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Mental

Print version ISSN 1679-4427

Mental vol.8 no.14 Barbacena  2010

 

ARTIGOS

 

Atuação psicológica e dispositivos grupais nos centros de atenção psicossocial

 

Psychological practice and grupal activities in psychosocial attention centers

 

 

Vládia Jamile dos Santos JucáI, * ; Ana Carolina MedradoII, ** ; Leonardo SafiraII, ** ; Lorena Pereira Mascarenhas Gomes II, ** ; Verônica Gomes NascimentoII, **

I Universidade Federal do Ceará
II UNIFACS

 

 


RESUMO

O objetivo desta pesquisa foi compreender como os psicólogos inseridos em CAPS percebem as atividades grupais que realizam. Foi feito um estudo em dois Centros de Atenção Psicossocial, um situado em Salvador e outro em município próximo. A produção dos dados foi realizada por meio de entrevistas e observações sistemáticas. Como resultado observou-se que os profissionais se sentem convocados para realizar estas atividades por uma demanda institucional e, não obstante uma parte se sinta despreparada para conduzir grupos, a maioria tenta atender a tal solicitação. A condução dos grupos tem sido marcada por desafios de várias ordens. Por outro lado, alguns usuários conseguem se vincular aos grupos que, juntamente com outras atividades, têm propiciado uma melhora significativa dos seus quadros clínicos.

Palavras-chave: Saúde mental, Reforma psiquiátrica, Centros de atenção psicossocial, Atividades grupais, Atuação psicológica.


ABSTRACT

This paper aims at understanding how psychologists working in community mental health services view the group activities they coordinate. A study was realized in two services: one in the city of Salvador and the other in a nearby town. The data were produced through qualitative fieldwork methods: interviews and systematic observation. As for results, it was discovered that professionals feel compelled to realize group activities because of institutional demands. Although some of them feel unprepared to manage groups, most of them usually attend to such requests. Group management is described as marred by various difficulties. In spite of such difficulties, some service users succeed in bonding into the groups, which, together with other activities, have brought about a significant improvement in their clinical condition.

Keywords: Secretary of the insane, Psychosis, Psychoanalysis, Transference, Neo-transference.


 

 

1 INTRODUÇÃO

A assistência em saúde mental tem passado por transformações significativas com a"reforma psiquiátrica", que pode ser compreendida como um conjunto de mudanças políticas, sociais, culturais e clínicas que se iniciam, no Brasil, nos anos 70 do século passado, com o movimento dos trabalhadores de saúde mental (AMARANTE, 1995). No entanto, foi na década seguinte que a reforma psiquiátrica recebeu novo fôlego, impulsionada pelo processo de redemocratização do País.

A década de 1980 foi marcada pela disseminação dos ambulatórios de saúde mental (VASCONCELLOS, 1997). Esses ambulatórios surgiram como uma tentativa de romper com a cronificação resultante das sucessivas internações às quais os usuários eram submetidos. Um diferencial desses serviços era contar com uma equipe multidisciplinar, o que, em princípio, promoveria uma ruptura com a concentração de poder na figura do psiquiatra. O intuito era passar da hegemonia do discurso psiquiátrico para a construção de um campo então emergente – o da saúde mental –, que não pertencia a um protagonista apenas, mas que deveria se configurar como campo de negociação entre profissionais, usuários e seus familiares.

Para promover a saúde mental, uma série de dispositivos passou a ser preconizada. Inicialmente, foram criados os ambulatórios. Na década de 1990, proliferaram os Núcleos de Atenção Psicossocial (NAPS) e os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), e, mais recentemente, temos a introdução da discussão sobre o envolvimento da atenção básica no cuidado com a saúde mental, num regime de co-responsabilização entre as equipes especializadas e as pertencentes à estratégia de saúde da família. Este processo tem como mola propulsora o matriciamento que ocorre através de discussões clínicas entre as equipes de saúde mental e as da atenção básica ou intervenções conjuntas; ocasiões nas quais as primeiras equipes colaboram com a educação permanente dos profissionais da ESF, qualificando-os para uma assistência mais integral (FIGUEIREDO; CAMPOS, 2009).

Dentre esses recursos, foram adotados como campo para o presente estudo os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), regulamentados pelas Portarias no 224/MS, de 29 de janeiro de 1992, e nos 336/GM, de 2002. A última afirma como missão dos CAPS:

(...) dar um atendimento diuturno às pessoas que sofrem com transtornos mentais severos e persistentes, num dado território, oferecendo cuidados clínicos e de reabilitação psicossocial, com o objetivo de substituir o modelo hospitalocêntrico, evitando as internações e favorecendo o exercício da cidadania e da inclusão social dos usuários e suas famílias (BRASIL, 2004).

