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Mental

versão impressa ISSN 1679-4427

Mental vol.9 no.16 Barbacena jun. 2011

 

ARTIGOS

 

Percepções de trabalhadores da saúde pública sobre a rede de atendimento

 

Public health workers' perceptions about network service

 

 

Cátula PelisoliI; Brisa Maria FragaII; Cristiane de Oliveira PereiraIII

IPsicóloga pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), Mestre em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Psicóloga do Centro de Atenção Psicossocial Casa Aberta
IIAcadêmica de Psicologia da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA), Auxiliar de pesquisa do Centro de Atenção Psicossocial Casa Aberta
IIIDoutora em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), Assistente Social do Centro de Atenção Psicossocial Casa Aberta

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este trabalho investigou as percepções de trabalhadores da rede municipal de saúde do município de Osório, Rio Grande do Sul, sobre a rede em que atuam, considerando estresse e satisfação relacionados ao trabalho. Participaram 148 profissionais de diferentes categorias, de ambos os sexos (116 do sexo feminino, 32 do sexo masculino), com idades variando de 18 a 64 anos. Foi utilizado um questionário com questões fechadas e abertas, elaborado pela equipe de pesquisa, e aplicado coletivamente. Os resultados indicaram satisfação média-alta por parte dos trabalhadores, sendo que os homens estão significativamente mais satisfeitos do que as mulheres. Quanto ao estresse, os trabalhadores percebem seu trabalho como medianamente estressante e, à medida que o tempo de serviço aumenta, a percepção de estresse também aumenta. Os participantes indicaram o atendimento, implantação de serviços, acessibilidade e maiores recursos como aspectos positivos da rede de saúde do município. Como sugestões para melhorias, os participantes indicaram a criação de serviços especializados, maior qualificação dos profissionais, mais recursos, melhor articulação, reconhecimento dos trabalhadores, humanização do atendimento e maior controle das tarefas por parte da gestão.

Palavras-chave: Trabalhadores da saúde; satisfação no emprego; assistência à saúde; saúde do trabalhador.


ABSTRACT

This study investigated the perceptions of workers from the health network in the city of Osório, Rio Grande do Sul, Brazil, regarding their work and considering stress and satisfaction. A total of 148 professionals from different categories (116 women, 32 men), with ages ranging from 18 to 64 years were selected. A questionnaire with closed and open questions was used, prepared by the research team and implemented collectively. The results indicated medium-high satisfaction by the workers, and men are significantly more satisfied than women. Data about stress indicated a medium level and, as the time service increases, the perception of stress increases too. Participants indicated the call, service implantation, accessibility, and more resources such as positive aspects of the health network of this city. As suggestions for improvements, participants indicated the creation of specialized services, more highly qualified professionals, more resources, better articulation, recognition of workers, humanization of care and greater control of tasks by the management.

Keywords: Health professional; job satisfaction; delivery of health care; worker's health.


 

1 INTRODUÇÃO

Os estudos que relacionam os temas "saúde" e "trabalho" têm sido cada vez mais encontrados nos periódicos científicos e discutidos no meio acadêmico e profissional. As áreas de saúde do trabalhador, Psicologia e Medicina do trabalho estão em um contínuo crescimento, e suas investigações estão mais demandadas, tanto pelo meio científico quanto pelo mercado.

O trabalho é atividade resultante do dispêndio de energia física e mental, direta ou indiretamente voltada à produção de bens e serviços, possibilitando a reprodução da vida humana, individual e social. Isso significa dizer que o trabalho, como emprego na ou para produção, tornou-se determinante para o desenvolvimento emocional, ético e cognitivo ao longo do processo de socialização do sujeito, assim como para seu reconhecimento social na sociedade (OLIVEIRA, 1999). O trabalho, da maneira como o concebemos hoje, ocupa posição central em nossa sociedade, sendo "a práxis humana por excelência" (DITTRICH, 1999). Além disso, representa uma via de subjetivação para a pessoa.

