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Mental

versão impressa ISSN 1679-4427

Mental vol.9 no.17 Barbacena dez. 2011

 

ARTIGO

 

O cuidado em saúde: o paradigma biopsicossocial e a subjetividade em foco

 

Health care: biopsychosocial paradigm and subjectivity into focus

 

 

Thaís Thomé Seni Oliveira PereiraI; Monalisa Nascimento dos Santos BarrosII; Maria Cecília Nobrega de Almeida AugustoIII

IPsicóloga, Mestre e Doutoranda em Psicologia pela Universidade de São Paulo (USP), Docente do curso de Psicologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL), Membro do grupo de pesquisa Recursos Humanos em Saúde Mental da EERP - USP
IIPsicóloga, Mestre em Applied Population Research pela University of Exeter – Inglaterra, Doutoranda do Programa de Interunidades da Universidade de São Paulo (USP), Docente do curso de Medicina da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB)
III
Economista pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Mestre em Educação pelo Centro Universitário Moura Lacerda – Ribeirão Preto

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O presente artigo traz algumas reflexões sobre o cuidado em saúde na atualidade, especificamente sobre o cuidado no paradigma resultante da reforma sanitária brasileira, denominado paradigma da produção social de saúde ou paradigma biopsicossocial, que busca superar o paradigma curativista ou biomédico, se refletindo em transformações no conceito de saúde, na compreensão sobre o processo saúde-doença, na organização do sistema brasileiro de saúde pública e nas práticas profissionais em saúde. Busca-se estabelecer um diálogo da área da saúde com a produção teórico-conceitual de Fernando González Rey sobre a subjetividade na perspectiva da psicologia histórico-cultural, que vem a contribuir para a efetivação do paradigma biopsicossocial, por meio de transformações na formação profissional e nas práticas profissionais em saúde.

Palavras-chave: Cuidado em saúde; paradigma biopsicossocial; subjetividade; formação profissional; atenção em saúde.


ABSTRACT

This article offers some reflections on health care nowadays, specifically about the paradigm of care resulting from the Brazilian health reform, named social production of health or biopsychosocial paradigm, which seeks to overcome the curative or biomedical paradigm, to be reflected in changes about the concept of health, the understanding of the health-disease process, in Brazilian public health system organization and in health professionals practices. The article intends to establish a dialogue between the health field with the theoretical and conceptual production of Fernando González Rey on the subjectivity from the perspective of historical-cultural psychology, which contributes to the effectiveness of the biopsychosocial paradigm, through changes in training and professional practices in health.

Keywords: Health care; biopsychosocial paradigm; subjectivity; professional training; health attention.


 

 

1 INTRODUÇÃO

O presente artigo traz algumas reflexões sobre a área da saúde, especificamente sobre o paradigma resultante da reforma sanitária brasileira, denominado paradigma da produção social de saúde (MENDES, 1996; SANTOS; WESTPHAL, 1999) ou biopsicossocial (BELLOCH; OLABARRIA, 1993; DE MARCO, 2003; SEBASTIANI; MAIA, 2005). Tais reflexões buscam estabelecer um diálogo da área da saúde com a produção teórico-conceitual de Fernando González Rey (2002; 2007; 2011) sobre a subjetividade na perspectiva da psicologia histórico-cultural.

Iniciamos com um breve percurso histórico da reforma sanitária, passando pelo conceito de saúde contemporâneo e as diretrizes do paradigma atual para a estrutura e o funcionamento do sistema de saúde brasileiro.

Em seguida, abordaremos a questão da formação profissional em saúde, considerando que as transformações preconizadas pela reforma têm reflexos diretos nas práticas profissionais em saúde, como também na formação e no desenvolvimento profissional na área.

 

2 SAÚDE: PERSPECTIVAS HISTÓRICAS DE CONCEPÇÕES, PRÁTICAS E PARADIGMAS

Objetivando refletir sobre as práticas em saúde atuais, faz-se necessário considerar que o fazer em saúde resulta da apropriação de conceitos, ideias, valores e condutas pelos profissionais e usuários dos serviços. Remete a um determinado momento histórico-social, cultural, político e tecnológico no campo da saúde (SANTOS; WESTPHAL, 1999), que corresponde a um paradigma sanitário.

