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Mental

versão impressa ISSN 1679-4427versão On-line ISSN 1984-980X

Mental vol.11 no.20 Barbacena jan./jun. 2017

 

ARTIGOS

 

A loucura em diferentes épocas: a convivência da família com o portador de transtorno mental

 

Madness in different seasons: The family living with the mental disorder

 

Locura en diferentes épocas: La convivencia de la familia con el portador de transtorno mental

 

 

Aline Nogueira Minardi Mitre

Psicóloga graduada pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG), Campus São Gabriel.

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O presente estudo é um recorte no campo da Psicologia, o qual buscou compreender, por meio de uma revisão bibliográfica, os aspectos que marcam a história do portador de transtorno mental (PTM) no Brasil e no mundo, bem como discutir o efeito do processo de inclusão deste na relação familiar. O eixo impulsionador para uma visão de inclusão que se concretiza com a Reforma Psiquiátrica, a qual retirou o "louco" do lugar de objeto e passou a tratá-lo como sujeito. Hoje, a pessoa com transtorno mental convive com sua família e tem o apoio da rede comunitária de saúde para o tratamento nos momentos de crise. A família teve e ainda tem muita dificuldade em receber de volta ao lar seus membros advindos das instituições psiquiátricas, pois não obtém apoio nem instrução do Estado sobre como lidar com as situações conflituosas decorrentes da doença mental; sequer foi informada sobre o processo da Reforma Psiquiátrica e dos modelos substitutivos que foram implantados como alternativa aos manicômios. Os trabalhadores desses serviços também têm muita dificuldade nessa relação, precisando de constante treinamento e informação para prestarem um atendimento e acolhimento integral às famílias e aos usuários em tratamento. Fica evidente neste estudo que o tratamento ao PTM melhorou significativamente no decorrer dos séculos, mas há muito a avançar, principalmente quanto à integração e à participação da família nos serviços comunitários substitutivos e apoio dos profissionais a estes.

Palavras-chave: Sofrimento mental; inclusão; família.


ABSTRACT

This study is a cutout in the field of Psychology, which sought to understand, through a literature review, aspects that mark the history of person with mental disorder in Brazil and in the world, as well as discuss the effect of the inclusion of the person in the family relationship. The first step of inclusion, which is concluded with the Psychiatric Reform, was stopped to trait crazy people like an object and started to treat them as a subject. Today, the person with mental suffering is included in the family and has the support of community health network for treatment in times of crisis. The family has a hard time getting back home its members from psychiatric institutions, because it did not receive support or education of the State on how to deal with the conflict situations arising from mental illness; the family was not even informed of the process of Psychiatric Reform and substitutive models that would be deployed as an alternative to asylums. The workers of these services also have much trouble in this relationship, requiring constant training and information to provide care and comprehensive care to families and to the user in treatment. It is evident in this study that treatment to the mental suffering significantly improved over the centuries, but there is a lot to be worked out, particularly regarding integration and family participation in substitutive community services and support professionals to them.

Keywords: Mental suffering; inclusion; family.


RESUMEN

Este estudio es un recorte en el campo de la Psicología, que trató de comprender a través de una revisión de la literatura, aspectos que marcan la historia del portador de trastorno mental en Brasil y en todo el mundo, así como analizar el efecto del proceso de inclusión de este en la relación familiar. El eje conductor para una visión de inclusión que se realiza con la Reforma Psiquiátrica, la cual retiró al loco del lugar de obejto y empezó a tratarlo como sujeto. La persona con sufrimiento mental hoy en día es incluida en la familia y cuenta con el apoyo de la red de salud de la comunidad para el tratamiento en tiempos de crisis. La familia tiene mucha dificultad en recibir de vuelta en el hogar a sus miembros que provengan de las instituciones psiquiátricas, porque no recibió el apoyo del estado o instrucción sobre cómo hacer frente a las situaciones de conflicto que surgen de la enfermedad mental; Ni siquiera fueron informadas del proceso de Reforma Psiquiátrica y modelos sustitutivos que se implementa como una alternativa a los asilos. Los trabajadores de estos servicios también tienen muchos problemas en esta relación, lo que requiere formación e información constante para proporcionar cuidado y atención integral a las familias y para el usuario en tratamiento. Es evidente en este estudio que el tratamiento del sufrimiento mental mejoró significativamente a lo largo de los siglos, pero hay mucho que resolver, en particular respecto a la participación y la integración de la familia en los servicios comunitarios sustitutivos y apoyo de los profesionales a estos.

Palabras clave: Sufrimiento mental; inclusión; familia.


 

 

1 INTRODUÇÃO

No decorrer dos séculos e épocas, o portador de transtorno mental (PTM) foi tratado de diferentes formas e em variados contextos. Após a Reforma Psiquiátrica, o doente foi reinserido na sociedade e voltou a morar com seus familiares. Este estudo teve a finalidade de investigar os processos dessa mudança, discutir criticamente a reinserção e verificar se houve realmente a inclusão dos loucos na sociedade. Sabemos que a partir dos movimentos da Luta Antimanicomial e da Reforma Psiquiátrica, instituídas no Brasil nas décadas de 1980 a 2001, mudou-se o modelo de tratamento utilizado, passando-se a desenvolver a reinserção dessas pessoas na relação familiar e comunitária em detrimento dos antigos manicômios que funcionavam como verdadeiros depósitos dos excluídos. A família passou a se responsabilizar e a responder por seus cuidados, criou-se uma rede de serviços comunitários de apoio e inclusão, assim como internação hospitalar nos momentos de crise.

Em geral, as formas de adoecimento mental e alguns transtornos psiquiátricos podem modificar a vida do sujeito e incapacitá-lo para algumas de suas necessidades básicas. Essas pessoas não sabem, na maioria dos casos, como cuidar de si, não conseguem trabalhar, não entendem a importância da medicação e, às vezes, não se relacionam afetivamente nem socialmente.

Rosa (2011) afirma que o transtorno mental gera tensão no meio familiar, já que se constitui uma incógnita, causando incerteza quanto ao destino do enfermo. Goffman citado por Rosa (2011) ressalta que foi identificada a desinformação que existe no meio familiar. Relata, ainda, que a trajetória da família com o enfermo se inicia com grandes investimentos econômicos e emocionais, os quais se alternam com o retrocesso no quadro clínico e o despreparo da família em lidar com a situação.

Ao realizar estágio no Centro de Referência em Saúde Mental Nordeste (CERSAM) e no Hospital do Instituto de Previdência dos Servidores do Estado de Minas Gerais (IPSEMG), dois dos serviços que substituem o modelo manicomial, foi observada a dificuldade das famílias em lidar com os problemas decorrentes da doença mental, sendo esse um ponto de provocação para a criação de um futuro projeto como ferramenta de auxílio a essas famílias. É preciso esclarecê-las sobre as principais dificuldades de cada tipo de sofrimento, os sintomas e os serviços disponíveis na rede pública, nos quais possam encontrar amparo nesses cuidados, principalmente nos momentos de crises.

Nos atendimentos realizados no CERSAM, alguns pacientes reclamavam da dificuldade da família em compreender suas alterações de humor e agressividade, relataram que os familiares não entendem que essas alterações são inconscientes; diziam sentirem-se julgados negativamente. Realizei atendimentos na Psiquiatria do IPSEMG, mas foi no quinto andar do hospital, no setor de Internação, que identifiquei o sofrimento dos familiares responsáveis pelo cuidado de portadores de transtorno mental. Esses familiares, quando internados, mantinham-se preocupados com o PTM que estava sem cuidador em casa; traziam queixas decorrentes de somatizações causadas pela ansiedade e preocupação com o que poderia acontecer ao PTM sem seus cuidados. Sofriam pela sua própria trajetória de vida, marcada por adversidades, sacrifícios e preconceitos.

