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Mental

versão impressa ISSN 1679-4427versão On-line ISSN 1984-980X

Mental vol.11 no.20 Barbacena jan./jun. 2017

 

ARTIGOS

 

Instituição geriátrica como uma instituição totalitária: gênero e saúde mental

 

Nursing home as totalitarian instituition: gender and mental health

 

Asilo de ancianos como una institución totalitaria: género y salud mental

 

 

Valeska ZanelloI; Guilherme HendersonII; Lívia Campos e SilvaIII

IProfessora Doutora do Departamento de Psicologia Clínica da Universidade de Brasília (UnB).
IIMestrando em Psicologia Clínica e Cultura da Universidade de Brasília (UnB), Membro da Associação Lacaniana de Brasília.
IIIMestranda em Psicologia Clínica e Cultura da Universidade de Brasília (UnB).

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Uma alternativa para se viver a velhice em nossa cultura é a instituição geriátrica. A presente pesquisa teve como objetivo investigar os sentidos vivenciados por idosos e idosas em relação à instituição geriátrica e à internação. Para tanto, foi realizado um estudo etnográfico em uma dessas instituições, no Distrito Federal, durante oito meses, com visitas semanais de três horas. Posteriormente, foram realizadas 18 entrevistas (nove idosos e nove idosas), as quais foram submetidas a uma análise hermenêutica. Os sentidos vivenciados por idosos e idosas internos apontaram para características típicas daquelas relatadas em uma instituição totalitária. No entanto, houve diferenças de gênero no modo de lidar com essas vivências, bem como em seu impacto na saúde mental.

Palavras-chave: velhice; gênero; instituição totalitária.


ABSTRACT

A living alternative to old age in our culture is the nursing home. This research aimed to investigate the senses experienced by elderly in relation to geriatric institution and admission. It was conducted an ethnographic study in one of these institutions in the Federal District, for eight months, with weekly visits of three hours. Later, 18 interviews were conducted (nine men and nine women), which were submitted to hermeneutic analysis. The senses experienced by internal pointed to features typical of those reported in a totalitarian institution. However, there were gender differences in how to deal with these experiences, as well as their impact on mental health.

Keywords: old age; gender; totalitarian institution.


RESUMEN

Una alternativa para vivir la vejez en nuestra cultura es la institución geriátrica. Esa investigación tuvo como objetivo investigar las experiencias de ancianos mayores en relación con la instituciones institución y a la internación. Por lo tanto, se ha hecho un estudio etnográfico en una de esas instituciones del Distrito Federal, por cerca de ocho meses, con visitas semanales de tres horas. Más tarde, se han hecho 18 entrevistas (nueve ancianas y nueve ancianos), las cuales fueron sometidas al análisis hermenéutico. Los sentidos vividos por ancianos y ancianas internados apuntaron a características típicas de una institución totalitaria. Sin embargo, hubo diferencias de género en la manera de vivir esas experiencia, así como su impacto en la salud mental.

Palabras clave: vejez; género; institución totalitaria.


 

 

1 INTRODUÇÃO

Em termos gerais, é possível destacarmos três pontos de vista nos estudos sobre o envelhecimento: o ponto de vista médico-biológico, que afirma que a velhice seria um processo que se iniciaria assim que o organismo começasse a apresentar alguns defeitos em seu bom funcionamento, como, por exemplo, a reprodução ou o início de um estágio de degeneração do corpo; o ponto de vista psicodesenvolvimentista, em que o envelhecimento seria compreendido como uma fase do desenvolvimento e, como tal, um período da vida com parâmetros comportamentais e questões emocionais "normais" (esperadas para essa fase); e o ponto de vista social, sob o qual a velhice seria compreendida a partir dos diversos contextos em que ela se insere — sociais, culturais e políticos. Historicamente, entre essas perspectivas, é a ideia de velhice como degeneração orgânica que adquiriu estatuto privilegiado no imaginário social.

Groisman (2002) afirma que um dos critérios que definem o que é ser "velho" e "velha" em nossos dias é a idade cronológica. No entanto, a arbitrariedade que reside nesse critério é facilmente evidenciada quando encontramos duas pessoas com a mesma idade, ou em uma mesma "fase" do desenvolvimento, em graus de envelhecimento completamente dissonantes (FALCÃO; ARAÚJO, 2010). O grau de degeneração do corpo orgânico é outro critério encontrado, aparentemente menos arbitrário, que busca determinar a velhice (e a não velhice). Esse critério, da mesma forma, ignora as possibilidades do envelhecimento, restringindo-se a uma lógica indicial que encontra no corpo sinais de um mau funcionamento.

