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Mental

versão impressa ISSN 1679-4427versão On-line ISSN 1984-980X

Mental vol.13 no.23 Barbacena jan./jun. 2021

 

ARTIGOS

 

DSM-5 e as alterações dos transtornos de humor: uma análise crítica à luz da teoria psicanalítica

 

DSM-5 and mood disorders: a critical analysis in the light of psychoanalytic theory

 

DSM-5 y los trastornos del estado de ánimo: un análisis crítico a la luz de la teoría psicoanalítica

 

 

Elizabeth Fátima TeodoroI; Alexandre SimõesII; Gesianni Amaral GonçalvesIII

IEnfermeira pelo UNIFOR/MG, Graduanda em Psicologia pela UEMG, Pós-graduada em Gestão em Saúde Mental pela Universidade Candido Mendes, Mestranda em Psicologia pela UFSJ
IIPsicanalista, Doutor em Filosofia e Teoria Psicanalítica (UFMG), Prof. no Curso de Psicologia da UEMG, Membro do Fórum do Campo Lacaniano/Belo Horizonte
IIIPsicanalista, Mestre em Psicologia (PUC/MG), Doutoranda em Psicologia pela UFMG, Profa. no Curso de Psicologia da UEMG

 

 


RESUMO

Ao partir do pressuposto de que a psicopatologia possui um caráter transitório, e diante das discussões acerca do DSM-5, questiona-se: a quem serve as alterações das classes diagnósticas, em especial as dos Transtornos de Humor? Responder a essa questão passa por refletir sobre os modos de se lidar com o sofrimento psíquico na sociedade hodierna. Nesses termos, objetiva-se analisar criticamente as transformações da classe dos Transtornos de Humor sofridas na última versão do DSM. Utilizou-se como método a pesquisa bibliográfica de caráter exploratório e comparativo. Depreendeu-se que a classe diagnóstica do Transtorno de Humor presente no DSM-IV foi extinta do DSM-5 e suas categorias diagnósticas originaram duas novas classes: Transtorno Bipolar e Transtornos Relacionados e Transtornos Depressivos. Concluiu-se que as alterações referentes aos Transtornos de Humor sugerem uma tendência, cada vez mais, crescente de se patologizar estados de ânimos decorrentes de condições de sofrimento normais do sujeito. Por outro lado, a sociedade contemporânea parece fornecer as insígnias próprias para a constituição subjetiva de indivíduos altamente fragilizados especialmente no tocante aos estados de humor.

Palavras-chave: Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais; Psicopatologia; Psicanálise; Transtorno de humor


ABSTRACT

Starting from the assumption that psychopathology has a transitory character, and in view of the discussions about the DSM-5, the question is: who serves the alterations of the diagnostic classes, especially those of Mood Disorders? Answering this ques-tion involves reflecting on the ways of dealing with psychological suffering in today's society. In these terms, the objective is to critically analyze the changes in the class of Mood Disorders suffered in the latest version of the DSM. Exploratory and comparative bibliographic research was used as a method. It appeared that the diagnostic class of Mood Disorder present in DSM-IV was extinguished from DSM-5 and its diagnostic categories gave rise to two new classes: Bipolar Disorder and Related Disorders and Depressive Disorders. It was concluded that the alterations referring to Mood Disorders suggest an increasing tendency to pathologize states of mind resulting from the subject's normal suffering conditions. On the other hand, contemporary society seems to provide its own insignia for the subjective constitution of highly fragile individuals, especially with regard to mood states.

Keywords: Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders; Psychopathology; Psychoanalysis; Mood disorder.


RESUMEN

Partiendo del supuesto de que la psicopatología tiene un carácter transitorio, y a la vista de las discusiones sobre el DSM-5, la pregunta es: ¿quién atiende las alteraciones de las clases diagnósticas, especialmente las de los trastornos del estado de ánimo? Responder a esta pregunta implica reflexionar sobre las formas de afrontar el sufrimiento psicológico en la sociedad actual. En estos términos, el objetivo es analizar críticamente las transformaciones de la clase de Trastornos del Estado de Ánimo sufridas en la última versión del DSM. Se utilizó como método la investigación bibliográfica exploratoria y comparativa. Parecía que la clase diagnóstica de trastorno del estado de ánimo presente en el DSM-IV se extinguió del DSM-5 y sus categorías de diagnóstico dieron lugar a dos nuevas clases: trastorno bipolar y trastornos relacionados y trastornos depresivos. Se concluyó que las alteraciones referidas a los Trastornos del Estado de Ánimo sugieren una tendencia creciente a patologizar los estados de ánimo derivados de las condiciones normales de sufrimiento del sujeto. Por otro lado, la sociedad contemporánea parece proporcionar su propia insignia para la constitución subjetiva de individuos muy frágiles, especialmente en lo que respecta a los estados de ánimo.

Palabras-clave: Manual diagnóstico y estadístico de los trastornos mentales; Psicopatología; Psicoanálisis; Transtorno del estado de ánimo.


 

 

Introdução

A menção a alterações de humor não é recente na história da humanidade, Hipócrates, no período clássico da Grécia, já havia pensado as bases para uma primeira classificação nosológica das oscilações afetivas que culminou na descrição de quadros melancólicos, maníacos e paranoides. Entretanto, o modo de se conceber o humor ao longo da história da sociedade ocidental modificou-se profundamente a ponto de se tornar na atualidade grande problema de saúde pública.

Por esse viés, Leader (2015) aponta como o contexto hodierno tem sido marcado por nomeações como, depressão e transtorno bipolar que, apesar de não serem recentes, têm sido utilizadas em larga escala nos últimos anos. Esse cenário sugere ainda como "medicamentos para estabilizar o humor [têm sido] prescritos rotineiramente para adultos e crianças, sendo que as receitas para crianças aumentaram 400%, desde meados dos anos 1990, enquanto os diagnósticos globais tiveram uma alta de 4.000%" (p. 7).