Dentre as atividades desenvolvidas nos CAPS há um destaque especial aos trabalhos em grupo, em virtude do objetivo desses dispositivos de trabalharem no sentido da inclusão social. Os trabalhos em grupo comumente se dividem entre as oficinas e os grupos terapêuticos. O modo como a distinção entre grupos e oficinas tem sido realizada é intrigante, pois reproduz uma dicotomia com a qual os dispositivos da reforma deveriam romper, ou seja, o psiquismo e a interioridade vs. o social e o político. Comumente, os grupos são pensados como espaços de escuta clínica e formação de vínculos afetivos, enquanto as oficinas são percebidas como lugar de reabilitação (destacando-se a aquisição de habilidades para inserção no mercado de trabalho e para socialização) (BARROS et al., 2001).

Tornando ainda mais complexa essa discussão, é perceptível que o resgate das oficinas no contexto da reforma psiquiátrica brasileira faz com que elas se configurem como um espaço híbrido que conjuga a clínica com a política (através do desenvolvimento da cidadania):

Assim, no interior dos dispositivos de rede de atenção (centros de saúde, centros de referência em saúde mental, centros de convivência, centros de atenção psicossocial, hospitais dia ou noite e outros) surgiram novas formas de acolhida e acompanhamento caracterizados pela associação entre clínica e política. Nelas, a ênfase particular em cada caso, o trabalho multiprofissional, a escuta e o respeito ao louco e a invenção de novas estratégias de intervenção sobre o campo social e clínico deram ensejo à recuperação do uso da atividade como um valioso recurso no tratamento clínico e na reabilitação psicossocial. Nessa lógica, as oficinas reaparecem reguladas em legislação no novo contexto brasileiro, introduzindo um novo elemento à paisagem institucional da assistência em saúde mental (GUERRA, 2004, p. 24).

Não obstante tenhamos que enfrentar a importante tarefa de rever a dicotomia anteriormente destacada, outras questões se colocam quando refletimos sobre a realização das atividades grupais. A princípio, uma pergunta essencial: por que grupos? Nos serviços, uma explicação aparece frequentemente – a necessidade de dar conta de uma demanda sempre crescente, especialmente a de atendimento psicológico. De modo particular, as terapias grupais seriam, assim, a resposta a uma questão matemática: como atender a um número maior de usuários no mesmo espaço de tempo? Essa justificativa, entretanto, é insatisfatória e não encontra nenhuma legitimidade em termos teóricos (COSTA, 1989; BEZERRA JR., 1993).

Por esse motivo, é fundamental uma reflexão sobre com que propósitos e de que modo os psicólogos têm realizado grupos, nos CAPS, a fim de alcançar aquele que seria o objetivo maior desses dispositivos: possibilitar a inclusão social de seus usuários. Para tanto, uma série de outras indagações precisam também ser feitas. É condição primordial, por exemplo, pôr em questão o próprio conceito de"grupo".

Uma diferenciação importante diz respeito ao modo de pensar o grupo como uma entidade supraindividual ou como um espaço no qual as relações entre sujeitos são estabelecidas e as individualidades são mantidas, não obstante o sentimento de pertença se desenvolva. Segundo Costa (1989) e Birman (1993), na primeira perspectiva o grupo é descrito de modo essencialista, como se ele se constituísse como um sujeito. Para os autores, essa seria uma compreensão equivocada, afinal, no espaço grupal, o que encontramos nada mais seria do que uma trama de ações e reações entre seus participantes. Essa posição não implica uma desvalorização desse dispositivo, muito pelo contrário, pois os dois teóricos reconhecem seu grande potencial terapêutico.

Outros autores, como Costa e Figueiredo (2004), reconhecem o potencial das atividades grupais: 1) como espaço de convivência; 2) lugar onde os portadores de transtorno psíquico podem desenvolver habilidades mais pragmáticas; e 3) inclusive podem obter uma formação profissionalizante que os auxiliem na retomada de seus direitos como cidadãos. No entanto, o modo como eles funcionam e a leitura do que neles se passa parecem ainda carentes de maiores discussões.

Considerando as questões destacadas anteriormente, desenvolvemos uma pesquisa que teve como objetivo geral compreender como os psicólogos inseridos em CAPS percebem os grupos que realizam, com relação especificamente ao seu potencial terapêutico, destacando ainda os referenciais teóricos a partir dos quais esses profissionais guiam sua atuação. Como objetivos específicos, procuramos identificar o que os psicólogos compreendem por grupo e por grupo terapêutico; mapear as possíveis diferenças traçadas entre grupo e oficina terapêutica; conhecer os principais referenciais teóricos utilizados na leitura dos fenômenos grupais; rastrear os principais motivos pelos quais os técnicos trabalham com grupos; e conhecer as principais dificuldades vivenciadas pelos psicólogos na condução desses grupos.

 

2 METODOLOGIA

A pesquisa caracteriza-se como um estudo exploratório e foi realizada em dois Centros de Atenção Psicossocial, classificados como CAPS do tipo II: um situado em Salvador e outro em município próximo. A escolha destes centros obedeceu a alguns critérios, como: tempo de existência (mais de um ano de funcionamento); acessibilidade dos pesquisadores aos centros; e sua diversidade, pois em função de contatos anteriores sabíamos que os dois serviços tinham modos de funcionamento bem diferenciados. O CAPS situado na capital foi criado em um espaço vizinho ao de um ambulatório de referência na cidade, o que nos parece ter tido forte influência na construção do seu modos operandi.