Esse "grau" que determinaria o que seria a velhice (ou o nível de degeneração que o corpo do organismo apresenta) é constatado em nossa sociedade especialmente pelo olhar do médico. No entanto, como bem nos alerta Foucault (1977), antes de ser uma constatação empírica neutra sobre o corpo, o discurso médico sobre essa "degeneração" cria a própria associação entre velhice e decadência física, entre velhice e doença. Laslett (1989) afirma que a ideia de degeneração do corpo trata-se da principal metáfora médica da velhice, é ela que possibilita o próprio saber sobre a velhice: a geriatria, a gerontologia.

Essa metáfora se infiltrou cada vez mais no campo social e se faz viva ainda hoje. No entanto, a geriatria e a gerontologia parecem estar a todo o momento buscando formas de desfazer essa associação velhice-degeneração (GROISMAN, 2002), quando, por exemplo, creditam à velhice uma fase "natural" da vida, ou quando fazem associação a práticas mais "positivas" — isto é, uma série de "práticas" de prevenção, como cuidados à saúde, rejuvenescimento do corpo e desenvolvimento de uma vida social ativa, em clubes e universidades. Foram essas atividades que construíram uma nova concepção da velhice conhecida como "Terceira Idade" (MORAES, 2011).

As divulgações midiáticas de um tipo de envelhecimento tido como saudável da Terceira Idade, segundo Groisman (1999), é extremamente perversa, pois esconde uma realidade socioeconômica brasileira: o envelhecer tido como "saudável" está disponível para uma classe minoritária e o modelo asilar está longe de ter sido abandonado. No Brasil, as instituições geriátricas podem ser públicas ou particulares e há 3.549 instituições identificadas em todo território nacional (CAMARANO; KANSO, 2010). Ainda que seja possível apontar mudanças nesse tipo de instituição (KHOURY et al., 2009), e avaliando que é possível o bem-estar subjetivo de idosos residentes em Instituições de Longa Permanência — como são chamadas as instituições asilares pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia —, a maior parte dos autores persiste em denunciar a precariedade e os problemas desse tipo de instituição, como a falta de atividades lúdicas, de um ambiente de trocas, e de um espaço de escuta para o sofrimento e para a expressão das singularidades (PAVAM; MENEGHEL; JUNGES, 2008; PEIXOTO, 2011; MUCIDA, 2009). Tais precariedades revelam algumas semelhanças entre a instituição geriátrica e a instituição totalitária.

Mesmo que não seja um manicômio, uma prisão ou um convento, a instituição geriátrica de modelo asilar tem seu modo de funcionamento baseado em posturas repressoras, controladoras e hierárquicas, típicas do que Goffman (1990) denominou de "instituições totais". Essas organizações agem de forma a impossibilitar que os indivíduos exerçam um mínimo do Eu, obrigando-os a seguir um conjunto de regras e normas. Pode ser definida como:

Um local de residência e trabalho onde um grande número de indivíduos com situação semelhante, separados pela sociedade mais ampla por considerável período de tempo levam uma vida fechada e formalmente administrada. Essas instituições são muitas vezes criadas para cuidar de pessoas que, segundo se pensa, são incapazes e inofensivas (GOFFMAN, 1990, p. 11).

A perspectiva médica sobre a velhice parece ressoar diretamente no modo de funcionamento e no estilo hospitalar que as instituições para idosos acabam adquirindo. Dessa forma, é necessário partirmos de outra perspectiva, que forneça uma alternativa ao olhar médico sobre a velhice e à sua metáfora da degeneração; uma perspectiva que forneça uma outra escuta sobre aquilo que é silenciado nas instituições geriátricas.

A psicanalista Ângela Mucida (2004), ciente de que tais concepções da velhice ignoram questões particulares da vida do sujeito, afirma que a compreensão da velhice deve ir além de um Korp médico, e que é a essas particularidades que a psicanálise se voltará ao lidar com um corpo diferente do visto pelo médico, um corpo vivido, atravessado pelo olhar do outro, pelo desejo e pelo sofrimento que se encontra em outra cena.

A tese fundamental sobre a velhice, na visão psicanalítica, afirma que o estatuto do sujeito é o próprio inconsciente, e que este não envelhece. A tentativa de se definir o que seria a velhice, mesmo que nos dê algumas indicações relativas aos possíveis aspectos corporais fisiológicos ou sociais, não indicará como cada sujeito vivencia tal inscrição a partir de seus traços e o particular de sua história (MUCIDA, 2004).

No contexto do idoso asilado, mas não restrito a ele, as psicanalistas Goldfarb (1997), Mucida (2004, 2009) e Abrahão (2008) observam duas possibilidades constantes na vivência nessas instituições: o surgimento de sintomas e a constante rememoração por parte dos internos. Para Mucida é flagrante a formação de sintomas que buscam inscrever o particular na instituição: a mania de juntar objetos, o silêncio que tenta manter sob alguma proteção os vestígios do seu desejo, sintomas depressivos, um ódio à imagem de si, sintomas variados como resposta daquilo que jamais se institucionaliza em cada asilado. Esses sintomas têm efeitos sobre o narcisismo, pois ninguém vive, segundo a autora, sem certa cobertura narcísica, certa roupagem que acompanha o sujeito, revestindo seu corpo e possibilitando o investimento na subjetividade.

