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Mental

versão impressa ISSN 1679-4427versão On-line ISSN 1984-980X

Mental vol.11 no.20 Barbacena jan./jun. 2017

 

ARTIGOS

 

Para uma compreensão psicanalítica dos entrelaces sujeito-cidade

 

For a psychoanalytic understanding of the subject-city interweaving

 

Una comprensión psicoanalitica del entrecruzamiento del sujeto con la ciudad

 

 

Maria Consuêlo Passos

Doutora em Psicologia Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), docente do Programa de Pós-graduação em Psicologia Clínica da Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP), pesquisadora de Psicanálise e família e Psicanálise em contextos culturais, estudiosa de Freud, Ferenczi e Winnicott.

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo deste trabalho foi discutir a relação sujeito-cidade, a partir de algumas noções da psicanálise winnicottiana, principalmente aquela que concebe o ambiente como fundamento para a constituição psíquica e a mãe como representante deste, nos primeiros momentos de vida do bebê. Com essa perspectiva, discutimos o ambiente secundário que começa na casa e se estende até a cidade, ampliando as possibilidades de relação com o outro, em diferentes lugares e com distintas funções. Abordamos o ambiente-mãe, a casa e a cidade como três elementos fundamentais para a emergência do sujeito, tendo, cada um deles, suas próprias funções. Tais funções ressaltam a formação dos vínculos e o pertencimento, ao mesmo tempo em que sugerem alguns entrelaces do sujeito com a cidade. O mal-estar foi discutido tomando como base o próprio texto freudiano, enquanto a discussão sobre vulnerabilidade se baseia em noções da filosofia política de Judith Butler.

Palavras-chave: sujeito; cidade; mal-estar; vulnerabilidade.


ABSTRACT

The objective of this paper was to discuss the subject-city relationship with reference to some notions of Winnicottian psychoanalysis, especially one that sees the environment as the foundation for psychic constitution and the mother as a representative of this in the first moments of a baby's life. Based on this principle, we discussed the secondary environment that starts at home and extends to the city, expanding the possibilities of relationship with the other, in different places and with different functions. We approached, then, the mother-environment, the house and the city as three essential ingredients for the emergence of the subject, having each of them its own functions. These features highlight the formation of bonds and belonging while suggesting some interweaving of the subject with the city. The malaise was studied based on the study of the Freudian text itself, while the discussion of vulnerability is based on notions of political philosophy brought by Judith Butler.

Keywords: subject; city; malaise; vulnerability.


RESUMEN

El objetivo de este trabajo fue discutir la relación sujeto-ciudad, a partir de algunas nociones de psicoanálisis de Winnicott, especialmente uno que ve el ambiente como base para la constitución del psiquismo y la madre como representante de este en los primeros momentos de la vida del bebé. Con esa perspectiva, vamos a discutir el ambiente secundario que se inicia en la casa y se extiende a la ciudad, ampliando las posibilidades de relación con el otro, en diferentes lugares y con diferentes funciones. Vamos a cubrir el ambiente-madre, la casa y la ciudad como tres entornos clave para el surgimiento del sujeto que tiene, cada uno, sus propias funciones. Esas funciones destacan la formación de enlaces y pertenencia, mientras sugieren imbricación del sujeto con la ciudad. El malestar se discutió tomando como principio el estudio del texto mismo de Freud, mientras que la discusión de vulnerabilidad se basa en los conceptos de la filosofía política de Judith Butler.

Palabras clave: sujeto; ciudad; malestar; vulnerabilidad.


 

 

[...] se a cidade é o mundo que o homem criou, então é nesse mundo que de agora em diante ele está condenado a viver. Assim, indiretamente, e sem uma idéia clara da natureza de sua tarefa, ao fazer a cidade, o homem refez a si mesmo.
Robert Park

 

1 REFLEXÕES INICIAIS

Percorrendo a 31ª Bienal de Arte de São Paulo, me surpreendi com a proposta implícita em cada obra. A partir da provocação feita por essa Bienal, que teve como título: "Como (...) coisas que não existem", o público é convocado a intervir nos trabalhos expostos, interpretando-os, ou mesmo contactando-os por meio dos sentidos, em uma espécie de experiência que incita a viver as ambiguidades, os conflitos e o desejo de transformar, individual ou coletivamente, as situações. Assim, podemos criar, pensar, desejar, nomear e representar "coisas que não existem". Cada pessoa contempla o que está exposto, atribuindo sentidos e decodificando as mensagens, ao mesmo tempo em que é estimulada a recriá-las.