A importância do trabalho justifica-se por esse caráter universal (GONDAR, 1989), ao conferir identidade ao sujeito e associar-se a um valor de dignidade (COUTINHO, KRAWULSKI, SOARES, 2007). Com papel de regulador social (HELOANI; CAPITÃO, 2003), o trabalho atua na vida humana de forma tão relevante que problemas no dia-a-dia ocupacional ou a exclusão do mundo do trabalho tem implicações na saúde física e mental. Ludermir e Melo Filho (2002) constataram que baixa escolaridade, baixa renda per capita e exclusão do mercado formal de trabalho são aspectos geradores de estresse e, consequentemente, contribuem para um aumento de prevalência de transtornos mentais comuns. Gomez e Lacaz (2005) enfatizam a relevância de se investigarem os processos de trabalho por possibilitar as mudanças necessárias para um ambiente de trabalho mais salutar.

Um dos motivos para o crescente número de pesquisas na área de saúde do trabalhador é a relevância dos afastamentos por motivos de saúde e, por consequência, o alto custo social que isso implica. No Brasil, os transtornos mentais estão na terceira posição entre as causas de concessão de benefícios previdenciários (MINISTÉRIO DA SAÚDE; ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE, 2001). Por sua vez, os distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho (DORT) ou lesões por esforço repetitivo (LER) são a causa de 80% dos afastamentos do trabalho no Brasil (SATO; LACAZ; BERNARDO, 2006). A incapacidade temporária, o absenteísmo, a aposentadoria precoce e os riscos à saúde fomentam estudos que relacionam estresse ocupacional e saúde mental (FOGAÇA et al., 2008).

Já na década de 1950, pesquisas pioneiras em Psicopatologia do Trabalho investigavam perturbações psíquicas ocasionadas pelo trabalho, tais como neurose das telefonistas e neurose dos mecanógrafos (DEJOURS, 1996). Atualmente, o estresse ocupacional tem sido investigado em diferentes funções, como magistrados da justiça do trabalho (LIPP; TANGANELLI, 2002), bombeiros (MURTA; TRÓCOLLI, 2007), psicólogos (SANZOVO; COELHO, 2007) e em trabalhadores de diferentes funções, nas seguintes áreas: saúde, justiça, educação e segurança (CARLOTTO; CÂMARA, 2007). O burnout é considerado como uma resposta ao estresse laboral crônico que surge quando as estratégias de enfrentamento que uma pessoa habitualmente emprega para manejar o estresse no trabalho falham (GIL-MONTE; MARUCCO, 2008). Para Barros et al., os primeiros sinais de estresse ligados ao trabalho são sensação de exaustão, esgotamento, sobrecarga física e mental e dificuldades de relacionamento (BARROS et al., 2008).

O burnout e a presença de transtornos mentais comuns têm sido bastante investigados, por estarem associados à incapacitação e ao alto custo social, econômico e individual, ao absenteísmo, à queda da produtividade, à alta rotatividade de profissionais, à elevação da demanda de serviços de saúde e ao uso abusivo de tranquilizantes, álcool e outras drogas (SILVA; MENEZES, 2008). Exemplo disso são os estudos de Gil-Monte e Marucco (2008), avaliando estresse em pediatras de hospitais gerais, de Fogaça et al. (2008), com médicos e enfermeiros de terapia intensiva, de Paschoalini et al. (2008), com enfermeiros e técnicos e auxiliares de enfermagem, entre outros. Um dos problemas mais estudados do momento, o burnout geralmente acomete profissionais que atendem ou assistem pessoas em situações de risco ou de extrema responsabilidade (Maslach, apud Barros et al., 2008).

Paschoalini et al. (2008) encontraram que 81% dos profissionais de enfermagem que trabalham em um hospital no interior de São Paulo consideram seu trabalho estressante, com a maior parte sentindo os efeitos do estresse durante as atividades. Os setores de emergência e cirúrgico se destacam, percebidos como estressantes por mais de 75% dos entrevistados. Os agentes estressores mais indicados foram as condições de trabalho e organização, mas as relações interpessoais foram percebidas como satisfatórias. Avaliando aspectos cognitivos, de humor e de ansiedade, esses participantes não obtiveram escores preocupantes, nem mesmo nos escores de estresse ocupacional, que foram similares aos dados normativos. Uma diferença importante entre grupos foi a de que os enfermeiros indicaram maiores níveis de estresse ocupacional do que os técnicos e auxiliares, denotando que os fatores estressores são mais percebidos por esses profissionais.