Ainda nesse contexto, estudos apontam para especificidades na internação entre homens e mulheres em instituições totais (ZANELLO; BUKOWITZ, 2011; MOREIRA, 2005). As mulheres, por exemplo, podem continuar a desempenhar alguns traços pelos quais foram subjetivadas e "treinadas", como, por exemplo, a questão do cuidar e do investimento nas relações sociais, o que pode lhes permitir permanecerem ativas e vivenciarem traços pessoais. O mesmo pode não acontecer com os homens que, segundo Moreira (2005), podem ressentir de uma forma mais agressiva a situação do asilamento, pois este implica uma redefinição da sua identidade tida como masculina.

Por fim, levando-se em consideração o quanto a internação em uma instituição totalitária asilar interpela a subjetividade do sujeito, faz-se mister pensar os sentidos do internamento, sua experiência e consequências psíquicas (impacto sobre a saúde mental); sobretudo, se há diferenças nesses sentidos, baseadas em valores de gênero constitutivos da subjetividade do idoso e da idosa.

 

2 MÉTODO

O trabalho de campo foi realizado por dois pesquisadores entre os meses de agosto de 2012 e março de 2013. Durante os primeiros quatro meses, os pesquisadores conviveram na instituição com residentes e funcionários, visitando-a duas vezes na semana, durante 90 minutos. Em seguida, foram mantidas as visitas e realizadas as entrevistas. Após cada visita, eram anotadas, em um diário, todas as percepções e conversas ocorridas no campo. Os diários eram semanalmente discutidos em grupo, com a supervisora da pesquisa e, a partir dessas discussões, foi construído um mapa das vivências relatadas pelos próprios idosos em conversas informais, bem como aquelas percebidas pelos pesquisadores.

Ao todo, foram entrevistados 18 idosos residentes em uma instituição geriátrica do Distrito Federal, sendo nove mulheres e nove homens. As entrevistas, semiestruturadas, foram realizadas após a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido; assim, participaram apenas os idosos que não apresentaram nenhum tipo de doença que os privasse da consciência e da vontade. Foram utilizadas questões disparadoras nas entrevistas, quais sejam: "Como o senhor ou senhora veio para cá?"; "Como é a vida aqui?"; "Como é seu dia a dia?"; "Você se diverte? Como?"; "Sente falta de algo?". As entrevistas com os homens tiveram uma duração média de 55 minutos e com as mulheres esse número subiu para 75 minutos. As entrevistas foram gravadas e posteriormente transcritas.

O material obtido nas entrevistas foi submetido a uma análise de conteúdo, na qual se buscou categorizar eixos temáticos que apareceram no conjunto das entrevistas. Depois procedeu-se a uma quantificação frequencial desses eixos a fim de comparar quais temas eram semelhantes e quais eram específicos de cada grupo.

Os resultados apresentados são baseados nas entrevistas, mas utilizamos também o mapa de vivências, construído a partir do diário de campo para endossar os resultados encontrados nas entrevistas ou para, em raros casos, colocar em xeque o que foi dito na situação formal da entrevista e desdito na informalidade do cotidiano.

A presente pesquisa foi aprovada e autorizada pelo Comitê de Ética do Instituto de Ciências Humanas da Universidade de Brasília.

 

3 RESULTADO E DISCUSSÃO

O conteúdo obtido nas entrevistas foi agrupado em três categorias comuns nos discursos dos homens e das mulheres: "Sentido do internamento", a qual diz respeito ao sentido intelectual e afetivo do(a) interno(a) em relação a ter sido internado(a); "Experiência na instituição", que trata do sentido afetivo das atividades (ou a falta delas) no ambiente asilar (as quais se mostraram com características totais);"O que não se asila", que se manifestou naquilo que resiste ao esmagamento psíquico dos sujeitos dentro da instituição. Os temas específicos e as subcategorias que foram observadas nas entrevistas podem ser conferidas na Tabela 1.

Na tentativa de mostrar e esclarecer os temas mais presentes no discurso da idosa e do idoso internados, discutiremos pormenorizadamente os resultados obtidos, apresentando alguns recortes colhidos em nossas entrevistas.

3.1 Sentido do internamento

Na categoria "Sentido do internamento" (ver Tabela 1), a subcategoria mais frequente e comum entre homens e mulheres foi o "Sentimento de abandono" (cinco entre nove mulheres; cinco entre nove homens). Além disso, entre as idosas apareceram: "Imposição do outro" (sete entre nove) e "Única alternativa" (uma entre nove).

O "Sentimento de abandono" apareceu com a mesma frequência nas entrevistas dos homens e das mulheres, no entanto sob tonalidades diferentes. Nas mulheres, ocorreram duas perspectivas principais. Na primeira, as internadas ressentiam o asilamento como uma "traição" por parte dos familiares e, nesse sentido, como uma não retribuição na velhice de um investimento constantemente feito (dado) durante a vida.