Na contemporaneidade, pode-se observar que as concepções e ações em saúde buscam superar o modelo biomédico, mecanicista e centrado na doença, também denominado paradigma curativista ou biomédico (SANTOS; WESTPHAL, 1999).

Atualmente, entre os pré-requisitos básicos para que uma população possa ser considerada saudável estão: paz; habitação adequada em tamanho por habitante, em condições adequadas de conforto térmico; educação pelo menos fundamental; alimentação imprescindível para o crescimento e desenvolvimento das crianças e necessária para a reposição da força de trabalho; renda decorrente da inserção no mercado de trabalho, adequada para cobrir as necessidades básicas de alimentação, vestuário e lazer; ecossistema saudável preservado e não poluído; justiça social e equidade garantindo os direitos fundamentais dos cidadãos (Carta de Ottawa, 19861 apud SANTOS; WESTPHAL, 1999).

Nesse sentido, Mendes (1996) coloca que uma sociedade, por meio da produção social, poderá produzir tanto a saúde como a doença. A compreensão sobre saúde passa de uma condição de dependência de técnicas, especializações e compreensão mecanicista dos mecanismos do corpo humano, para um estado em constante construção, sendo produzida coletivamente, nas relações sociais e subjetivas.

Gradualmente, emerge outro conceito de saúde que implica mudanças no entendimento do processo saúde-doença e das práticas sanitárias. Neste contexto, Mendes (1996, p. 237) define saúde como:

o resultado de um processo de produção social que expressa a qualidade de vida como uma condição de existência dos homens no seu viver cotidiano, um viver "desimpedido", um modo de "andar a vida" prazeroso, seja individual, seja coletivamente.

Esta definição traz essencialmente as dimensões subjetivas da produção de saúde, afinando-se com as ideias e concepções atuais que caminham para a interdisciplinaridade na medida em que ampliam o olhar sobre os diversos aspectos do processo saúde-doença. Configura-se então um novo paradigma sanitário: o da produção social da saúde (MENDES, 1996) também denominado paradigma biopsicossocial (BELLOCH; OLABARRIA, 1993; DE MARCO, 2003; SEBASTIANI; MAIA, 2005), alternativo ao paradigma curativista anterior (SANTOS; WESTPHAL, 1999).

Segundo Belloch e Olabarria (1993), os princípios do paradigma biopsicossocial são:

1. O corpo humano é um organismo biológico, psicológico e social, ou seja, recebe informações, organiza, armazena, gera, atribui significados e os transmite, os quais produzem, por sua vez, maneiras de se comportar;

2. Saúde e doença são condições que estão em equilíbrio dinâmico; estão codeterminadas por variáveis biológicas, psicológicas e sociais, todas em constante interação;

3. O estudo, diagnóstico, prevenção e tratamento de várias doenças devem considerar as contribuições especiais e diferenciadas dos três conjuntos de variáveis citadas;

4. A etiologia dos estados de doença é sempre multifatorial. Devem-se considerar os vários níveis etiopatogênicos e que todos eles requerem uma investigação adequada;

5. A melhor maneira de cuidar de pessoas que estão doentes se dá por ações integradas, realizadas por uma equipe de saúde, que deve ser composta por profissionais especializados em cada uma das três áreas;

6. Saúde não é patrimônio ou responsabilidade exclusiva de um grupo ou especialidade profissional. A investigação e o tratamento não podem permanecer exclusivamente nas especialidades médicas.

Constata-se, porém, que no cenário atual a aplicação destas concepções no cotidiano dos serviços de saúde está no início de seu processo de efetivação. O modelo biopsicossocial pressupõe ações integradas e interdisciplinares. Porém, necessita de amadurecimento em função da formação dos profissionais de saúde, dos modelos de gestão, de financiamento e funcionamento do sistema de saúde como um todo (SEBASTIANI; MAIA, 2005). Faz-se necessário repensar modelos e práticas atuais (MOTTA; BUSS; NUNES, 2001) e elaborar propostas no sentido de resgatar a participação ativa dos profissionais e dos sujeitos na produção de saúde, construindo assim, práticas cotidianas em relação a uma vida saudável.