O primeiro CAPS (o da capital) contava com um espaço reduzido: um corredor central com salas de atendimento individual e grupal e um corredor paralelo com salas para atendimento individual. Observamos que os profissionais encontravam-se em um momento de transição entre o modelo ambulatorial e o de um CAPS propriamente dito, vivenciando, por exemplo, dificuldades importantes em construir um serviço realmente territorial que trabalhasse a inclusão para além dos atendimentos circunscritos no espaço do serviço. É fundamental considerar que, além da transição, esse CAPS não tinha uma supervisão clínico-institucional que pudesse auxiliar os profissionais a construir um dispositivo que compactuasse com a lógica da reforma.

O segundo CAPS contava com um espaço privilegiado, uma casa cercada por uma agradável área verde, e já nasceu dentro da perspectiva de ser um serviço comunitário. Apesar da adequação do espaço, os usuários enfrentavam problemas no tocante ao acesso, pois ele ficava em uma área mais afastada do centro e os transportes para a região eram escassos, além da dificuldade dos transportes alternativos em aceitar pessoas com o passe livre.

Na pesquisa foi utilizado um marco teórico desenvolvido especificamente para pesquisa em saúde mental: o"sistema de signos, significados e de práticas" (Sssp), que prima pela conjugação de análises do tipo semiológico, semântico e pragmático, dando ênfase a uma abordagem fenomenológica que valoriza a reconstrução de casos concretos e a experiência dos atores (ALMEIDA-FILHO et al., 1998; ALMEIDA-FILHO; CORIN; BIBEAU, 1999). Os termos que dão nome a abordagem"Signos, Significados e Práticas" delimitam as três instâncias investigadas durante a pesquisa. Para esclarecer o sentido de cada uma, é importante destacar que os"signos" se referem aos sinais que são socialmente considerados como indicadores de um determinado fenômeno, passível de interpretações que correspondem ao nível dos"significados". Por último, temos a dimensão pragmática, extremamente valorizada a partir desta metodologia, que considera que a produção cultural é factualmente orientada, ou seja, a cultura se realiza não como um evento mental, mas como um fruto da imersão dos sujeitos no mundo, propiciada pela experiência de cada um. Nesta pesquisa em particular, procuramos explorar os signos e os significados que se articulavam a grupos e as práticas (referentes à condução dos grupos que foram observadas durante o trabalho de campo).

A produção dos dados foi realizada com o auxílio de dois instrumentos: uma entrevista semiestruturada direcionada aos psicólogos e um roteiro que guiou as observações sistemáticas do funcionamento dos grupos registradas em diário de campo. No total, foram entrevistados cinco psicólogos, ou seja, conseguimos envolver todos os que trabalhavam nos dois CAPS eleitos para o estudo (três psicólogos no de Salvador e dois psicólogos na cidade próxima à capital). Cada psicólogo foi entrevistado formalmente uma vez, mas durante a pesquisa várias conversas informais foram travadas com psicólogos, usuários dos serviços e outros profissionais, as quais foram registradas nos diários de campo. As observações foram realizadas ao longo de dois meses. Contávamos com dois bolsistas de pesquisa em cada CAPS, e cada um deles visitava o campo pelo menos duas vezes na semana.

Para garantir o sigilo, foi utilizado um código para identificar nossos entrevistados. Os psicólogos pertencentes ao primeiro CAPS foram identificados inicialmente como PSI-1 e os que integravam a outra unidade foram designados por PSI-2. A esse primeiro código foi acrescida uma vogal, por exemplo, PSI-1A, o que nos permitia saber exatamente de quem estávamos falando. Uma apresentação do perfil dos entrevistados pode ser encontrada na Tabela 1.

 

 

A análise de discurso foi realizada a partir de categorias previamente definidas e considerou tanto as entrevistas quanto os diários. A seguir serão apresentados os resultados, analisados a partir dessas categorias, a saber: significados de grupos; motivos para realizar grupos; critérios para o encaminhamento do usuário para atividades grupais; descrição e avaliação dos efeitos das atividades desenvolvidas; diferenças entre grupos e oficinas terapêuticas; e dificuldades vividas na concretização das atividades propostas.

Tanto a produção dos dados quanto a divulgação dos resultados foram feitas de acordo com as recomendações do Conselho Nacional de Saúde, em sua resolução 196/96. Assim, a pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética da Universidade de Salvador (UNIFACS), à qual os pesquisadores estavam vinculados, e recebeu a aprovação formal das secretarias de saúde. Os participantes assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido. Nesse documento eles tiveram acesso às informações sobre os objetivos e métodos da pesquisa, como também a garantia de anonimato, e foram esclarecidos sobre o direito de desistir em qualquer momento do estudo.