É o caso da sra. G, 70 anos, ex-professora de português, poetisa, que afirmou ter sido obrigada pelos filhos ao asilamento. Em suas palavras disse ter sido "colocada [por seus filhos] num ostracismo pra esperar a morte". Quando a questionamos sobre as visitas, respondeu que ressentia a presença dos filhos como uma traição e um constante abandono "Aah, vem nada. Uma vez ou outra. Uma vez. A presença deles, filha, me aborrece, eu chamo eles de 'traidor'. Quer dizer, é tipo uma traição, vir aqui, vamos fazer, vamos fazer um repouso, chega aqui na primeira noite e eu passo a noite todinha urinando e fazendo cocô".

 

 

A outra perspectiva pela qual as asiladas ressentiam o internamento era o "sacrifício pessoal", que passava a valer a pena quando elas evitavam conflitos e podiam se manter "amadas" pelo outro. A fala da sra. R, 70 anos, ex-secretária, foi clara nesse sentido; ela nos disse ter aceitado o internamento após a insistência da filha que, preocupada pela mãe estar vivendo sozinha, a convenceu a mudar-se para a instituição. A sra. R então nos disse: "Não gostei muito não, mas... estou vendo que era... como é que diz... (pausa) o mais acertado. Não, gostar eu não gostei. Mas vendo a situação dela em casa, aceitei, né? É uma maneira de ajudá-la, né? Aceitei".

Um aspecto importante, presente tanto no discurso das mulheres quanto no dos homens entrevistados, diz respeito não ao conteúdo semântico encontrado, mas à forma como este apareceu. Observamos, em ambos os grupos, o uso da racionalização. Apesar de a racionalização ter aparecido com frequências diferentes nos discursos de homens (oito entre nove) e mulheres (seis entre nove), as justificativas apresentadas para tornar suportável a internação foram semelhantes e relacionadas, sobretudo, à presença de doenças e a dificuldades ou necessidades especiais de tratamento. Ou seja, o internamento, mesmo que ressentido e sofrido, foi justificado por razões tidas como plausíveis.

Esse sentimento racionalizado é notável na fala do sr. K, 71 anos, ex-motorista. Quando questionado sobre as visitas de familiares, disse: "Minha mulher morreu, minha filha... eles têm a vida deles, ela tá cansada, trabalhando, foi melhor assim". Já a negação, mais característica nos discursos deles, pôde ser observada por meio de falas como a do sr. F, 75 anos, ex-militar, que se apresentou para o pesquisador como um "funcionário" da instituição, mas afirmou em terceira pessoa o abandono por parte dos filhos: "Os filhos da p*** não querem mais os pais em casa e botam ele pra lá, botam uma cama pra ele dormir e acha que isso é suficiente". Entretanto, quando questionado sobre o motivo do internamento ele respondeu em negação: "Não, eu não estou sendo cuidado, eu vim aqui pra ensinar".

Ainda sobre a categoria "Sentidos do Internamento", dois temas surgiram exclusivamente nas entrevistas com as mulheres: a "Imposição do outro" (sete entre nove) e "Única alternativa" (uma entre nove). O primeiro tema revelou que muitas mulheres ressentem a entrada na instituição como algo imposto por outra pessoa, seja por parte do filho, do irmão ou até mesmo da ex-patroa. Essa vivência é perpassada por uma passivação, isto é, por um desempoderamento face ao outro, que seria uma característica feminina em nossa cultura (PERROT, 2003). Além disso, tal tema se relaciona ao "sacrifício", apontado anteriormente. Ou seja, não apenas elas se ressentiam como desempoderadas para tomar as decisões sobre a própria vida, como muitas acabavam por aceitar o "destino" desenhado por outra pessoa para elas, para manter as relações e a possibilidade de afeto daí decorrente.

Uma das mulheres demonstrou também vivenciar o internamento como última e única alternativa na vida, tendo em vista que não cumpriu seu "destino de maternidade". Segundo ela, pelo fato de não ter tido filhos e de seus pais já terem morrido, não lhe sobrava outra opção. No entanto, como vimos, ter filhos não se mostrou um fator restritivo ao internamento para outras idosas.

Assim como mostraram Zanello e Bukowitz (2011), as subcategorias levantadas e as tonalidades — ou formas discursivas em que elas se apresentaram em homens e mulheres — evidenciaram que os valores de gênero perfazem não apenas motivos de sofrimento, mas "válvulas de escape" específicas, por meio das quais as formas de viver e de sofrer são construídas frente ao mal-estar (nesse caso, o internamento asilar e o sentimento de abandono).