É bem verdade, como afirma Rosa (2011), que a Reforma Psiquiátrica ocorreu no Brasil, assim como em outros países, em um contexto de questionamento das políticas sociais e dos serviços públicos em geral.

A Reforma Psiquiátrica constitui-se em um conjunto de aparatos legislativos, jurídicos e administrativos, visando legalizar o processo de desinstitucionalização. Pode-se dizer que, embora os primeiros sinais de possibilidade de transformação da assistência psiquiátrica no Brasil tenham ocorrido no final da década de 1970, as mais significativas mudanças na história das políticas de saúde mental no Brasil somente foram implementadas no período entre 1992 e 1995, a partir das Portarias do Ministério da Saúde (1991 – 1992) que normatizaram o financiamento dos novos serviços de saúde mental e estabeleceram critérios de qualidade para os hospitais. Essas Portarias contribuíram para a criação de mais de 2.000 leitos psiquiátricos em hospitais gerais e de mais de 200 serviços de atenção psicossocial (hospitais-dia, Centros de Atenção Psicossocial [CAPS] e Núcleos de Atenção Psicossocial [NAPS]) em todo o país (HUMBERTO; BORGES, 2005).

Os portadores de transtornos mentais usuários do centro substitutivo são avaliados de acordo com a real necessidade e não perdem o direito à cidadania, permanecem na instituição durante o tempo necessário, geralmente quando estão em crise e apresentando risco à integridade física e\ou moral de si ou das pessoas de seu convívio. Foi possível verificar a importância dos serviços abertos, enquanto alternativas de cuidado inseridas na comunidade — uma assistência flexível, integral e interdisciplinar, contrária à política do abandono, da desassistência e do sucateamento dos serviços públicos, com ênfase na saúde e na desmistificação da doença mental —, apesar de ainda não ser um modelo totalmente adequado e ainda não apresentar alternativas suficientes para atender a toda a população com essa necessidade nem a todos os tipos de sofrimento mental.

Ao realizar estágio extracurricular em uma escola com PTMs, foi possível verificar a influência da família no processo de aprendizagem e desenvolvimento das pessoas, a importância que ela tem como educadora e mantenedora dos comportamentos aprendidos. A partir dessa experiência, tive curiosidade em aprender mais sobre a convivência dos PTM no lar, a participação inclusiva mesmo com suas dificuldades, e observar a importância que tem um psicólogo tem no processo de incentivar e estimular a melhoria da qualidade de vida em geral.

Althoff citado por Reis (2010) afirma que a família é uma unidade social bastante complexa e essencial para o processo de viver de todo ser humano; ela não pode ser entendida apenas como uma ideia abstrata, mas sim por meio de sua concretização na convivência, que se relaciona com o modo como a família constrói o seu mundo inteiro.

Portanto, como descrito anteriormente, no modelo antigo de atenção aos portadores de transtornos mentais, estes eram meramente depositados nos hospitais psiquiátricos, como objetos, e submetidos à tortura e à exclusão de todos os tipos. Com a nova proposta, trazida pela Reforma Psiquiátrica, muito há para se discutir visando desenvolver uma prática efetiva de ação para que o objetivo seja alcançado. Assim, a questão da desinstitucionalização traz à baila a tarefa da reinserção do doente mental no seio familiar; ambiente este que, há muito, não convivia com o dia a dia de se ter um membro da família com graves comprometimentos. Dessa forma, discutir esse tema é tarefa da sociedade como um todo, a qual precisa buscar alternativas, mediante a ampliação das políticas públicas, que possam contribuir para o alívio do doente e acolher a família em sua demanda de auxílio na lida com este.

Este trabalho pretendeu analisar a relação do PTM ao ser reinserido na família.

Para melhor discutir essa questão, as seguintes ações poderão ser tomadas:

  1. Discutir o papel da família como agente de cuidado ao PTM.
  2. Identificar as possíveis dificuldades e os possíveis facilitadores encontrados pela família.
  3. Identificar as possíveis estratégias utilizadas pelas famílias para vencer as adversidades.
  4. Discutir o papel das instituições públicas no atendimento ao doente e no apoio às famílias.

 

2 METODOLOGIA

Esta pesquisa objetivou discutir, por meio de uma revisão bibliográfica, abrangendo livros, artigos científicos, dissertações de mestrado e doutorado, o processo de exclusão e inclusão do PTM na sociedade, bem como a questão da reinserção deste no seio familiar; identificar traços marcantes da trajetória de vida dos PTMs; dissertar sobre a convivência familiar depois do processo da Reforma Psiquiátrica; e investigar se o PTM participa das atividades domésticas, das confraternizações e dos processos decisórios. Foram pesquisadas na referência bibliográfica existente as principais características do processo de adaptação à convivência familiar.

Neste trabalho, referenciado pela pesquisa bibliográfica, foi verificado se os serviços substitutivos estão sendo alternativas eficazes, se essas famílias têm apoio do Estado para esse cuidado e se têm informações suficientes sobre a doença e sobre os serviços para proporcionar um cuidado efetivo, a fim de produzir informações sobre essa relação.

O objetivo fundamental da pesquisa foi descobrir respostas para problemas mediante o emprego de procedimentos científicos. Foi utilizada a pesquisa bibliográfica citada por Gil (2012), como desenvolvida em material já elaborado, principalmente em livros e artigos científicos. Pode ser uma pesquisa ideológica ou uma análise sobre as diversas posições acerca de um problema.

A principal vantagem da pesquisa bibliográfica é possibilitar ao pesquisador a investigação de uma multiplicidade de fenômenos, mais ampla do que poderia averiguar diretamente. Esse tipo de pesquisa é mais propícia principalmente quando os dados investigados estão espalhados pelo tempo/espaço, o que tornaria muito complicado ao pesquisador reuni-los. Especialmente tratando-se de estudos históricos, geralmente não há outra forma de conhecer dados passados senão com referência bibliográfica (GIL, 2012).

 

3 A REFORMA PSIQUIÁTRICA

"Com a Constituição de 1988, foi criado o SUS (Sistema Único de Saúde), formado pela articulação entre as gestões federal, estadual e municipal, sob o poder de controle social, exercido através dos Conselhos Comunitários de Saúde" (BRASIL, 2005, p. 7). Lobosque (2001) relata que no final da década de 1980 criou-se o projeto de lei Paulo Delgado, que objetivava tratar de questões relacionadas à Reforma Psiquiátrica. A lei proibiu a construção de hospitais psiquiátricos, buscando a criação de um modelo substitutivo e regulamentando a internação involuntária.

O projeto de lei Paulo Delgado, o qual determinou a troca em etapas dos leitos psiquiátricos pela rede integrada de atenção à saúde, começou a entrar em vigor depois de 1992, mesmo assim, apenas em algumas cidades. Foi nesse período que a política do Ministério da Saúde para a saúde mental principiou a se concretizar. O Brasil assumiu um compromisso na Declaração de Caracas e na II Conferência Nacional de Saúde Mental: fiscalizar e classificar os hospitais psiquiátricos, e regulamentar por lei os serviços de atenção diária — os primeiros são CAPS, NAPS e hospitais-dia (BRASIL, 2005).

Somente depois de 12 anos de tramitação pelo Congresso Nacional, ocorreram mudanças significativas no projeto original; em 2001, foi aprovada a lei Paulo Delgado. A Lei nº 10.216 privilegia o tratamento em serviços de base comunitária e protege os direitos dos PTMs, mas não institui mecanismos claros para a progressiva extinção dos manicômios (BRASIL, 2005).