O impacto dessa experiência me levou a pensar as cidades como espaços, nos quais significamos a nossa existência, expressamos sentimentos, desejamos, inventamos a vida, criando e recriando laços a partir do que existe, mas também do que desejamos fazer existir. As cidades adquirem sentidos na medida em que os sujeitos as criam imaginariamente, compondo e recompondo seus espaços subjetivamente e, desse modo, dando-lhe materialidade em sua arquitetura e funcionalidade. É o que nos diz Harvey (2013) quando afirma:

A questão do tipo de cidade que queremos, é inseparável do tipo de pessoa que desejamos nos tornar. A liberdade de fazer e refazer a nós mesmos e as nossas cidades dessa maneira é, sustento, um dos mais preciosos de todos os direitos humanos. (p. 28)

Nessa perspectiva, a cidade seria um espaço de acolhimento e sustentação no qual amadurecemos a partir do convívio com a diversidade de relações, com o compartilhamento de espaços e de leis que nos permitem transitar frente ao que é comum a todos e ao que é de cada indivíduo. É assim que nos inserimos em uma dada realidade social, sem perder a possibilidade de ampliar os horizontes que nos permitam ir além das nossas próprias fronteiras culturais. É essa articulação entre a vida individual e a coletiva que nos leva a pensar a cidade como esse espaço, no qual transitamos entre um dentro e um fora, um psiquismo e um laço social.

Ele possibilita a criação de laços de afeto e, como tal, produz tensões que tanto podem favorecer uma interação criativa com o outro como podem promover a intolerância e a recusa do outro; tanto nos permitem amadurecimento como paralisação; tanto nos inserem com participação ativa em diferentes grupos sociais como nos segregam e nos tornam estrangeiros em nosso próprio mundo.

Propusemo-nos, neste texto, a tratar de alguns aspectos que mostram como os sujeitos e as cidades constituem uma reciprocidade que se reflete na criação de características psíquicas e culturais, próprias de cada sujeito e do lugar que habita, reveladas nas funções da cidade, em sua estética, nos tipos de moradia e de conflitos, entre outros. Mais especificamente, a intenção foi discutir como são feitos os laços do sujeito com a cidade, a partir de experiências subjetivas marcadas, desde o início, por um processamento psíquico que atravessa o amadurecimento humano.

Tomaremos a relação do indivíduo com o ambiente como um primeiro indicador, a partir do qual discutiremos a diferença entre um ambiente primário, no qual surgem os primeiros laços, e um ambiente secundário, que começa na casa e se estende até a cidade, ampliando as possibilidades de estar com o outro em diferentes lugares e com diferentes funções. Nesse sentido, poderíamos falar do ambiente-mãe, da casa e da cidade como três espaços fundamentais para a emergência do sujeito, tendo, cada um deles, funções distintas que serão vistas posteriormente. Tais funções ressaltam a formação dos vínculos e o pertencimento, ao mesmo tempo em que sugerem alguns entrelaces do sujeito com a cidade.

A noção winnicottiana de "espaço potencial", no qual o sujeito cria, simultaneamente, a si, o outro e a cultura, funciona aqui como base para a compreensão de uma dimensão simbólica do espaço como elemento constitutivo do psiquismo. Esse espaço permite a circulação entre um dentro e um fora, que enseja a ampliação de uma rede relacional na qual se inserem os grupos e a coletividade, nos quais constituímos nossos vínculos. A questão do pertencimento a um lugar também será discutida, tendo como fundamentos os investimentos afetivos e a criação dos vínculos, pontos centrais que nos levam a conceber nossos espaços psíquicos e sociais. Tais espaços sustentam o enredamento com outros sujeitos, a circulação entre subjetividades e, mais importante, a manutenção da possibilidade de transicionar e transitar por diferentes realidades.

 

2 O AMBIENTE DOS COMEÇOS

O ambiente, na concepção winnicottiana, é um espaço simbólico que, representado pela mãe, acolhe o bebê quando nasce, dando início ao seu processo de amadurecimento. É desde essa origem que a criança vai processar suas condições de autonomia para construir e transitar por diferentes lugares ao longo da vida. O modo como a criança é inserida nesse ambiente primário marca suas relações com o outro singular, e também com uma coletividade que se organiza e se sustenta no espaço mais amplo da cidade. É importante salientar que nos primeiros momentos de vida do bebê ele e a mãe-ambiente estão fusionados; paradoxalmente, inicia-se, também nos primeiros meses, o processo de separação, que vai marcar as singularidades de cada membro da díade.

Nessa perspectiva, o ambiente que recepciona o bebê o faz por meio das trocas sensoriais que permitem à criança estar fusionada à mãe. Paulatinamente, o mundo restrito do bebê se amplia e ele consegue se diferenciar. É, portanto, essa experiência de estar colado à mãe que enseja outra, a separação, indicando que o processo de amadurecimento está em curso. Em outros termos, se a criança é bem recebida e reconhecida por um ambiente-mãe, essa experiência vai possibilitar à criança se confrontar com outros adultos com quem fará novos laços, ampliando sua rede relacional, base para a criação de novos ambientes. Nesses, a criança se diferencia a partir do olhar do outro e dá seguimento a um processo contínuo de busca por autonomia, a partir da qual ela cria seu próprio lugar no mundo.