3.1.1 Experiência na instituição

Nesta categoria foi possível observar diversas nuances relacionadas às atividades realizadas na instituição, ou a falta dessas atividades, situações de maus-tratos e queixas diversas (ver Tabela 1). Muitas dessas subcategorias mostraram características de uma instituição totalitária, tal como Goffman (1990) as descreveu. A seguir se discutirá cada uma delas.

O "Sequestro do Eu" (sete entre nove mulheres; três entre nove homens) apareceu na queixa da quase inexistência do exercício de pessoalidade dentro da instituição. O Eu é sequestrado na medida em que, por exemplo, as economias dessas pessoas passaram a ser gerenciadas por outros, ainda que elas mantivessem lucidez e capacidade decisiva. Tal sequestro era ressentido como uma forma de violência: "porque que ela tá mexendo no meu dinheiro? Se o meu dinheiro é meu, pra minha velhice. Você não vê? Que que tá fazendo com meu dinheiro? Se ela comprar, vai comprar, vai viajar, não deixa dinheiro comigo. Pra eu não sair pra rua" (sra. F). Em várias entrevistas, a idosa ou o idoso destacava que, apesar de outras pessoas estarem pagando sua "hospedagem" ou comprando coisas para eles, a origem desse dinheiro era eles próprios. Ou seja, a impossibilidade de agência sob o próprio dinheiro retira o poder dos asilados de exercerem suas vontades pessoais.

Outros exemplos de "Sequestro do Eu" são as proibições abusivas impostas, relatadas por um dos homens entrevistados, como não poder fazer caminhadas na vizinhança sem o acompanhamento de algum responsável, ainda que esteja lúcido e com boa condição física. Já uma proibição abusiva relatada entre as mulheres apareceu sob queixas de que na instituição não era possível exercer uma das atividades que mais lhes davam prazer quando "não asiladas": cozinhar. "Aqui você não pode fazer nada. Eu tenho vontade de comer... é... nhoque. Cozinhar um nhoque aipim, mas não dá né, não deixam"; "eu tô acostumada a cozinhar, então entendo de cozinha, né? sou boa mesmo, minha filha, tem dia que a comida aqui você não aguenta!".

A religião também foi um tópico encontrado. Nesse caso, a queixa girava em torno da desvalorização da religião e da impossibilidade de se realizar cultos diferentes. Em outras palavras, era permitida a fé desde que seguisse o cânone cristão e a discrição exigida.

Além do "Sequestro do Eu", a queixa de uma "Escuta inexistente" dentro da instituição foi recorrente (quatro entre nove mulheres; sete entre nove homens). Isso aponta, também, para uma proximidade com as instituições totalitárias. Essa queixa apareceu entre as mulheres no agradecimento ao pesquisador pelo espaço de escuta que ele lhes estava proporcionando, diferentemente da instituição; e também na queixa de que a escuta médica se restringia a uma anamnese impessoal de sintomas: "Então a médica tá ocupada... chega e pergunta 'a senhora já comeu?' e pronto. Só isso... vai atender outro, né". Entre os homens também ocorreu o agradecimento pela escuta dos pesquisadores aliado à queixa da falta de amigos "lúcidos" ali com eles: "Nada, não dou conta de conversar com esse povo, não, aqui só tem bobo"; e, reiterado pelo sr. F, "tive muitos amigos mas a vida leva eles da gente né meu filho, é difícil ficar aqui sem ter ninguém pra conversar direito". De acordo com Goldfarb (1997), uma instituição que não promova um espaço de escuta, que não qualifique o sofrimento, consequentemente silencia aspectos cruciais na base do sofrer. Dessa maneira, o idoso sofre duplamente: sofre o que lhe afeta e se afeta por não poder compartilhar esse sofrimento com ninguém.

A subcategoria da "Medicalização" apareceu tanto entre homens como entre mulheres (quatro entre nove mulheres; cinco entre nove homens), por meio da queixa da hipermedicalização e do desconhecimento da função dos remédios: "A única coisa que a doutora sabe escrever é purgante, é purgante pra tudo" (sra. G); "Eu tomei o (comprimido) rosa e comecei a passar mal" (sr. J); "Eu tomava um coquetel com seis comprimidos e era pra todo mundo!" (sr. A).

A subcategoria "Mesmidade" (duas entre nove mulheres; seis entre nove homens) se fez presente na referência a um "plano racional único" de atividades para todos os asilados, ou seja, a inexistência da diferença e da singularidade de cada idoso e idosa. Há uma vivência de "rebanho" na qual todos devem seguir padrões fixos de horários (para tomar banho, sol, comer, etc): "Tem a refeição que é três vezes ao dia, tem lanche de 3 em 3 horas, tem o almoço que é meio dia, o jantar que é seis horas, tudo no horário. Tomar banho tem que ser no horário, sete horas a gente tá tomando banho, trocar de roupa todo dia, cabelo lavado um dia sim outro não, tudo é dentro das linhas, da lei. Cabelo um dia sim outro não" (sra. Y). Além do mesmo horário, apareceu também a queixa de a comida ser a mesma, apesar de alguns idosos apresentarem especificidades de problemas de saúde e necessidade de restrições alimentares. Nesse sentido, muitos idosos se queixaram do paladar da comida, ressentido como péssimo (sem sal, sem gordura etc.). Além disso, mesmo os exercícios de fisioterapia não eram desenhados de maneira singular para cada idoso.