A política de saúde mental com as diretrizes da Reforma Psiquiátrica se solidificou e foram criadas linhas específicas de financiamento pelo "Ministério da Saúde para os serviços abertos e substitutivos ao hospital psiquiátrico e novos mecanismos para a fiscalização, gestão e redução programada de leitos psiquiátricos no país". Com isso, a rede de atenção à saúde mental expandiu-se, passando a alcançar novas regiões. Além disso, "o processo de desinstitucionalização de pessoas longamente internadas é impulsionado" (BRASIL, 2005, p. 9).

Os novos serviços de saúde mental passaram a trabalhar com a família, na divisão da responsabilidade de cuidar e superar as dificuldades tanto objetivas quanto subjetivas, estimularam a construção de dispositivos de ajuda e suporte, e começaram a defender os seus direitos e lutar contra a discriminação da loucura (ROSA, 2011).

O Programa De Volta para Casa, criado em 1994, consiste em uma política de reabilitação com vistas à inclusão na casa, na rede social e no trabalho. O objetivo é reabilitar o portador de transtorno mental com mais de dez anos de internação psiquiátrica, em uma tentativa de reconstruir relações, o que não necessariamente precisa ser feito na família. Primeiro acolhe o portador e depois a família, e posteriormente tenta prestar uma atenção integral dos sujeitos com a política pública. A reinserção acontece de forma gradativa: a família retoma as visitas, e o portador vai ao domicílio aos fins de semana (ROSA, 2011).

Há ainda um projeto de sociabilidade que desenvolve programações culturais, de lazer e tem um núcleo social que agrega as famílias dos usuários, as quais se reúnem para discutir seus problemas (ROSA, 2011).

Amarante (2009) aponta que no Brasil o movimento para transformação da forma como a doença mental é tratada apresenta nomes variados — Luta Antimanicomial, Reforma Psiquiátrica ou Movimento de Alternativas à Psiquiatria —, todos com uma finalidade política única: construir as propostas e possibilidades de mudança.

O Ministério da Saúde estipulou mecanismos para a redução de leitos no país, a extensão de serviços substitutivos ao hospital psiquiátrico, como o Programa Nacional de Avaliação do Sistema Hospitalar/Psiquiatria (PNASH/Psiquiatria), o Programa Anual de Reestruturação da Assistência Hospitalar Psiquiátrica no SUS (PRH), e a expansão de Centros de Atenção Psicossocial e Residências Terapêuticas, que substitui a instituição psiquiátrica. A política de desinstitucionalização avançou com o PNASH/Psiquiatria, instituído em 2002 por normatização do Ministério da Saúde. Esse instrumento avaliava a qualidade da assistência prestada nos hospitais e verificava se estes estavam de acordo com as normas do SUS. Um grande número de leitos inadequados às exigências mínimas de qualidade assistencial e respeito aos Direitos Humanos foi retirado do sistema, contudo sem acarretar desassistência para a população (BRASIL, 2005).

3.1 Serviços substitutivos ao modelo manicomial

A rede de atenção à saúde mental é pública e de alicerce municipal, sendo utilizada para substituir o modelo manicomial; é constituída por Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT), Centros de Convivência, Ambulatórios de Saúde Mental e Hospitais Gerais. Os Conselhos Municipais, Estaduais e Nacionais fazem com que trabalhadores, usuários dos serviços de saúde mental e seus familiares participem na gestão do SUS, defendendo a autonomia dos usuários na consolidação de uma rede de atenção à saúde mental (BRASIL, 2005).

Brasil (2005) defende que um aparelhamento em rede é capaz de dar conta da complexa demanda de inclusão de pessoas estigmatizadas e tão afetadas pela desigualdade social.

É a articulação em rede de diversos equipamentos da cidade, e não apenas de equipamentos de saúde, que pode garantir resolutividade, promo ção da autonomia e da cidadania das pessoas com transtornos mentais. (BRASIL, 2005, p. 26)

Rosa (2011) afirma que entre 1970 e 1990, com as alterações no campo do trabalho, expressas na reestruturação produtiva e com as mudanças políticas do Estado, impactadas pela crise fiscal e pelo ideário neoliberal, as políticas sociais foram redirecionadas. Nessa composição, a família é vista como base das políticas sociais e são atribuídas a ela as mesmas funções antes assumidas pelo Estado. Enfatiza que a mulher conquistou novos espaços sociais, ganhou espaço no mercado de trabalho, assim como iniciou a luta pela mudança da categoria de trabalho, para que comporte as atividades domésticas, principalmente aqueles relacionados ao cuidado com crianças, idosos e pessoas enfermas, põem em destaque a carga do cuidado no campo doméstico, compreendendo o papel da mulher como historicamente encarregada de cuidar.

A ruptura com o modelo psiquiátrico de tratamento do PTM, na concepção de Reis (2010), visa à saúde mental, promovendo a família como cuidadora e provedora desse processo. O modelo antigo de cuidados tem seu foco na doença, o portador se torna um mero objeto na mão das pessoas que comandam essas instituições, as quais não visavam nem elaboravam planos de desenvolvimento, causando uma estagnação ou piora do quadro clínico de sofrimento mental.

[...] Assim, a saúde passa a ser vista sob um olhar ampliado, incluindo nele não apenas as condições básicas de vida como alimentação, habitação, trabalho, entre outros, mas também, direitos ligados ao acesso universal e igualitário as ações e serviços de promoção, prevenção, proteção e recuperação da saúde, a fim de garantir qualidade de vida às pessoas. (REIS, 2010, p.19)

Em decorrência do aumento das necessidades de saúde da população, o tratamento ambulatorial colocou-se como adequado. Implantou-se uma política de saúde progressista, tentando tornar acessível às camadas menos privilegiadas da população maior número de procedimentos, técnicas e bens para assegurar a manutenção ou a recuperação dos níveis de saúde. Reconheceu-se o sofrimento mental como impedimento para o bem-estar da população e o direito de serem tratadas com o melhor das técnicas terapêuticas. Desconstruíram-se os conceitos do mal-estar psíquico vivido nas situações conflitivas, que antes seria tido como fatalidade ou remetido a causas e soluções equivocadas (RESENDE, 1994).

Existe uma desigualdade quanto ao tipo de tratamento ofertado aos membros das diferentes camadas sociais. Fala-se em uma beneficiação para a elite, que conta com técnicas mais variadas, consultórios com uma relação terapeuta-cliente personalizada, enquanto para a maioria da população nada mais são oferecidas senão as internações ou consultas de cinco minutos em ambulatórios com condições precárias (RESENDE, 1994).

O primeiro serviço substitutivo ao modelo hospitalocêntrico, segundo Brasil (2005), é o Serviço Residencial Terapêutico – são casas centradas em espaço urbano, fundadas para garantir os direitos dos PTMs, egressos de hospitais psiquiátricos ou não. O principal direito é o de convivência com a comunidade, de circular pelos espaços sociais. Cada residência deve acolher, no máximo, oito moradores, respeitando as necessidades, os gostos, os hábitos e a dinâmica deles. O morador com mais habilidades é responsável por ajudar os demais a realizarem suas tarefas. Cada residência deve estar referenciada a um CAPS e agir ligada à rede de atenção à saúde mental dentro da lógica da região.

O processo de implantação e expansão desses serviços é recente no Brasil. Segundo Brasil (2005), recentemente implantadas no país, as residências vêm ganhando força, demandando dos gestores do SUS uma permanente e produtiva articulação com a comunidade, a vizinhança e outros cenários e pessoas do território, e se mostram de grande ganho aos egressos do sistema manicomial.

