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Mental

Print version ISSN 1679-4427

Mental vol.8 no.15 Barbacena Dec. 2010

 

SESSÃO COMUNICAÇÃO

 

As origens da Psicanálise em Belo Horizonte e do Grupo de Estudos Psicanalíticos de Belo Horizonte filiado à Associação Internacional de Psicanálise: a saga de um ideal

 

 

Sebastião Abrão Salim

Presidente da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores de Minas Gerais, Psicanalista Didata do Grupo de Estudos Psicanalíticos de Minas Gerais, Psicanalista Didata da Sociedade Psicanalítica do Rio de Janeiro, Professor Adjunto Aposentado do Departamento de Saúde Mental da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)

Endereço para correpondência

 

 

Dedicatória
Dedico este trabalho ao Dr. José Pedro Salomão, devido à sua importância pessoal para mim e, indiretamente, para a constituição do Grupo de Estudos Psicanalíticos de Minas Gerais.

 

INTRODUÇÃO

A maioria das instituições psicanalíticas, ligadas à Associação Internacional de Psicanálise, foi obra de pioneiros, aos quais se juntaram outros para escrever histórias ímpares. Com o Grupo de Estudos Psicanalíticos de Minas Gerais não foi diferente.

Embora a nova capital, fundada no final de século 19, estivesse destinada a tornar-se rica em todas as áreas do conhecimento humano, devido à herança de audazes idealistas e intelectuais mineiros, o Núcleo só foi oficializado em 1993.

Sua história remonta ao ano de 1944, quando foi oficialmente instituída a Psicanálise no Brasil, com a oficialização da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo.

Com o auxílio do Dr. Leão Cabernite, médico psiquiatra interessado em Psicanálise que residia aqui, descrevo o que existia em Minas nessa época e nos anos sucessivos.

Desde 1963, quando me formei pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais, até 1993, trabalhei de forma incessante e despojada para a oficilização do Núcleo Psicanalítico de Belo Horizonte, entidade filiada à Associação Internacional de Psicanálise e, na época, cordenada pela Sociedade Psicanalítica do Rio de Janeiro.

Em setembro de 2008, 15 anos depois, o Núcleo Psicanalítico de Belo Horizonte foi reconhecido pela Associação Internacional de Psicanálise como Grupo de Estudos Psicanalíticos de Minas Gerais, podendo agora funcionar de forma autônoma na formação de psicanalistas mineiros.

Neste trabalho, descrevo passo a passo as pessoas importantes nesse processo e o longo caminho percorrido.

 

HISTÓRICO

As instituições psicanalíticas ligadas à Associação Internacional de Psicanálise (IPA, do inglês International Psychoanalytical Association) têm histórias singulares, porém possuem um elemento comum: a oficialização de todas deve-se ao empenho de algum pioneiro, ao qual vêm se juntar outros.

A história do Grupo de Estudos Psicanalíticos de Minas Gerais (GEPBH) não é diferente. Como seu obreiro e testemunha, vou procurar fazer o relato desde os primórdios da Psicanálise em nosso estado.

A cidade tornou-se capital de Minas Gerais no final do século 19, em substituição a Ouro Preto, cidade de importância nacional e internacional pela sua história no movimento brasileiro pela independência de Portugal - liderado por idealistas e poetas que participaram da Inconfidência Mineira - e por sua arquitetura barroca preservada.

Belo Horizonte recebeu essa influência e foi planejada com cuidado e arte quanto às ruas, avenidas, praças e parques, tudo dentro de uma previsão de crescimento.

Olavo Bilac visitou a cidade na época, descrevendo-a como um lugar onde havia duzentas casas, clima bom por causa das montanhas vizinhas, terra boa para plantação de frutas e propícia para ser projetada devido ao traçado das cinco ruas existentes.

O crescimento foi singular. No seu centenário, já era a terceira cidade brasileira em população e seu traçado ultrapassou os limites originais. Em todas as áreas de atividade, despontaram nomes ilustres dentro do cenário nacional artístico, intelectual, científico, político e econômico.

Em 1944, época da oficialização pela IPA da primeira sociedade psicanalítica do Brasil, a Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP), Belo Horizonte contava com estrutura universitária qualificada: Faculdades de Medicina, de Farmácia, de Odontologia, de Engenharia, de Arquitetura e de Direito. Nessas instituições, modelos de ensino superior, formaram-se inúmeros mineiros de destaque nacional e internacional. A cidade possuía vida artística, cultural e científica ativa, comparada com outras capitais brasileiras, apesar dos 47 anos de existência. Havia uma imprensa dinâmica, com matérias sobre assuntos diversos, inclusive Psicanálise.