Assim, este texto tem por objetivo analisar criticamente as transformações da classe diagnóstica dos Transtornos de Humor sofridas na última versão do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, conhecido como DSM em consequência de seu título original em inglês Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, publicado pela Associação Americana de Psiquiatria (APA), com vistas a demarcar um sistema diagnóstico e estatístico de classificação das patologias mentais, destinado à prática clínica e à pesquisa em psiquiatria. Nas palavras de Martinhago e Caponi (2019, p. 2), trata-se de "uma classificação dos comportamentos ditos desviantes, a qual foi sendo ampliada no decorrer de cada edição, conforme podemos observar no decorrer da trajetória dos DSMs".

Pensando em termos clínicos, a utilização somente do DSM para a elaboração diagnóstica de um paciente parece romper com uma preocupação que vicejava na psiquiatria clássica, a qual consistia em se construir quadros psicopatológicos. Nessa perspectiva, vemos ganhar consistência uma psiquiatria que passa da teoria psicopatológica para se pautar em um manual descritivo de psicodiagnósticos. Situação que forja uma forma nova de constituição da subjetividade contemporânea que termina por sufocar as narrativas do sujeito e sua singularidade ao oferecer uma padronização do sofrimento psíquico dos seres humanos.

Nessa linha de raciocínio que almejamos refletir sobre a classe dos Transtornos de Humor, no cenário contemporâneo, de modo a problematizá-los no campo da psicopatologia a partir das modificações do DSM-IV (APA, 2002) para sua mais recente versão DSM-5 (APA, 2014), buscando situar em qual contexto essas alterações se deram e analisar criticamente tais transformações.

 

Métodos

Realizou-se uma pesquisa bibliográfica de caráter exploratório e comparativo. O tipo exploratório proporcionou maior familiaridade com as alterações concernentes à classe de Transtornos de Humor do DSM-IV para o DSM-5 (GIL, 2008). Enquanto o tipo comparativo nos permitiu descobrir regularidades e deslocamentos, identificando continuidades e alterações, semelhanças e diferenças (SCHNEIDER; SCHIMITT, 1998).

A pesquisa bibliográfica, por sua vez, foi utilizada para efeito de articulação com os conceitos, por meio de um enfoque teórico psicanalítico e com os conhecimentos e práticas oriundos da psicopatologia. Os citados manuais foram analisados na temática que compete este estudo trazendo assim considerações relacionadas à classe de Transtornos de Humor. Dessa forma, o estudo assumiu um caráter qualitativo, com o intuito de qualificar os dados coletados, durante a análise do problema (GIL, 1994).

A coleta de dados foi realizada em dois momentos distintos. O primeiro ocorreu em um período de oito meses, tendo como instrumento de coleta de dados as versões IV e 5 do DSM. Nesse momento, operou-se comparações para extração das alterações da classe de Transtornos de Humor dos referidos manuais.

O segundo momento aconteceu no período de 10 meses. Nessa fase, lançou-se mão de publicações científicas de autores que discutiram as alterações concernentes à última edição do DSM especialmente as que versavam sobre as modificações referentes à classe dos Transtornos de Humor. Utilizou-se como critério de exclusão produções científicas que abordavam as alterações das demais classes de transtornos presentes no manual em questão. Selecionou-se, por meio da base de dados indexada Scientific Electronic Library Online - SciELO, uma literatura da área usando como palavras-chave: DSM-5 e Transtorno de Humor. Foram criados três crivos de apreciação: (i) apresentação da lógica taxonômica do DSM principalmente em sua quinta versão; (ii) identificação das alterações da classe de Transtornos de Humor no DSM-5; e (iii) análise das principais alterações dos Transtornos de Humor no contemporâneo.

 

DSM e sua Lógica Pragmática do Sofrimento Psíquico

A partir da segunda metade do século XX, ganha consistência a necessidade de sistematização dos diagnósticos referentes às patologias mentais, a fim de se estabelecer um consenso terminológico entre os clínicos. Em outras palavras, esse consenso consistia em se criar uma padronização de categorias dos sofrimentos psíquicos tratados como doenças pela comunidade psiquiátrica (MARTINHAGO; CAPONI, 2019). Assim, a APA em 1952, buscando sanar tal necessidade, publica o DSM-I que apresentava 106 categorias de psicopatologias. Essa primeira versão do manual era pautada em uma compreensão psicossocial da doença mental, na qual o papel da psicanálise era proeminente pelo uso de termos como mecanismos de defesa, neurose, conflito neurótico e outros (DUNKER; KYRILLOS NETO, 2011).

Dezesseis anos depois, em meio a Guerra do Vietnã, o DSM-II é publicado. Esse, por sua vez, continha 180 categorias diagnósticas que, segundo Araújo e Lotufo Neto (2013), não apresentavam alterações significativas em relação à primeira versão. Entretanto, Resende (2014) sublinha que, mediante à necessidade empírica imposta pela própria época, o manual assume uma influência considerável da teoria comportamental, motivo pelo qual se evidencia o abandono da concepção biopsicossocial das doenças mentais que se encontrava no DSM-I. Mesmo assim, o modo psicanalítico de compreensão permanecia vigente, no ponto em que, naquele momento, a escuta do sofrimento do sujeito ainda era utilizada como o principal instrumento clínico para traçar um psicodiagnóstico.