Um dos programas substitutivos mais benéficos para os PTMs é o De Volta Para Casa, criado pela Lei Federal nº 10.078, votado e sancionado em 2003. Refere-se a uma bolsa chamada auxílio-reabilitação no valor de R$ 240,00, com o objetivo de contribuir para o processo de reinserção dos egressos de longa permanência do sistema manicomial (BRASIL, 2005).

De acordo com Brasil (2005), o benefício aumenta a rede de inclusões dos portadores, garante o bem-estar integral e instiga o exercício dos direitos civis, políticos e de cidadania. O benefício é depositado em conta bancaria, mediante convênio entre o Ministério da Saúde e a Caixa Econômica Federal, e pode ser renovado ou não, de acordo com a necessidade do portador. "O município de residência do beneficiário deve, para habilitar-se ao Programa, ter assegurada uma estratégia de acompanhamento dos beneficiários e uma rede de atenção à saúde mental capaz de dar uma resposta efetiva às demandas de saúde mental." (BRASIL, 2005, p. 17).

O Programa De Volta para Casa enfrenta um grande problema. Como os egressos da instituição manicomial não têm documentos de identificação, não conseguem se cadastrar no programa e acabam perdendo seu direito ao exercício da cidadania (BRASIL, 2005).

Atualmente a política de saúde mental do país valoriza os serviços abertos, enquanto alternativas de cuidado inseridas na comunidade, uma assistência flexível, integral e interdisciplinar, contrárias à política do abandono, da desassistência e do sucateamento dos serviços públicos, com ênfase na saúde e desmistificação da doença mental, garantindo práticas que respeitem a cidadania da pessoa em sofrimento mental. A família se insere como colaboradora nas práticas de saúde mental, conhecidas como práticas de reabilitação psicossocial. (REIS, 2010, p. 20)

Outro serviço substitutivo o qual Brasil (2005) vai descrever é o CAPS, aparelho comunitário, municipal, aberto, cujo papel é prestar atendimento clínico diário de urgência à população portadora de sofrimento mental, principalmente dos casos graves e persistentes. O objetivo dos CAPS é que não se percam os laços familiares e sociais como ocorria nos manicômios. Assim, promove a inserção social dos PTMs, organiza e propõe estratégias para um funcionamento integrado, em equipe, com os demais aparelhos da rede, assim como oferece suporte à atenção básica. Esse serviço propõe que os usuários tenham autonomia e se responsabilizem a ser autores de seu tratamento. Distinguem-se como CAPS I, CAPS II, CAPS III, CAPSi e CAPSad.

A ampliação da oferta de serviços de tratamento, segundo Resende et al. (1994), deve-se a um aumento da qualidade do sistema de saúde em perceber a existência de uma elevação na demanda, até então mascarada e inacessível. Ocorre um incremento também das técnicas de tratamento ancoradas na legitimação científica.

Brasil (2005) vai citar o Programa de Saúde da Família (PSF) como alternativa ao modelo hospitalocêntrico:

Cada equipe do PSF (médico, enfermeiro, auxiliar de enfermagem, agente comunitário de saúde) está encarregada da cobertura de até 1.000 famílias, ou cerca de 3.400 pessoas de um município ou bairro. Hoje existem em atividade 23.664 equipes, além de 203.923 agentes comunitários de saúde (trabalhadores de escolaridade primária ou média, recrutados na própria comunidade e treinados em habilidades básicas de prevenção e tratamento). (BRASIL, 2005, p. 33)

Segundo Brasil (2005), esse recurso é estratégico, pois está bem próximo da população, mas tem impossibilidades de dar conta do sofrimento mental. Com isso, o Ministério da Saúde tem investido em orientações que abarcam a dimensão subjetiva dos usuários e os problemas mais frequentes de saúde mental. É importante que os postos de saúde participem desse processo de atenção aos PTMs, pois a grande maioria dos municípios do país é pequena e não tem CAPS.

Assumir este compromisso é uma forma de Responsabilização em relação à produção da saúde, à busca da eficácia das práticas e à promoção de equidade, da integralidade e da cidadania num sentido mais amplo. (BRASIL, 2005, p. 33)

A rede de cuidados em saúde mental construiu-se a sobre a base da Atenção Básica, unindo e acolhendo a população por território. Nos municípios pequenos, equipes de saúde mental vizinhas apoiam as equipes de Atenção Básica, compartilham casos, discutem sobre eles e intervêm conjuntamente com a família e a comunidade. Esse trabalho conjunto tende a aumentar a habilidade de resolver os problemas de saúde pela equipe local (BRASIL, 2005).

Em 2003, foi criada uma rede de assistência comunitária para crianças e adolescentes. O Fórum Nacional de Saúde Mental, específico para crianças e adolescentes, possibilita a participação da sociedade nas decisões e na implementação de propostas para uma política específica a esse público. Nesse fórum são consideradas as leis do Estatuto da Criança e do Adolescente, o qual garante o direito à cidadania de crianças e adolescentes. Ampliou-se e concretizou-se a rede CAPSi para assistência à criança e ao adolescente PTMs (BRASIL, 2005).

Um dos principais desafios da Reforma Psiquiátrica - processo amplo de inclusão social e promoção da cidadania das pessoas com transtornos mentais - é a potencialização do trabalho como instrumento de inclusão social dos usuários dos serviços. Embora os diversos serviços da rede de atenção à saúde mental fomentem a criação de cooperativas e associações e realizem oficinas de geração de renda, estas experiências, mesmo que com ótimos resultados, caracterizam-se ainda por sua frágil sustentação institucional e financeira. O manejo diário destas experiências com o mercado capitalista e com uma sociedade excludente impõe debates práticos e teóricos no cotidiano dos serviços, que vem substituindo aos poucos o componente da antiga reabilitação pelo trabalho, dado no marco asilar. (BRASIL, 2005, p. 36)

"A Economia Solidária, política oficial do Ministério do Trabalho e Emprego, é um movimento de resposta à exclusão por gênero, raça, idade, estilo de vida e instrução, entre outros fatores, das pessoas do campo do trabalho" (BRASIL, 2005, p. 37). Contra a dura exclusão proporcionada pelo capitalismo, a Economia Solidária propõe a solidariedade como princípio social e a construção de iniciativas coletivas como resposta à exclusão do mercado. O Ministério da Saúde incentiva financeiramente, com recursos federais, os municípios que promovem atividades de inclusão social pelo trabalho para pessoas com transtornos mentais (BRASIL, 2005).

Outra alternativa para ressocializar os egressos dos hospitais psiquiátricos, segundo Brasil (2005), são os Centros de Convivência e Cultura, espaços de sociabilidade, produção cultural e intervenção na cidade. Esses Centros promovem a convivência nos seus espaços, facilitam a construção de laços sociais e a inclusão das pessoas com transtornos mentais na convivência em sociedade. São locais de articulação com o cotidiano e a cultura, por meio das oficinas e as atividades coletivas, interligados aos outros serviços substitutivos de atenção ao PTM.

As famílias agora têm de se adequar ao convívio com o PTM, pois, segundo Brischiliari e Waidman (2012), a partir daí, ele começa a exercer sua cidadania, podendo ter acesso a direitos universais. Até então excluído do convívio familiar, ele passa a integrar as atividades diárias, está presente e, em algumas situações, ajuda nos processos decisórios da família. Como antes não tinham a relação de convívio, surgem diversas dificuldades na inserção que devem ser trabalhadas em busca de um ambiente saudável de moradia.

