publicação uma escrita mais fluída, próxima de uma conversa com o público, onde profissionais relatam seus encontros, desencontros, receios, dificuldades e, por que não, seus sucessos, os ganhos obtidos ao longo de anos de trabalho. Apesar do reconhecimento da importância das pesquisas, de suas metodologias claras e passíveis de reprodução, acredita-se que uma leitura como esta pode contribuir para o aprimoramento dos trabalhadores da Saúde Mental, através da troca de saberes e do compartilhamento da experiência construída ao longo dos 85 anos que a instituição retratada possui.

 

 

Artigo recebido em: 3/2/2010
Aprovado para publicação em: 23/3/2010

 

 

* Psicóloga, Mestre e Doutora em Psicologia Clínica (IP-USP), Especialista em Arteterapia e em Psicoterapia da Infância pela FCM-UNICAMP, docente do curso de Especialização em Saúde Mental da PUCMG, campus Poços de Caldas, Rua Dirce Barbieri Gianese, no 168, bairro Vila São João, CEP: 13084-568, Campinas-SP, telefones: (19) 9132-4530/(19) 9132-4530/(19) 3289-3005, e-mail: mairabonafe@hotmail.com

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