Para Winnicott (1990), portanto, o ambiente é, antes de tudo, a mãe. Ela não é só uma metáfora, mas o ambiente em si, na medida em que ampara, sustenta e acolhe o bebê, levando-o a reconhecer progressivamente um espaço que vai além dela e que se torna a matriz dos demais lugares que ocupará na vida. Poderíamos supor, desde já, que a cidade representa, na vida adulta, parte desse espaço de acolhimento, pertencimento e reconhecimento. Voltaremos a isso mais adiante.

Em uma acepção mais geral, entendemos ambiente como aquilo que nos envolve e nos transmite as bases de uma dada cultura, assim como a mãe, primariamente, nos oferece, via linguagem e por meio de sua postura subjetiva, os valores primários do lugar em que vivemos e da família que temos. Essas bases nos permitem a ampliação do mundo por meio da constituição psíquica e dos processos de socialização em curso desde nosso nascimento.

A partir dessa concepção, Winnicott (1990) nos mostra como a constituição da psique e seu amadurecimento dependem de uma provisão ambiental na qual estão contidos os investimentos de afeto, base para que o sujeito siga criando uma espacialização da vida. Nesse sentido é que sujeito-espaço-cultura fazem parte de um mesmo encaixe que é ressignificado nas diferentes etapas da vida. Assim, na medida em que a criança vai se separando da mãe, o ambiente vai sendo ampliado e ocupado por outros personagens significativos como pai, irmãos, família, etc. Prosseguirá, desse modo, como esteio de outros laços de afeto que não se restringem a uma dimensão singular, mas se estende ao coletivo, dimensionando simultaneamente um voltar-se para si e para o outro, que evidencia, de certo modo, a função ambiente exercida pela mãe.

É preciso observar, entretanto, que não basta a aproximação de um outro. Para esse autor, é fundamental que o outro-ambiente lhe suscite segurança, confiabilidade. Não basta que a mãe ofereça o que a criança necessita para sua sobrevivência física, é indispensável que ela se ofereça como sujeito que acolhe, suportando suas angústias e vulnerabilidade, de modo que a criança descubra que pode se expressar e criar suas referências sem ameaças de destruição.

Do mesmo modo, o ambiente em sua exterioridade deve ser apresentado de forma segura, de modo que em qualquer época da vida e em suas diferentes performances ele possa ser confiável. Trata-se de uma condição a partir da qual o sujeito poderá enfrentar os conflitos e paradoxos da vida relacional.

Essa é, para o autor, a base para uma confiança da criança no mundo no qual ela desponta, e onde precisará empreender a mais difícil criação: a de si mesma. Tal criação pressupõe a presença e o olhar do diferente, do outro. Essa confiança no ambiente se constitui a partir de algumas condições importantes. Dentre elas poderíamos ressaltar, além do acolhimento e do cuidado, a forma como são oferecidos e a constância da presença da mãe. A partir dessa experiência seguimos enfrentando nossas vulnerabilidades com mais segurança, em direção a uma certa autonomia em relação ao lugar que habitamos.

A confiabilidade inicial enseja outra experiência importante: a circulação em um lugar que Winnicott (1975) denominou de "espaço potencial". Trata-se de uma metáfora que expressa o movimento da criança que transita entre os mundos interno e externo, em um processo que pode lhe assegurar um funcionamento entre esses dois universos. Segundo o autor:

A confiança que o bebê deposita na segurança oferecida pela mãe e, consequentemente, outras pessoas e coisas, torna possível a separação entre não-eu e eu. Ao mesmo tempo, entretanto, podemos afirmar que a separação é evitada através do preenchimento do espaço potencial com o brincar criativo, com o uso dos símbolos, e com tudo aquilo que eventualmente seja acrescentado à vida cultural. (p. 79)

Por meio da concepção de "espaço potencial", é possível verificar como a criança, desde muito cedo, é levada a se movimentar em um lugar intermediário entre seus mundos interno e externo, entre ela e sua mãe, de modo a criar uma vida na qual os opostos não se excluem, mas são tensionados, incitando-a a desenvolver um espaço psíquico entre esses dois elementos e a ter condições de viver criativamente.

Entendemos que esse espaço intermediário nos permite compreender a relação que o indivíduo desenvolve com a sociedade e, de modo mais específico, com a casa em que habita e com sua cidade. Dessa forma, o indivíduo e o espaço vivido se refletem mutuamente, e nessa relação há compartilhamentos tanto com uma coletividade mais ampla como com distintos grupos. Nesse sentido, afirma Winnicott (1975):

O espaço potencial entre o bebê e a mãe, entre a criança e a família, entre o indivíduo e a sociedade ou o mundo, depende da experiência que conduz à confiança. Pode ser visto como sagrado para o indivíduo, porque é aí que este experimenta o viver criativo. (p. 142)

Assim, a confiança na mãe-ambiente pode ser considerada a matriz para a confiança nos demais ambientes a serem conquistados, e é a base para um viver criativo. De acordo com a visão winnicottiana, a criatividade está relacionada às primeiras experiências do bebê, no momento em que ele acredita que criou tudo o que está ao seu alcance. Mais adiante ele passa a dimensionar melhor o si mesmo e o outro, podendo, então, assumir os gestos compartilhados com o outro, mas originados em si mesmo. Isso significa que adquirimos, por meio da criatividade, os meios para criar nossa própria existência e nos vincularmos a pessoas e lugares, que, embora tenham realidades próprias, podem ser subjetivamente percebidos.

