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Mental

versão impressa ISSN 1679-4427versão On-line ISSN 1984-980X

Mental vol.11 no.21 Barbacena jul./dez. 2017

 

ARTIGOS

 

A espiritualidade que habita o CTI

 

The spirituality that inhabits the CTI

 

La espiritualidad que habita el CTI

 

 

Carla Cristina Soares de Oliveira do ValeI; Ana Carolina Abreu LíberoII

IProfessora Assistente da Universidade Presidente Antônio Carlos – Barbacena.
II
Pós-Graduada em Saúde Mental pela Universidade Presidente Antônio Carlos – Barbacena.

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Durante o período de estágio, realizado no CTI de um hospital geral da cidade de Barbacena, pôde-se observar, em especial no horário de visitas, o quanto a espiritualidade encontra-se presente no momento de adoecimento. Ninguém planeja adoecer e quando isso ocorre há uma total desestruturação psíquica, tanto do paciente quanto de sua família e é nesse momento que surge a importância da espiritualidade, que traz um maior conforto e acalento àqueles que vivenciam tal situação. A relação da espiritualidade com a saúde mental vem sendo cada vez mais estudada, daí a necessidade de se escrever sobre a vivência desse tema. O CTI já é um ambiente por si só angustiante e temido por muitos, já que é um setor do hospital reservado para pacientes em estado de saúde grave, que podem até mesmo estar correndo risco de morte, trazendo mais medo àqueles que estão internados ou que têm algum ente nessa situação, sob cuidados especializados. O medo da morte nesse caso é muito maior e angustiante, fazendo-se necessário, então, como principal objetivo, identificar a importância da espiritualidade durante o processo de internação no CTI, a partir da observação de familiares e pacientes internados, em especial durante os horários de visita. Em um período de seis meses, estando diariamente por cerca de três horas nesse setor do hospital, pôde-se perceber o quanto a espiritualidade fortalece a esperança diante do medo da morte, tão temida pela maioria das pessoas.

Palavras-chave: espiritualidade; Centro de Terapia Intensiva (CTI); morte; humanização.


ABSTRACT

During the vocational training period, held at ICU in Barbacena city General Hospital, it could be observed, mainly in visiting hours, how spirituality lies faced with the time of illness. No one plans to get sick, but when this occurs, there is a total mental/ emotional breakdown. In that moment, the importance of spirituality – that brings greater comfort and nurturing to those who experience such a situation, both the patients and their family – emerges. The relationship of spirituality to mental health has been increasing studied, hence the need to write about the experience on this subject. The ITC is already a place in itself distressing and feared by most people, since this is a sector of the hospital reserved for patients in serious health condition who may be at risk of death, bringing more fear to those that are hospitalized or who are there under specialized care. The fear of death, in this case, is much larger and painful, making necessary, then, identify the importance of spirituality during the admission process in ITC, from the observation of family and patients, specially, during visiting hours. Throughout the period of six months, being daily about three hours in that hospital sector, it could be seen as spirituality strengthens hope in the face of death, something so feared the majority of people.

Keywords: spirituality; Intensive Care Unit (ITC); death; sickness; humanization.


RESUMEN

Durante el período de prueba, que se celebró en la UCI de un hospital general de la ciudad de Barbacena, se observó, sobre todo en el momento de las visitas cómo la espiritualidad está presente antes de la hora de la enfermedad. Nadie planea enfermarse, y cuando esto ocurre, hay un colapso mental total tanto para el paciente y su familia, y aquí es donde viene la importancia de la espiritualidad, lo que aporta una mayor comodidad y el cuidado de aquellos que experimentan una situación de este tipo. La relación de la espiritualidad con la salud mental se está estudiando cada vez más, de ahí la necesidad de escribir sobre la experiencia en esta materia. La UCI es ya un entorno de por sí angustiante, y temido por muchos, ya que este es un sector del hospital reservado para pacientes en estado grave de salud, que incluso puede estar en peligro de muerte, trayendo más miedo a aquellos que están internados allí o que tienen algún ente en esa situación, bajo cuidados especializados. El miedo a la muerte en este caso es mucho más grande y angustiante, por lo que es necesario, por tanto, como principal objetivo, identificar la importancia de la espiritualidad en el proceso de admisión en la UCI, a partir de la observación de familiares y pacientes internados, en particular, durante las horas de visita. A lo largo del período de seis meses, estando diariamente por cerca de tres horas en ese sector hospitalario, podría darse cuenta de cómo la espiritualidad fortalece la esperanza ante el miedo a la muerte, tan temida por la mayoría de la gente.

Palabras clave: espiritualidad; Unidades de Cuidados Intensivos (UCI); muerte; humanización.


 

 

1 INTRODUÇÃO

Durante o período de estágio, realizado no Centro de Terapia Intensiva (CTI), surgiu um grande anseio de pesquisar, estudar e escrever sobre como a espiritualidade pode acalentar e fortalecer a maioria das pessoas que ali ingressa para visitar seus entes queridos e os próprios pacientes internados nesse setor do hospital.