Em busca de elementos para verificar o que havia aqui nessa época no âmbito relacionado à ciência de Freud, procurei o Dr. Leão Cabernite devido ao fato de ele residir aqui e militar na área da Psiquiatria com interesse na Psicanálise.

Escreveu-me ele: "Em 1944 eu publicava artigos de Psicanálise na Folha de Minas, jornal onde trabalhava enquanto aluno da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais. Eu redigia e publicava colunas semanais sobre o assunto no citado jornal. Ainda em 1945, no terceiro ano do curso (formei-me em 1948), decidi estudar alemão. Para tanto, procurei Karl Weissmann. No intervalo das aulas, ele tocava no violino o minueto de Boccherini e discutíamos Psicanálise. Era uma matéria nova, inteiramente desconhida do público e da maioria dos intelectuais. No entanto, já se falava em 'complexo' e outras palavras do jargão psicanalítico. Weissmann havia publicado, alguns meses antes, o livro com enfoque psicanalítico O dinheiro na vida erótica. Ele enviou para Freud um exemplar e este lhe enviou uma carta de agradecimento, carta essa que consta da biografia escrita por Ernest Jones sobre a vida e a obra de Freud. Weissmann a exibia triunfalmente para todos. O livro é um amontoado de fantasias do autor, somadas aos enunciados teóricos de Freud.  Foram estes os meus primeiros contatos com a Psicanálise e as idéias do seu criador. Em 1949 Weissmann dava cursos de hipnose para dentistas e correspondia com Werner Kemper, psicanalista alemão didata da IPA, que estabeleceu moradia no Rio, convidado por médicos daquela cidade para organizar e formar uma Associação de Psicanálise.  Nessa época, eu havia me formado e mudado para o Rio, onde morei até 1950, fazendo estágio em Neurocirurgia, Psiquiatria e atendendo em 'Psicanálise'. Era um estágio onde eu pesquisava desde Neuroanatomia patológica até indicações e resultados da lobotomia de Muniz. Em Psicanálise, eu tinha poucos, mas 'cooperadores' clientes. Após o estágio, voltei para Belo Horizonte, continuei no exercício da Psicanálise. Nesta ocasião, o Dr. Paulo Dias Correia, cunhado de Weissmann, também a praticava. Isto aconteceu até 1954.  Em fevereiro desse ano, o Dr. Werner Kemper, então Presidente da Sociedade Psicanalítica do Rio de Jneiro, decidiu fazer um passeio a Carinhanha, na Bahia, saindo, em barco, de Pirapora. O trajeto era Rio-Belo Horizonte-Pirapora-Bahia-Rio. Na época, Weissmann já era ''psicanalista' da Penitenciária de Neves. Quando o Dr. Kemper passou por Belo Horizonte, Weissmann pediu-me que o recebesse em minha casa. Nesse encontro mencionei ao Dr. Kemper meu desejo de fazer formação psicanalítica e ele me disse que o Dr. Paulo Dias Correa havia feito o mesmo pedido. Ele só dispunha de uma vaga e precisava tempo para optar. No dia seguinte fez sua opção pela minha pessoa. O Dr. Paulo Dias não desanimou e mudou-se para São Paulo, onde fez sua formação. Eu comecei a minha no Rio no mês seguinte, indo semanalmente lá para a análise didática e para a formação teórica, até que em março de 1957, mudei-me definitivamente. Terminei-a em dezembro de 1959. O Dr. Helio Pellegrino veio depois e começou sua análise com Iracy Doyle". 

Nesse relato, eu destacaria os seguintes pontos:

1)  Por intermédio de Karl Weissmann, Belo Horizonte, na década de 1940, passa a ser conhecida de Freud. Há correspondência maior de Freud com outro brasileiro, o Dr. Durval Marcondes, de São Paulo (1928);

2)  O Dr. Cabernite, ainda em formação, entre 1954 e 1957, foi o primeiro a realizar aqui um trabalho psicanalítico mais próximo do referencial técnico e teórico da Psicanálise da IPA;

3)  Há uma segunda fonte de informação proporcionada pelo Dr. Joaquim Afonso Moretzsohn no livro A história da Psiquiatria Mineira, que menciona o Dr. José Pedro Salomão como único psicanalista de Belo Horizonte, naqueles idos de 1957. Há uma lacuna nesse livro do Dr. Moretzsohn relacionada à omissão do trabalho anterior do Dr. Cabernite.