Fogaça et al. (2008) realizaram uma revisão bibliográfica que identificou efeitos de estresse ocupacional e burnout em médicos e enfermeiros de terapia intensiva pediátricas e neonatais, nos quais a exposição constante com o risco de morte, relacionamentos com familiares de pacientes entre outros fatores (relacionamentos difíceis, desejo de abandonar o trabalho, exaustão emocional, falta de realização profissional, sobrecarga de trabalho) pode influenciar negativamente a qualidade de vida no trabalho.

Para Silva e Menezes (2008), os profissionais de saúde são mais afetados por possuírem uma filosofia mais humanística de trabalho e se defrontarem com um sistema de saúde desumanizado. Já para Gil-Monte e Marucco (2008), a maior incidência de burnout se dá em profissionais que exercem funções assistenciais ou sociais, porque seu trabalho tem repercussões na sociedade. No trabalho de pediatras, a ausência de autonomia para gerir o trabalho e a formação, a falta de confiança de pacientes, interrupções no trabalho, pouco reconhecimento das chefias, baixos salários, tempo curto por paciente, excesso de demanda, burocracia, pobre possibilidade de promoção e necessidade de formação contínua podem provocar sobrecarga de trabalho, desmotivação, frustração e burnout.

Estudos com outros profissionais da saúde indicaram que 24,1% dos agentes comunitários de saúde apresentaram síndrome de esgotamento profissional e prevalência de transtornos mentais comuns em 43,3% (SILVA; MENEZES, 2008). Esse esgotamento estava associado com a relação com a equipe em 37,6% dos casos e com a relação com a comunidade em 33,6% dos casos (SILVA; MENEZES, 2008).

Por sua vez, estudos investigando a satisfação no trabalho demonstraram que essa variável correlaciona-se à rotatividade de profissionais em uma organização (CAMPOS; MALIK, 2008). No Programa de Saúde da Família, uma estratégia para aumentar a fixação destes em seu cargo visa aumentar a satisfação dos profissionais de saúde que lá atuam. Nesse estudo realizado em São Paulo, Campos e Malik (2008) identificaram que o estresse, ambiente físico e capacitação são fatores de insatisfação. Com relação aos materiais para a execução da tarefa, a satisfação foi considerada média e os aspectos "relacionamento intraequipe" e "reuniões de equipe" obtiveram satisfação excelente. Esse estudo demonstrou que, quanto maior a satisfação, menor a rotatividade. Além disso, quanto maior o grau de capacitação menor a rotatividade.

Na área da saúde mental, temos os trabalhos de Rebouças, Legay e Abelha (2007) e Pelisoli, Moreira e Kristensen (2007). No primeiro estudo, essa avaliação ocorreu no contexto de uma instituição de longa permanência, enquanto no segundo, no contexto de um centro de atenção psicossocial. Ambos os estudos identificaram níveis médios de satisfação e baixos níveis de impacto do trabalho. Importante ressaltar que maiores níveis de satisfação foram encontrados em profissionais que não tinham contato direto com pacientes e que estavam atuando junto à implantação de novos modelos de assistência (REBOUÇAS; LEGAY; ABELHA, 2007). Outro dado relevante encontrado demonstrou que, à medida que o tempo de serviço aumenta, diminuem as repercussões emocionais do trabalho (PELISOLI; MOREIRA; KRISTENSEN, 2007). As dificuldades institucionais e operacionais, baixa adesão dos pacientes e os procedimentos para a internação psiquiátrica foram apontados como fatores geradores de sobrecarga.

Também estudando a saúde mental, Ishara, Bandeira e Zuardi (2008) identificaram níveis médios de satisfação em profissionais de instituições psiquiátricas de internação parcial e integral. Os fatores de maior satisfação foram qualidade do serviço e relacionamento no trabalho. Pessoas com mais de dez anos de serviço tinham maior satisfação do que pessoas que trabalham entre seis e dez anos. Maior satisfação também foi encontrada nos profissionais mais velhos e naqueles que tinham apenas o nível de escolaridade médio.

Diante do valor do trabalho na vida humana e das possíveis repercussões dos diferentes fatores relacionados à atividade laboral de profissionais de saúde, este estudo investigou as percepções de trabalhadores da rede pública de um município do interior do Estado do Rio Grande do Sul sobre a rede de atendimento em que atuam, além de estresse e satisfação relacionados ao trabalho.