Como estagiária do CTI de um hospital geral de Barbacena observei, durante o horário de visitas, a presença da espiritualidade dentro desse setor, tanto para familiares quanto para aqueles pacientes que não se encontravam conscientes e também para os funcionários que, durante o plantão, vivenciavam inúmeras situações em que a espiritualidade afetava os tratamentos e também a atuação dos profissionais.

Cada vez mais, a espiritualidade vem sendo estudada e, principalmente, sua relação com a saúde mental.

O contexto hospitalar gera grande angústia na maioria dos seres humanos. Quando se trata mais especificamente do CTI, esse sentimento aumenta e, com isso, gera-se estresse, medo e sofrimento.

Ao longo dos anos, esse setor se tornou cada vez mais temido, principalmente por ser um lugar onde muitas pessoas podem vir a óbito, já que estão em estado grave. Apesar de não podermos levar tal estigma a sério, pois a mortalidade nessas unidades não é total, considerando-se alto o índice de sobrevivência, devemos compreender que o emocional, tanto de quem ali se encontra internado como de seus familiares, acaba sendo abalado diante do medo da morte.

Esse setor é planejado para dar assistência especializada e constante a pacientes que estão em estado grave, muitas vezes correndo risco de morte, e isso angustia e amedronta todos os envolvidos. É um setor hospitalar em que o paciente, sem a presença de seus familiares, vivencia certa "frieza" por parte dos funcionários que ali atuam e, dessa forma, fica em elevado grau de sofrimento e estresse, o mesmo acontecendo com os familiares, que não têm informações constantes do estado de saúde do ente ali internado e nem podem estar presentes no local, observando.

Ao dar entrada no CTI, o paciente passa por situações invasivas, como constantes exames, medicamentos, cirurgias, além de outros fatores que são considerados extremamente estressantes, como o confinamento, o distanciamento de seus familiares e amigos, a alteração de rotina, além do uso constante de aparelhos, ruídos, iluminação, o que faz com que ele perca um pouco a noção de tempo. Além disso, logo que o paciente ingressa no setor, ele tem suas vestes retiradas e passa, geralmente, a usar fraldas bem como seu corpo passa a ser manipulado por profissionais de outro sexo, o que pode gerar desconforto e constrangimento.

A questão é que nenhum ser humano está preparado para o adoecimento. Ninguém espera que isso aconteça e não se faz planos para isso. Portanto, ao se deparar com essa situação, o estresse e o medo de sua finitude chegam desestruturando tanto o emocional do paciente quanto o de sua família.

É exatamente nessa ocasião que a importância da espiritualidade diante do adoecimento, principalmente no CTI, fica evidente.

Diante disso, para Levin (2003, p. 141) apud Santos e Guimarães (2011, p. 11):

As implicações da fé, pura e simples, para a saúde e para a doença são intrigantes. Quer Deus ou dimensão espiritual sejam ou não objetivamente reais ou verdadeiros, e independentemente da nossa afiliação religiosa, da frequência com que assistimos aos serviços religiosos, do nosso culto ou da nossa crença, o mero fato de pensarmos ou afirmarmos que somos religiosos ou espiritualistas, ou simplesmente de termos fé ou confiança em Deus, num poder superior, ou nos princípios de uma religião, pode beneficiar a nossa saúde e o nosso bem-estar. A razão disso é o fato de que a fé religiosa pode nos dar esperança.

Vivenciando a espiritualidade diante do adoecimento, tanto a família quanto o paciente têm um maior sentimento de esperança e confiança, o que ajuda no tratamento da enfermidade, pois há uma luta maior pela sobrevivência, pelo retorno à vida social e pela consecução dos seus projetos pessoais, familiares e profissionais.

Foi notado, principalmente nos casos dos pacientes mais graves, com constantes agravamentos em seus quadros, o quanto a família se apegava à espiritualidade, como forma de suportar o constante medo da morte e, ao mesmo tempo, o quanto a maior parte dos profissionais ali inseridos não se importava com essa questão e não dava nenhuma importância a isso, tratando tanto o paciente quanto os familiares de forma fria e distante, muitas vezes, perdendo a paciência com os familiares que, já tão sensíveis diante da dor de seu ente querido, têm uma piora em seu quadro emocional.

Diante disso, resolvi escrever um pouco sobre minha vivência no estágio hospitalar, no CTI, para compartilhar experiências e trocar ideias com pessoas interessadas no tema.

 

2 MÉTODOS

O enfoque metodológico dessa pesquisa foi a observação de pacientes internados no CTI de um Hospital da cidade de Barbacena, interior de Minas Gerais, e de seus familiares, durante o horário de visitas, além de revisões bibliográficas que tratassem do assunto da espiritualidade em hospitais. Trata-se, então, de um relato de experiência.

O Hospital conta com dez leitos em seu CTI e atende usuários do Sistema Único de Saúde (SUS), convênios e particulares.

Percebeu-se que a maior parte dos familiares que chegava para visitar seus entes, antes de entrar no CTI, demonstrava grande espiritualidade, que

pode ser entendida como o conjunto de crenças que traz vitalidade e significado aos eventos da vida (...). Ela atende à necessidade de encontrar razão e preenchimento na vida, assim como a necessidade de esperança e vontade para viver (MEDEIROS; SAAD, 2008, p. 135).