 

Muito antes, em 1951, o Dr. José Pedro Salomão iniciou análise, ou melhor, Psicoterapia Psicanalítica com o Dr. Cabernite, informado por outro colega, que lhe falou dele e de seus artigos na Folha de Minas. Em 1957, quando  o Dr. Cabernite foi para o Rio em definitivo, o Dr. Salomão, ainda seu analisando, era o único profissional médico que passou a praticar aqui um trabalho psicanalítico com referencial IPA.

Ele era meu tio, e o interesse pela Psicanálise foi-me despertado pelas longas conversas que mantínhamos. Por coincidência, meus estudos médicos começaram em 1957 e os terminei em 1963.

Em 1962, recebo uma solicitação do Dr. Cabernite para assessorar o Dr. Maxwell Gitelson, então presidente da IPA, que desejava conhecer Ouro Preto, a Dra. Helena Antipoff e pronunciar uma palestra no Instituto Brasil-Estados Unidos de Língua Inglesa. O Dr. Cabernite sabia pelo Dr. Salomão que eu falava inglês e estudava Medicina. Passei dois dias com o Dr. Maxwell e sua esposa, proporcionando o que ele desejava, sempre acompanhado do Dr. Salomão. Foi uma experiência pessoal rica. Ouvi o Dr. Maxwell discorrer sobre o funcionamento dos mecanismos de projeção e de identificação projetiva descritos por Klein e que eram considerados como desenvolvimentos recentes da Psicanálise.

 Esse acontecimento teve a singularidade de reforçar meu interesse pela Psicanálise e originou o ideal de dotar Belo Horizonte de uma entidade com as referências da formação da IPA, devido à excelência do trabalho teórico e clínico apresentado pelo Dr. Gitelson. Eu, naquela época, já sabia desses referenciais pelo convívio com meu tio.

Após minha formatura em dezembro de 1963, continuei na Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (FM/UFMG), na cadeira de Psiquiatria, como estagiário da mesma, sob a orientação do Dr. Hélio Durães Alkmim, que a havia assumido recentemente.

O Dr. Helio Alkmim e, posteriormente, o Dr. Jairo Bernardes, trabalhavam com conceitos psicanalíticos, devido às suas formações psiquiátricas nos Estados Unidos, em clínicas de orientação psicanalítica. Mas, na verdade, quem continuava mais próximo da teoria da prática psicanalítica aqui era o Dr. Salomão. Houve um momento em que o Dr. Cabernite lhe disse que estava com tempo de análise pessoal para ingressar no Instituto de Formação da Sociedade Psicanalítica do Rio de Janeiro, da qual o Dr. Leão já era psicanalista didata. No entanto, para fazer a formação completa, teria que se mudar para o Rio e problemas familiares o impediram.

De 1963 até a data de hoje, todos os fatos ocorridos para a oficialização do GEPBH referendado pela IPA aqui foram de minha iniciativa e estão ligados à minha iniciativa pessoal, quase sempre isolada. Foi longa - 30 anos -, por vezes difícil e penosa, despojada de valores materiais, percorrida com a compreensão e incentivo próximo, constante e afetuoso de minha mulher, de modo especial, dos filhos, em particular, e de alguns colegas, que irei mencionando no andamento desta narrativa.

No ano de 1964, marquei um horário com o Dr. Werner Kemper no Rio de Janeiro para tentar iniciar minha formação psicanalítica. Nesse encontro, disse-me ele que eu devia aguardar vaga para a formação e recomendou que iniciasse análise pessoal com outro analista, enquanto isto. Comecei-a, ficando no Rio de Janeiro por cinco dias seguidos cada mês, quando fazia duas sessões diárias. Eram as análises ainda hoje chamadas de intermitentes.

No encontro com o Dr. Kemper, comento com ele o início de um movimento aqui, que se denominava psicanalítico, dirigido pelo Padre Malomar Edelweiss, vindo da cidade de Pelotas, no Rio Grande do Sul. Eu e mais alguns colegas fomos convidados para nos analisar com ele. O Dr. Kemper disse-me que o conhecia. Estava ligado ao Círculo Vienense de Psicologia Profunda, criado por Igor Caruso. Conhecia  alguns trabalhos desse autor e informou-me que os parâmetros de formação eram diferentes daqueles da IPA, mas não fez referências à formação profissional e à pessoa do Padre Malomar. Diante da informação, recusei o convite, talvez em vista da minha história pessoal, até aquele momento envolvida com colegas da IPA.

Acompanhei, desde o início, o desenvolvimento do Círculo, admirado com a velocidade com que era implantado. Esta, porém, é uma história que não sei relatar. Afinal, não me filiei a ele, embora tivesse e continue tendo caros amigos pertencentes ao seu quadro societário.