Tendo, assim, experimentado esse espaço, a criança terá condições de prosseguir em direção a uma autonomia que implica a aproximação do outro, sem perder a si mesma, e de conceber relações intersubjetivas e coletivas que lhes permitem ampliar seu universo relacional e constituir uma ética da aproximação como condição indispensável à vida nas cidades.

 

3 DEPOIS... A CASA E A CIDADE

Se no início da vida o ambiente é representado pela mãe, aos poucos a criança vai se inserindo em outros espaços e vivendo neles as primeiras ambiguidades entre o universo simbólico e a materialidade do mundo. A casa é o primeiro espaço para onde essas ambiguidades convergem. Ela tem sido concebida das mais diferentes formas e aqui nos interessa pensá-la sob a perspectiva de uma morada capaz de conter e acolher o sujeito, além de ampliar horizontes, contribuindo para a confiança que precisamos ter nos futuros ambientes.

A casa foi estudada de forma poética e filosófica por Gaston Bachelard. Em sua visão, ela nos apresenta uma espécie de condensação do espaço que contém nossos sonhos, devaneios, imaginação, e guarda nossos recantos mais íntimos e enigmáticos, ao mesmo tempo em que a concretude de suas paredes nos aquece, protege e dá forma e materialidade aos nossos projetos e desejos. Assim, estamos simbioticamente associados à casa dos nossos primeiros tempos, aqueles onde fantasia e realidade se fundiam na criação de nossa existência.

De qualquer modo, seguimos nessa toada criando e recriando nossos espaços atuais, cada um deles com suas doses de claridade e de sombras. De acordo com Parente (2009):

A maneira como a casa foi vivida na infância define e dá plasticidade à imaginação que anima os diferentes espaços ocupados pelo homem. As primeiras aventuras da imaginação, feitas no espaço da casa, permitem a atribuição de brilhos originais aos espaços que serão posteriormente percorridos. As imagens primordiais reconstituem-se com base em novas experiências e se transpõem num momento mais recente, criando outro devaneio. (p. 79)

Considerado como espaço primário que nos acolhe e sustenta nossas mais remotas "viagens", a casa, para Bachelard, também funciona como via de passagem, como corredor que nos leva ao mundo. É nela que criamos nossas raízes e é ela que reimplantamos em vários outros lugares, sem perder, contudo, suas origens. Além disso, a casa também favorece a aproximação das pessoas e permite a emergência da intimidade entre elas. No seu interior, as fronteiras entre os indivíduos se tornam muito tênues e, por isso, as tensões e conflitos aparecem com mais força. O jogo projetivo se intensifica e as personagens se misturam; os afetos se intensificam e o clima oscila frequentemente entre momentos de harmonia e encontro, de desacertos e até agressões. Nesse sentido, a casa funciona como uma espécie de laboratório onde são exercitados os afetos em suas expressões mais espontâneas. Simbolicamente, ela representa um conjunto de espelhos cujas imagens refletem os desejos mais secretos dos seus habitantes.

Muitas dessas experiências vividas na casa também ocorrem nas cidades. Elas nos envolvem com contornos mais amplos ao nos inserir em uma cultura na qual diversificamos nossas relações afetivas, seja por meio da participação em vários grupos ou mesmo em uma coletividade. Permitem-nos transitar entre vários mundos sem perder nossa interioridade. Para Bachelard (1990), os mundos exterior e interior estão sempre interconectados; a casa, por exemplo, representa um mundo exterior que possui gavetas, as quais são abertas com fechaduras e outras vezes permanecem entreabertas, dando a dimensão desse fluxo de fronteiras tênues. Assim como as bonecas russas, tem-se uma sucessão de imagens iguais e diferentes. A cada uma que surge, segredos são revelados e sujeitos desvelados.

As casas são como gavetas dentro da cidade. Elas têm fechaduras, mas se abrem para quem vem de fora trazendo consigo o mundo externo traduzido pelo crivo da subjetividade. Nesse sentido, também na cidade as fronteiras são permeáveis e o que nos vincula a seus lugares, seus equipamentos públicos, suas pessoas, sua estética, sua arquitetura e sua história são nossas demandas interiores, bem como os modos como ela responde a essas demandas. Mas não é só isso, pois há sempre algo em nós projetado nos cantos da cidade, de modo que para além do que lhe é próprio, do que conta sua história, ela tem sentidos criados por cada um dos seus habitantes. Em outros termos, servimo-nos de nosso narcisismo para criar a cidade que desejamos, sem que sua realidade necessariamente combine com esse desejo. Sendo assim, tal qual o viajante das cidades invisíveis, criamos a cidade dos nossos sonhos e a habitamos com a linguagem do afeto. Como sujeito narcísico a enalteço, mesmo que no concreto de sua arquitetura e na crueza de sua história ela me violente e recuse minha existência.