 

3 REFORMA SANITÁRIA E O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE

A Constituição Federal brasileira de 1988, que instituiu o Sistema Único de Saúde (SUS), inspirada na Conferência Nacional de Saúde de 1986, teve seu capítulo sobre Saúde marcado pelo paradigma da produção social da saúde (SANTOS; WESTPHAL, 1999). Neste documento inicial, saúde foi definida como direito universal e resultante de condições de vida e trabalho,

garantida mediante políticas sociais e econômicas, que visem a redução do risco de doença e outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (BRASIL, 1988 apud SANTOS; WESTPHAL, 19992).

Em termos de organização do sistema de saúde, opera-se uma hierarquização dos serviços por níveis crescentes de complexidade, numa composição em pirâmide. Na verdade, esta hierarquização antecede a criação do SUS, sendo implantada pelo Conselho Consultivo da Administração de Saúde Previdenciária (Conasp) em 1982. O nível primário de atenção, ou atenção básica, seria a porta de entrada ao sistema, responsável pela prevenção e os cuidados básicos em saúde; o nível secundário de atenção consiste na assistência especializada, nos ambulatórios de especialidades; e finalmente, o nível terciário que responde pelas ações mais complexas na rede hospitalar.

Assim, a partir dos princípios da Constituição de 1988 para a organização do SUS, inicia-se a implementação de uma rede básica mais complexa que a proposta pelo Conasp, que deveria funcionar não só como a porta de entrada ao sistema, mas realizar a integralidade das ações, incorporando a prevenção, a promoção e a assistência e, posteriormente, incorporando a Estratégia Saúde da Família (ESF) (BRASIL, 2008).

No que se refere à assistência em saúde, o novo paradigma e a nova organização do sistema público de saúde brasileiro preconizam ações que exigem articulações intra e interinstitucionais, através do trabalho em equipes multiprofissionais, do trabalho em rede e da participação social.

É importante destacar que o SUS possibilitou grandes avanços na saúde pública brasileira (BRASIL, 2006), porém, existem desafios a serem superados. Considerados aqui os problemas na dimensão coletiva, fica claro que a superação não é possível apenas mediante decisões de âmbito hospitalar ou de assistência médica. Seu enfrentamento necessita de ação da saúde coletiva, com ênfase na promoção de saúde e na prevenção das doenças, do trabalho em equipe interdisciplinar, da ação intersetorial, que apenas são possíveis com a participação social, ou seja, de gestores, profissionais e usuários do sistema. Neste ponto lançamos as seguintes questões: Como fazer isso frente ao poder hegemônico da biomedicina? Como fazer isso com uma população analfabeta e com pouco ou nenhum histórico de participação popular nas políticas públicas? Ou ainda em camadas mais favorecidas, porém desmobilizadas politicamente? Como fazer isso com demandas regionais/locais tão diferenciadas? Com a confusão presente em nosso país de que o que é público ou social se relaciona apenas às camadas populares, numa conotação depreciativa?

Entendemos que as mudanças e transformações necessárias só terão lugar quando conseguirmos que se tornem parte da cultura. Nesse sentido, o olhar de González Rey (2002) para a cultura como uma produção subjetiva organizada em uma ordem social, como um momento da ação humana carregada de sentidos subjetivos que especifica seu pertencimento à própria cultura, vem ressaltar a relevância de esforços em múltiplas direções: em mudanças nos cursos de graduação para as profissões da saúde, na prática dos conselhos locais de saúde e nas práticas cotidianas nos serviços de saúde. Entendemos que tais transformações poderão ser produtoras de atores sociais no exercício de sua cidadania, que são requeridos para, como protagonistas, empreenderem a ruptura necessária ao surgimento de uma nova concepção de saúde e doença. É importante destacar que tais atores – profissionais de saúde, usuários dos serviços e a comunidade como um todo – estão imersos em processos de produção de sentidos subjetivos, tecendo os fios de uma subjetividade social revelada nas produções subjetivas que configuram os espaços sociais da ação.

 

4 O PARADIGMA BIOPSICOSSOCIAL E A FORMAÇÃO PROFISSIONAL

Segundo Chen et al. (2004), a eficiência de um sistema de saúde está diretamente relacionada ao desempenho dos profissionais que o constituem. Cada vez mais, os países da região das Américas constatam que muitos problemas dos seus sistemas de serviços de saúde, como a iniquidade ao acesso aos serviços, o descuido com a saúde coletiva e as dificuldades na gestão, estão relacionados aos recursos humanos em saúde. Conclui-se que, sem mudanças nas ações e na formação dos profissionais de saúde, qualquer tentativa de reforma não produz efeitos, ou mesmo, produz efeitos contrários.