A espiritualidade pode ser forte em pessoas de toda e qualquer religião e até mesmo em pessoas que não têm uma crença formal.

Há evidências de que pessoas com espiritualidade bem desenvolvida tendem a adoecer menos, a ter hábitos de vida mais saudáveis e, quando adoecem, desenvolvem menos depressão e se recuperam mais rapidamente (MEDEIROS; SAAD, 2008, p. 135).

Também é importante saber, como nos afirma Manenti e Soratto (2012, p. 43), que:

a espiritualidade presente no cuidado com o indivíduo internado não invade sua opção, mas ajuda-o a ter menos sofrimento, maior segurança e aceitação dos momentos difíceis, contribuindo para que tanto ele quanto seus familiares tenham melhor qualidade de vida.

Isso nos mostra que, além de precisarmos aceitar a espiritualidade do outro, é de suma importância que o profissional de saúde, inserido no âmbito hospitalar, no momento do adoecimento do paciente, também transmita sua espiritualidade (e não sua religião), para que o internado e sua família possam sentir-se mais seguros diante da angústia que uma internação no CTI provoca.

A espiritualidade seria uma forma de buscar "por respostas satisfatórias para questões essenciais do homem, como o sentido da vida, da doença, da morte ou do sofrimento, e a possibilidade de encontrá-las" (LIBERATO, MACIEIRA, 2008, p. 417), além de ser um processo muito importante para aqueles momentos difíceis durante a internação e o adoecimento, podendo favorecer o amadurecimento pessoal e trazer um melhor enfrentamento da situação.

Assim, de acordo com Elias (2003, apud Liberato e Macieira 2008, p. 418),

estudos correlacionam espiritualidade e crescimento pessoal, principalmente em situações de crise. A espiritualidade está relacionada com atitude, ação interna, ampliação da consciência, contato do indivíduo com sentimentos e pensamentos superiores e, ainda, com o fortalecimento e amadurecimento que esse contato pode trazer para a personalidade.

Portanto, podemos falar de espiritualidade sem precisar envolver princípios religiosos e respeitando a crença de cada indivíduo.

Após a observação de pacientes e familiares desses, internados no CTI, buscaram-se bibliografias que mostrassem o quão importante é a espiritualidade/ religiosidade no processo de adoecimento.

Dentro desse ambiente, considerado muitas vezes frio e hostil, depara-se com a ansiedade, angústia, desespero, medo da morte, mas também há um forte sentimento de esperança e alívio, principalmente se existe algum tipo de religião ou espiritualidade envolvida na vida dessas pessoas.

Podemos afirmar que "a psicologia, ao ser inserida no hospital reviu seus próprios postulados adquirindo conceitos e questionamentos que fizeram dela um novo escoramento na busca da compreensão da existência humana" (ANGERAMICAMON, 2003, p. 15).

Apesar de ser uma atuação considerada relativamente nova, o psicólogo tem um importante papel dentro do hospital, pois o processo de hospitalização e do adoecer são muito difíceis de serem aceitos e, além disso, ao entrar no hospital o paciente sofre uma grande despersonalização, tornando-se apenas o "leito tal", ou o paciente que tem "tal doença", o que aumenta ainda mais o seu sofrimento.

O objetivo principal do psicólogo hospitalar é buscar a minimização do sofrimento que é provocado pela hospitalização e pelo adoecimento, mas esse precisa "(...) ter muito claro que sua atuação no contexto hospitalar não é psicoterápica dentro dos moldes do chamado setting terapêutico" (ANGERAMI-CAMON, 2003, p. 24), principalmente quando se trata do setor hospitalar que é o CTI.

 

3 DISCUSSÃO TEÓRICA

Tradicionalmente, o CTI é visto como um ambiente onde se encontram apenas pessoas em estado muito grave, entubadas, inconscientes e que, assim, deparam-se com a questão da morte.

Por si só, o CTI já é considerado um fator estressante, com seus aparelhos ligados 24 horas ao paciente, barulhos infindáveis, tubos para todos os lados, preocupando aqueles que chegam para visitar seus entes queridos e também os que ali se encontram internados, os quais, diferentemente do que muitos pensam, estão conscientes, conversando, embora se estressem e se amedrontem muito mais diante de toda essa situação do ambiente.

A mudança brusca no estado de saúde de um ente querido causa uma desestruturação emocional de toda sua família, "o medo e a incerteza do momento seguinte levam a preocupações infindáveis, como se o vazio provocado pela falta do familiar, levasse a uma perda de si mesmo. A dor é vista como fator principal frente à internação de um familiar em estado grave no CTI" (VIEIRA et al., 2013, p. 22).

É muito comum que haja sempre certo medo em relação a esse setor hospitalar, já que "o CTI é um setor crítico – o que deixa os familiares temerosos. Para o familiar, a internação nessa unidade é vista como risco iminente de morte (...)" (VIEIRA et al., 2013, p. 23) e, por isso, a busca por algo que os ajude a suportar toda essa dor, angústia e medo torna-se de extrema necessidade.