Ao findar da década de 1970, algumas divergências diagnósticas estadunidenses e europeias levaram a APA "a aperfeiçoar a uniformidade e a validade do diagnóstico psiquiátrico, assim como padronizar as práticas de diagnóstico" (MARTINHAGO; CAPONI, 2019, p. 2). Dessa forma, a terceira versão do DSM é publicada em 1980, contendo 265 categorias diagnósticas que se fundamentava em critérios da medicina baseada em evidências (DUNKER, 2014). Nessa perspectiva, o DSM-III se torna um marco na história da psiquiatria moderna, ao remover "as categorias e signos clínicos da psicanálise e passando a se considerar como ateórica1, deslocando-se para o campo das ciências biológicas" (MARTINHAGO; CAPONI, 2019, p. 6).

Por esse viés, verifica-se a extinção de termos como neurose e psicose no intuito de não suscitar questões etiológicas. Diante dessa situação, torna-se, cada vez mais, desnecessária a escuta do sujeito, uma vez que seu saber não mais influenciará na construção diagnóstica. Com isso, há um deslocamento do saber sobre o sofrimento psíquico, se antes ele derivava da narrativa do sujeito, agora ele passa a ser da ciência psiquiátrica. Tem-se, assim, a reinstituição de um saber sobre o psíquico externo ao sujeito (RESENDE, 2014).

Por volta de 1987, essa terceira edição é revisada e ampliada, de modo que o número de categorias diagnósticas passa para 292. Além disso, a nomenclatura doença mental é substituída por transtorno mental nesse manual. Essa substituição não se faz sem consequências, isso porque, segundo Pereira (2016), esse termo surge de uma crise da psiquiatria de meados de 1960 nos Estados Unidos, como uma tentativa de responder às críticas formuladas, tanto por pesquisadores e psiquiatras como Kurt Schneider (1887-1967) que considerava a noção de doença mental uma contradição em seus próprios termos, visto que se ela é doença não pode ser mental e se ela é mental não pode ser doença, quanto por antipsiquiatras como Thomas Szasz (1920-2012) que afirmava ser a doença mental uma má metáfora com consequências políticas muito fortes, uma vez que ela legitima a intervenção médica-psiquiátrica em questões humanas e morais.

Nesses termos, a noção de transtorno mental (mental disorder) aponta para duas leituras. A primeira permite compreender que a utilização desse termo busca solucionar "os impasses teóricos existentes no campo da psicopatologia" (DUNKER, 2014, p. 102), no ponto em que significa adotar, de início, uma renúncia, em geral temporária, de uma descrição fisiopatológica completa em termos médicos, mas que permite, a partir de critérios objetivos e compartilháveis, recortar quadros clínicos sobre os quais se pode interferir psiquiatricamente (PEREIRA, 2016). Assim, sublinha-se como a simples noção de transtorno "ignora toda a história da psicopatologia e rompe de vez com as escolas de pensamento, principalmente, com a psicanálise, em uma tentativa de ignorar o sujeito" (RESENDE, 2014, p. 12-13), pois, uma das grandes novidades "da psicanálise em relação à diagnóstica médica é que ela considera e inclui o diagnóstico pré-constituído, dado pelo próprio paciente. Algumas vezes, todo o trabalho clínico passa pela desconstrução de um diagnóstico: educacional, familiar, trabalhista, médico, estético" (DUNKER, 2012, p. 35).

Tem-se, portanto, uma racionalidade prática que renuncia a uma explicação de natureza ontológica, na qual a doença é um ser, e dá-se uma explicação de natureza prática, em que se deduz que determinado grupo de sintomas melhora mediante um tratamento específico. Esses critérios práticos de validade pragmática passam a ser, então, a lógica fundamental adotada para organizar os critérios de classificação atuais (PEREIRA, 2016).

A segunda leitura possibilita verificar que um diagnóstico de transtorno (disorder) imputa sempre uma order, isso porque ele faz com que a interpretação da realidade passe pelo entendimento de que a normalidade se encontra nessa order. Essa order, por sua vez, irá sempre concordar com o que a sociedade estabelece como comportamentos aceitáveis, assim, os desviantes terminam por causar um transtorno que precisa ser corrigido para o retorno do estado de ordem (PEREIRA, 2016). Desse modo, o sofrimento psíquico assume um status de transtorno social, no ponto em que se refere a condutas consideradas socialmente indesejáveis e que passaram a ser classificadas como anormais. Assim, tem-se a consolidação do que Foucault nomeou de medicina do não patológico (CAPONI, 2014).

Retomando a história das edições dos manuais, em 1994, é publicado o DSM-IV com 297 categorias de transtornos mentais organizados em cinco eixos distribuídos em 886 páginas (MARTINHAGO; CAPONI, 2019) que, por sua vez, foi revisado em 2000, mas sem grandes acréscimos. Essa quarta versão apagou todo vestígio de etiologia e instaurou o modelo nosográfico de diagnóstico. Desse modo, o DSM-IV passa a ser considerado um método infalível de diagnóstico psiquiátrico "quase" automático que pressupõe somente um checklist (RESENDE, 2014). Na concepção de Martinhago e Caponi (2019, p. 3), o que diferencia essa versão das anteriores é "a inclusão de um critério de significância clínica para praticamente metade das categorias que tinham sintomas e causavam sofrimento clinicamente importante ou prejuízo no funcionamento social ou ocupacional, entre outras áreas".