Ainda que presente em ambos os grupos, de mulheres e homens, notou-se uma diferença significativa na frequência da subcategoria "Mesmidade", sendo mais recorrente entre os homens. É possível refletir o quanto adequar-se a um padrão fixo de horários e atividades coloca em questão o valor de autonomia, tão exaltado em nossa cultura, sobretudo em relação aos homens (ZANELLO; ROMERO, 2012). A prevalência dessa subcategoria entre os homens aponta para a ideia de que a institucionalização do idoso implica uma redefinição drástica de valores tidos como masculinos (MOREIRA, 2005).

Além disso, pudemos perceber nas "Reclamações" outro aspecto em relação à diferença de forma dos discursos dos idosos e das idosas. A despeito de aparecerem com a mesma frequência (dois entre nove) entre homens e mulheres, as queixas eram realizadas de forma diferente. No caso dos homens, as reclamações em relação à instituição apareceram de uma forma explícita, como, por exemplo, na fala do sr. H (direcionada à enfermeira): "mingau mole... não, eu não quero essa p***a aqui não, isso, isso é água... toma essa p***(grita) toma logo essa p***a!!! Ora bolas, eu to falando e vocês não querem me entender". Também na fala do sr. J: "quero ver você tirar dinheiro do idoso, isso aqui é uma latrina, vocês que é formado, é uma quadrilha que assalta banco...". Já no caso das mulheres, as reclamações apareciam de forma denegada, indireta e, geralmente, ambivalente: "se eu pudesse estaria na minha casa, eu não gosto de estar aqui, mas já que estou, eu não vou botar defeito não, vou reconhecer as coisas boas que a casa tem, né? A casa é muito bem organizada". Essa posição dava às mulheres um ganho secundário com a equipe de cuidadores, os quais, como pudemos perceber na pesquisa etnográfica, pareciam dispensar mais tempo e simpatia com elas. De outro lado, por reclamarem aberta e ativamente, os homens eram tidos como "chatos" e acabavam por sofrer medidas punitivas, tal como nos relatou o sr. J:"eles não gostam de mim aqui não, porque eu falo; eu eu reclamo mesmo". No entanto, alguns aprenderam a se conformar: "então pra mim está razoável, enquanto estiver aqui eu tenho que me conformar"; "aqui é o jeito"; "tô me acostumando, reclamar pra quê?"; "a gente tá aqui para sofrer e morrer".

Em "Passar o Tempo" as mulheres (sete entre nove) e os homens (cinco entre nove) relataram diferentes atividades que realizam na instituição para não serem acometidos pelo ócio/tédio, sentimento muito frequente (sete entre nove mulheres; sete entre nove homens), relacionado ao "não fazer nada" (sr. A). Todavia, homens e mulheres se envolviam em atividades quali e quantitativamente diferentes. Entre as mulheres, os exemplos são variados: "costurar [com a amiga]"; "fotografar [para enviar fotos para o irmão]"; "escrever cartas [para os parentes, as quais nunca foram respondidas]"; "fazer cabelo e unha [cuidados com a aparência]"; "conversar [com as funcionárias para ser gostada]"; participar das "festas"; e "caminhar [com amiga]". Todas essas atividades apresentam em comum o investimento que as mulheres continuam a fazer na relação com o outro e no tempo presente, mesmo nos muros da internação. Tais investimentos possuem um ganho secundário: observamos na pesquisa etnográfica que aquelas que as fazem receberam mais visitas dos familiares e pareciam ser mais queridas pelos funcionários da instituição.

Em comparação, as atividades relatadas pelos homens para passar o tempo foram muito mais restritas: ler, ver televisão, fumar, dormir e conversar com uma funcionária. Durante a pesquisa etnográfica, observou-se também que as queixas de ócio e tédio foram mais frequentes entre eles. Em suma, essas diversas atividades nas quais as mulheres se envolvem resgatam e mantêm um ponto narcísico e identitário subjetivado a partir de valores de gênero (ZANELLO; BUKOWITZ, 2011; ZANELLO, no prelo). Além disso, com tais atividades a instituição possibilita às mulheres investir no presente e ter ganhos secundários. No caso dos homens, não encontramos facilmente essa relação.