Assim, as cidades podem ser vistas como uma espécie de ampliação do lugar simbólico que nos contém, oferecendo-nos experiências culturais de acordo com seu acervo de história e com o futuro que quer construir, e também com a condição participativa que oferece aos seus cidadãos. Dessa forma, ela é o que a tornamos, provinciana ou vanguarda, sossegada ou agitada, acolhedora ou hostil ao diferente — características pautadas pelo seu perfil socioeconômico e por aquilo que, como cidadãos, projetamos nela.

A cidade de Berlim é um bom exemplo desse mix de forças políticas, psíquicas e sociais. Considerada, por muito tempo, execrável pela atrocidade de seu passado, neste início de século ela tem se mostrado um ícone da cultura e da arte avançada de um povo; mas não só isso: vista uma cidade cult, ela tem sido objeto de desejo de todos aqueles que sonham com a possibilidade de um lugar onde se possa acolher a existência humana com criatividade e diversidade.

Pois bem, assim como estamos concernidos na criação do ambiente-cidade em que vivemos, é preciso também reconhecer sua autonomia, pautada em características climáticas, geográficas, de solo, entre outros, que, de certo modo, orientam os comportamentos da população. Essas características podem, por exemplo, interferir na ocupação do espaço, nas formas de violência, na oferta de espaços públicos, etc. Uma cidade litorânea é vista, por exemplo, como mais alegre, mais colorida, com relações mais exteriorizadas; enfim, é preciso levar em conta as variantes que dão origem a uma cidade. Elas surgem tensionadas e, no cotidiano, as vivemos de modo a contribuir para manter e transformar suas forças conflitivas. Em muitos casos, essas forças geram hostilidade e expulsão dos sujeitos; em outros, expressam-se como pontos de atração.

Assim como aprendemos dia após dia a nos situarmos diante de forças antagônicas que nos constituem psiquicamente, as cidades que nos concernem também são marcadas pela pulsão de vida, pela possibilidade de a recriarmos; mas também nos paralisam com a pulsão de morte, quando cerceiam nossa mobilidade, violentam nossos direitos e destroem vidas.

Esse trânsito sujeito-objeto, eu/não eu, está na base de toda a criação de nossos cantos no mundo; primeiro a casa, depois a cidade. Nesses cantos é possível lidar com a concretude dos objetos externos e, ao mesmo tempo, atribuir a eles sentidos subjetivos. A integração psíquica, de acordo com Winnicott, segue essa lógica na qual essas duas dimensões não estão separadas, mas se interpenetram e se desdobram nos espaços que habitamos. Depois da mãe como metáfora do ambiente e do espaço potencial que sustenta os primórdios da autonomia da criança, podemos agora tratar de novos espaços que, embora tenham uma existência concreta, conferem uma dimensão simbólica à nossa existência no mundo.

A casa é esse espaço que acolhe, contém, e, além disso, mantém suas paredes como espelhos que revelam nossos mais profundos enigmas. A cidade é multidão, mas também isolamento; é o lugar de horizontes múltiplos, mas também singulares; é fusão e diferenciação; enfim, é um lugar para ser e entreter. Discutidas essas bases nas quais os entrelaces sujeitos-cidade são tecidos, podemos agora pensar em duas noções que marcam subjetivamente essa tessitura: o vínculo com o lugar onde vivemos e, a partir dele, o pertencimento que nos permite criar uma identidade que se transforma na medida em que amadurecemos e nos inserimos em novos lugares.

 

4 PROMOVER LAÇOS ENTRE OS SUJEITOS: UMA ENTRE OUTRAS FUNÇÕES DA CIDADE

Como vimos, desde o início da vida a relação com o ambiente é vital para o encontro com o outro e sustenta o processo de amadurecimento da criança. Esse processo se modifica ao longo do tempo, na mesma medida em que ampliamos nossa forma de estar no mundo, ressignificando espaços e pessoas à nossa volta. Estar no mundo depende, então, de uma boa dose de provisão ambiental, criada desde os primórdios das relações que mantemos com quem nos recebe, nos cuida e nos insere em um espaço, matriz dos demais aos quais nos vincularemos ao longo da vida. Essa vinculação permite o trânsito no mundo simbólico onde os valores sociais e morais são assimilados.

Partimos, portanto, do princípio hoje bastante explorado de que só "existimos" na presença de um outro que nos substancializa, do qual dependemos para constituir nossa interioridade e criar nosso lugar no mundo. Essa presença é indispensável, seja na realidade ou na fantasia, no sonho ou no devaneio. Nunca podemos prescindir de alguém que mesmo "ausente" é presença irremediável na constituição do sujeito, seja individual ou coletivo. Dessa forma, é preciso refletir sobre as circunstâncias nas quais essa presença é substancializada, de modo a nunca podermos escapar dela. Sabemos que não basta estar junto, é fundamental que haja um trabalho psíquico ligando dois sujeitos. É nessa perspectiva que se situa o fundamento dos vínculos.