Mantive-me no meu isolamento. Sustentavam-me duas frases de Freud, que foram esplêndidas e fundamentais durante esse período e nos anos seguintes, até 1993. Quando Freud se viu em meio a controvérsias e dissenções, no início de suas publicações, disse: "O homem é forte enquanto defende uma idéia forte". A outra é: "Quem sabe esperar não necessita fazer concessões".

Nesse ano de 1964, faço a primeira tentativa de criar um Núcleo. Ponho em contato pessoal o Dr. Hélio Alkmim, também interessado, com o Dr. Paulo Dias Correa, a esta altura morando no Rio e com cargo na Diretoria da Associação Brasileira de Psicanálise (ABP). Ele permanecia ligado a Belo Horizonte devido à sua tradição famíliar. Por duas vezes, fez conferências na FM/UFMG, uma por convite meu e outra por convite de seu irmão (professor da mesma), ambas concorridas. Em outra ocasião, ele passava alguns dias de férias aqui, os quais coincidiram com a data na qual o Padre Malomar ia fazer uma palestra sobre Psicanálise na Associação Médica de Minas Gerais. Fez-se presente, como eu, e, após a palestra, houve um atritado debate entre os dois, no qual contestou, com a veemência que lhe era própria, afirmações conceituais e de formação psicanalítica ditas pelo Dr. Malomar. Hoje, considero que foi um desgaste desnecessário, porque os colegas de Belo Horizonte demandavam uma formação psicanalítica, e a escola de Psicologia Profunda satisfazia a essa necessidade. A Psicanálise sempre teve algo de religioso. Não havia o que questionar.

O Dr. Paulo e o Dr. Hélio Alkmim esboçaram um projeto inicial. O Dr. Paulo retornaria a Belo Horizonte como professor de Psiquiatria da FMUFMG e iniciaria a análise pessoal de cinco colegas já escolhidos, incluindo-me. Tudo corria bem, até que houve um mal entendido: o Dr. Hélio se aborreceu e o projeto se desfez. Foi uma primeira tentativa fracassada. Só a testemunhei em virtude de estar iniciando a carreira acadêmica.

Esse grupo de colegas não desanimou. Dirigimo-nos ao Rio para conversar com ele. Fomos recebidos pelo Dr. Paulo, que nos encaminhou ao Dr. Cabernite, então pessoa representativa da Psicanálise brasileira. Este nos acolheu e prontificou-se a nos apoiar. Alertou-nos, contudo, que devido à grande demanda na época por psicanalistas didatas no Brasil, nada poderia ser feito em curto espaço de tempo. De fato, nos anos de 1965, 1966 e 1967, não ocorreram fatos adicionais. 

Em 1968, volto a me encontrar com o Dr. Paulo Dias para conversarmos sobre um sobrinho seu, em tratamento comigo. Falamos de novo sobre o projeto do Núcleo. Ele me pede para formalizá-lo em carta à ABP.

Em 8 de março desse ano, eu e alguns colegas da Faculdade enviamos uma carta ao Dr. Mário Martins, psicanalista gaúcho, devido à sua influência na Psicanálise do Rio Grande do Sul, forte reduto da especialidade e de estreitas relações com Argentina e Uruguai. A resposta foi a mesma de antes: havia dificuldade em encontrar psicanalistas didatas disponíveis no Brasil. Orientou-nos para entrar em contato com o Dr. Paulo Grimaldi, colega do Rio, que estava terminando sua formação em Buenos Aires e pensava em retornar ao Brasil. Fizemos contato com ele, mas sua resposta foi negativa, porque havia assumido compromissos no Rio.

Ainda em 1968, fui ao Rio de Janeiro participar da II Jornada Brasileira de Psicanálise. Foi uma situação constrangedora. A participação no evento era fechada para membros e candidatos da ABP. Apresentei-me ao Dr. Cabernite, que ficou embaraçado, mas conseguiu permissão da comissão organizadora para que eu pudesse participar.

Em 1968, seguindo recomendações do Dr. Paulo Grimaldi, entro em contato com o Dr. Jorge Mon, Presidente da Associação Psicanalítica Argentina, convidando o psicanalista didata argentino para radicar-se aqui. Lá havia muito mais analistas didatas do que no Brasil. Procurei o Dr. Paulo Neves de Carvalho, pessoa conhecida minha, então Secretário de Educação do Estado de Minas Gerais, para pedir-lhe uma participação direta sua e do Dr. José de Magalhães Pinto, Ministro da Justiça na época. Consegui que houvesse uma correspondência do Dr. Magalhães Pinto com o Dr. Jorge Mon, mas tudo sem êxito.