 

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

A seguir será apresentada a análise dos dados obtidos por meio das entrevistas e das observações realizadas. Como citado na metodologia, esta análise foi feita a partir das categorias previamente definidas. As categorias serviram para aglutinar os discursos em unidades de análise, que foram trabalhadas através de um exercício interpretativo que conjugava as narrativas, as práticas, os contextos e a revisão bibliográfica. A análise e os resultados serão apresentados a seguir, pois consideramos que essa forma de exposição torna o diálogo entre os elementos destacados mais fluidos. Nessa exposição, utilizaremos trechos das entrevistas que consideramos significativos para a elaboração de nossas interpretações.

Inicialmente, parece adequado abordar os motivos que levaram os profissionais a se inserirem nas atividades grupais. Observamos que todos reconhecem que existem uma demanda e uma cobrança para que os psicólogos realizem grupos e oficinas nos CAPS. O modo como cada um absorve essa solicitação institucional é que difere, de acordo com sua formação e trajetória profissional. A fala de uma de nossas entrevistadas ilustra bem o que acabamos de observar:

(...) logo de início eu conversei com [a coordenação] e tudo mais, e ela já colocou a necessidade de se criar grupos. Porque aqui, além de mim, são mais duas psicólogas, sendo que uma delas não trabalha com grupos, só faz atendimento individual. Então ela já chegou me colocando isso, de que a gente precisava tá criando logo algumas oficinas e alguns grupos, até porque não dá pra trabalhar com a quantidade de usuários só em atendimento individual. E daí como eu sempre gostei desse trabalho, tive sempre um interesse em trabalho grupal, pra mim não foi nenhum problema (PSI-1B).

Como é possível perceber, a quantidade de usuários ainda continua sendo um dos motivos para que os atendimentos grupais aconteçam. Foi ressaltado na introdução que essa não deveria ser considerada razão suficiente para a realização de terapias em grupo. No caso da psicóloga em questão, outro motivo é sua facilidade em trabalhar com esta modalidade de atendimento, o que, para sua colega, torna-se um fator impeditivo. O cruzamento da demanda institucional com a disponibilidade pessoal do psicólogo merece ser repensada com cuidado. Percebemos que se há dificuldade por parte de alguns, isso decorre não apenas das particularidades de cada profissional, mas há de se considerar também a formação na graduação e a capacitação específica para que eles atuem em CAPS. Sobre a formação do psicólogo, contamos já com uma bibliografia que destaca a necessidade de revê-la, tanto em termos de habilitação técnica, bem como com relação ao compromisso social da Psicologia (SPINK, 2003; SPINK, 2007), apesar dos avanços conquistados nos últimos anos, pelo menos em termos de publicizar tal debate.

Considerando a saúde mental especificamente, é visível o constrangi-mento, mesmo em termos de atendimento ambulatorial, por parte dos profissionais, especialmente os que simpatizam com a teoria psicanalítica, que sentem sua prática descaracterizada ao atuar na saúde pública. Esse desconcerto pode, em parte, ser explicado pelo fato de na saúde pública esses profissionais encontrarem um setting complemente diferente daquele para o qual foram preparados. Nesse sentido, muitos se sentem constrangidos em dizer que atuam com o referencial psicanalítico e preferem falar que, em função dos limites encontrados, realizam uma"escuta", e não propria-mente um trabalho que siga rigorosamente o que a teoria propõe (FIGUEIREDO, 2002; JESUS, 2005). Esta angústia passa certamente por um desconhecimento de uma série de trabalhos produzidos que apontam para a possibilidade de atuar com a Psicanálise, de modo profícuo, em contextos bem diferenciados do atendimento-padrão no consultório particular (BEZERRA Jr., 1993; TENÓRIO, 2001; FIGUEIREDO, 2002). Uma psicóloga, especificamente, demonstrou ter buscado essas possibilidades, apesar de reconhecer que ainda precisa se apropriar destes conhecimentos:

(...) um impasse é justamente psicanálise e grupo, como trabalhar em grupo com o referencial psicanalítico, e aí eu pesquisei um pouco sobre a psicanálise aplicada à terapêutica, psicanálise nas instituições, trabalhos que já são desenvolvidos nisso, e percebi que é possível, né? Claro que eu preciso me aprofundar porque não foi um estudo profundo neste aspecto, mas assim o impasse foi esse. Logo assim que eu cheguei aqui, que tinham essas atividades, eu falei"[...] assim como é que vai ser isso? Psicanálise e grupo como são? Como é que isto está funcionando lá fora". Comecei a conversar com pessoas que têm esta experiência, enfim hoje eu acredito que isto é possível sim (PSI- 2A).

De qualquer modo, esse desconhecimento ou pouco aprofundamento nos remete novamente à formação, que segundo os próprios entrevistados foi insuficiente para prepará-los para uma atuação no campo da saúde mental que esteja de acordo com os princípios da reforma psiquiátrica. Percebemos que, na graduação, os contatos com a referida área aconteceram através das aulas de psicopatologia, que tinham como palco os hospitais psiquiátricos e não traziam maiores questionamentos acerca do modelo assistencial dominante nessas instituições. Os psicólogos que tiveram maior contato com a saúde mental buscaram, por iniciativa própria, essa aproximação.