De acordo com Berenstein:

Vínculo é esse lugar em que dentro e fora, interno e externo, se sobrepõem e se combinam, mesmo que de certo modo se tornem indefinidos: pois marcam uma zona imprecisa em que o fora – os modelos sociais de relação – está dentro do vínculo, e o dentro – os modos internos de pensar e constituir a relação – está nesse fora no qual se inscreve a relação entre os sujeitos. (1997, p. 59)

É, portanto, por meio dos vínculos que podemos apreender as duas dimensões do sujeito — interioridade e exterioridade — de forma conectada a partir de uma dinâmica que se constitui com base nos investimentos psíquicos recíprocos. Tais investimentos suscitam tensões e uma dialética própria à convivência entre os sujeitos.

A experiência dessa dialética é o que chamamos de "trabalho psíquico dos vínculos", que permite a alguém constituir-se subjetivamente a partir daquilo que é da ordem de sua própria interioridade; mas também do que vem do exterior que, embora não lhe pertença, ao se interligar, passa a ser também seu. Esse é um grande segredo dos vínculos, ou seja, a possibilidade de criar bordas entre os sujeitos, com fronteiras permeáveis em que o exterior se faz interior e o interior se faz exterior.

Com base nessa dinâmica interior/exterior é que nos inserimos em vários lugares e passamos a fazer parte deles, assim como eles são internalizados por nós, conforme veremos no processo de pertencimento. Como se dá, então, essa vinculação? Trata-se de um trabalho psíquico que depende do tipo de investimento que fazemos no lugar que habitamos ou mesmo nas cidades que amamos e admiramos. Investir afetivamente em um lugar é uma operação que depende das identificações que temos com esse local. Isso significa que a cidade nos representa, ela é uma extensão de nós, afina-se com nossas singularidades, nossas demandas, muito embora nem sempre ela revele concretamente essa sintonia. Há um caráter de idealização, de criação imaginária, na relação que mantemos com nossas cidades.

Há, também, uma dimensão narcísica na maneira como nos situamos no nosso habitat. Se ele é parte de nós, evidentemente seu reflexo aparece em nossas ações, em nossa estética, na forma como transitamos em seu espaço, no prazer que sentimos ao desbravá-lo e no tipo de interpretação que fazemos de sua geografia e de suas expressões culturais. Como ilustramos com as palavras de Parker "... ao fazer a cidade, o homem refez a si mesmo". Nesse sentido, ele se refaz no dia a dia na medida em que a cidade muda de performance em suas construções — quando oferta, por exemplo, equipamentos culturais, educacionais e de saúde à população, mas também suas destruições sob a forma de diferentes tipos de violência.

Se a relação que mantemos com a cidade é narcísica, é preciso considerar os conflitos que advêm daí. Comumente parece haver certa irracionalidade nas avaliações que fazemos dos lugares onde vivemos. Há, com frequência, uma dessintonia entre o que dizemos, a forma como expressamos o viver na cidade, e o que ela concretamente nos oferece. Se cada um pensar nos desconfortos do dia a dia causados pela precariedade dos espaços e equipamentos públicos, dos maus-tratos das ruas e das vias públicas das cidades brasileiras, certamente elas seriam muito mal avaliadas. Entretanto, quando as descrevemos, esquecemo-nos de "pequenos detalhes", como o trânsito infernal que nos faz perder boa parte de nossas vidas, das ameaças de violência que estão em cada esquina, da precariedade nos sistemas de saúde e educação, sem falar da escassez de lazer e de ofertas culturais em grande parte das grandes cidades brasileiras.

Assim, quando falamos de nossas cidades, falamos de nós mesmos. Usamos a linguagem do afeto, que nos faz negar parte da experiência, para sustentar uma posição subjetiva que nos favorece; sem tal negação seríamos obrigados a reconhecer nossas precariedades. Isso fica bem claro ao indagarmos a respeito do ufanismo de certas pessoas quando tratam de suas cidades/eus. Recentemente, conversando com um motorista de táxi que não parava de reclamar dos problemas urbanos de Recife, Pernambuco, o surpreendi com a seguinte pergunta: "Com toda essa realidade, o senhor gosta de morar aqui?". Ele me responde: "claro, não há cidade melhor para se viver". Ao que, de novo, indaguei: "por que será que gostamos de viver em um lugar que maltrata tanto nossa dignidade?". E ele responde: "essa é uma boa pergunta". Paramos por aí.