Nessa esteira de pensamento, também a versão mais recente do DSM é publicada em 2013, contendo mais de 300 categorias diagnósticas (PEREIRA, 2016) fundamentadas no modelo categorial organizado em três seções, dispostas em 947 páginas (MARTINHAGO; CAPONI, 2019). Para Pereira (2016), o DSM-5 se torna, assim, o manual de referência da maneira contemporânea de subjetivar vivências emocionais, no ponto em que passa a apostar no diagnóstico dimensional que, no entender de Resende (2014), tem a pretensão de englobar o sujeito por completo, uma vez que busca classificar todos os aspectos presentes no comportamento e sofrimento humanos. Desse modo, situações do cotidiano como o luto, em decorrência da morte de alguém, após duas semanas, torna-se indício de depressão. Nas palavras de Frances (2015, p. 5-6), essa nova versão ampliada

sofre a infeliz combinação de ambições excessivamente elevadas e de uma metodologia frouxa. Sua esperança otimista era criar um avanço revolucionário na psiquiatria; em vez disso, o triste resultado é um manual que não é nem seguro nem cientificamente correto. Por exemplo, ele introduziu três novos transtornos que permeiam o tênue limite da normalidade: Transtorno de Compulsão Alimentar, Transtorno Neurocognitivo Leve e Transtorno Disruptivo da Desregulação do Humor. A menos que esses diagnósticos sejam usados com moderação, milhões de pessoas essencialmente normais serão mal diagnosticadas e submetidas a tratamentos potencialmente danosos e estigma desnecessário.

Frances (2015) ainda nos chama a atenção para o fato de que além da criação de novas classes de transtornos, houve uma redução dos requerimentos para diagnosticar transtornos já existentes como o luto, no qual "duas semanas de luto normal se transformaram em Transtorno Depressivo Maior" (p. 6), e o TDAH adulto que teve seus critérios afrouxados, "podendo ser confundido com distração normal e facilitando o uso ilegal de estimulantes prescritos para aumento de desempenho ou propósitos recreativos" (p. 6). Na concepção do autor,

nenhuma dessas mudanças se baseou em sólida fundamentação científica; nenhuma foi testada suficientemente; nenhuma tem qualquer relação comprovada com tratamento efetivo; e todas estão sujeitas a grave abuso [...] O DSM-5, assim, abriu as comportas para uma piora na inflação diagnóstica e no uso excessivo de medicamentos (FRANCES, 2015, p. 6).

Mediante a síntese da trajetória das edições dos DSMs e a vigência atual de sua última versão, pode-se ressaltar como a tarefa classificatória, no contexto da psicopatologia contemporânea, termina assumindo um discurso clínico extremamente prático em que se substituem "as grandes categorias (neurose, psicose, esquizofrenia) por descrições especificadas de fenômenos objetivos, trazendo um empobrecimento à lógica diagnóstica, pois se privilegia a descrição dos sintomas ao invés da patologia" (KYRILLOS NETO et al., 2011, p. 47). Isso porque, como pontua Dunker (2014, p. 94), "a unidade perdida com o sequestro da neurose, como hipótese que unifica história de vida, sintomas e personalidade, é reencontrada na unidade de um objeto: a medicação".

Ora, se as patologias psiquiátricas são definidas a partir de agrupamentos de sintomas que podem ser tratáveis, nota-se "a desconsideração das narrativas dos pacientes, das histórias de vida, das causas sociais e psicológicas específicas que podem ter provocado determinado sofrimento psíquico ou determinado comportamento" (CAPONI, 2014, p. 744). Assim, os distúrbios, no DSM-5, "falam" pelo paciente, ou seja, o saber do manual se impõe às narrativas do sujeito que, no contexto psicopatológico, era o indicativo mais consistente da dimensão de seu sofrimento. Para a psicanálise, um dos problemas desse saber externo ao sujeito que sofre, é a legitimação de uma desresponsabilização do mesmo diante da patologia que passa, então, a ter uma causa externa, geralmente de natureza bioquímica, portanto, remediável, uma vez que, como questiona Dunker (2014, p. 96): "qual seria sua implicação em um 'estado de adoecimento' contra o qual ele nada pode, pois afinal é seu cérebro que o domina?".

É nesses termos que Pereira (2016) assevera que essa lógica taxonômica evidencia um problema histórico-teórico da psiquiatria, no ponto em que as categorias psiquiátricas do DSM-5 são categorias meramente descritivas e convencionais ou elas são categorias causalistas explicativas, sendo, em última instância, reflexo da falta de substrato anatomoclínico que sempre impossibilitou incluir, de forma legitima, a psiquiatria no campo da medicina. Por esse viés, o DSM seria resultado do "'vazio de saber' que se aloja no interior da psiquiatria e possibilita o seu traslado para a medicina geral ou para o 'dinamismo médico-farmacêutico'". (MARTINHAGO; CAPONI, 2019, p. 4).

Se a psiquiatria busca seu lugar no contexto mais amplo da medicina, sua fundamentação só pode ter base biológica com déficits neuroquímicos ou genéticos. Assim, os sofrimentos psíquicos podem ser tratados como uma doença física. O que

significa simplesmente negar que os sofrimentos devam inscrever-se numa história de vida, que esses sofrimentos se transformarão ao longo de nossas vidas e que nesta transformação tem papel fundamental o modo como somos ouvidos e as intervenções e terapêuticas que nos são propostas (CAPONI, 2014, p. 748).

Dessa forma, Bocchi (2018) evidencia como a nova versão do DSM tem efeitos nefastos na cultura contemporânea, visto que se apresenta como uma imposição para patologizar e medicalizar a comunidade por meio de uma reformulação classificatória que amplia o discurso da ciência sobre os sofrimentos psíquicos, dando-lhe força maior para tornar patológica dimensões subjetivas do ser humano que, até pouco tempo, não eram tratadas como enfermidades. Dito de outro modo, tenta-se classificar o inclassificável, a saber, o sofrimento humano, sob as vezes de termos médico-científicos semelhante à Simão Bacamarte, na obra O alienista de Machado de Assis, ao classificar como loucos toda a população de Itajaí (TEODORO; SILVA; COUTO, 2019).

No registro do DSM-5, chama-nos a atenção as alterações referentes aos Transtornos de Humor que, na edição anterior do manual, existia sob essa nomenclatura, mas que, na nova versão, prolifera-se, dando origem a várias novas categorias diagnósticas que tornam mais frágeis a percepção de que determinados sintomas fazem parte de alguns tipos de sofrimento psíquico que são próprios da condição humana, como veremos a seguir.