 

2 MÉTODO

2.1 Procedimento

A aplicação do instrumento deu-se de forma coletiva, em um seminário que reuniu todos os trabalhadores da Secretaria de Saúde do município de Osório, RS, realizado em dezembro de 2007. O seminário tinha por objetivo um momento de integração da equipe e utilizou-se dessa oportunidade para a coleta de dados. A aplicação durou em média 15 minutos, sendo os participantes convidados a responderem o instrumento de forma livre e anônima. Todos assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido e tiveram suas dúvidas sobre os procedimentos da pesquisa discutidos com a equipe. O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética do Centro de Atenção Psicossocial Casa Aberta, e todos os cuidados éticos referentes a pesquisas envolvendo seres humanos foram tomados, conforme resolução do Conselho Nacional de Saúde (1996).

2.2 Instrumento

A equipe de pesquisa elaborou um questionário com questões abertas e fechadas, além de obter dados sociodemográficos. As questões fechadas foram baseadas em revisão bibliográfica sobre os temas "satisfação" e "estresse no trabalho". Os itens que avaliavam a satisfação incluíam os seguintes aspectos: (a) Salário; (b) Expectativa de promoção; (c) Carga horária; (d) Grau de responsabilidade; (e) Relacionamento com colegas; (f) Relacionamento com chefia/supervisores; (g) Grau de autonomia; (h) Grau de participação na tomada de decisão; (i) Participação na implementação de projetos e serviços; (j) Participação nos processos de avaliação dos programas e serviços; (l) Atenção dada às suas opiniões; (m) Atenção e cuidados que são dados aos pacientes; (n) Clima do ambiente de trabalho; (o) Informação dada aos pacientes; (p) Tratamento dado ao paciente; (q) Frequência de contato com o paciente; (r) Grau de competência profissional e (s) Instalações do serviço.

Os itens relacionados ao estresse avaliavam a intensidade de problemas de sono, sentimentos de estar deprimido, ansioso, sobrecarregado, estressado, frustrado, irritado, sensação de apresentar problemas emocionais, cansaço físico e queixas físicas. Uma última parte do questionário avaliava as percepções dos trabalhadores sobre a rede de atendimento: a primeira questão era fechada e referia-se a dificuldades da rede de atendimento; as duas últimas questões eram abertas e buscavam identificar os aspectos positivos e as sugestões para possíveis melhorias da rede.

Tendo em vista que o instrumento utilizado foi elaborado pela própria equipe de pesquisa para a realização do presente estudo e para atender as necessidades de investigar os aspectos específicos da rede de atendimento, satisfação e estresse dos trabalhadores, não há possibilidade de se obterem parâmetros comparativos, uma vez que este instrumento não foi utilizado em nenhum outro estudo. Ressalta-se, entretanto, que o questionário pode ser encontrado em anexo (Anexo 1) e seu uso em outros estudos no contexto brasileiro está autorizado pelos autores.

 

 

2.3 Participantes

Participaram da pesquisa profissionais de diferentes categorias, incluindo motoristas, auxiliares de serviços gerais, auxiliares administrativos, estagiários, operários, agentes comunitários, técnicos de enfermagem, enfermeiros, médicos, dentistas, psicólogos, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais, assistentes sociais, entre outras funções. Participaram 148 sujeitos de ambos os sexos, sendo 116 mulheres (78,4%) e 32 homens (21,6%), com idades variando de 18 a 64 anos (média (M) = 36,6; moda (Mod) = 43; mediana (Med) = 38; desvio padrão (DP) = 12,5) e com escolaridade do ensino fundamental incompleto à pós-graduação, com ensino médio completo em 36,5%. Não participaram profissionais do hospital e da farmácia municipal.

2.4 Análise de dados

Os dados relativos às questões fechadas foram tabulados e analisados a partir de um banco de dados criado no software SPSS 13.0, no qual foram realizadas estatísticas descritivas e inferenciais. Os resultados das questões abertas foram transcritos em um arquivo do Microsoft Word XP e, posteriormente, submetidos à análise de conteúdo (BARDIN, 1979). Os resultados foram apresentados considerando-se a totalidade dos participantes, sem diferenciá-los em termos de escolaridade ou profissão, uma vez que os próprios resultados prévios indicaram a ausência de diferença significativa entre grupos tanto referentes à variável "satisfação" quanto à variável "estresse".