Em relação ao SUS, pode-se dizer que a formação e o desenvolvimento de recursos humanos para a saúde estão previstos desde sua implantação pela Constituição Federal de 1988 e pela Lei Orgânica de Saúde de 1990, porém, como destacam Motta, Buss e Nunes (2001), as dificuldades na qualificação e requalificação de profissionais da saúde sempre estiveram presentes, constituindo ainda um desafio para o bom funcionamento do sistema.

Assim, para que o novo paradigma sanitário se efetive em ações e práticas profissionais, necessita-se investir na readequação da formação, através da reestruturação dos currículos e das metodologias dos cursos de graduação e pós-graduação em saúde, até o desenvolvimento dos profissionais que já estão atuando nos serviços.

Almeida e Ferraz (2008) destacam que investir nos recursos humanos em saúde envolve os seguintes aspectos: a reestruturação curricular nos cursos de formação em saúde, adequando os currículos às demandas do SUS; a adoção de metodologias de ensino-aprendizagem que promovam formação crítica e reflexiva e integração efetiva entre as instituições de ensino superior e os serviços de saúde; e a capacitação dos recursos humanos da saúde através de políticas de educação permanente em saúde.

Atualmente, temos um eixo norteador para tais transformações, que concebe o papel do profissional de saúde como o de cuidador, preconizando a transformação das práticas em saúde, da tutela para o acolhimento, o cuidado e o contrato (BREDA et al., 2005).

Nessa perspectiva, em termos de políticas públicas, temos atualmente a Política Nacional de Humanização (PNH) também denominada HumanizaSUS (BRASIL, 2004). A PNH se apresenta como uma estratégia para alcançar maior qualificação da atenção e da gestão dos processos de trabalho em saúde, através de um projeto de corresponsabilidade, qualificação dos vínculos interprofissionais, e destes com os usuários na produção de saúde (DIMENSTEIN, 2006).

Nesta proposta, humanizar pode ser entendido como um resgate das dimensões humanas, no qual a subjetividade e o cuidado se tornam elementos essenciais. Como falar em humanizar, sem falar de emoções e afetos, sem falar das produções simbólico-emocionais que integram nossas experiências de vida e se produzem nas relações?

Nessa direção, diversos autores, estudiosos do fazer em saúde, definem o papel do profissional de saúde no paradigma sanitário atual como cuidador, que implica a substituição do termo tratar pelo cuidar, no qual tratar pressupõe um diagnóstico e cuidar tornaria possível uma visão ampliada do sujeito alvo dos cuidados (AYRES, 2001; MANDÚ, 2004; PEGORARO; CALDANA, 2007; ZOBOLI, 2004). Esses autores enfatizam o caráter essencialmente relacional deste cuidado, privilegiando-se a produção de sentidos resultante do encontro de subjetividades (AYRES, 2001; MANDÚ, 2004), e considerando quem se apresenta para ser cuidado como um ser único, que tem uma história, uma visão de mundo, uma maneira de entender, sentir, se relacionar e se expressar, inclusive suas dores. Nessa concepção, a rede de interações e significados a ela atribuídos é constituinte de identidades e construtora de saberes, sentidos e olhares sobre a saúde e o adoecer. Também nesta concepção, a subjetividade torna-se alvo de investimento e transformação do cuidado.

Dando mais um passo no estudo da subjetividade, o foco de González Rey (2002; 2007) na emocionalidade como matriz de sentidos permite-nos aprofundar a compreensão da produção desses outros sentidos para o cuidado. Nos momentos de interação, afetos e emoções entram em novas relações com outros elementos da vida psíquica e novos sistemas aparecem em formas especiais de conexão e movimento, ou seja, surgem novas produções em relação às experiências vividas, o que ressalta o caráter gerador/produtor/criador da subjetividade humana.

Assim, o cuidado em saúde preconizado pelo paradigma biopsicossocial envolve a contínua reconstrução de significados a respeito de si, do outro e do mundo, incluindo também significados sobre saúde, doença, qualidade de vida, autonomia, que torna necessária a criação de um espaço relacional que vá além do saber-fazer científico/tecnológico. Isso permite o olhar para a pessoa além da doença que apresenta, considerando-se o conhecimento que possui sobre si mesma, sobre o adoecer e a saúde, como focos essenciais na reconstrução conjunta de sentidos em direção a uma vida saudável nos seus diversos aspectos (MANDÚ, 2004).