Apesar de Freud ter adotado uma postura antireligiosa, influenciando a comunidade médica, e ter escrito, em 1930 "que religião resultava em desvalorização da vida e distorção do mundo real (...)" (FREUD, 1930 apud STROPPA; ALMEIDA, 2008, p. 428), muitos estudiosos não concordavam com ele, como Jung, por exemplo. Já existiam aqueles que consideravam positiva a questão religiosa ou espiritual.

Os profissionais de saúde, em geral, não têm

(...) um treinamento adequado para lidar com questões religiosas na prática clínica. Por esse motivo, têm maiores dificuldades em entender pacientes com comportamentos e crenças religiosas (STROPPA; ALMEIDA, 2008, p. 428).

Watson (1985 apud BACKES et al., 2000, p. 31) afirma que "(...) as experiências de fé-esperança são igualmente essenciais, tanto ao processo de cuidado, quanto ao processo curativo", explicitando a importância do elemento espiritual dentro de um CTI. Mesmo sabendo que, no decorrer dos anos, o cuidado espiritual foi sendo esquecido por muitos, deve-se lembrar de que a atenção humana envolve muito mais do que máquinas, tubos e fios. Envolve um ser humano subjetivo que carrega consigo toda uma fé, que o ajuda a suportar a dor imensa do adoecer.

Tanto se tem falado da busca de uma humanização dentro dos hospitais, mas pouco se tem feito para que isso ocorra realmente.

O cuidado humanizado, significa tornar a experiência de estar em um ambiente hospitalar, voltado ao máximo, para a pessoa humana, considerando-se valores, crenças, sentimentos, emoções e não apenas o aspecto biológico (BACKES et al., 2000, p. 33).

É necessário que médicos, enfermeiros e principalmente o psicólogo tenham consciência de que os procedimentos hospitalares em um paciente são muito estressantes e, por isso, ter paciência e carinho para cada um é essencial, o que faz com que o adoecido possa suportar de forma menos dolorosa seus dias dentro dessa instituição.

É de suma importância a comunicação com o paciente no CTI, mesmo que essa seja, na verdade, um monólogo, sem nenhuma resposta verbal evidente, pois assim o mesmo não se sente isolado e esquecido e o psicólogo também deve dar um suporte à família que ali vai para visitar um paciente e encontra-se com medo, angustiada, triste. Portanto, é necessário que ele venha a intervir "(...) na intenção de fazer frente às demandas emocionais e psicológicas (...)" (ANDREOLI, ERLICHMAN, 2008, p. 7) deles, já que também sofrem com a angústia do sofrimento, da internação e do cuidado especializado.

Isso também faz parte da humanização, já que, como afirmam Oliveira e Macedo (2008, p. 177):

A comunicação permite o desenvolvimento de uma rede de significados entre o paciente, a equipe, a família e a instituição. O que é comunicado (...) e a forma pela qual a comunicação ocorre, quer seja verbal ou não verbal, formam um importante eixo no vínculo que se estabelece.

Quando falamos em humanização no hospital, devemos compreender que ela

requer um processo reflexivo acerca dos valores e princípios que norteiam a prática profissional, pressupondo, além de um tratamento e cuidado digno, solidário e acolhedor por parte dos profissionais da saúde ao seu principal objeto de trabalho – o doente/ser fragilizado – , uma nova postura ética que permeie todas as atividades profissionais e processo de trabalho institucionais (BACKES; LUNARDI; LUNARDI FILHO, 2006, p. 133).

O conceito de humanização vem sofrendo uma ressignificação,

no sentido de perceber sua complexidade em suas várias dimensões: organização e estrutura física das instituições de saúde (...), a formação biomédica, as relações de trabalho e sua lógica de produção, dimensão sociopolítica e a cultura organizacional, entre outras. (...) Existem vários entendimentos e considerações sobre humanização, sem que haja um consenso sobre uma definição (...). (OLIVEIRA, MACEDO, 2008, p. 173).

Podemos ainda afirmar que a humanização hospitalar vem acontecendo visando assistir ao indivíduo em sua totalidade, resgatando o respeito à vida humana e abrangendo todas as esferas desse indivíduo (social, emocional, educacional, cultural, ética, dentre outras). De toda forma, "a humanização é um processo amplo, demorado e complexo, ao qual se oferecem resistências, pois requer a compreensão do conceito por todos e envolve a mudança de comportamento" (BARROS; CYPRIANO, 2008, p. 199).

É comum, antes ou após a visita ao paciente que se encontra internado no CTI, que os familiares sejam recebidos pelo médico plantonista, que lhes passa o boletim médico das últimas 24 horas e, não raras vezes, diante da angústia daqueles que ali se encontram apenas dizem: "Tudo que podia ser feito diante da medicina, foi feito, agora é aguardar..." (sic), tornando o sofrimento, por vezes, maior.

O paciente gravemente enfermo e seus familiares tornam-se frágeis e temerosos, tendo a espiritualidade como único recurso, única saída para suportar tamanha dor e angústia.