 

5 HABITAR E PERTENCER

A concepção de vínculo está diretamente associada ao pertencer a um lugar, a criar um habitat. Constituímos vínculos primários com pessoas que nos acolhem e nos reconhecem como possibilidade de habitar um determinado lugar. Com tal reconhecimento nos inserimos simbolicamente em uma cadeia geracional a partir da qual respondemos às diferentes demandas de relação com indivíduos, grupos, coletividades, etc. Essa inserção tem um caráter dinâmico e muda permanentemente. Para Butler (2015):

Pedir reconhecimento e oferecê-lo não significa pedir que se reconheça o que já somos. Significa invocar um futuro, instigar uma transformação, exigir um futuro sempre em relação com outro. Também significa pôr em jogo o próprio ser e persistir nele, na luta pelo reconhecimento. (p. 72)

Talvez seja isso que precisamos para reinventar a nós mesmos, nosso habitat e nossas cidades. Para isso, é necessário tensionar o dentro e o fora, lembrar que a casa e a cidade são facetas de nosso habitat exterior, que refletem o que ocorre no habitat interior. É a partir daí que são constituídos os investimentos de afeto responsáveis pelos laços e pelas identificações grupais que dão origem ao sentimento de pertença. Trata-se de sentimento que permanece mesmo quando nos afastamos do grupo ao qual originalmente nos filiamos.

É possível dizer, de acordo com Eiguer (2004), que o habitat interior contém cinco funções:

  1. uma função de continência e, consequentemente, de diferenciação entre exterior e interior à casa, a fim de proteger e desenvolver uma intimidade no grupo de pertencimento;
  2. uma função de identificação em relação a esse grupo. O habitat revela muito bem o que é comum a todos e também o que é particular — isso para cada um dos seus habitantes;
  3. uma função de continuidade histórica, em que a memória exerce seu papel de ligação;
  4. uma função criadora, pois a distribuição dos laços e a escolha dos compartilhamentos e investimentos dependem das inspirações recíprocas e de uma estética também compartilhada entre os diferentes membros;
  5. uma função estética que visa buscar a beleza na harmonia das formas tanto materiais quanto nas relações criadas entre todos do grupo.

Tais funções nos permitem pensar que o habitat e a dimensão de pertencimento estão diretamente relacionados à criação de si, na medida em que necessitamos de um espaço para dar continuidade à potência originária que nos trouxe ao mundo. Pertencer a um dado lugar pressupõe a árdua tarefa de instituí-lo, ao mesmo tempo em que nos constituímos psiquicamente. Em sua raiz simbólica, o espaço originário é o espaço psíquico, e na medida em que ele amadurece é possível também criarmos nosso espaço no mundo, mais concretamente em um país, em uma cidade, a qual poderia ser representada como a nossa esquina no mundo — como aquele lugar onde nos formamos culturalmente, criamos parcerias e nos transformamos subjetivamente.

É preciso ressaltar, entretanto, que do ponto de vista psicossocial a concepção de pertencimento não significa fixação a um único lugar, mas justamente a possibilidade que o pertencer oferece de poder circular, ter mobilidade para expandir o universo social, mantendo uma posição subjetiva que advém de uma origem. Só assim é possível criar uma mobilidade, pertencendo a um lugar e circulando entre vários; assimilar uma cultura, mas transitar entre várias performances; criar uma identidade, mas transformá-la.

De um modo geral, a cidade pode ser considerada um espaço no qual transitamos com diferentes objetivos: de separação entre uma dimensão pública e uma privada; de ampliação das possibilidades de circulação entre grupos sociais distintos; de participação nos espaços de lazer, onde exercitamos nossos sonhos para além dos nossos territórios individuais, etc. Assim como a cidade deve nos proporcionar o pertencer e o circular, outros espaços também apresentam essa dupla faceta. Safra (1999) nos fala, por exemplo, do carro como espaço pessoal e, ao mesmo tempo, de circulação em uma geografia mais ampla; e também do quarto de dormir, lugar que pode ser visto como extensão do self, que nos possibilita o repouso e também o despertar. Desse modo, é possível entender a cidade como um espaço que se situa entre o indivíduo e a sociedade, o qual potencializa e ao mesmo tempo contém as tensões inerentes à sua condição transicional.

Desse modo, pertencer a um lugar/cidade é adquirir a possibilidade de transitar e, consequentemente, de estender o nosso espaço vital. Assim como o espaço entre o corpo materno e o corpo da criança é vivido como espaço transicional, outros espaços adquirem essa qualidade e nos permitem recriar sempre os diversos tipos de espaços existentes no mundo. É essa flexibilidade que abre a porta de entrada para o espaço pessoal e, ao mesmo tempo, nos conduz às portas das cidades e dos países. Afinal, percorrer os territórios do mundo é desconstruí-lo para torná-lo próprio.

Estão dadas, assim, as pistas para o pertencimento a uma cidade. Segundo Winnicott (1975):

Só aos poucos iremos exigir do indivíduo em desenvolvimento um reconhecimento completo da distinção entre a realidade externa e a realidade psíquica interna; na verdade, um remanescente dessa substância intermediária continuará existindo na vida cultural dos homens e mulheres adultos, justamente ali onde se encontra aquilo que mais claramente distingue os seres humanos dos animais (religião, arte, filosofia). (p. 178)

A cidade se configura como lugar de transição. As suas fronteiras abertas simbolizam, assim como a casa, a saída para o mundo, para outras experiências afetivas e culturais. Permitem o exercício do dentro e do fora, e o paradoxo que lhes é inerente. Pertencer é, em última instância, construir uma morada com fronteira permeável ao mundo, e dele criar uma posição subjetiva. Sem isso, afirma Winnicott (1990, p. 87): "...É habitar no nada, no infinito sem rosto humano, é estar sempre em trânsito, sem espaço para o descanso".