É interessante perceber a diversidade condensada na tabela apresentada na metodologia, pois ela nos faz pensar em quão particular deve ser o processo de inserção de cada um dos profissionais no CAPS. A adoção de diferentes abordagens leva, por sua vez, ao desenvolvimento de noções diversas sobre o que seria um grupo. Indagados sobre como poderíamos definir um grupo, os psicólogos se mostraram desconcertados, mas trouxeram associações importantes. Para a maioria, o grupo aparece como um espaço de partilha que funciona em sua função de"apoio" e desenvolvimento de vínculos de solidariedade.

Por outro lado, segundo uma entrevistada, no grupo o sujeito não poderia se desnudar por completo, haja vista que a coletividade implicaria a adoção de máscaras:"(...) no grupo tem uma coisa mais da socialização, de passar certa máscara (...); são pessoas que eu encontro às vezes e que eu tenho que passar uma imagem" (PSI-1A). Para ilustrar sua afirmação, uma situação relatada pela nossa informante foi a de uma usuária que frequentava um dos grupos coordenados por essa psicóloga e que pediu para ser atendida individualmente, pois queria abordar assuntos mais delicados, os quais preferia não relatar no contexto grupal, haja vista que ali estavam pessoas que mora-vam próximo à sua casa. Ou seja, por se tratar de um serviço comunitário e territorial, acontece eventualmente de vizinhos compartilharem de um mesmo espaço terapêutico no CAPS, o que requer um cuidado particular. Se, de certo modo, estar no serviço com o outro pode facilitar a construção de laços sociais no território, por outro lado há a questão do sigilo, de não querer expor sua vida íntima a alguns usuários.

De acordo com a entrevistada, a vinculação seria essencial e uma condição para que as trocas aconteçam nesse espaço. Nesse sentido, o vínculo que apareceu como resultado de muitos grupos emerge também como condição para o seu desenvolvimento:

(...) precisa ter um vínculo um pouco maior do que simplesmente pessoas se encontrando no mesmo dia e na mesma hora, porque alguém marca pra ele vir. Precisa ter um objetivo, precisa ter algum vínculo que faça com que eu me sinta à vontade diante dessas pessoas, um apoio assim (...) que extrapola o ser individual, como às vezes a gente faz aqui algumas coisas de círculo (PSI-1A).

A necessidade de um vínculo maior entre os participantes é destacada por vários autores, de filiações teóricas distintas (psicodrama, humanismo, psicanálise grupal de Bion), como condição para que um grupo (especialmente, um grupo terapêutico) possa acontecer. Os psicólogos entrevistados, em linhas gerais, compartilham dessa percepção e apontam a rotatividade presente nos grupos do CAPS como fator impeditivo para que esse vínculo aconteça de modo satisfatório.

A rotatividade, na leitura de parte dos psicólogos, faz com que os vínculos não se fortaleçam, tanto nos grupos terapêuticos como nas oficinas. Em situações em que um usuário se mostra particularmente mobilizado, alguns técnicos realizam um atendimento posterior na modalidade individual, para que os motivos de sua inquietação possam ser trabalhados. Isso cria uma situação paradoxal e contraditória em que o grupo é reconhecido como espaço importante, mas exerce uma função secundária em situações de maior impacto afetivo.

Sobre a inclusão de sujeitos em grupos terapêuticos, quando visitamos a literatura especializada percebemos que os autores destacam alguns elemen-tos a serem considerados. Um desses elementos diz respeito a como cada sujeito se estruturou psiquicamente e como ele se apresenta num dado momento (LANCETTI, 1993). Por exemplo, quando se trata de alguém que apresenta um quadro de psicose e encontra-se em crise, sua inclusão requer do terapeuta um investimento a mais no sentido de facilitar a construção, por parte daquele, de um laço social. É interessante observar que Lancetti defende a inclusão dos não estabilizados, ou seja, não é prerrequisito estar"compensado" para estar em um grupo, mas é preciso considerar a especificidade do trabalho de inseri-los no contexto grupal. Essa questão parece ser pertinente não apenas para psicóticos, mas também na inserção dos considerados"neuróticos graves", podendo, inclusive, estar se refletindo na pouca adesão e alta rotatividade, alvos de preocupação dos profissionais.

Outro elemento a ser considerado e que se articula, intrinsecamente, ao primeiro diz respeito aos processos de subjetivação que são culturais (BEZERRA JR., 1993). Dentro de um mesmo espaço urbano, encontramos diferenças nesses processos, ou seja, existem os que se constituem essencialmente dentro do modelo de pessoa construído a partir do individualismo moderno (com sua exacerbação na contemporaneidade) e outros para quem o coletivo e o papel que nele desempenham são preponderantes no seu modo de estar no mundo . Segundo Bezerra Jr., para os que se constituem tendo a coletividade como referência crucial, o grupo pode propiciar a fala, mais do que a relação dual (terapeuta-paciente). Isso porque o grupo dissolve, em certa medida, a transferência para com o"doutor", o que para alguns tem um efeito inibitório e, além disso, cria uma situação na qual a narrativa de um ecoa e produz no outro associações que facilitam a expressão de ideias e afetos.