 

Alterações dos Transtornos de Humor do DSM-IV para o DSM-5

No cômputo do DSM-IV, as alterações de humor aparecem como uma classe diagnóstica sob a égide de Perturbações do Humor que, em síntese, envolvem quadros clínicos nos quais se verificam oscilações de humor (ou estado de ânimo, ou tônus afetivo). O humor, para Cheniaux (2015, p. 115),

representa um somatório ou síntese dos afetos presentes na consciência em um dado momento. Constitui o estado afetivo basal e fundamental, que se caracteriza por ser difuso, isto é, não relacionado a um objeto específico, e por ser em geral persistente e não reativo. O humor oscila entre os polos da alegria, da tristeza e da irritabilidade, assim como entre a calma e a ansiedade. O termo disforia corresponde a um estado de humor desagradável.

Nesses termos, ressalta-se a tristeza excessiva (depressão) e a exaltação excessiva (mania), visto se tratarem dos extremos opostos do que conhecemos como humor, a esses extremos o DSM-IV chama de episódios de humor. Assim, tem-se indícios para suspeitar de um possível diagnóstico de Transtornos de Humor, segundo a quarta versão do DSM, quando há a presença ou ausência dos episódios de humor (episódio depressivo maior e episódio maníaco) e a constatação de, no mínimo, cinco dos seguintes sintomas típicos: alteração do peso e do apetite, alteração do sono, alteração motora, fadiga, sentimentos de desvalorização ou supervalorização, dificuldades para pensar, concentrar e tomar decisões, agitação ou inércia, fala excessiva ou mutismo, pensamentos recorrentes de morte ou gastos extravagantes. Esses sintomas devem persistir por um período igual ou superior a duas semanas, podendo comprometer a capacidade funcional física, social e laboral do indivíduo (APA, 2002).

Entretanto, ao estudar a configuração do DSM-5, verificou-se que essa classe dos Transtornos de Humor foi excluída. Tal extinção originou duas novas classes: Transtorno Bipolar e Transtornos Relacionados e Transtornos Depressivos. Nessa perspectiva, as treze categorias de transtornos que compunham a classe extinta foram deslocadas, 10 delas para novas classes, enquanto as outras três (Perturbação do Humor Devido a Outra Condição Física, Perturbação do Humor Induzida por Substâncias e Perturbação do Humor Sem Outra Especificação) foram eliminadas por completo.

 

Transtorno Bipolar e Transtornos Relacionados

O termo bipolar, segundo Leader (2015), foi utilizado na psiquiatria pela primeira no final do século XIX, mas ganhou visibilidade a partir de 1980, com o DSM-III, pois anterior a esse manual falava-se em psicose maníaco-depressiva (BIRMAN, 2010). O Transtorno Bipolar, em geral, corresponde a uma psicopatologia que causa alterações acentuadas e periódicas de humor, tendo como extremos episódios maníacos e depressivos. Conforme Cheniaux (2015), a fase maníaca é caracterizada por "uma alegria (euforia, ou melhor, hiperforia) ou irritabilidade patológicas (exaltação afetiva). Tipicamente há labilidade ou incontinência afetiva" (p. 120). Por outro lado, a fase depressiva envolve "uma tristeza patológica (exaltação afetiva), que costuma ser caracterizada como uma tristeza vital. Em alguns pacientes podem ocorrer ansiedade ou irritabilidade intensas. O estado de humor sofre poucas variações, caracterizando assim a rigidez afetiva" (p. 120). É nesse contexto que Frances (2015) propõe como pergunta de rastreamento do diagnóstico de Transtorno Bipolar - Você tem variações de humor?

Nas especificações categóricas da classe diagnóstica Transtorno Bipolar e Transtornos Relacionados, tem-se o Transtorno Bipolar Tipo I, Transtorno Bipolar Tipo II e Transtorno Ciclotímico, que já existiam no DSM-IV, no quadro de Perturbações do Humor. Junto a essas três categorias foram acrescidas quatro novas (Transtorno Bipolar e Transtorno Relacionado Induzido por Substância/Medicamento; Transtorno Bipolar e Transtorno Relacionado Devido a Outra Condição Médica; Outro Transtorno Bipolar e Transtorno Relacionado Especificado e Transtorno Bipolar e Transtorno Relacionado Não Especificado). Assim, essa nova classe engloba o total de sete categorias de transtornos, três deslocadas do DSM-IV e quatro novas.

As alterações descritas evidenciam como o Transtorno Bipolar, que antes era tratado como uma categoria, é elevado a condição de classe diagnóstica, "concebido ao longo de um espectro de sintomas, que varia ao longo de um continuum" (MORAIS, 2016, p. 242), abarcando desde as formas mais graves até as mais brandas dos sintomas como a noção de hipomania que seria uma forma de mania "controlável". Assim,

O transtorno bipolar tipo I foi comumente igualado à clássica doença maníaco-depressiva, mas o transtorno bipolar tipo II baixou drasticamente o limiar, exigindo meramente um episódio depressivo e um período de produtividade aumentada, inflação da autoestima e redução da necessidade de sono [...] Hoje em dia, existe até o 'bipolar leve', o que significa que o paciente 'reage intensamente às perdas' (LEADER, 2015, p. 12).

Ora, não é preciso muitas reflexões para perceber que a consequência direta desse afrouxamento diagnóstico consiste em uma ampliação do número de pessoas caindo na régua do espectro bipolar. Não sem razão, Morais (2016) nos chama a atenção para o fato de que, na sociedade atual, há quem já utilize o termo temperamento bipolar, ao se referir a indivíduos que comumente conhecemos como tendo temperamento forte2. "Muito em breve, poucos escaparão de ser enquadrados como tendo alguma forma de transtorno bipolar" (p. 243). Obviamente, o aumento dos diagnósticos leva ao crescimento exponencial do consumo de medicamentos utilizados como estabilizadores de humor.