Naquele ano, aconteceu um fato importante. Com participação de alguns colegas, constituímos a Sociedade Mineira de Psicoterapia Analítica de Grupo (SMPG), tendo como Presidente o Dr. Bernardo Blay Neto e eu como o primeiro secretário. O Dr. Blay Neto, psicanalista de São Paulo, era membro importante da Associação Brasileira de Psicoterapia de Grupo. Havia encontros mensais, quando aconteciam sessões de análise pessoal em grupo, seguida de curso teórico para formação de terapeutas de grupo. Éramos dez colegas entre médicos e psicológos. Encerrei minha análise no Rio, a qual fazia desde 1964, para aderir a esse grupo. Durante dois anos, o Dr. Blay veio mensalmente a Belo Horizonte. Quando finalizou seu trabalho, eu e alguns colegas continuamos em análise e supervisão com ele, indo a São Paulo, porém agora de forma individual. Para mim, foi uma inesquecível experiência pessoal e profissional.

No início de 1970, convido o Dr. Walderedo Ismael de Oliveira, influente psicanalista do Rio, convidado oficial do I Congresso Mineiro de Psiquiatria, para realizar uma jornada da SMPG durante o mesmo. Infelizmente, não conseguimos efetivar o evento.

Nessa época, como Coordenador da Disciplina de Psiquiatria da FMUFMG, promovi vários encontros científicos, trazendo a Belo Horizonte psicanalistas relevantes do cenário brasileiro, tentando sensibilizá-los para auxiliar na fundação do Núcleo e mobilizar interessados daqui para participar do movimento.

Tentei, ainda, sensibilizar o Reitor da UFMG para contratar um psicanalista didata com o fim de dinamizar a Disciplina de Psiquiatria da FMUFMG. Houve correspondência direta entre a Reitoria, a ABP e a Profa. Virgínia Bicudo, então Diretora do Instituto de Ensino de Psicanálise da SBPSP. Novamente esses contatos não deram em nada.

Em 1972, surge uma oportunidade concreta. Tenho contatos com o Dr. Hernan Davanzo, psicanalista didata da Sociedade Psicanalítica do Chile, que trabalhava em Ribeirão Preto, São Paulo, onde morava com a mulher e duas filhas. Veio para o Brasil devido ao governo de Salvador Allende no Chile, ao qual se opunha. O Dr. Davanzo era membro ativo da Organização Pan-Americana de Saúde, que mantinha um programa denominado Laboratório de Relações Humanas para Faculdades de Medicina. O objetivo desse trabalho era despertar os participantes para a ação de elementos subjetivos nas decisões administratvas, ações dos docentes e da cúpula universitária. O Laboratório durava 15 dias, em tempo integral, com a participação de 30 docentes. Consegui viabilizar a realização do mesmo com grande repercussão na comunidade universitária docente. Esse Laboratório foi exitoso pela competência do Dr. Davanzo e projetou o Departamento de Psiquiatria e Neurologia da FMUFMG, do qual eu era chefe na época, no âmbito da Faculdade e da Reitoria. Cogitei e consegui, em tempo recorde, a contratação do Dr. Davanzo pela Reitoria da UFMG e a concordância da Profa. Virgínia Bicudo para que a SBPSP aceitasse a filiação do Núcleo. Seis colegas interessaram-se pela formação analítica. Quando tudo parecia acertado, ocorreu o golpe militar no Chile pelo Coronel Pinochet, e o governo chileno empenhou-se em trazer de volta seus filhos profissionais para reerguerem o país. O patriotismo falou mais alto no coração do Dr. Davanzo e perdemos a possibilidade mais concreta que tivéramos até então.

Em 1972/1973, e mesmo antes, eu era procurado por recém formados em busca de orientação para residência de Psiquiatria e para formação psicanalítica, pelo meu cargo de professor na Faculdade. Encaminhei vários candidatos para o Rio de Janeiro e o Rio Grande do Sul. Muitos tornaram-se psicanalistas e, hoje, são membros destacados da Psicanálise brasileira.

Começei a me convencer de que também deveria buscar minha formação psicanalítica. Ainda em análise com o Dr. Blay Neto em São Paulo, procurei a Profa. Virgínia Bicudo, Diretora do Instituto de Ensino da Psicanálise da SBPSP, e ela me falou de seu trabalho em Brasília, aonde ia nos finais de semana para análise de candidatos, dizendo que eu poderia fazer minha formação por lá.

Depois de aprovado nos testes de seleção, começei minha análise didática com ela em agosto de 1975, indo semanalmente a Brasília, mas não deixei de continuar meus contatos com psicanalistas brasileiros. 