Isso se deve ao fato de que tanto o portador de transtorno quanto os seus familiares devem exercitar o convívio em busca de uma harmonia no lar, tornando este local um espaço para diálogo, discussão e oportunidades de expressão de formas diferentes de pensar ou se posicionar diante de alguma situação. Destarte, todos devem entender-se, respeitar-se e convergir para ações de consenso, de modo que o portador de transtorno possa ser respeitado e aceito com as limitações a ele impostas pela patologia. (BRISCHILIARI; WAIDMAN, 2012, p. 148)

Campos e Soares (2005) vêm afirmar que, a partir do processo de desinstitucionalização, passa-se de um modelo passivo em que se deixa a responsabilidade nos órgãos cuidadores, uma família patogênica, para um modelo de enfrentamento, participação e competência familiar, responsável direto pelos cuidados ao PTM.

Deste modo, o cuidado não é, portanto, um fenômeno isolado, mas se insere num ambiente que, no caso da família, é biopsicossociocultural, interagindo-se num continum de experiências compartilhadas. Assim, o cuidado ao se inscrever no espaço familiar abre possibilidades para a ressignificação e valorização dos sujeitos. (REIS, 2010, p. 35)

 

4 CONSIDERAÇÕES SOBRE A CONVIVÊNCIA COM A FAMÍLIA

A convivência é vista como uma das maneiras de originar a inclusão na família e pode ser explicada pelo respeito à individualidade, pela aceitação das diferenças e limitações, pelo reconhecimento dos direitos de cada um de seus membros, pelo estímulo ao diálogo, e pela garantia de espaço físico, social e emocional que incentive a participação e o compartilhamento. A família efetiva-se por suas relações de convívio, pois as pessoas, ao instituírem laços afetivos, sentem a precisão de unir-se, viver juntas, constituir espaços onde possam sentir-se à vontade, livres para ser quem verdadeiramente são (ALTHOFF, 2001).

Os membros de uma família precisam desenvolver um relacionamento interpessoal para a construção da convivência familiar; compreender-se mutuamente. Precisam reconhecer que essencialmente não precisam ser iguais para viverem juntos; expõem características que se assemelham e diferenciam, pois cada ser é único e tem sua própria maneira de pensar, agir, ser e interagir, mas tem uma singularidade que motiva a viver em família e constituir uma relação confiável (ALTHOFF, 2001).

A relação que a família tem com o PTM é determinada conforme a época e a relação que a instituição psiquiátrica mantém com este. Essa relação modifica-se ao passo que os tratamentos oferecidos são revistos, em um dado momento histórico, de acordo com a política, a economia e a sociedade. A Reforma Psiquiátrica visa que a família conduza a reabilitação, adotando cuidados e também sendo aliada ativa no processo (FRANCO, 2002).

Por muitos anos, a família esteve afastada dos cuidados com o PTM, era inclusive classificada em alguns momentos como a causadora da enfermidade. Já após a Reforma Psiquiátrica a família reassumiu o cuidado, passando agora, na visão dos serviços substitutivos, a ser agente do tratamento; é importante considerar também seus recursos materiais e afetivos para tratar dos PTMs (CALDAS et al., 2008).

É um objetivo importante do processo de desinstitucionalização que os profissionais de saúde desconstruam a ideia de família idealizada e supervalorizada, pois é preciso que esses profissionais entendam que a família que agora assume esses cuidados tem suas dificuldades e conflitos, podendo até contribuir para a manutenção dos sintomas ou o surto psicológico (CALDAS et al., 2008).

Um passo importante em direção a políticas e projetos terapêuticos mais condizentes com a realidade das famílias consiste em evitar a naturalização do modelo ideal de família, ou seja, tomar a família nuclear burguesa como padrão normativo de organização familiar. A despeito da hegemonia do modelo conjugal, existem conformações alternativas, dependendo da inserção cultural e econômica dos grupos humanos. [...] os estudos sobre a populações das periferias e das favelas das grandes cidades indicam que há grandes variações em torno do modelo normativo, devido às dificuldades econômicas e sociais a que as famílias são expostas. (CASTRO, 2004, p. 37)

Cuidar do PTM é um aprendizado diário, que exige enfrentamento de problemas, e leva o cuidador a praticar o que sabe e a arriscar no que lhe é novo para efetivar o cuidado. O serviço substitutivo pode ajudar no manejo das crises informando sobre a doença e seu tratamento, esclarecendo sobre possíveis dificuldades, assim como se tornando um facilitador por proporcionar discussões coletivas para essas questões (CASTRO, 2004)

A família do PTM não é preparada para a Reforma Psiquiátrica, o que influencia diretamente o fato de seus membros passarem por dificuldades. Não são providas a essas famílias condições necessárias para o processo de reabilitação e ressocialização de seus membros, incidindo sobre elas a responsabilidade da desinstitucionalização e dos cuidados (CALDAS et al., 2008).

Tsu citado por Castro (2004) relata que a maioria das famílias entendeu a Reforma Psiquiátrica como um descumprimento das obrigações do Estado para com elas. O serviço que foi oferecido na época, em substituição ao manicomial, era em sua maioria ambulatorial e não supria a demanda necessária de apoio, a família não foi preparada nem informada sobre a mudança; constantemente, lutava por uma guia de internação, já que não conseguia arcar sozinha com os cuidados ao PTM.

As famílias, após a Reforma Psiquiátrica, por não terem condições, orientação e suporte para lidar com os problemas decorrentes do sofrimento mental, apresentam dificuldades em aceitar a doença e se revelam contra a desinstitucionalização, sendo intolerantes com os doentes (CALDAS et al., 2008).

Franco (2002) verificou uma ambiguidade sentida pelos familiares, entre a culpa pela internação e a difícil tarefa de conviver com o louco e de conciliar conflitos.

Todos os familiares entrevistados [...] conviveram com os tratamentos de seus parentes em hospitais psiquiátricos e, agora, convivem com os tratamentos em serviços abertos. Ficou nítido que estas famílias [...] dependem, para os cuidados de seus parentes portadores de transtornos mentais, em sua grande maioria, muito dos serviços de saúde públicos, antes dos hospitais psiquiátricos e, atualmente, do CERSAM. Não estando mais internados, estes parentes, que, em sua maioria, são portadores de transtornos mentais crônicos que causam déficits severos, necessitam de cuidados permanentes por parte da família. Isto pode causar uma sobrecarga para a família, inclusive financeira, e prejuízos subjetivos para a pessoa que assume a função de cuidador. (FRANCO, 2002, p. 56)

Segundo Brasil (2005), o processo da Reforma Psiquiátrica, a partir dos anos 1990, resultou em um intenso debate entre especialistas, escolas profissionais e teóricas, familiares, usuários, formadores de opinião, meios de comunicação de massa e a população em geral. Foi possível observar a conquista de melhorias com relação ao estigma, especialmente naquelas situações em que alguns programas promovem a inclusão social dos pacientes.

Brasil (2005) afirma que um dos principais desafios para o processo de solidificação da Reforma Psiquiátrica Brasileira é a qualificação de recursos humanos com uma formação técnica e teórica dos trabalhadores adequada para superar o padrão da tutela do louco e da loucura.