 

3 RESULTADOS

De um modo geral, os resultados indicaram satisfação média-alta (M = 3,9; DP = 0,6) por parte dos trabalhadores, considerando-se que a escala Likert de resposta varia de 1 (muito insatisfeito) a 5 (muito satisfeito). Os maiores e menores níveis podem ser vistos na Figura 1. A relação com colegas e chefias foram aspectos de alta satisfação indicadas pelos profissionais. Especificamente, o cuidado de pacientes nos serviços de saúde exige a discussão dos casos e um bom relacionamento entre os profissionais, qualificando o atendimento e o serviço, que é caracterizado por um trabalho em equipe interdisciplinar. Por sua vez, aspectos como salário e promoção foram fatores apontados como tendo maiores níveis de insatisfação e, da mesma forma, podem implicar negativamente na qualidade de vida do trabalhador e na qualidade do próprio serviço, na medida em que o profissional não se sente reconhecido e não percebe possibilidades de ascensão.

 

 

O teste t de Student (t = -2,003; grau de liberdade (gl) = 130; p < 0,05) indicou uma satisfação significativamente mais alta dos homens (M = 4,10; DP = 0,5) quando comparados às mulheres (M = 3,8; DP = 0,7). Uma hipótese para explicar tal resultado é de que as mulheres, por investirem mais em educação na área da saúde, o que é perceptível nos cursos de graduação e pós-graduação, podem apresentar maiores expectativas e críticas relacionadas ao seu trabalho, comparadas aos homens. Os trabalhadores, homens e mulheres, veem seu trabalho como medianamente estressante (M = 3,04; DP = 0,9), sentindo-se estressados (M = 3,43; DP = 0,96), ansiosos (M = 3,42; DP = 1,00) e sobrecarregados (M = 3,42; DP = 0,99) em um nível médio.

A variável "tempo de serviço" (TS) foi analisada e indicou importantes diferenças, tanto relacionada ao estresse (F (3,124) = 2,533; p > 0,06) quanto à satisfação (F (3,110) = 1,535; p > 0,2). O TS variou de 1 a 360 meses (M = 65,8; Med = 31; Mod = 5; DP = 82,7) e foi dividido nos seguintes grupos: até 1 ano; 1 a 3 anos; 3 a 10 anos e acima de 10 anos. Com relação ao estresse, as pessoas que trabalham até 1 ano (M = 2,77; DP = 0,7) se diferenciam (p > 0,250) daquelas que trabalham entre 1 e 3 anos (M = 3,24; DP = 0,9) e se diferenciam também (p > 0,09) daquelas que trabalham há mais de 10 anos (M = 3,30; DP = 0,9), demonstrando que, à medida que o tempo de serviço aumenta, aumenta também o estresse. Já com relação à satisfação, as pessoas que trabalham até 1 ano (M = 4,03; DP = 0,6) se diferenciam (p > 0,4) das que trabalham de 3 a 10 anos (M = 3,7; DP = 0,6) e das que trabalham há mais de 10 anos (M = 3,7; DP = 0,7), demonstrando que, ao passar do tempo, a satisfação diminui. Importante ressaltar que não foram encontradas diferenças nos níveis de estresse e satisfação entre profissionais de diferentes serviços ou entre grupos de escolaridade, o que pode indicar que trabalhar na saúde básica ou em um serviço especializado não faz diferença em termos de estresse e satisfação, assim como ter mais ou menos anos de estudo.

Os dados qualitativos indicaram aspectos positivos e sugestões de melhorias para a rede de atendimento. Conforme pode ser observado na Tabela 1, a primeira questão aberta gerou as categorias Atendimento; Serviços e programas; Acessos e resolutividade; Recursos; Gestão; Relacionamento e comunicação; e Qualificação. Para os participantes, a rede de atendimento da saúde pública do município destaca-se pelo atendimento ao público, acolhedor e receptivo, por profissionais dedicados e comprometidos. Além disso, os postos de saúde estão em número adequado e estrategicamente localizados, garantindo acessibilidade. As equipes do Programa de Saúde da Família e a cobertura de grande parte da população também foram aspectos positivos mencionados pelos participantes. Recursos como medicação gratuita, transporte e materiais de qualidade são percebidos como importantes fatores que contribuem para a efetividade do atendimento.