Além disso, vemos ganhar valor de mercado certa dose de mania que parece se adequar "muito bem aos estímulos à realização, à produtividade e ao nível intenso de compromisso exigidos [pelo mercado de trabalho no mundo contemporâneo]" (LEADER, 2015, p. 8). É nesse sentido que o autor afirma que "o que antes eram sinais clínicos de psicose maníaco-depressiva transformou-se na meta das terapias e do treinamento de estilo de vida" (p. 9). Não sem razão, o coach se tornou tão popular para estimular comportamentos de autoconfiança e bem-estar acentuados, assim como os estabilizadores de humor passaram a ser usados para suplementar os estados de ânimos a fim de manter certos níveis de euforia e produtividade. Diante desse cenário, poderíamos nos questionar, semelhante a Morais (2016), se não estaríamos vivendo em uma sociedade de sujeitos bipolares. Leader (2015) parece antecipar tal questão ao propor, em sua obra, que "se o período pós-guerra foi chamado de 'era da ansiedade', e as décadas de 1980 e 1990 de 'era dos antidepressivos', vivemos agora em tempos bipolares" (p. 7).

Entretanto, na contramão da afirmação de que vivemos uma epidemia de transtornos bipolares, Alcântara et al. (2003) acreditam que essa prevalência de transtornos bipolares seja efeito de uma mudança metodológica dentro do próprio sistema classificatório utilizado pelos pesquisadores do DSM-5 que encontra respaldo na noção de espectro adotada no manual. Nessa edição, assume-se uma perspectiva dimensional, ou seja, que "concebe a doença mental como uma disfunção única, expressando-se de maneira variada, a depender da gravidade" (MORAIS, 2016, p. 242-243). Fato é que "um diagnóstico antes específico foi transformado num espectro cada vez mais vago de transtornos" (LEADER, 2015, p. 14) que busca ser preenchido pela necessidade da nomeação de um mal-estar que Freud (1929[1930]/1996) identificou no cerne da civilização.

 

Transtornos Depressivos

O uso técnico do termo depressão pode ser rastreado em dicionários médicos datados de 1860. Nesse momento, o emprego do vocábulo consistia em identificar um comportamento de "rebaixamento dos espíritos" de pessoas que eram acometidas por essa doença mental (BERRIOS, 2012). Assim, percebe-se incialmente que a palavra depressão remete tanto a um sintoma quanto a uma patologia. Enquanto sintoma, ela "pode surgir nos mais variados quadros clínicos, entre os quais: transtorno de estresse pós-traumático, demência, esquizofrenia, alcoolismo, doenças clínicas, etc. Pode ainda ocorrer como resposta a situações estressantes, ou a circunstâncias sociais e econômicas adversas" (DEL PORTO, 1999, p. 6). Como doença, ela "tem sido classificada de várias formas, na dependência do período histórico" (p. 6), na atualidade a partir da quinta versão do DSM, surge como Transtornos Depressivos.

No DSM-5, o que leva ao diagnóstico dos Transtornos Depressivos "é a presença de humor triste, vazio ou irritável, acompanhado de alterações somáticas e cognitivas que afetam significativamente a capacidade de funcionamento do indivíduo" (APA, 2014, p. 155), semelhante ao episódio depressivo que compõe o Transtorno Bipolar. Contudo, o que irá diferi-los serão "os aspectos de duração, momento ou etiologia presumida" (p. 155). Nessa perspectiva,

o transtorno depressivo maior representa a condição clássica desse grupo de transtornos. Ele é caracterizado por episódios distintos de pelo menos duas semanas de duração (embora a maioria dos episódios dure um tempo consideravelmente maior) envolvendo alterações nítidas no afeto, na cognição e em funções neurovegetativas, e remissões interepisódicas (APA, 2014, p. 155).

Tem-se, portanto, que também proveniente das Perturbações do Humor do DSM-IV, o Transtorno Disruptivo da Desregulação do Humor (TDDH), Transtorno Depressivo Maior e Transtorno Depressivo Persistente (Distimia), foram deslocados para uma nova classe do DSM-5 denominada Transtornos Depressivos. A essa classe foram acrescidas cinco novas categorias: Transtorno Disfórico Pré-menstrual (TDPM); Transtorno Depressivo Induzido por Substância/Medicamento; Transtorno Depressivo Devido a Outra Condição Médica; Outro Transtorno Depressivo Especificado; Transtorno Depressivo Não Especificado. Nesses termos, a classe diagnóstica de Transtornos Depressivos do DSM-5 apresenta um total de oito categorias de transtornos, das quais três foram deslocadas e cinco foram criadas (APA, 2014).

É importante mencionar ainda que as categorias Episódio Depressivo Maior; Episódio Maníaco; Episódio Misto e Episódio hipomaníaco presentes no DSM-IV, na classe Perturbações do Humor, também foram deslocadas, passando a compor os critérios diagnósticos da categoria do Transtorno Bipolar e Transtornos Relacionados no DSM-5 (APA, 2014).

Como as categorias presentes nessa classe se diversificam, as perguntas de rastreamento propostas por Frances (2015) também variam. Desse modo, quando se trata das categorias nomeadas como Transtornos Depressivos, as perguntas devem ser referentes ao humor deprimido, no tocante à frequência, intensidade ou em decorrência do uso de bebidas alcóolicas ou algum tipo de medicamento. No caso do TDPM, a pergunta será - "Você tem sintomas físicos e psicológicos que ocorrem por volta da época da menstruação?" (p. 43).