A subcategoria "Ambiente Ameaçador/Punitivo" foi encontrada nas mulheres (uma entre nove) e nos homens (um entre nove). Diz respeito a uma vivência da instituição como um lugar que constantemente faz ameaças a quem a ela não se submeta: "Você vai apanhar se você fugir daqui" (sra. G). Há, ainda, punição efetiva em função de qualquer reivindicação ou reclamação dentro da instituição. "Foi o que aconteceu, por exemplo, com o sr. Ar, o qual relatou que após ter buscado satisfação com a diretora da instituição sobre seu dinheiro, o qual havia "sumido", foi punido por ela: "ai eles me tiraram do quarto, me colocaram com esse cara e até hoje nada, não tem ninguém, me tirou de lá onde eu tava só pra eu ficar quieto, tô pelejando pra lutar pra sair". Apesar da subcategoria "Ambiente Ameaçador", bem como queixas de "Maus-tratos" e "Medidas Punitivas" terem aparecido com baixa frequência, é pensar que, pelo caráter formal da entrevista gravada, o dizer sobre esses temas tenha sido prejudicado".

Já as subcategorias "Repressão da sexualidade" (duas entre nove) e "Objetificação do idoso" (um entre nove) foram observadas apenas entre os homens. Na primeira, encontraram-se as queixas de que a instituição asilar não possibilitaria o exercício da sexualidade: "Tenho falta sim, tenho falta, me viro né... Como pode... Mas é com dificuldade, aqui é muito repressivo nesse sentido. Muito amor assim não é tolerado... Pelo menos admitir" (sr. M). Observou-se, durante a pesquisa etnográfica, que havia uma separação fortemente marcada entre as alas dos homens e das mulheres, não havendo trânsito entre os gêneros nessas alas. Como Birman (1980) apontou, a sexualidade e as formas alternativas dela (como a masturbação) são reprimidas continuamente e essa característica cada vez mais acentua o isolamento social dos idosos.

Na segunda subcategoria, "Objetificação do idoso", encontramos o relato de morte de outros idosos e da maneira como a instituição lidava com elas: "De vez em quando morre um, eles ligam pro SAMU e você nem vê...o doutor dá um atestado, chama o IML e eles se viram" (sr. A). Isto é, o asilamento além de não possibilitar o luto dos mortos, também torna o "corpo velho" um objeto que, na metáfora capitalista, seria "descartável".

Houve apenas um caso de vivência de bem-estar na instituição. Tratou-se do sr. N, 72 anos, ex-auxiliar de obras, que relatou ter se "casado", durante toda a vida, apenas com o trabalho. Em função disso, abandonou a família para viver "coisas erradas" com seus amigos da firma, sendo encaminhado à instituição por esses amigos: "Aqui eu sinto o que eu não sentia, né, amor, o amor que eu tinha era pouco, e eu não me dediquei, troquei por amizades, eu bebia, jogava, era só diversão, mas tem gente que...".

3.1.2 O que não se asila?

Dentro da categoria "O que não se asila", encontramos aquilo que resiste ao esgotamento da pessoalidade na instituição (ver Tabela 1). É interessante que, mesmo em um ambiente onde se impossibilita a pessoalidade, a singularidade e o aparecimento do sujeito, mulheres e homens apresentam formas de exercer sua subjetividade.

O "Exercício mínimo do Eu" (duas entre nove mulheres; três entre nove homens) referia-se ao exercício da pessoalidade e de atividades que asseguravam um mínimo de participação do querer. Entre essas atividades, apareceu o negar-se a tomar banho quando não se está com vontade, poder escovar os dentes sozinho, escolher o que vestir, escolher participar ou não dos eventos.

Nas mulheres (cinco entre nove), a "Vontade" apareceu a partir do desejo de cozinhar, como já apontamos anteriormente, e o exercício prazeroso da costura. Há um investimento, nos discursos, no tempo presente e a tentativa de encontrar atividades prazerosas, apesar dos limites da instituição. Entre os homens (sete entre nove) a "Vontade" apareceu sob a forma de desejo de sair da instituição e de um projeto de futuro baseado em devaneios. O sr. I, 65 anos, por exemplo, apontou que gostaria de ganhar na loteria e comprar centenas de automóveis luxuosos para andar com as "meninas".

No que tange à sexualidade entre os homens (cinco entre nove), esta apareceu na rememoração de histórias sexuais do passado ou em formas alternativas. Já entre as mulheres (três entre nove), apenas uma senhora manifestou uma vivência de sexualidade na instituição; no geral, entre elas percebe-se que o tema é tratado com recato e dificilmente nomeado. Entre os homens, a manifestação da sexualidade encontra formas alternativas nesse ambiente: através do olhar e de pequenas atuações como "cantar" uma funcionária da instituição. Por meio desses comportamentos, eles conseguem exercer um mínimo do que Birman (1980) chamou de "contrapoder" à ordem asilar. Para resgatar a ordem abalada, tais manifestações sexuais foram severamente punidas pela administração, por meio, por exemplo, da repentina mudança de leito ou ameaças de expulsão. A sexualidade foi vista nessa instituição como uma disposição individual, evidenciada na pesquisa etnográfica pela figura do "velho que faz saliência" (sr. Ar).