No início de setembro, escrevo ao Prof. Darcy Mendonça Uchoa, eminente psiquiatra, professor universitário e psicanalista da SBPSP, para juntos propormos ao Ministério da Educação um programa de bolsas para facilitar a formação analítica de candidatos de outras cidades que não Rio, São Paulo e Porto Alegre, mediante ajuda financeira, principalmente para seus docentes. Ele não levou a sério essa ideia e a abandonou, embora eu a julgue muito atual.

Naquele ano, compareci ao II Congresso Brasileiro de Psicanálise em Porto Alegre, como candidato, e mantive correspondência amiga com os Drs. Blay Neto, Paulo Dias e Davanzo.

No segundo semestre de 1976, o Dr. Carlos David Segres, Membro Associado da SBPSP, telefonou-me, falando de seu interesse em trabalhar aqui, nos fins de semana. Oficializamos um curso na FMUFMG sobre Fundamentos da Psicanálise, que ele ministrou às sextas-feiras, à noite, com ótima audiência. Encaminhei-lhe vários analisandos para atendimento na sexta-feira e no sábado, dentre os quais três psiquiatras. Frequentemente, tínhamos encontro nas tardes de sábado, quando eu chegava de Brasília e antes de ele voltar para São Paulo. Seu trabalho aqui durou cerca de dois anos. Foi o segundo psicanalista da IPA a exercer um trabalho clínico aqui. O primeiro foi o Dr. Blay Neto, embora em Psicoterapia de Grupo.

Ainda nesse ano, escrevo ao Dr. Mário Martins, então presidente da ABP, renovando meu pedido. Em dezembro de 1976, recebo carta do Dr. Gecel Luzer Sterling, então presidente da SBPSP, dizendo-me que fora contatado pelo Dr. Mário Martins e estava vendo como poderia atender Belo Horizonte, mas ficou na boa vontade.

Em novembro de 1977, volto a escrever para a ABP, agora sob a presidência do Dr. Laertes Moura Ferrão. Em 4 de agosto de 1978, recebo resposta da ABP, por intermédio do Dr. Carlos H. P. Afonso, informando-me que minha carta havia sido debatida na reunião da ABP, no início de janeiro desse mesmo ano, e que ficou decidido que qualquer Sociedade estava franqueada para atender ao pedido. Depois, não recebi nenhuma comunicação.  Isto é, a história se repetia: não havia disponibilidade de analistas didatas.

Os anos de 1979/1980/1981 e o início de 1982 foram vazios de articulação. Em dezembro de 1982, interrompi minha análise com a Profa. Virgínia e minha formação por São Paulo, a qual retomei em março de 1983 pela Sociedade Psicanalítica do Rio de Janeiro (SPRJ). Pesou nessa decisão a maior proximidade do Rio e alguns contatos antigos meus naquela cidade, que poderiam facilitar a criação do Núcleo daqui.

Nessa época, vim a conhecer o Dr. Victor Manoel de Andrade, com quem fiz minha primeira supervisão, e o Dr. Sérgio Khedy, então candidato como eu e analisando dele. Esse fato aproximou-nos e começei a convidá-lo, em tom de brincadeira, para morar aqui, após o término de sua formação.

Concluí meu curso em junho de 1986, nove anos após iniciá-lo em Brasília. Meu nome foi homologado como Membro Associado da SPRJ, título longamente buscado. Daí até 1988, apresentei os trabalhos na Sociedade para minha titulação como Membro Efetivo da mesma e Docente do seu Instintuto. Depois de aprovado, estava certo de que o Núcleo Psicanalítico de Belo Horizonte (NPBH) dependia diretamente da minha titulação a didata.

Em janeiro de 1988, ocorre um fato importantíssimo. Sou contatado pelo Dr. Sérgio, informando-me do fim de sua formação e do desejo de radicar-se aqui. Organizamos sua vinda, inicialmente, nos fins de semana. Fiz várias indicações de pacientes, e sua clínica foi gradativamente aumentando, com pacientes que lhe encaminhava, até que acabou se mudando. Sobre essa transferência, escreveu o trabalho O analista que se muda. Sua companhia, juventude e temperamento extrovertido foram fundamentais para fortalecer meu ideal do Núcleo, que compartilhou comigo.

Em 1989, ocorrem outros fatos importantes. No mês de junho, acontece minha homologação como Membro Efetivo da Sociedade e Docente do Instituto de Ensino (IEP). Consta da ata dessa Assembleia da SPRJ, pela primeira vez, e oficialmente, a questão do NPBH, por meio da fala do Dr. José Isaac Nigri, como segue: "Dr. Nigri informa que o Dr. Sebastião Abrão Salim não poderá vir hoje por doença na família e que está se candidatando a didata para formar um Núcleo em Belo Horizonte. O Dr. Izai comenta que o Dr. Salim tem um grupo de estudos".