Dessa maneira, o encontro entre o profissional e o usuário no atendimento envolve a escuta compartilhada de si mesmos, sempre se refletindo em ambos. Esse encontro de subjetividades constitui um poderoso instrumento que pode contribuir para a emancipação dos sujeitos alvo de cuidados e possibilitar uma participação mais ativa destes na produção de sua saúde, como também um maior protagonismo em relação a aspectos pessoais e sociais.

Retornando à questão da formação e do desenvolvimento profissional, entendemos que se faz imprescindível a adoção de metodologias de ensino-aprendizagem que ultrapassem o saber técnico-científico pelas instituições formadoras, incluindo o desenvolvimento de habilidades para lidar com a dimensão subjetiva do ser humano: a do paciente, das comunidades, dos colegas de trabalho e a sua própria.

 

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O processo de transição do paradigma biomédico para o biopsicossocial e suas vicissitudes se desdobram nos diferentes planos de concretização e desafios para a construção da saúde, estes cotejados com as reflexões desencadeadas pelo pensamento de González Rey (2002; 2007; 2011), especialmente suas ênfases na subjetividade, na relevância da emocionalidade para os processos de desenvolvimento humano, nos permitiram pensar como tal abordagem e suas categorizações, podem potencializar a ação nos diferentes momentos assistenciais à saúde e na preparação daqueles que a vivenciam profissionalmente, no cotidiano das práticas em saúde.

Como destaca Rosseti-Ferreira (2006), visões teórico-metodológicas influem, contribuem, respaldam, restringem ou transformam realidades sociais. São mais que perspectivas de compreensão de processos humanos, são elementos constituintes dos processos, das relações e das práticas entre as pessoas. Nesse sentido, buscamos olhar para a lógica do paradigma de saúde atual e para políticas e estratégias do SUS, como também para a formação de profissionais da saúde, em seus espaços de resgate das subjetividades, seus caminhos e/ou descaminhos na valorização dessa dimensão.

O giro de um conceito biomédico de saúde para um biopsicossocial, implica uma série de reconfigurações (ou re-significações) nos sentidos de saúde-doença-cura, do tratar-cuidar, bem como de noções de saúde coletiva, comunidade, controle social, avaliação, corpo, culturas, saberes populares/especializados, participação, cooperação, etc. Esse é o giro da complexidade, do olhar para nossa ação sobre o mundo, sobre o outro e sobre nós mesmos na tensão das múltiplas histórias, contextos, sentimentos e sentidos que se (re)configuram em nós permanentemente.

Com as lentes de aumento sobre os aspectos subjetivos do desenvolvimento humano, os sentidos apresentam-se como formações dinâmicas, fluidas, maleáveis, sempre em movimento, o que nos encoraja a questionar, sempre, as formas habituais de atuação. Essas lentes ressaltam o momento assistencial como um momento subjetivador, inscrevem os processos corporais como fenômenos sociais que têm história e articulação com outros processos da vida, resgatam os simbolismos, afetividades, potencialidades e capacidade de criação na atenção à saúde. São lentes que ampliam possibilidades para as políticas e práticas, pois evitam apriorismos, requisitando mais espaços para as diversas expressões do humano, inclusive para a consideração, como diz González Rey (2002), dos efeitos colaterais desses processos ou das singulares consequências da vida social sobre o homem.

 

REFERÊNCIAS

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Endereço para correspondência:
Programa de Pós-graduação em Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP
Avenida dos Bandeirantes, 3.900, Monte Alegre – Ribeirão Preto, SP.
CEP: 14040-901, Tel.: (16) 3602-3804/(16)3630-8956.
E-mail: thseni@yahoo.com.br

Artigo recebido em: 20/12/2010
Aprovado para publicação em: 18/10/2011

 

 

1 Conferencia Internacional sobre la Promocion de la Salud. Carta de Ottawa para la Pomoción de la salud. Ottawa, 17 a 21 de nov., 1986
2 BRASIL. Senado Federal. Constituição Federal. Brasília, Senado Federal, 1988.