Pôde-se perceber também uma temporalidade privilegiada diferente nos discursos dos homens e das mulheres (ZANELLO; CAMPOS; HENDERSON, 2015). No caso deles, havia uma inflação do passado, em uma atividade de rememoração de "bons tempos", nos quais sobretudo a virilidade podia ser exercida. Se as mulheres conseguiam, de certa forma, manter uma singularidade resistente no presente, os homens pareciam tentar recuperá-la no plano do pensamento, por meio da vontade de sair, do devaneio ou da rememoração. A rememoração, como Mucida (2004) e Goldfarb (1997) apontaram em seus estudos, apresentou-se como a contagem repetitiva de histórias de um passado ideal e perdido: "eu fodia muito, fodi no país todo, em todo canto, e você tem fodido muito?" (sr. I). Esse mecanismo mostrou-se exclusivo nos homens e tinha como função psíquica resgatar narcisicamente um ponto que desse consistência ao seu Eu (no caso, a virilidade).

 

4 CONCLUSÃO

Como pudemos perceber, a internação asilar coloca em xeque, de forma diferenciada, homens e mulheres, e aponta para uma experiência engendrada no sofrimento. O questionamento sobre os sentidos do internamento nos apontaram para discursos marcados por um sentimento de abandono. No caso dos homens, em termos gerais, esse sentimento foi negado ou se apresentou de forma velada e racionalizada. No caso das mulheres, encontramos, além dessas formas, o abandono ressentido como uma traição (é injusto não receber o amor em troca) ou um sacrifício (para não causar problemas, aceitar a internação). Nesse caso, os traços de caráter relacionais despontam para as mulheres como valores ideais de gênero (ZANELLO; ROMERO, 2012), os quais se concretizam seja no investimento familiar que a maioria delas fez durante a vida (o que potencializa o sentimento de traição, por não receber de volta, na velhice, o que investiu; por ser internada, abandonada), seja na manutenção dos vínculos, ainda que para isso tenha que sacrificar-se em silêncio (deixar-se ser internada para agradar e ser amada).

As experiências colhidas evidenciaram características que confirmam a instituição geriátrica como uma instituição totalitária. Encontramos em nosso estudo uma série de queixas em relação a regras e normas padrão, que acabam por esmagar, em grande parte, as singularidades. A instituição promete oferecer "tratamento", medicamentos, fisioterapia, alimentação saudável, em uma ideia de saúde como resgate de um estado anterior de bem-estar total. Mas nas entrevistas encontramos queixas de que as regras asilares e as normas impessoais (que servem para manter a ordem e o funcionamento sistemático da instituição) tornam-se, em grande parte, as maiores fontes de mal-estar, pois acabam por impedir o exercício de si, a vontade, o querer e o desejo. E ainda impõem medidas restritivas ou punitivas quando essa singularidade tenta se manifestar.

Mulheres e homens parecem lidar com essa "nova realidade" de formas diferentes. Elas, apesar de tudo, conseguem manter um investimento afetivo sobre o presente, à custa do sacrifício de si mesmas, silenciando o mal-estar e evitando o conflito, por meio do silenciamento de suas queixas. Os ganhos secundários são a atenção e o cuidado dispensados de maneira diferenciada por parte da equipe cuidadora. Por outro lado, os homens refugiam-se, sobretudo, no passado, como forma de tentativa de manutenção de um ponto identitário de sua virilidade. Por explicitarem mais claramente suas queixas, são tidos como chatos e acabam exercendo atividades mais solitárias.

Ainda assim, encontramos nesses sujeitos algo que resistia, algo que não se deixava asilar, manifestado na sexualidade, nos desejos, nos devaneios, nos atos. A esse algo a psicanálise nos inclina a chamar de inconsciente. Faz-se mister perguntar, então, como interpelar isso que resiste no sujeito, em potencialidade de transformação, em resgate da própria subjetividade.

A instituição, para não incorrer em transformar-se em uma instituição totalitária, para dar um encaminhamento ético ao seu fazer e possibilitar novas formas de estar no mundo aos idosos e idosas, deve considerar dois aspectos:

  1. os valores de gênero fontes de sofrimento e, assim, oferecer intervenções que busquem um resgate narcísico do Eu dessas pessoas;
  2. a escuta da manifestação do sujeito do inconsciente, já que este inscreve um particular quando tenta-se impor aos idosos e idosas uma forma de vida generalizada e totalizante.

Desconsiderar esses dois aspectos torna a instituição uma instituição totalitária, que se disfarça na maneira hospitalar e humana (porém ingênua) de oferecer "bem-estar" e "tratar" de algo que não é doença. Por essa impostura, resume seus serviços ao exercício de um poder.

 

REFERÊNCIAS

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Artigo recebido em: 25/07/2016.
Aprovado para publicação em: 27/10/2016.

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