 

6 ENTRE O SUJEITO E A CIDADE E VICE-VERSA

Como vimos, entre as funções da cidade, promover o encontro com o outro, com o diferente, em seus espaços públicos, constitui-se como aspecto fundamental na produção das subjetividades contemporâneas. Já vimos o quanto esse encontro pressupõe condições de possibilidades que promovem os enlaçamentos entre os sujeitos e, consequentemente, o pertencimento a um determinado lugar como elemento identitário e de socialização. Nesse sentido, vincular e pertencer são expressões naturais que emergem do processo de amadurecimento do sujeito, expressando diferentes vicissitudes ao longo da vida. Em cada etapa, inserimo-nos em lugares distintos graças à flexibilidade e à mobilidade que adquirimos com o exercício contínuo de transicionar entre realidades diversas.

Tal exercício começa nos primeiros momentos da vida e se prolonga por todas as etapas, evidenciando nossa capacidade de transitar entre uma realidade psíquica interna e o mundo externo. É nesse intermediário que criamos nossos lugares, dando-lhes uma dimensão subjetiva, sem, entretanto, negar-lhe sua existência material. Daí resultam muitas das ambiguidades e dos conflitos que enfrentamos no cotidiano. A cidade que crio imaginariamente não é aquela que me recebe com violência e que me sonega uma convivência com a diversidade que nos transforma e ao mesmo tempo nos torna semelhantes ao outro, de quem dependemos para existir.

Na atualidade, em grande parte do mundo ocidental, temos feito um caminho oposto àquele necessário a uma convivência na qual cada um encontre meios de exprimir sua condição identitária, que só o compartilhamento com o diverso permite. Nos principais centros urbanos do Brasil, por exemplo, experimentamos um movimento de expulsão dos "estrangeiros", dos diferentes, dos pobres, fruto das imensas desigualdades que não cessam de aumentar. Podemos dizer que esse é um entrelace sujeito-cidade que tem repercutido para um empobrecimento afetivo e o distanciamento dos sujeitos nas cidades.

A segregação e o fechamento dos sujeitos nos condomínios têm suscitado não a segurança, como é prometido pelos grandes construtores desses equipamentos, mas medo do outro, insegurança, redução do mundo que passa a ser gerido pelo zelador do prédio, o gerente do condomínio e as poucas pessoas que têm permissão para entrar no circuito restrito dos "protegidos", dos menos vulneráveis.

Essa constatação encontra eco em Bauman (2009), quando propõe as noções de mixofilia e mixofobia, que, para ele, são termos autoexplicativos. Segundo esse autor, vivemos hoje, nas grandes cidades, uma espécie de luta entre um desejo de misturar-se ao outro (ao que é diferente de nós, já que tal abertura amplia o mundo e nos enriquece) e o isolamento. Na verdade, essa possibilidade de aventurar-se no novo que as grandes cidades oferecem sempre gerou uma procura pelos grandes centros urbanos. Entretanto, essa convivência vem sendo cada vez mais associada à violência, à desconfiança generalizada, à intolerância e aos preconceitos. Essa seria a mixofobia; e, embora não seja possível eliminar, é possível reduzi-la, à custa de muito trabalho socioeducacional e psicológico.

Esse movimento certamente ampliaria as expressões de mixofilia, que preconiza a mistura, promove a relação e a abertura para as várias formas de ser e de existir individual e coletivamente. Forças indispensáveis ao amadurecimento do sujeito, que advêm dos entrelaces com a cidade e que promovem abertura para a criatividade como fundamento primordial da existência humana.

 

REFERÊNCIAS

BACHELARD, G. A poética do espaço. São Paulo: Martins Fontes, 1975.         [ Links ]

BAUMAN, Z. Confiança e medo na cidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2009.         [ Links ]

BERENSTEIN, I.; PUGET, J. Lo vincular: clínica y técnica psicoanalítica. Buenos Aires: Paidós, 1997.         [ Links ]

BUTLER, J. Quadros de Guerra: quando a vida é passível de luto? Tradução de Arnaldo Marques da Cunha e Sergio Lamarão. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2015.         [ Links ]

EIGUER, A. L'inconscient de la Maison. Paris: Dunod, 2004.         [ Links ]

PARENTE, A. A. M. A casa e o holding: conversas entre Bachelard e Winnicott. Natureza Humana, v. 11, n. 1, p. 73-100, jan./jun. 2009.         [ Links ]

SAFRA, G. A face estética do self: teoria e prática. São Paulo: Unimarco, 1999.         [ Links ]

WINNICOTT, D. W. O ambiente e os processos de maturação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1990.         [ Links ]

_____. O brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1975.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
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E-mail: mariaconsuelopassos@gmail.com

Artigo recebido em: 20/07/2016.
Aprovado para publicação em: 09/09/2016.

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