Outro fato decisivo nesse ano foi a adesão, em abril, do Dr. Flávio Neves. Era um profissional muito prestigiado na Psiquiatria mineira, principalmente dentro do Círculo Psicanalítico de Minas Gerais, ao qual estava filiado. Nessa época, ocorriam modificações estruturais com o Círculo, com as quais ele não concordava. Um dia, solicitou um encontro comigo para falar de suas demandas de formação pela IPA, devido ao aprendizado que desenvolveu com renomados psicanalistas do exterior. Encontramo-nos e eu lhe disse que iria, provavelmente em junho de 1990, para didata. Coloquei-me à disposição para o que desejasse. Em seguida, conhece o Dr. Sérgio, de quem passa a ser amigo. Encaminhou vários candidatos para formação, e ele mesmo, ao entrar em formação analítica, constituiu-se em valioso representante nosso dentro da SPRJ, com excelente produção científica.

De fato, em junho de 1990, obtive a titulação de Psicanalista Didata da SPRJ, mais ansiada do que a de Membro Associado e Docente. Tal título qualificava-me mais dentro da Sociedade, com autorização para analisar candidatos a formação.

O que era embrionário começou a se organizar e desenvolver com minha prsença, do Dr. Sérgio, do Dr. Flávio e de alguns possíveis candidatos a formação. Nesse ano, veio juntar-se a nós a Dra. Clemilda Barbosa de Souza, outra psicanalista didata da SPRJ, inicialmente nos finais de semana, atendendo outros analisandos que lhe foram encaminhados e com propostas de formação. Ela possuía experiência na implantação dos Núcleos de Recife e de Campo Grande, fato que fortaleceu nosso propósito. 

O Dr. Sérgio foi preenchendo os requisitos para analista didata e, ao completar essa etapa, estávamos aptos institucionalmente para requerer à SPRJ nosso pedido de oficialização do NPBH, que exigia a existência de três analistas didatas morando na cidade. No Rio, contávamos abertamente com o apoio do Dr. José Izaac Nigri e do Dr. Nilo Ramos de Assis, respectivamente Presidente da SPRJ e Diretor do Instituto de Ensino. Ambos já estavam em fins de mandato e, por solicitação do novo candidato à Presidência, Dr. Ramón Fandiño, concordamos em remeter o pedido oficial para filiação do Núcleo junto à SPRJ no dia de sua posse, em 15 de janeiro de 1991.

Assim o fizemos, mas dessa data em diante, houve um silêncio, quebrado em maio de 1991, durante a realização do XIII Congresso Brasileiro de Psicanálise em São Paulo. Naquela ocasião, eu e o Dr. Sérgio conversamos pessoalmente com o Dr. Ramón e com a Dra. Léa Lengruber, Presidente e Diretora do Instituto da SPRJ. Parecia-nos que algo estranho estava acontecendo para explicar aquele silêncio, mas não nos foram dadas explicações. Apenas foram feitas exigências a mim e ao Dr. Sérgio. Deveríamos custear a divulgação das inscrições de candidatos à seleção, passagens aéreas e estadia dos analistas incumbidos da mesma, condições com as quais concordamos, mas ficou-nos a impressão de que não era só isso. Nesse Congresso, estava presente o Dr. Horacio Etchegoyen, candidato à Presidência da IPA. Procurei-o e conversei longamente sobre nossa situação. Ele hipotecou seu apoio para interceder junto à SPRJ para sanar dificuldades.

Em junho, no dia 4, em circular aos membros docentes da SPRJ, constava da pauta da reunião no seu item 2 "A abertura de inscrições para a formação do futuro Núcleo de Belo Horizonte". Foi sugerido que se fizesse a divulgação aqui e a avaliação de quantas pessoas se inscreveriam e, depois, viesse um didata para uma reunião com os mesmos.

Em 15 de julho de 1991, recebo correspondência da Dra. Léa, comunicando-me os passos a serem dados e o conteúdo da circular de divulgação. Segui os ordenamentos e, com a ajuda da Dra. Jannê de Oliveira Campos, fizemos a divulgação. Vinte pessoas contataram com a Secretaria do IEP da SPRJ. Finalmente, em 23 de novembro de 1991, ela vem a Belo Horizonte, e realiza-se, no Hospital Galba Veloso, a reunião com ela e os interessados, em número aproximado agora de 38 pessoas. Os interessados deveriam fazer contato com a SPRJ no Rio de Janeiro a fim de se inscreverem para seleção. Quando a deixei no aeroporto de Confins, no seu retorno, fiquei com a impressão de houvera uma reunião proveitosa, embora marcada por vários desencontros e atrasos inesperados, desnecessários e evitáveis.