Nas entrevistas realizadas durante a pesquisa, apesar de os psicólogos não terem encontrado uma problematização maior acerca da especificidade de fazer grupos com psicóticos, constatou-se em seus discursos que suas experiências cotidianas produzem percepções que caminham no sentido das duas variáveis destacadas:

(...) uma pessoa, por exemplo, uma paciente minha, que eu tava fazendo atendimento individual, tá fazendo curso à distância na [nome da faculdade] e fala alemão, e (...) na hora que vai conversar com um analfabeto ou que eu vou fazer uma metodologia apropriada pra essas pessoas com menos estudo compreenderem, ela fica se sentindo um peixe fora d’água, né? (...) quer estudar mais. Então, não sei, acho que abala a autoestima. Alguns casos também mais graves (...), aí acho que eles ficam achando assim"eu não sou assim tão grave, meu problema não é tão sério", aí ficam se comparando e aí fica com dificuldade pra eles se inserirem no grupo (...). E outras situações pelo problema da doença mesmo; se ele não tiver numa fase de querer se socializar, ele vai logo dizer:"não quero grupo!", aí a gente vai encaixando nos atendimentos individuais (PSI-1A).

(...) com a pessoa que tenha psicose, um delírio ou tal, o que mais me toca é a necessidade, a quantidade de cuidado que eu vou ter que ter; a quantidade de energia que eu vou gastar pra fazer com que ele entre no movimento que eu tô propondo (PSI-2B).

Verificou-se que as dificuldades vividas pelos psicólogos na condução dos trabalhos grupais não são poucas. De certo modo, algumas dessas dificul-dades já foram apresentadas, como a rotatividade e a pouca adesão. Além das situações acrescidas nos dois trechos das narrativas destacadas, outros problemas foram apontados, como: falta de material (nas oficinas), conhecimento prévio entre os usuários que pertencem ao mesmo território, dificuldade em garantir a privacidade (principalmente na realização dos grupos terapêuticos) e poucos encaminhamentos por parte da equipe. Chama a atenção o fato de no CAPS situado em um município próximo a Salvador a própria realização das propostas desenvolvidas se perdia facilmente diante das inúmeras situações emergenciais que fazem parte do cotidiano do serviço. A"grade" de atividades não apenas era flexível, mas raramente era efetivada. Mesmo reconhecendo que essa grade não deve ser mais uma"camisa de força" para enquadrar os usuários, o outro extremo – o de uma programação que raramente se cumpre - denuncia que algo também não caminha bem: as ações se fragmentam e os projetos terapêuticos se perdem em uma desestruturação que é vivida tanto por usuários quanto por técnicos.

O delineamento dos projetos terapêuticos para decidir de que acompa-nhamentos individuais e grupais os usuários participarão acontece, nos dois serviços investigados, levando em consideração os interesses dos próprios usuários. No entanto, uma diferença observada foi que, em um lugar, tem sido uma prática dos psicólogos fazer entrevistas individuais antes dos sujeitos se engajarem nas atividades grupais. Este procedimento teria a função de conhecer melhor o usuário e avaliar se aquele seria o momento mais apropria-do para seu ingresso em uma determinada atividade. Esta cautela está de acordo com o que preconizam alguns autores, como um cuidado necessário no momento de construção de um grupo (PY et al., 1987).

Apesar de terem sido detectadas tentativas nesse sentido, nem sempre a proposta se cumpre, em virtude do modo como os encaminhamentos são realizados e do poder de negociação dos psicólogos com os outros membros da equipe. Muitas vezes os usuários vão chegando e se agregando às atividades, mesmo que o coordenador não conheça melhor sua história, seu sofrimento e seu itinerário terapêutico.

Outro ponto digno de nota é que realmente o critério de privacidade é um elemento importante para os psicólogos na distinção do que poderia ser abordado em grupo e o que poderia ser trabalhado individualmente:

Geralmente eu faço assim: quando o usuário vem pro acolhimento e eu percebo que ele está com uma demanda maior em termos de atendimento individual, por exemplo, traz uma situação de traição da mulher, ou desentendimento com o filho, alguma coisa assim, a gente começa, eu geralmente começo fazendo um atendimento individual, depois vou encaminhando pros grupos. Porque eu penso que essa pessoa, nessa situação inicial, ela pode não tá nem tão confortável por tá participando do grupo, de está se abrindo em grupo, e aí eu faço um pouco esse atendimento individual, pra depois tá encaminhando (...) (PSI-1B).

Acerca da sobreposição entre atendimentos individuais e grupais, é interessante observar que, para uma entrevistada em particular, se o usuário já está participando de um grupo seria importante que ele, ao precisar de atendimento individual, tivesse esse outro atendimento com o coordenador do grupo do qual faz parte. Ela justifica essa perspectiva ao afirmar que" não se pode dividir essa transferência" (PSI-1C).