Podemos até mesmo afirmar que a "fé-esperança passa a ser forças movedoras e encorajadoras em qualquer situação de doença que permita a condição de fragilidade e insegurança" (BACKES et al., 2000, p. 33).

Atualmente, muito se fala em espiritualidade, mas ainda há grandes confusões em relação à espiritualidade e à religiosidade, pois muitos acreditam que ambos os conceitos sejam sinônimos, o que não é. Precisamos ter clara e bem explicada a diferença de tais conceitos. Assim, Koening (2001 apud PERES; SIMÃO; NASELLO, 2007, p. 137)

conceitua religião como um sistema organizado de crenças, práticas, rituais e símbolos projetados para auxiliar a proximidade do indivíduo com o sagrado e/ou transcendente, e espiritualidade como uma busca pessoal de respostas sobre o significado da vida e o relacionamento com o sagrado e/ou transcendente.

Logo, podem existir várias religiões ou tipos de religiosidade, enquanto a espiritualidade seria basicamente uma, aquela que alimenta a alma, que convida o ser a pensar sobre algo e não traz regras a serem seguidas, não é repressora. Ela seria então universal e disponível a todo e qualquer ser humano. Liberato e Macieira (2008, p. 415) explicam que "a palavra espiritualidade vem da raiz latina spiritus, que significa sopro, o princípio que anima, o sopro da vida", daí a importância de todos terem uma espiritualidade e a grande questão é que ela "não se restringe a uma religião, cultura ou um grupo de pessoas" (LIBERATO; MACIEIRA, 2008).

A espiritualidade seria uma forma de cuidar da alma, fazendo-a despertar, como Liberato e Macieira (2008, p. 415) afirmaram. Além disso,

a alma incita a natureza essencial das pessoas. Caracteriza-se pela individualidade. (...) O desenvolvimento espiritual não está relacionado com práticas ritualistas e religiosas, e sim com o milagre da vida. (...) No fundo do coração de cada ser humano há um profundo anseio por uma vida que faça sentido.

Diferenciar espiritualidade e religiosidade é um dos grandes problemas que temos hoje,visto que, como Liberato e Macieira (2008) já citaram durante muito tempo, a Igreja Católica detinha um monopólio sobre a espiritualidade no Ocidente, trazendo-a como algo da religião. Hoje, não mais temos essa situação, mas ainda existem dúvidas quanto às diferenças entre os dois temas.

Atualmente, podemos afirmar que "(...) o adoecimento representa uma crise acidental, e tanto o paciente como sua família necessitam de mecanismos de enfrentamento para superar esse período de adoecimento e de crise que estão vivenciando" (ANGERAMI-CAMON, 2013, p. 229) e um desses mecanismos pode ser a espiritualidade de cada indivíduo, tão observada durante o período de estágio no hospital.

Nos momentos de desespero, é que se buscam os caminhos da espiritualidade, "(...) pois afinal é nos caminhos do sagrado que se encontra a esperança maior de derrocada da morte" (ANGERAMI-CAMON, 2013, p. 33) e, buscando-se a espiritualidade, a maioria das pessoas procura encontrar a superação da doença e, principalmente, da morte. "É como se tal busca impedisse a morte de ceifar a vida desse paciente (...)" (ANGERAMI-CAMON, 2013, p. 33).

Ainda, para Massoneto (2007) apud Manenti e Soratto (2012, p. 44),

Espiritualidade tem a ver com nós mesmos quando mergulhamos em nosso interior e experimentamos a realidade como um todo. O espírito é aquele momento de nossa consciência que nos abre a percepção de que somos parte de um todo e que pertencemos a esse todo.

E, no âmbito terapêutico hospitalar, o paciente e sua família precisam ser respeitados em sua individualidade, espiritualidade e/ou religiosidade, seus direitos e todos os seus valores, sendo os profissionais ali inseridos os principais a darem e exigirem esse respeito. A humanização dentro do CTI começa nesse respeito entre profissionais e pacientes e familiares.

Foi notado como a espiritualidade se faz presente em todo o momento de internação no CTI, já que "o homem pela sua essência é considerado um transcendente, sua dimensão espiritual interage como força impulsionadora e motivadora" (MANENTI; SORATTO, 2012, p. 44), ou seja, essa espiritualidade seria a essência do ser humano, aquilo que o impulsiona, principalmente no momento de dor e angústia, quando se depara com o medo de sua finitude. As mesmas autoras ainda afirmam que "o cuidar espiritualmente caracteriza-se por compreender, relacionar-se, comunicar-se, interagir e estar com o outro" (MANENTI; SORATTO, 2012, p. 44), em seu todo, sem julgamentos, é humanizar o atendimento em um ambiente considerado tão frio e angustiante como o CTI de um hospital.