Por esta razão, desde o ano de 2002 o Ministério da Saúde desenvolve o Programa Permanente de Formação de Recursos Humanos para a Reforma Psiquiátrica, que incentiva, apoia e financia a implantação de núcleos de formação em saúde mental para a Reforma Psiquiátrica, através de convênios estabelecidos com a participação de instituições formadoras (especialmente universidades federais), municípios e estados. A partir de 2003, o Ministério instituiu uma estrutura organizativa mais ampla, a Secretaria Nacional de Gestão do Trabalho em Saúde (SGESTES), para enfrentar as necessidades qualitativas e quantitativas de recursos humanos para o SUS. No campo da saúde mental, existem hoje 21 núcleos regionais em funcionamento, realizando cursos de especialização e atualização para trabalhadores da atenção básica e dos CAPS, e beneficiando profissionais de 15 estados. (BRASIL, 2005, p. 44)

Pode-se verificar que muito há de se fazer para que a reforma seja realmente efetiva, pois no tratamento utilizado pós-reforma a família foi secundarizada, limitada a informar sobre a história do portador, visitá-lo e buscá-lo no momento de alta médica. Assim, o sofrimento da família não é acolhido pelos serviços, não sendo ela preparada para manejar os sintomas que acometem o PTM (ROSA, 2011).

A família nos serviços substitutivos é tratada como visita e, quando se queixa da qualidade da assistência, é inconveniente. Quando acontecem novas crises psiquiátricas e o serviço só oferece os mesmos tratamentos, a família confirma a impossibilidade de mudanças no comportamento dos portadores e a incurabilidade deles (ROSA, 2011).

A reação primeira da família contra o sistema de saúde pode ser resultado do atendimento oferecido pelos trabalhadores, que, por sua vez, se baseiam em regras e normas do serviço. Este não possibilita à família conhecer sobre a doença do portador e, ainda, promete a cura, colocando a família em uma posição de espera, dando-lhe esperança (ROSA, 2011).

"Sob este aspecto, nada na abordagem indica que a família tem que ser capacitada ou se capacitar para conviver com o problema ad infinitum, até porque a atenção se volta para remissão do quadro sintomatológico" (ROSA, 2011, p. 250). A autora diz que os serviços ignoram a família enquanto afirmam que a eles só resta esperar. Este seria um paradoxo da reforma, pois promove a reinserção do doente mental na família sem, ao menos, fornecer orientação a ela para acolher o seu familiar portador de doença mental.

Com o passar do tempo, quando os familiares confirmam que a pessoa com sofrimento mental não tem cura, o portador perde seu lugar espacial e afetivo (ROSA, 2011).

Com as constantes reinternações do PTM e com a estabilização ou intensificação dos sintomas, a família experimenta vários sentimentos em relação a ele, perpassados pela ambivalência, pois, ao mesmo tempo que é "meu sangue", tende a tornar-se uma ameaça. Desta forma, tende a alterar a visão que tem do portador de sofrimento mental. (ROSA, 2011, p. 251)

O cuidador, a cada reinternação e regressão dos sintomas do familiar, aprende a manejar suas expectativas, a lidar e a conhecer os serviços disponíveis na rede, e reconhece que a Medicina, hoje, não oferece a cura para esse transtorno. Aprende a lidar com a frustração e com seu sofrimento subjetivo e objetivo. A partir de então, o que se espera dos serviços é um controle dos comportamentos agressivos do familiar, que ele esteja mais calmo, controlado e obediente (ROSA, 2011).

O primeiro sentimento observado é o de superproteção, ambivalente ao sentimento de culpa por ter medo do familiar. Esse sentimento superprotetor, geralmente, é associado a uma desqualificação, que pode resultar em uma invalidação, que não respeita a singularidade nem o ritmo do portador. O próximo sentimento tende a ser o de infantilização (ROSA, 2011).

Rosa (2011) afirma que, anuladas a subjetividade e a condição particular do PSM, esse processo progride para a vinculação total do serviço de saúde a um cuidador. Os familiares chegam a ir às consultas ambulatoriais sem o PTM, pretendendo com isso otimizar os gastos, pagando só a passagem do cuidador, já que não confiam na sua competência de se relacionar com o serviço ou com os profissionais.

Quanto às finanças do PTM, Rosa (2011) ressalta que geralmente a família impede-o de trabalhar; quando o portador não tem capacidade total de controle, o familiar impõe a tutela e, em alguns casos, a família recebe o dinheiro e o administra sem ao menos consultá-lo ou informá-lo. Ainda, há a possibilidade de, sob protesto do PTM, a família entregar a ele parte do dinheiro, usar uma parte para despesas eventuais e depositar uma parte, geralmente em conta poupança, para algum imprevisto.

Dessa forma, é possível observar que, como alguns PTMs ficam muito ociosos, a família tende a exagerar na vigilância, sendo essa hipervigilância associada a uma simbiose entre o cuidador e o doente, ou mesmo a uma solidificação do lugar de eterno dependente (ROSA, 2011).

Rosa (2011) afirma que algumas famílias usam o PTM como fonte de renda, algumas forjam uma identidade do doente para conseguir o benefício previdenciário. Esse artifício, para a autora, é visto como perverso, por fragilizar ainda mais o psicológico do doente, configurando-se em uma inserção pela exclusão.

As famílias com PTMs têm o fato comum de serem vítimas de estigmas, mas cada qual tem sua vivência e desafios com relação ao tipo de sofrimento mental singular a cada doente. Quando o doente mantém-se nos padrões socialmente aceitos, a família convive bem com a doença, apesar de cobrar do PTM mais desenvolvimento do que é capaz, e, quando o portador não apresenta conduta muito desviante das regras, tende a ser questionado sobre sua moral (ROSA, 2011).

A inatividade do familiar doente envolve a liberdade do cuidador, que utiliza seu tempo para cuidar, vigiar e garantir a segurança do portador e dos demais membros da família. Quanto mais medo o cuidador tem do doente, mais encurta sua área de circulação, isola-o em casa ou interna-o integralmente. Algumas famílias desistem de cuidar do familiar doente não por preconceitos, mas pela impossibilidade de controlar seus comportamentos. Alguns portadores também se recusam a receber cuidados, preferindo morar na rua ou em hospital (ROSA, 2011).

A família geralmente deixa em segundo plano o diagnóstico da enfermidade, atribui a origem da doença a um fator cotidiano desencadeante. Entre esses fatores, destacam-se alcoolismo e uso de drogas, gravidez, desilusão amorosa e perda por morte de pessoas significativas afetivamente (ROSA, 2011).

Segundo Rosa (2011), o cuidado com o portador de transtorno mental não é algo inerente à mulher e ao grupo familiar, constrói-se no ensaio e erro da experiência cotidiana; longe de qualquer naturalização, é concebido como um trabalho complexo que vai sendo aprendido na interação com o doente.

O papel exercido pelo PTM no ambiente familiar vai determinar o tamanho do impacto causado, uma vez que a família se estrutura pelas relações sociais, sendo as tarefas determinadas de acordo com a posição, o sexo e a idade dos integrantes. Dessa forma, o transtorno vai prejudicar conforme a posição do familiar afetado; quando o doente é um dos pais ou o provedor da família, as dificuldades tendem a ser maiores, comprometendo a renda e sobrecarregando os outros membros da família com mais gastos (ROSA, 2011).

Quando o familiar acometido pela doença é o homem, o preconceito parece ter mais peso. O papel determinado para ele pela sociedade é de um corpo produtivo e forte; quando foge a esses conceitos predeterminados, é julgado como preguiçoso. Quando acomete a mulher, afeta mais a família, já que esta é ligada à integração e à organização do grupo. Já quando os doentes são os filhos os danos são menores; liga-se ao fato de serem dependentes dos pais, e, às vezes, fortalecem os casais, já que se apoiam mutuamente para dar conta do sofrimento do filho (ROSA, 2011).