 

 

A gestão com ênfase na saúde trouxe benefícios para a rede - inclusive incidiu nos relacionamentos, tanto entre a equipe quanto com os superiores -, além de maior capacitação dos profissionais atuantes no município. Ainda assim, os participantes apontaram sugestões para melhorias na rede de atendimento em saúde no município, a partir das quais foram geradas as categorias Qualificação; Serviços e programas; Recursos; Articulação; Reconhecimento; Humanização; Gestão (Tabela 2). Treinamento, educação continuada e reciclagem foram aspectos mencionados como capazes de qualificar a rede, assim como a implantação de novos serviços ainda não oferecidos pelo município, como instalação de Pronto Atendimento, criação de Centro de Especialidade Odontológica, UTI no Hospital, atendimento em quimioterapia e radioterapia, centro de Oncologia, serviço-suporte para o PSF, posto 24 horas, ala psiquiátrica no hospital, implantação de ambulatório de saúde mental, equipes matriciais em saúde mental e criação de programas educativos sobre saúde e higiene.

Com relação aos recursos que podem contribuir para a melhoria das condições de atendimento, foram citadas a ampliação de especialidades, a adequação de determinados espaços físicos, a ampliação do serviço de transporte para os pacientes, a garantia de não faltar medicamentos, a contratação de mais funcionários e de vigilantes para a saúde mental, a aquisição de materiais, carros e exames, além de supervisão institucional.

Outros aspectos foram apontados como diretamente relacionados a uma possível melhoria da rede, como: maior entrosamento entre os profissionais; comunicação sistemática; informatização; comunicação com as secretarias, postos e agentes comunitários; comunicação entre equipe e gestor; integração dos postos; relacionamento hospital/rede básica e integração entre os setores da rede. O reconhecimento pelas chefias por meio de aumentos salariais, respeito e prioridade ao maior tempo de serviço foi outro fator apontado como contribuinte. Características dos próprios profissionais, como humanidade e boa vontade, cordialidade, paciência, responsabilidade e comprometimento foram mencionados. Com relação à gestão, alguns participantes indicaram que um maior controle dos funcionários e uma maior definição das tarefas seriam favoráveis ao funcionamento da rede.

 

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados encontrados neste estudo apresentam repercussões teóricas e práticas. Em termos teórico-acadêmicos, ressalta-se a importância de pesquisas junto aos profissionais, que vivem o dia-a-dia da saúde pública no Brasil. São estes que percebem no seu fazer diário as virtudes e dificuldades das redes em que se inserem e são estes os principais atores que podem contribuir para a melhoria das condições de seu trabalho e do atendimento à população. O impacto do trabalho na qualidade de vida e na saúde do trabalhador é foco de preocupação de muitos autores (DEJOURS, 1996; LIMONGI-FRANÇA; RODRIGUES, 2005) e pode-se inferir que esse processo não é somente unidirecional, mas bidirecional, quando, na medida em que afeta a saúde do trabalhador, afeta também o serviço que é prestado por ele. Em termos práticos, destaca-se que estratégias de intervenção e prevenção beneficiariam tanto o trabalhador quanto o serviço e, de um modo mais amplo, a rede de saúde. Investir na gestão de pessoas com ênfase na qualidade de vida do trabalhador incide diretamente no processo e resultado da organização do trabalho. Saúde, educação, bem-estar, capacitação e segurança no trabalho privilegiam o incremento global nas dimensões sócio-ocupacionais e, por consequência, na saúde mental dos trabalhadores, tornando as relações de trabalho mais humanizadas e com impacto mais positivo na vida destes.