Até agora as atividades grupais foram tratadas em linhas gerais, sem diferenciá-las. É necessário, no entanto, assinalar que para nossos entrevistados existem algumas diferenças entre grupos e oficinas que dependeriam, a partir dos relatos, fundamentalmente das técnicas emprega-das e dos vínculos estabelecidos:

Existem algumas atividades que elas são simplesmente de produção, pra mim, né? (...), umas que são simplesmente de produção, outras que tenha um valor misto, (...) o resultado misto de terapêutico de produção e outros que só são terapêuticos. (...) Quando a gente faz como único recurso à oralidade, fala, e duas ou três ferramentas que a gente utiliza uma bola como uma dinâmica que o povo faz, sei lá. Essas normalmente são tipicamente terapêuticas, somente terapêuticas. Quando você envolve um trabalho como, por exemplo: o artesanato vinculado a uma conversa de produzir sentido; quando você quer fazer uma conversa você sistematiza, que você vai na direção de fazer a produção junto com a produção de sentido, você já tem uma coisa a mais. Quando você tem só a produção de material você tem uma coisa a menos. Então, eu sou sempre a favor da gente tentar fazer uma atividade que ela envolva algo que, pessoalmente, mude; que tenha um valor subjetivo, que tenha um valor de sentido, que dê sentido a vida, que dê sentido ao movimento da pessoa, que restabeleça ela de outra forma e que de fato inclua (...) (PSI-2B).

(...) a diferença é que no grupo, a gente tem uma questão do contrato, do vínculo que é criado naquele grupo, que tem uma proposta fixa, que tem objetivos fixos. Cada um está comprometido com o caso do outro. Assim, é um espaço que eu acho que eles estabelecem uma certa confiança, assim que eles podem contar que eles sabem que aquilo vai tá em sigilo. Que aquilo vai estar somente entre nós. Já na oficina não há isso. Porque o grupo é aberto; uma pessoa que participou numa semana pode não voltar na outra. É muito, muito... Como é que chama? As pessoas vão transitando por aquele local. Então eu acho que eu consigo identificar basicamente essas diferenças (PSI-1B).

Apesar de as fronteiras existirem, muitas vezes elas se mostram borradas. As diferenciações acabam revelando sua fragilidade, na medida em que os frequentadores das oficinas podem desenvolver uma forte vinculação e, nessas situações, a produção pode não ser o mais importante, mas funcionar essencialmente como um elemento facilitador das trocas; esta percepção está presente, inclusive, no primeiro dos relatos destacados anteriormente.

Não obstante as dificuldades apontadas que, acima de tudo, nos fazem pensar na necessidade de investir mais na formação dos psicólogos no sentido de prepará-los para atuação na saúde pública e, com relação ao CAPS, em consonância com a reforma psiquiátrica, é visível que os usuários conseguem se beneficiar dos atendimentos de modo geral. Alguns relatos, tanto de usuários como de psicólogos, destacam os avanços em termos de sociabilidade e a redução significativa do número de internações.

Considerando especificamente a questão da sociabilidade, o sentimento de pertencer a um grupo parece reduzir a solidão, tão presente entre os portadores de transtorno mental, especialmente nos casos de psicose e neuroses graves. Se por um lado, esse ganho é visível e tem sua relevância, por outro, é importante que não se perca de vista o fato de que o CAPS deveria funcionar como um lugar de passagem e, simultaneamente, de referência. Isso quer dizer que se espera, com o avanço do tratamento, que o sujeito possa ganhar autonomia para refazer, ou mesmo construir, laços fora do espaço circunscrito do centro. Ele poderia voltar lá esporadicamente, quando assim sentisse necessidade. Preocupa-nos que a possibilidade de estar em um grupo e, de certo modo, de se sentir protegido no CAPS faça com que, por parte dos técnicos, o objetivo maior da reforma seja esquecido – justamente o de promover a inclusão desses sujeitos na comunidade de modo mais amplo. Afinal, o CAPS não deve ser uma família substitutiva que gera dependência; espaço fora do qual o sujeito sente-se perdido e sem suporte. Pelo contrário, pode sim funcionar como lugar de ancoragem, para que aquele que se encontra em uma experiência intensa de desagregação possa se reestruturar e encontrar outros suportes em seu território.

O resgate do ser produtivo é um aspecto importante na construção da cidadania dos usuários. Por isso, é relevante que as atividades grupais possam fornecer elementos para esse resgate, seja em nível dos grupos terapêuticos, seja através das oficinas. No tocante às oficinas, em particular, observou-se o predomínio das atividades que interessam ao público feminino, sendo esse motivo de questionamento por parte dos homens atendidos nos CAPS. Seria de grande auxílio se as oficinas, especialmente as profissionalizantes, realmente atendessem à diversidade de gênero e de habilidades presentes nos usuários e tivessem como produto algo que possa facilitar a sua inserção em redes produtivas. É importante considerar ainda que o espaço para realização dessas atividades não necessariamente precisa ser o CAPS, como tem sido observado. Inserir os usuários em espaços já existentes no território pode ser uma ótima oportunidade de promover sua participação de modo mais efetivo.