Sobre a reforma e os serviços substitutivos, Rosa (2011) afirma que é uma alternativa frequente na vida dos PTMs; em princípio, eles ficam resistentes, mas, quando conhecem o serviço, aceitam que façam parte do cotidiano deles. A autora ressalta, ainda, que as famílias costumam participar ativamente apenas nas reuniões dos serviços abertos, e relaciona essa integração à política do serviço, que trabalha com a divisão de encargos, possibilitando mais proximidade do cotidiano deles. Porém, infelizmente, a parte pedagógica do trabalho com o doente não parece se beneficiar com essa participação, já que as reuniões são geralmente às 8 horas da manhã, horário em que a maioria dos familiares está no mercado de trabalho.

Rosa (2011) comenta sobre a relação dos PTMs com a família, que ambos se influenciam; ressalta que o familiar responsável pelo cuidado vai absorver, na maioria dos casos, a sobrecarga emocional e temporal. Assim como os profissionais e o serviço respondem a essa realidade, medicalizando e individualizando o problema, o familiar tem a mesma leitura, desconhecendo a doença e culpando o PTM e a si pelos transtornos e sintomas, agravando seu sentimento de impotência e gerando danos à saúde mental (ROSA, 2011, p. 284).

Desta maneira, alguns cuidadores reorganizam sua vida em prol de prover cuidado. O fato de 36,45% de portadores de transtorno mental terem uma renda oriunda de Previdência Social ameniza a necessidade de o cuidador gerar renda para o grupo doméstico, haja vista que, quando é idoso, este também tem uma renda que soma à do PTM. Nesse sentido, em segundo lugar, após o sono, representado por 75,32%, entre as atividades que o cuidador deixou de realizar para prover cuidado, figura o trabalho, com 41,56%. Ou seja, o tempo despendido para cuidar invade o tempo que teria dedicado para produzir renda. (VASCONCELOS citado por ROSA, 2011, p. 288)

Sarti citado por Rosa (2011) afirma que prover cuidado vai comprometer várias áreas da vida do cuidador, como pessoal, social e econômica. Para além de obrigação, o cuidado com o familiar vai representar uma forma de retribuição pelo que o portador fez ou significou antes de ser acometido pela doença.

Além de os familiares abdicarem a várias instâncias de suas vidas para prover cuidado, 12,99% deles deixam em segundo plano a própria saúde; em sua maioria estão as mães, que justificam a situação como um destino imutável. A maior preocupação dessas mães é com o futuro dos filhos caso elas venham a falecer (ROSA, 2011).

Existem várias atividades rotineiras no cuidado com o familiar PTM, mas cada portador é singular em exigências diárias, tanto dos serviços de saúde quanto dos familiares. Esse cuidado pode ser parcial ou integral dependendo do nível de comprometimento do sofrimento mental. O transtorno mental grave manifesta-se com diversos sintomas; as crises implicam alterações de consciência, perda de habilidades relacionais e comprometimentos na fala, variando de acordo com o portador, o estágio de evolução de sua doença e a própria relação com o cuidador (ROSA, 2011).

O comprometimento da doença no portador é avaliado pelo nível de independência e autonomia atingido. A independência relaciona-se à capacidade decisiva e à autonomia para a preservação de sua privacidade e liberdade (ROSA, 2011).

Um dos maiores problemas em lidar com a situação é o fato de o cuidador não compreender o transtorno mental, tendo dificuldade de lidar com as novas necessidades do familiar e não sabendo o grau de comprometimento da doença. Em princípio, as famílias, assim como o doente, recusam-se a admitir o transtorno mental em si, acarretando dificuldades no manejo sintomatológico. O sintoma que mais afeta a família é a insônia, representando 68,22%; o segundo mais significativo é a agressividade, com 55,14%; e o terceiro, a inquietação, com 53,27% dos casos (ROSA, 2011).

O grande motivo de a família recorrer à internação é a agressividade, principalmente quando o cuidador é mulher e o portador homem, caracterizando uma relação de força física desigual. Quando o portador reincide muitas vezes na internação e a família perde as esperanças de cura, o cuidador se apega ao controle de agressividade para manter o familiar no ambiente doméstico (ROSA, 2011).

Algumas famílias, com o passar dos anos e as recaídas do quadro psicopatológico, aprendem a lidar melhor com suas emoções e frustrações, assim como com os sintomas decorrentes do transtorno mental do familiar. Um fator que sobrecarrega o cuidado é a hipervigilância necessária quando o risco de suicídio é iminente (ROSA, 2011).

Rosa (2011) afirma que prestar cuidado ao familiar doente solicita aceitação da enfermidade, conhecimento do transtorno, capacidade de manejar os sintomas e de mostrar e convencer o doente de que ele precisa se tratar. Os serviços da rede substitutiva aos manicômios não estão preparados para dar conta de acolher e orientar a família, já que trabalham buscando a remissão dos sintomas. "Por sua vez, os profissionais de saúde têm uma melhor acolhida em relação aos sintomas que mais se aproximam do comportamento socialmente aceitos" (ROSA, 2011).

Rosa (2011) salienta que alguns profissionais dos serviços substitutivos hierarquizam os usuários segundo suas preferências e identidades, e frequentemente escolhem trabalhar e investir profissionalmente naqueles que menos exigem conhecimento teórico e arriscam sua segurança pessoal e emocional. "O profissional se dirige ao enfermo na expectativa de encontrar o seu tipo ideal de louco, ignorando as necessidades e peculiaridades daquele sujeito singular que chega até o serviço" (ROSA, 2011).

Geralmente, levar o PTM para o hospital, mesmo que seja para consulta médica, é complicado em razão das experiências traumáticas nas internações involuntárias. São duas as situações consideradas conflituosas, uma em que o portador resiste ao tratamento, e outra na qual prefere permanecer hospitalizado pelos ganhos da hospitalização ou pela família ter desistido ou ter dificuldades de cuidar dele (ROSA, 2011).

Prestar cuidado frequentemente implica comprometimento da autonomia e independência do PSM, pois tal preservação fica à mercê da interpretação do cuidador, que conserva e pode exercitar um intenso poder sobre o PSM. Atravessado pelo poder jurídico, em que o PTM é tachado como perigoso e incapaz, o poder do cuidador, somado ao afeto, anula as resistências do doente a ponto de controlá-lo comportamentalmente (ROSA, 2011).

Existe uma grande dificuldade da família em administrar a medicação em razão de vários possíveis determinantes, como o portador não aceitar a doença ou não assumir o tratamento, querer manter sua liberdade, pelo fato de os medicamentos apresentarem muitos efeitos colaterais, entre outros (ROSA, 2011).

A forma como os serviços de saúde orientam a família a administrar a medicação, na maioria das vezes, é prejudicial ao tratamento, pois os médicos geralmente orientam a diluir a medicação em sucos ou em comidas; porém, quando o portador descobre, para de se alimentar ou acusa a família de o ter traído, piorando a relação familiar e a adesão ao tratamento (ROSA, 2011).

Muitas vezes, recusar a medicação, contraditoriamente, torna-se a única possibilidade de manifestação de liberdade do PTM, tendo em vista que a medicação, se por um lado, a médio prazo, controla o delírio, a alucinação e a agressividade, pode comprometer sua motricidade e seu processo comunicativo ("fala embolado") a curto prazo, embora sua finalidade seja exatamente restaurar habilidades, controlar sintomas e reintegrar socialmente o PTM. A medicação oral geralmente demora para apresentar resultados positivos. (ROSA, 2011, p. 303)

Também há uma dificuldade da família na utilização da medicação por não entender a posologia indicada, administrando a mais ou a menos as doses. Com as reinternações constantes, o cuidador passa a demandar doses mais altas ou automedicar na expectativa de remissão dos sintomas. Outra dificuldade ocorre quando o portador é alcoólatra, pois aumenta mais a possibilidade de interrupção da medicação (ROSA, 2011).