Dentre as alterações da classe dos Transtornos Depressivos descritas, ganharam relevância no debate psicopatológico a retirada do luto como critério de exclusão do Transtorno Depressivo Maior. Esse critério de exclusão permitia que o luto normal não fosse critério para o diagnóstico de Transtorno Depressivo Maior "nos meses após a perda de um ente querido, a menos que apresentasse sintomas graves de comprometimento, como ideias de suicídio, ilusões, agitação psicomotora ou incapacidade de funcionar" (FRANCES, 2015, p. 41). Com a retirada desse critério, torna-se possível diagnosticar um indivíduo enlutado como depressivo se o luto permanecer por um período superior a duas semanas.

Partindo de uma leitura freudiana do luto, essa quantificação temporal se mostra sempre problemática no ponto em que delimitar um tempo específico para que o sujeito vivencie o trabalho de luto se torna uma tarefa impossível, tendo em vista que tal processo exige um desinvestimento libidinal que permita uma reorganização psíquica que não é simples, pois envolve a elaboração das "fantasias conscientes e inconscientes que são ativadas com a perda de objeto. O processo de luto é, portanto, um redimensionamento das fantasias e defesas do psiquismo, em busca de um novo equilíbrio de forças" (CAMPOS, 2013, p. 16).

Outra alteração que se suscita como controversa é a inclusão do TDPM como um diagnóstico validado de doença mental. Para muitos pesquisadores e profissionais da saúde mental como Frances (2015), tem-se nesse movimento a patologização de uma condição do ser mulher, visto que a depender da intensidade dos sintomas próprios da menstruação, o indivíduo do sexo feminino será diagnosticado e medicalizado como doente mental. Isso é posto, dado que, segundo Valadares et al (2006, p. 118-119), o TDPM consiste em "um transtorno variante da síndrome pré-menstrual [SPM], mais severa ou extrema, com a oscilação do humor apresentada como fator mais perturbador e debilitante [...]". Nesse conseguinte, os autores definem a SPM como sendo

a ocorrência repetitiva de um conjunto de alterações físicas, do humor, cognitivas e comportamentais com a presença de queixas de desconforto, irritabilidade, depressão ou fadiga, geralmente acompanhadas da sensação de intumescimento e dolorimento de seios, abdome, extremidades, além de cefaleia e compulsão por alimentos ricos em carboidratos, acrescidos ou não de distúrbios autonômicos, com início em torno de duas semanas antes da menstruação e alívio rápido após o início do fluxo menstrual (VALADARES et al. 2006, p. 118).

Entretanto, Miranda et al. (s./d.) nos chama a atenção para o fato de que devido ao elevado número de sintomas atribuídos à SPM (mais de 150 relacionados a vários órgãos e sistemas), não há "um consenso quanto a uma definição mais exata, mas há a suposição de que ocorram diversos subtipos desse distúrbio, cada um com sua gravidade e sustentados por um complexo conjunto de fatores biológicos, psicológicos e ambientais" (s./p.). Entre esses subtipos se encontra o TDPM que, pelo mesmo motivo, apresenta uma etiologia pouco definida, como aponta Brito et al. (2019).

De acordo com os critérios diagnósticos do DSM-5 (APA, 2014), o TDPM pode ser diagnosticado a partir dos seguintes critérios: A) apresentar no mínimo cinco sintomas que devem estar presentes na semana anterior ao início menstrual e ter sua minimização ou ausência na semana pós-menstrual; B) um (ou mais) dos seguintes sintomas: labilidade afetiva acentuada, tristeza ou choro repentinos ou sensibilidade aumentada à rejeição, irritabilidade ou raiva acentuadas ou aumento nos conflitos interpessoais, humor deprimido acentuado e pensamentos autodepreciativos e ansiedade acentuada, tensão e/ou sentimentos de estar nervosa ou no limite; C) um (ou mais) dos seguintes sintomas: interesse diminuído pelas atividades habituais, sentimento subjetivo de dificuldade em se concentrar, letargia, fadiga fácil ou falta de energia acentuada, alteração acentuada do apetite, hipersonia ou insônia, sentir-se sobrecarregada ou fora de controle, sintomas físicos como sensibilidade ou inchaço das mamas, dor articular ou muscular, sensação de "inchaço" ou ganho de peso; D) esses sintomas devem estar associados a sofrimento clinicamente significativo ou a interferência nas atividades cotidianas; E) essa perturbação deve ser diferenciada de outros transtornos possíveis; F) o Critério A deve ser confirmado por pelo menos dois ciclos sintomáticos consecutivos; G) esses sintomas não devem ser consequência dos efeitos fisiológicos de uma substância ou de outra condição médica.

É interessante não perdermos de vista que o diagnóstico do TDPM exige que os sintomas acima descritos devem surgir "durante a fase pós-ovulatória, isto é, o período pré-menstrual. Fase lútea e remitir com a menstruação" (COSTA et al., 2020, p. 367), além disso, devem ser graves o suficiente a ponto de interferir no funcionamento diário. Nesses termos, o consenso atual sugere que a função ovariana normal seja o desencadeador dos eventos bioquímicos relacionados ao TDPM no sistema nervoso central e em outros tecidos que influenciam o humor, o comportamento e a cognição. Vale ressaltar que não estamos desconsiderando o sofrimento existente nesse período feminino, porém consideramos problemático classificar esse sofrimento como um transtorno mental que afeta o humor. Isso porque tal classificação quando feita indiscriminadamente abre espaço para se medicar uma condição do ser mulher, além de rotulá-la como doente.

Nessa linha de raciocínio, esse tipo de consenso parece um retorno, por outras vias, a uma situação a qual Freud já denunciava em suas teorizações sobre o tratamento da histeria no século XIX, na época, buscava-se controlar a sexualidade feminina para que ela trabalhasse a favor da necessidade estabelecida pela sociedade burguesa. Vieira (2002) também encontra essa medicalização do corpo feminino, na sociedade atual que, sob as vestes do reconhecimento da mulher como um ser "útil" à sociedade, estimula o uso constante do anticoncepcional e de fármacos que eliminem os sintomas menstruais para que não haja uma redução da produtividade feminina.