A saúde do trabalhador é compreendida por Minayo-Gomez e Thedim-Costa (1997) como um "corpo de práticas teóricas interdisciplinares - técnicas, sociais e humanas - e interinstitucionais..." (p. 25). Trata-se, então, de: a) um campo de conhecimento; b) um campo de investigação; c) um campo interdisciplinar e multiprofissional (MINAYO-GOMEZ; THEDIM-COSTA, 1997). Nessa perspectiva, o trabalhador é considerado um sujeito de mudanças, com capacidade de transformação de sua realidade de trabalho (SATO; LACAZ; BERNARDO, 2006). Assim, destacam-se neste estudo as alternativas apontadas pelos participantes para qualificar a rede de atendimento, tais como a criação de novos serviços, investimento na capacitação profissional, entre outros (Tabela 2).  Ressalta-se que investir no incremento da qualidade de vida do trabalhador parece contrapor-se aos interesses capitalistas vigentes no mundo do trabalho contemporâneo (SATO; LACAZ; BERNARDO, 2006). A longo prazo, os resultados poderão ser mais significativos na eficácia e eficiência no atendimento e na qualidade do serviço prestado.

 

 

Em estudo realizado por Paschoalini et al. (2008), foram adotadas leituras educacionais sobre agentes estressores e seu manejo, mudanças nas condições de trabalho e rearranjo dos profissionais na clínica, sondagem de opiniões com os trabalhadores para facilitar o diálogo e melhorar as condições de trabalho, atribuição de profissionais para fiscalizar e melhorar a logística dos materiais em todas as clínicas e reavaliação dos indicadores cognitivos, de humor e de ansiedade. Por sua vez, Gil-Monte e Marucco (2008) sugerem que a autorrealização no trabalho seja uma variável para ser investigada nesses contextos de estudo, já que se trata de uma variável cognitiva que afeta a habilidade para o trabalho. Esses autores sugerem ainda a realização de entrevistas clínicas com pessoas que apresentam maiores níveis de estresse, além da elaboração de políticas de prevenção e intervenção que visem diminuir os riscos psicossociais que afetam o coletivo profissional, porque o trabalho implica diretamente na qualidade da atenção oferecida à população. Tendo em vista o resultado do presente estudo, que evidenciou o aumento do estresse com o decorrer do tempo de serviço, uma implicação prática seriam sucessivas intervenções preventivas e terapêuticas focadas na saúde mental do trabalhador, tal como sugerem Gil-Monte e Marucco (2008).

Os modelos de satisfação enfatizam ora os aspectos do conteúdo do trabalho - como a significância percebida ou o grau com que a pessoa vê seu trabalho como importante, valioso e significativo, responsabilidade percebida pelo trabalhador em relação a seu trabalho, conhecimento dos resultados do trabalho - ora os aspectos de contexto, como a possibilidade de crescimento, a supervisão, a segurança no trabalho, a compensação financeira e o ambiente social (SANT'ANNA; MORAES; KILIMNIK, 2005). Fatores organizacionais - como comunicação e modo como às informações circulam na empresa, o modo como os conflitos são resolvidos na organização e a maneira como as mudanças e inovações são implementadas na empresa - também são levados em consideração nas investigações sobre satisfação no trabalho.

O estudo de Barros et al. (2008) encontrou um nível menos elevado de burnout em médicos que possuíam título de especialista em Medicina intensiva, que tinham algum hobby ou que praticavam atividade física regular. Práticas de exercícios e hobby, tempo de férias suficiente e afiliação religiosa também foram aspectos encontrados por Glasberg et al. (2007) como possíveis de prevenir o burnout em médicos oncologistas. Esses estudos nos apontam para possíveis fatores de proteção, que podem ser incentivados em estratégias bem estabelecidas de intervenção com os profissionais da saúde.

Os resultados deste estudo corroboram a necessidade de mudanças por parte do poder público, especialmente no que diz respeito à ampliação de recursos humanos e materiais e à reforma das edificações, além de mudanças na organização do trabalho, possibilitando que mais profissionais participem de modelos novos de assistência (REBOUÇAS; LEGAY; ABELHA, 2007). O investimento na pesquisa, identificação e promoção de saúde é fator fundamental na qualificação da atenção aos processos saúde-doença. Essas iniciativas podem concretizar-se em ações na esfera da atenção básica, com a participação dos trabalhadores (DIAS; HOEFEL, 2005). Dessa forma, percebe-se que a avaliação de serviços por meio de seus profissionais é uma estratégia útil por apresentar as dificuldades e pontos fortes da rede de atendimento, além de possibilitar mudanças por parte da gestão e benefícios tanto para os trabalhadores quanto para a comunidade como um todo.

 

REFERÊNCIAS

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Artigo recebido em: 22/02/2010
Aprovado para publicação em: 07//07/2010

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