Manenti e Soratto (2012) também afirmam que o CTI é visto e conhecido como o ambiente do hospital onde se trabalha com maior número e grande evolução de tecnologia, e os profissionais ali inseridos buscam dar sustentabilidade às vidas daqueles ali internados em situações graves. É fato que todo esse aparato tecnológico é de suma importância para garantir vida e saúde aos pacientes ali internados, mas, muitas vezes, esquece-se que toda essa tecnologia acarreta medo, desconforto, dor e até mesmo solidão ao paciente, que ali precisa estar sem nenhum acompanhante, além dos profissionais que ele sequer conhece. Seu corpo é invadido, tocado, manipulado sem que haja uma permissão, causando ainda mais ansiedade diante do adoecimento.

Diante de toda essa ansiedade e da mítica de que o CTI é um lugar de mortes, é comum observar, durante as visitas, familiares levando objetos, orações, imagens, para que possam proteger e fortalecer o ente que ali se encontra e amenizar a dor de quem não pode acompanhá-los na internação, buscando um bem-estar e até mesmo forças para enfrentar o adoecimento.

Apesar de a morte ser algo natural, a sociedade não a trata dessa forma e, quando se passa por uma situação em que a finitude pode estar próxima, as pessoas se desesperam. Esse medo é muito comum quando alguém precisa ficar internado no CTI e, ao se deparar com essa situação, tanto paciente quanto familiares começam a pensar e repensar mais sobre suas vidas e crenças. "Por ser envolta em mistérios e dúvidas, as pessoas se valem da religiosidade para conseguir responder os seus principais questionamentos" (GUERRA, 1998, apud VALE, 2014), principalmente quando esses são sobre a morte.

De acordo com Stroppa e Almeida (2008) apud Vale (2014, p. 28), "a religiosidade trata tanto do envolvimento religioso e do seu reflexo na vida da pessoa, como o quanto isso influencia no seu cotidiano, nos seus hábitos e na sua relação com o mundo". Lembrando que os profissionais da saúde que lidam com essas pessoas religiosas precisam aceitar e respeitar suas diferenças e opiniões, já que não se deve entrar nessas questões, principalmente quando se trata de psicólogos.

É possível notar também que, com a modernidade e o avanço científico da medicina, "buscou-se orientar e explicar o processo de adoecimento e cura de maneira desvinculada da espiritualidade e religiosidade" (VASCONCELOS, 2006, apud LIBERATO; MACIEIRA, 2008, p. 417). Essa abordagem não foi bem-sucedida, pois a população e os próprios profissionais questionaram essa situação e, além do mais, estudos antropológicos atuais demonstram o quanto a espiritualidade está presente tanto nos processos de enfrentamento de doenças como na aceitação de tratamentos e até mesmo na cura.

É fácil perceber essa situação, pois "a espiritualidade, independente da denominação religiosa, está também associada com a promoção e manutenção da saúde, além de promover aos pacientes esperança, significado para a doença e um sentido para a vida" (LARSON et al., 2001; OKON, 2005, apud LIBERATO; MACIEIRA, 2008, p. 417).

O cuidado para com o ser humano é essencial para sua vida e, de acordo com Cavini e Gaspar (2013, p. 225), "(...) o cuidar é revestido de múltiplos aspectos, sendo essencial nos acontecimentos das relações estabelecidas entre o viver e o morrer", ou seja, todo ser humano necessita de cuidados em vida e em seu processo de morte, caso contrário não seria ser humano. Todo cuidado é importante, lembrando que ele não vem apenas da equipe médica, mas também da família, principalmente quando se trata do aspecto da morte.

Quando se trata de pacientes internados no CTI, a questão da morte sempre está presente, pois só se encontra ali quem realmente passa por um período delicado, em que sua saúde necessita de cuidados especializados e a angústia do óbito está sempre evidente. Corrêa (2013, p. 29) afirma que "diante de um real tão temido – a morte – pode, em um primeiro momento, parecer ser mais cômodo servir-se apenas do registro do imaginário, na obstinada e falsa crença certos de que a morte só acontece com o outro". Portanto, é comum que se negue a morte, até mesmo para que tanto paciente quanto familiares possam suportar a constante angústia que a internação dentro de um CTI lhes causa.

Falar de morte atualmente é extremamente difícil, pois as pessoas não encaram a finitude como algo natural e que ocorrerá a todo ser humano. Porém, "o real da morte termina sempre por se impor, seja pela crueza da constatação da energia da vida que se esvai, seja pela angústia inevitável da proximidade do fim" (CORRÊA, 2013, p. 29). Dessa forma, "querer suprimir esse fazer face à morte, recalcando essa experiência, por meio de um processo de negação da realidade, é violentar, sem sucesso, a realidade humana" (CORRÊA, 2013, p. 30).

Diante disso, é importante que seja trabalhado com todos os envolvidos a construção de um laço com a morte, transformando-a para essas pessoas em algo natural, já que "(...) a morte inserida na ordem simbólica faz com que vida e morte se reconheçam uma pela outra, sem se confundirem. Reafirmando, assim, que ‘uma vez nascido o homem está pronto para morrer’" (CORRÊA, 2013, p. 31).

Porém, para se conseguir esse laço com a morte, não basta apenas preparar paciente e família, mas principalmente aqueles profissionais que lidam com esses pacientes gravemente enfermos e que podem chegar a óbito, pois se eles não estiverem preparados para lidar com a morte como algo inevitável, será impossível tentar trabalhar isso com os outros envolvidos.