Em 6 de janeiro de 1992, recebo carta da mesma, confirmando minha impressão, dizendo-se motivada com o interesse dos postulantes - havendo 13 interessados com 2 anos de experiência terapêutica - e comunicando que, em março, viria uma comissão do Instituto para o trabalho de seleção oficial.

A essa altura, havíamos formulado a ela nossa preferência pelo Dr. Victor Manoel de Andrade para Coordenador do Núcleo. Nesse mesmo dia, recebo outra comunicação de um colega, na qual me informava que no dia seguinte haveria reunião do Corpo Docente do Instituto de Ensino da Psicanálise da SPRJ para aprovação da constituição do Núcleo, fato que não me foi revelado oficialmente por correspondência.

Às 19h30min do dia 7 de janeiro de 1992, eu estava na Sociedade. Ao chegar, fui abordado por uma colega que tentou me convencer de que não seria propício eu enfatizar na reunião o pedido de oficialização do Núcleo. Interpretei aquilo como uma resistência de natureza política dentro do IEP, embora achasse absurdo esse critério para lidar com iniciativas de ordem científica. Tal pensamento me fortaleceu e ansiei pela chegada do Dr. Victor. Este, finalmente, chegou e eu lhe disse sobre meu propósito de pedir a oficialização e de sua indicação para Coordenador. No seu habitual acolhimento e simplicidade, ele concordou.

Essa reunião transcorreu num clima tenso, diante da existência das oposições que eu intuíra, embora nunca me certificasse dos motivos. Fiz uma exposição dos fatos mencionados neste trabalho, da minha incessante jornada e dos elementos concretos que tínhamos para início do Núcleo, já com turma de  formação, fato relativamente inédito na Psicanálise brasileira. Entre os docentes, encontravam-se antigos alunos da Faculdade, orientados por mim para formação na SPRJ, e muitos colegas que reconheciam nossos propósitos. Pedi a oficialização e aprovação do Coordenador para o Núcleo e, finalmente, a razão prevaleceu.

O Núcleo foi oficializado e o Dr. Nilo Ramos de Assis apresentou o Dr. Victor como candidato a Coordenador, que recebeu aprovação unânime. No final, mais algumas palavras, e saí apressado para pegar o ônibus de volta a Belo Horizonte. Finalmente, havia concretizado meu ideal: oficializar uma entidade científica psicanalítica de acordo com as referências da IPA. Estava feliz também pela aprovação do Dr. Victor para coordená-lo, com sua amizade, seu afeto e sua respeitável bagagem científica e institucional. De fato, dedicou despojadamente seu tempo com vindas a Belo Horizonte para fazer um trabalho exemplar de como se constitui um Núcleo psicanalítico, elaborando seu estatuto e nos orientando em termos do seu fortalecimento.

Em 21 de maio de 1993, realizamos a sessão de oficialização do NPBH com a presença de representantes da ABP, SPRJ e da Dra. Maria Manhães, que pronunciou a primeira aula do curso de formação de psicanalistas. 

Esse resumo mostra que o Núcleo foi produto de um trabalho meu incessante, continuado, por muito tempo solitário. Agora, alcançado esse patamar de parcerias e organização, outros desenvolvimentos acontecerão, sempre voltados para auxiliar os pacientes que nos procuram. A Psicanálise jamais poderá deixar de priorizar seu eixo clínico e de pesquisa. É uma ciência em evolução e formação continuada, como deve suceder com todos os psicanalistas. Todos os fatos citados neste trabalho estão comprovados por documentos em meu poder.

Agora, após 15 anos de atividades, como previsto, podemos atestar o crescimento do NPBH. Nesse período, formamos duas turmas de psicanalistas em número de oito e consolidamos nossa estrutura de ensino e pesquisa com mais três psicanalistas de São Paulo e dois do Rio de Janeiro. Uma terceira turma de dez candidatos começou a formação em agosto de 2008.

Em setembro de 2008, recebemos o registro da IPA de Grupo de Estudos Psicanalíticos de Minas Gerais, fato bastante significativo, porque nos emancipou da Coordenação da SPRJ e passamos a funcionar diretamente ligados à IPA, com Diretoria e Instituto de Psicanálise autônomos.

Mais uns poucos anos, e estou certo de que chegaremos a Sociedade Provisória e, finalmente, a Sociedade Componente, com todas essas etapas longas e demandando sempre um trabalho artesanal.

Mais importante é mantermos o ideal do início de 1963, isto é, dotar Belo Horizonte de uma instituição de formação de psicanalistas dentro dos critérios da IPA a serviço da comunidade mineira.

 

 

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