Um dos critérios adotados para a internação integral é o fato de o portador não estar tomando a medicação, necessária para a estabilização dos sintomas, em casa; e, ao ser internado, a administração do medicamento vai ser injetável, o que se configura para o portador como um castigo por não ter tomado o remédio (ROSA, 2011).

O índice de suicídio da população com transtorno metal é de 5%, o que é elevado se comparado à população do país, que é de 1%. A pesquisa de Câmara e Pereira (2010), com PTM, mencionou o suicídio como forma de enfrentamento das adversidades trazidas após a eclosão da doença.

Para Reis (2010), cada família desenvolve seu estilo próprio de conviver e cuidar da pessoa com sofrimento mental, que pode, às vezes, não ser a melhor forma de prestar cuidados, mas é a maneira descoberta por ela nos contextos de suas realidades. Em seu estudo, a autora vai afirmar que conviver com a PTM não é ocupação fácil, por isso as famílias precisam inventar diferentes formas de agir e cuidar, as quais manifestam ambiguidades. Em determinadas situações, precisam agir com firmeza ao mesmo tempo em que precisam ser flexíveis; ser firme não denota ser autoritário e ser flexível não significa ser permissivo, mas demanda um equilíbrio nas relações.

É importante gerar grupos de ajuda para os integrantes das famílias que frequentam os serviços de saúde, particularizados no cuidado do PTM, diante da necessidade que eles têm de falar sobre os problemas do dia a dia e dialogar com pessoas que enfrentam situações similares. Assim, poderão compartilhar saberes, estilos de cuidar e prováveis táticas de enfrentamento das dificuldades encontradas no convívio. Para máxima efetividade dos grupos em envolver todos nas ações de cuidado, é imprescindível uma equipe interdisciplinar que aja sob a perspectiva da intersubjetividade (REIS, 2010).

Um estudo com familiares de PTMs, referente à participação da família nos grupos ofertados pelos serviços substitutivos ao modelo asilar, resultou que a troca de experiências pelas famílias e profissionais dos serviços, assim como as orientações e explicações obtidas nessas reuniões, melhorou a convivência entre portador e família. Os familiares relatam que conseguiram vencer preconceitos com relação à doença, já que com a informação passaram a observar que as "disfuncionalidades" eram decorrentes do sofrimento mental, e não de fingimento do familiar (BORBA et al., 2012)

 

5 CONCLUSÃO

Este estudo se propôs a analisar a relação da família no tratamento dos PTMs e pôde verificar algumas lacunas importantes para que a Reforma Psiquiátrica seja de fato totalmente inclusiva.

No decorrer desta pesquisa bibliográfica, foi possível verificar que o significado social da pessoa PTM vem variando ao longo dos tempos de acordo com a sociedade com a qual convive, e que seu tratamento e a forma de inserção ou exclusão baseiam-se na mentalidade dos governantes. Historicamente, o destino dos loucos esteve ligado à função que a loucura desempenhou na cultura. E, no processo de exclusão, muitos foram os dispositivos utilizados para marcar com violência os corpos dos representantes de um mal que devia ser exorcizado.

Durante a Antiguidade, o louco foi tratado em liberdade, já que a doença era considerada capricho dos Deuses; na Idade Média, também era tratado em liberdade, o serviço era basicamente agrícola e todos poderiam trabalhar nas fazendas com serviços repetitivos que não exigiam muitas funções intelectuais.

A partir da Revolução Burguesa, trabalho e ociosidade viraram critério de exclusão, acabaram com os serviços agrícolas de subsistência e os que não se adequassem às normas de produtividade vigentes eram presos e excluídos da sociedade. A Igreja e a religião também exerceram muita influência sobre a sociedade e o modo de tratamento das doenças.

O movimento de contracultura que defendia direitos iguais para toda população trouxe mudanças para o pensamento médico da época, que começou a reformular suas práticas. Paralelamente, a sociedade, em conjunto com os profissionais de saúde, os familiares dos PTMs e os próprios doentes, foi às ruas lutar pela liberdade e pelo fim das práticas manicomiais.

A população conquistou então, por meio de um conjunto de leis, a constituição da Reforma Psiquiátrica e a desospitalização dos PTMs, os quais agora voltam a conviver com suas famílias. Para substituir esses manicômios, foram criados serviços de base comunitária para dar apoio às famílias e tratamento aos doentes nos momentos de crise.

A Reforma Psiquiátrica foi um grande passo para a constituição de uma vida digna a esses doentes, um tratamento de qualidade baseado nos Direitos Humanos o qual todo cidadão merece.

Foi possível constatar, mediante a revisão bibliográfica, que as famílias tiveram muitas dificuldades para receber os portadores de transtorno mental de volta ao lar; o governo não avisou aos familiares sobre as mudanças que estavam sendo feitas, nem orientou sobre a reforma hospitalocêntrica, simplesmente deu alta aos pacientes dos manicômios sem prestar o suporte e o apoio necessários para a inclusão. Se o objetivo era a desinstitucionalização para a humanização do tratamento aos portadores de doença mental, no mínimo, não foram humanos no que diz respeito à forma de condução do processo. Parece que a reforma começou com o objetivo a que se queria chegar; esqueceram-se de programar o passo a passo da mudança, que deveria começar pela informação. Mudanças precisam ser preparadas e estratégias de ações precisam ser elaboradas, necessita-se pensar nas implicações do processo para se alcançar o objetivo almejado com o menor impacto possível. Como se promove a reinserção do portador de transtorno mental na família sem, ao menos, fornecer explicação/orientação a esta para acolher o seu portador de doença mental? Com certeza, uma ação eficaz teria se baseado, primeiramente, na habilitação dos familiares, e não no retorno dos portadores a seus lares.

Com o passar dos anos e com a luta diária envolvendo a prática de cuidados, esses familiares aprenderam a prestar cuidados ao PTM e a incluí-lo na família. Esse grande impacto poderia ter sido amenizado caso o processo de reinserção tivesse, antes, orientado essas famílias. Já os serviços substitutivos oferecidos foram de grande ajuda para lidar com a doença nos momentos de crise.

As mudanças ocorridas no tratamento do PTM são significativas e um fato histórico para se comemorar, já que agora há dignidade no tratamento. Verificase também que ainda há muito a se conquistar nessa luta pela inclusão, a família ainda tem muita dificuldade no tratamento, precisa ser mais bem informada sobre a doença, o tratamento e os serviços com os quais pode contar para manejar e incluir seus familiares na sociedade.

Foram identificadas inúmeras lacunas a serem preenchidas para minimizar essa sobrecarga de cuidados. Algumas delas são: aderência do portador ao tratamento; continuidade no uso dos medicamentos; sobrecarga financeira, física e emocional para todos os familiares; necessidade de conscientizar toda a população sobre os princípios de igualdade e fraternidade, para que essas famílias não se isolem por se sentirem excluídas.

Os serviços também precisam de uma melhor qualificação profissional, de modo a conscientizar e preparar seus funcionários para um trabalho interdisciplinar, que inclua a família na participação de reuniões e no próprio tratamento do PTM. Precisam ampliar a visão preconceituosa que enxerga essas pessoas como objetos e tratá-los como sujeitos de uma história que pode ser igual à de qualquer pessoa, mesmo com suas possíveis limitações.

 

REFERÊNCIAS

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Artigo recebido em: 15/08/2016.
Aprovado para publicação em: 01/11/2016.

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