Podemos afirmar que "de todas as coisas que movem o ser humano, a mais forte e determinante é o medo da morte" (BECKER, 1995).

Na antiguidade, o medo da morte era incomum, já que a mesma vinha acompanhada de júbilos e festejos, diferentemente da atualidade, pois, de todas as coisas que assustam o homem, uma das principais é o medo da morte.

Desde que o homem começa a ter em sua mente as primeiras noções de mundo, o medo da morte é algo que o acompanha, o angustia e, às vezes, até causa alguma doença mental. A existência humana é, em sua maior parte, destinada "(...) a evitar a fatalidade da morte, a vencê-la mediante a negação, de alguma maneira, de que ela seja o destino final do homem" (BECKER, 1995, p. 9).

A angústia diante da morte nos possibilita buscar a autenticidade, a partir da qual o sujeito passa a dar sentido a sua própria vida, sendo o autor da mesma. Dessa maneira, cabe ao sujeito ver-se como ser finito e responsável pela sua existência, a qual foi influenciada pelo seu passado, utiliza-se do seu presente e já projetou seu futuro.

Pode-se afirmar que, hoje, "(...) o temor da morte é natural e está presente em todos os indivíduos, ele é o temor básico que influencia todos os outros, um temor ao qual ninguém está imune (...)" (BECKER, 1995, p. 28). Lidar com sua finitude é muito difícil para o sujeito. E, ao ser assumida a finitude de todo ser, tem-se a atenuação do temor sentido diante da morte e pode-se experienciá-la como totalidade. A morte representa, pois, a última experiência, que possibilita que o indivíduo seja completo.

Esse medo constante da morte pode ser minimizado com a espiritualidade, tão presente diante do adoecimento, podendo ser até mesmo essencial para que as pessoas envolvidas aceitem melhor esse fato, quando ele ocorrer.

Já que a psicologia lida com seres humanos, então todos os psicólogos devem estar preparados para a morte, principalmente o psicólogo hospitalar, pois ele estará sempre em contato com a finitude do ser humano. Esse assunto não pode ser um tabu para esse profissional, que será de suma importância para trabalhar esse tema com os outros profissionais que atuam no hospital, assim como com pacientes e seus familiares, além de ser quem vai apoiar aqueles que necessitarem, diante de um adoecimento e possível morte.

Diante disso, é fato que o psicólogo está diretamente ligado ao processo de humanização dentro do hospital, tanto no cuidado com o paciente, como no trabalho com a equipe, a família do paciente, diante da tão temida morte, buscando fazer com que ela seja vista como algo natural e que não há necessidade de ser negada.

 

4 RESULTADOS OBSERVADOS

Antes de chegarmos aos resultados que puderam ser observados durante o estágio na instituição hospitalar, é importante salientar, como fizeram Nogueira-Martins e Macedo (2008, p. 183), que:

os avanços da medicina e o desenvolvimento de tecnologias cada vez mais têm propiciado possibilidades e perspectivas de tratamento e cura que nem mesmo os mais visionários poderiam prever. Porém, nesse processo, a singularidade do paciente – emoções, crenças e valores – foi sendo deixada em segundo plano; sua doença passou a ser objeto do saber reconhecido cientificamente.

Isso nos mostra o quanto a tecnologia vem passando "por cima" da singularidade, da individualidade de cada ser que, diante de uma situação de adoecimento, sequer se lembra de cobrar seus direitos, como o de humanização. E, quando falamos em humanização diante da saúde, referimo-nos a uma relação, a um encontro "(...) de seres humanos, em todas as suas facetas de luz e sombra; e (...) a Psicologia (...) pode oferecer um saber que auxilie na compreensão e realização desses encontros" (OLIVEIRA, MACEDO, 2008, p. 178).

Diante disso, quando pude estar presente no CTI diariamente, por seis meses, excetuando-se sábados, domingos e feriados, foi observado que a maioria dos familiares visitantes se apegava fortemente a algum tipo de espiritualidade ou religiosidade, a fim de suportar a dor e a angústia de ver seu ente querido em uma situação grave de adoecimento e, muitas vezes, sendo mal compreendido por médicos e enfermeiros.

Podemos afirmar, como Giddens (2002, apud OLIVEIRA; JUNGUES, 2012, p. 469), que:

O contexto sociocultural da pós-modernidade coloca o ser humano diante de uma crise de identidade. Apesar do alto grau de independência e domínio, possibilitado pela ciência e a técnica, os indivíduos vivem numa situação de desamparo e ansiedade existencial.

Além disso, diante da notícia da morte, os familiares que tinham ou demonstravam alguma espiritualidade aceitaram de forma mais tranquila a finitude de seu ente querido, o que não significou o fim dos sofrimentos, apenas uma melhor aceitação da morte e mais tranquilidade para resolver os trâmites burocráticos do óbito.