Por outro lado, nem toda oficina tem como propósito maior a produção – esse é um aspecto que também precisa ser relembrado. Assim sendo, a cobrança com a qualidade do produto deve ser relativizada. Encontramos, através da imersão em campo, alguns usuários que se sentiram impossibilitados de continuar em algumas oficinas por suas dificuldades psicomotoras; como se fosse precondição para participação do usuário que essas habilidades já estivessem amadurecidas. Ora, o que se espera é justamente que o espaço da oficina possa possibilitar o desenvolvimento de algumas potencialidades e mesmo o resgate de ações motoras que ficaram prejudicadas pelo adoecimento e pela medicação.

 

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com esta pesquisa, buscamos fundamentalmente trazer um panorama acerca das complexidades que cercam a condução de grupos e oficinas nos CAPS, em dois CAPS da Bahia. Inicialmente percebemos a diversidade de orientações teóricas e experiências prévias dos psicólogos e o quanto esta diversidade tem relação com a sua disponibilidade para a realização dessas atividades.

É perceptível que, em linhas gerais, a formação na graduação se mostra insuficiente para instrumentalizar os profissionais para atuar de acordo com as várias modalidades e situações encontradas nos CAPS. Este fato causa constrangimento e desconcerto entre os profissionais, que acabam se dividindo entre três posições: 1) a de se negarem a coordenar atividades grupais (o que só encontramos em um caso); 2) a de se sentirem minimante preparados pela abordagem teórica que seguem, mas mesmo assim relata-rem uma série de dificuldades pelas particularidades que envolvem os usuários que frequentam os CAPS; e 3) a de tentarem atender à demanda institucional, mesmo que não se sintam preparados, e de vivenciarem essa situação com uma série de angústias.

Estas angústias não nos parecem inadequadas, muito pelo contrário. Apon-tam para uma inquietação que pode ter desdobramentos férteis: a procura de complementação da formação e de uma reflexão teórica mais sólida acerca da prática. Consideramos, no entanto, que essa não deveria ser apenas uma busca individualizada de cada técnico, mas sim deveria fazer parte das capacitações promovidas pelas secretarias de saúde. Nesse sentido, um conhecimento mais aprofundado das particularidades da clientela atendida (que envolve muitos psicóticos) poderia ser fundamental nesse momento, para que se possa, inclusive, escolher as melhores estratégias e recursos para cada caso.

As dificuldades vivenciadas no cotidiano dos grupos e oficinas são muitas e passam por um imaginário acerca do que seriam grupos e oficinas idealmente concebidos. Consideramos que a desconstrução desse imaginário é crucial e, juntamente com uma preparação teórico-prática mais sólida, pode fazer com que os profissionais realmente utilizem esses dispositivos de modo mais consonante com as necessidades e contexto dos usuários que frequentam os CAPS.

Para finalizar as reflexões aqui traçadas, gostaríamos de lembrar que os grupos e as oficinas são apenas dois recursos, entre tantos outros, com os quais os profissionais de CAPS podem e devem contar (inclusive os atendi-mentos individuais). Outro lembrete importante é que o bom acompanhamento dos usuários nesses dispositivos não dispensa o conhecimento psicopatológico, que deve ser utilizado não como um elemento de estigmatização, mas como fornecedor de hipóteses que possam guiar nossa atuação. Esses recursos devem sempre estar atrelados à constru-ção de uma bússola que nos orienta na direção do tratamento. Afinal, trata-se, antes de qualquer coisa, do compromisso ético assumido de propiciar o deslocamento de sujeitos imersos, em sua singularidade e na posição socialmente ocupada, na condição de objetos, para que eles possam transitar socialmente, através de um modo de existir dotado de maior flexibilidade.

Certamente este estudo foi apenas um primeiro passo na detecção de um problema que visivelmente dificulta uma atuação psicológica mais profícua nos CAPS. Consideramos que outras pesquisas, bem como relatos de experiências nas quais trabalhos com grupos e oficinas tenham produzido resultados interessantes na vida dos seus frequentadores, precisam ser publicadas para que, a partir do compartilhamento dos estudos e das situações vivenciadas, possamos avançar na árdua tarefa de construir uma assistência diferente.

 

 

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Artigo recebido em: 10/2/2009
Aprovado para publicação em: 9/8/2010

 

 

* Psicóloga; Doutora em Saúde Pública pelo Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (ISC-UFBA); Membro do Núcleo de Estudos Interdisciplinares em Saúde Mental (ISC-UFBA); Professora do Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Ceará. Endereço para correspondência: Rua Francisco Holanda, 992/ Apartamento 501, Bairro: Dionísio Torres CEP: 60140-000, Fortaleza-CE, telefones: (085) 32.72.34.69. E-mail: vladiajuca@gmail.com
** Graduandos do curso de Psicologia da Universidade de Salvador – UNIFACS.

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