Não se pode deixar de citar que, em todos os momentos, eu, como estagiária de Psicologia, estive presente com as famílias, tanto para dar as notícias de estabilização hemodinâmica quanto para falar do agravamento do quadro dos pacientes e até mesmo da constatação do óbito, buscando minimizar sua dor e acolher aqueles que necessitavam de atenção no momento de sofrimento. Minha presença foi constante também com os pacientes internados, independente de estarem acordados ou em coma1, observando que haviam reações mesmo naqueles sedados, quando lágrimas escorriam diante de uma palavra, movimentos do corpo ou até mesmo alterações nos equipamentos ligados a eles, quando eu os estimulava falando de suas famílias e, de alguma forma, da espiritualidade.

É importante explicitar que não foi possível trabalhar com todos os pacientes e familiares, principalmente por não estar presente no hospital nos fins de semana e feriados, quando muitas vezes ocorriam pioras dos quadros ou mesmo alguns óbitos.

 

5 CONCLUSÃO

Muitos estudos já foram realizados a respeito do impacto da espiritualidade diante do adoecimento e, apesar de ainda ser difícil conseguir mensurar o verdadeiro choque que ocorre, observa-se uma associação positiva entre a espiritualidade e o processo de adoecimento, tanto do paciente internado no CTI quanto de sua família, independente de sua afiliação religiosa.

Ainda se trata de um tema de difícil acesso, circundado por preconceitos e obstáculos, mas está muito presente dentro do CTI, ajudando tanto o paciente quanto a família a terem um sofrimento amenizado, maior aceitação da doença e dos momentos mais difíceis, maior segurança e esperança, trazendo uma melhor qualidade de vida, mesmo durante o processo de doença.

A espiritualidade é parte integrante da maior parte dos indivíduos e é ela que, muitas vezes, possibilita o encontro de um propósito e de um significado para a vida. Porém, ainda há grande necessidade de um maior preparo profissional e a realização de mais pesquisas que possam possibilitar melhor e maior compreensão sobre o tema, além de um maior respeito dos profissionais em relação à subjetividade espiritual de cada paciente e familiar, para que haja a verdadeira humanização, tão pedida e comentada, dentro dos hospitais, principalmente nos CTIs.

Falar sobre espiritualidade é estar sempre atento à subjetividade humana, principalmente perante o adoecimento, nunca esperado por nenhum ser humano. Quando se encontra adoecido, o indivíduo se depara com sua possível morte, trazendo ainda mais angústia para esse momento difícil e, muitas vezes, doloroso.

A primeira experiência em relação à morte ocorre com o falecimento do outro e quando alguém se vê diante de uma situação complexa, internado no CTI, o medo de que aconteça o mesmo consigo cresce e angustia muito. A morte é algo que o sujeito vivencia cotidianamente e com ela os sentimentos de angústia e temor. Porém, experiencia-se sempre a morte do outro e esquiva-se de sua própria morte, tendo-a como algo impensável, que nunca acontecerá.

Nesse ponto, observei, com grande frequência, a angústia e, muitas vezes, o desespero do paciente ao ver as movimentações dentro de um determinado box onde ocorreu um óbito e toda aquela "parafernália" de aparelhos e instrumentos que se retira dali, e, no final, o paciente é afastado dentro de um saco plástico, fragilizando enormemente todos os doentes conscientes, uma vez que os diálogos entre os profissionais que ali estão trabalhando para levar o corpo sem vida são normalmente frios e sem nenhum tipo de sentimento ou mesmo de qualquer crença expressos. Observei também que após um acontecimento desse, a maioria dos pacientes conscientes apresentava algum tipo de piora em seu quadro clínico e, não muito raro, era necessário o uso de medicamentos específicos para estabilizar o quadro emocional daquele paciente que viu e ouviu aquela sequência de fatos.

A morte, tratando-se de algo físico e biológico, é algo que sempre foi amplamente estudado, mas suas implicações psíquicas ainda não são tão conhecidas e ainda pouco estudadas. Falar dela traz desconforto e angústia, pois se chega à conclusão de que todos, um dia, terão um fim. Esse fim, desconhecido, aumenta a sensação de medo e angústia. Dessa forma, quando há espiritualidade envolvida, torna-se mais fácil e menos doloroso pensar na finitude.

É de suma importância que todos os profissionais envolvidos no atendimento de pacientes, especialmente daqueles em terapia intensiva, aceitem e respeitem essa espiritualidade, transformando momentos difíceis em menos temerosos e angustiantes.

Entendo que, aguçada pela minha curiosidade sobre o assunto e percebendo a profundidade e importância do tema, além da aceitação do estudo tanto por profissionais da saúde nas mais diversas especialidades como por leigos e especialmente familiares de pacientes que viveram a angústia de ter um ente querido internado num CTI, aprofundei os estudos sobre a espiritualidade e espero ter suprido as curiosidades e interesses técnicos sobre o tema, estimulando outros a buscarem mais estudos e pesquisas sobre ele.

 

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Artigo recebido em: 10/08/2016.
Aprovado para publicação em: 01/02/2017.

 

 

1O coma representa clinicamente a ausência de qualquer reação psicologicamente compreensível a estímulos externos ou necessidade interna. É um estado de profundo comprometimento da mais complexa função neural: a consciência (ATALLAH et al., 2004).

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