Por fim, Frances (2015) menciona a introdução do TDDH como problemática, no sentido de que incita a patologização e consequente medicalização infantil, pois, trata-se de uma patologia para "descrever crianças que têm constantes problemas de temperamento" (p. 47). Em psicanálise, verifica-se como pode ser danoso fechar um diagnóstico infantil, no ponto em que a estrutura psíquica da criança está em formação e, por esse motivo, as oscilações de humor podem ser intensas e frequentes, mas nem por isso se apresentarão como enfermidades.

Além disso, a inclusão desse diagnóstico no DSM-5, "se baseia em mínima pesquisa e foi justificada apenas pela necessidade de reduzir o excesso de diagnóstico de Transtornos Bipolares Infantis" (FRANCES, 2015, p. 47). Dentre as dificuldades encontradas na utilização desse diagnóstico, o autor destaca três: 1ª) a impossibilidade de "distinguir TDDH de ataques de humor que ocorrem em crianças saudáveis" (p. 48) que apresentam um humor irritadiço; 2ª) a impossibilidade de "distinguir TDDH de ataques de humor que ocorrem em outros transtornos psiquiátricos" (p. 48); 3ª) "Assim como nos Transtornos Bipolares Infantis, pode haver um esforço das companhias farmacêuticas de usar medicamentos prejudiciais, particularmente antipsicóticos, que podem causar grande ganho de peso (elevando o risco assim, de obesidade infantil, diabetes e doença cardíaca)" (p. 48).

Mediante essa realidade desenhada pela nova versão do DSM, Araújo e Lotufo Neto (2013) afirmam que tais mudanças possibilitam "que indivíduos que estejam passando por um sofrimento psíquico grave recebam atenção adequada, incluindo a farmacoterapia quando esta se fizer necessária" (p. 106). Não se desconsidera a veracidade dessa assertiva, porém, parece-nos importante questionar se as alterações descritas acima não são indícios de que vemos tomar consistência, na sociedade contemporânea, um movimento de patologização de sofrimentos próprios da constituição do humano como algumas oscilações de humor ou o luto. Se respondermos positivamente a essa questão, podemos inferir que tal patologização deve servir a algum propósito. Abaixo tentaremos identificá-lo.

 

Uma Análise Crítica à Luz da Teoria Psicanalítica das Alterações dos Transtornos de Humor no DSM-5

Ao observar o cenário contemporâneo de uma sociedade marcada pelo excesso e ideal performático, em que o capitalismo "dita as regras", percebe-se que a população é levada a buscar soluções práticas para o mal-estar inerente ao humano e o sofrimento psíquico presente no cotidiano (DUNKER, 2015). Tal situação culmina com a total desresponsabilização do sujeito defronte a seus próprios comportamentos. Nesse sentido, impera o discurso do saber biomédico marcado por uma objetividade que tenta reduzir as diferenças subjetivas para controlar o mal-estar, os sintomas e o sofrimento, formatando o processo de adoecimento e as possibilidades de tratamento, restringindo-as a classificações e ao uso de medicamentos, respectivamente.

Diante dessa construção da realidade, indaga-se: quais relações de forças fizeram a classificação dos Transtornos de Humor emergir? Para responder a essa questão, torna-se importante esclarecer que a presente investigação teórica está centrada na psicopatologia que podemos compreender como sendo um discurso (ou saber) sobre o pathos da psique, em outras palavras, "um discurso representativo a respeito do [...] sofrimento psíquico" (Ceccarelli, 2005, p. 471).

Nesses termos, pontua-se que a preocupação em compreender e nomear esse sofrimento não é recente, como evidencia o autor supracitado, Platão, no Banquete, já esclarecia que "o portador de sofrimento psíquico, é aquele que padece de algo cuja origem ele desconhece e que o leva a reagir, na maioria das vezes, de forma imprevista" (Ceccarelli, 2005, p. 471). Com efeito, percebe-se que, em cada contexto histórico-político, é possível realçar uma psicopatologia diferente, uma vez que ela expressa as tentativas do homem de lidar com seus próprios sofrimentos. Obviamente, compreendemos com Foucault (1995) que falar do humano é falar da diversidade, contudo, salientamos, nessas linhas, o discurso dito hegemônico em seus diversos contextos.

A partir desses pressupostos, podemos direcionar nossa reflexão para o discurso sobre os Transtornos de Humor na contemporaneidade foco de nosso estudo. Nesse viés, verifica-se que o avanço das pesquisas em neurociências, que se constituem como uma verdadeira revolução científica3 faz emergir uma nova concepção de homem para o mundo contemporâneo (Russo; Ponciano, 2002). Isso porque as concepções da nova ciência da cognição nos levam "a uma profunda reestruturação das imagens e estruturas interpretativas com que apreendemos a ação humana, individual e coletiva" (SOUZA et al., 2007, p. 80).

Esse modelo reproduz um ideal racionalista cartesiano, em que mente e corpo novamente são separados e igualados a máquinas, gerando uma declinação da subjetividade em função de uma tentativa de elencar um modelo que reduz o homem ao totalmente biológico. Assim, "o fenômeno psicopatológico é concebido, portanto, como produto de um distúrbio neurofisiopatológico tratável farmacologicamente. O sintoma expressaria no plano psíquico aquilo que é primeiramente um transtorno da neurotransmissão cerebral, manifestaria em um registro aquilo que é alteração do outro" (MAGALHÃES, 2001, p. 44).

Além disso, outros aspectos se constituem enquanto dispositivos que se conectam, contribuindo para que esse modelo biologizante se torne hegemônico na sociedade. Elencamos alguns que consideramos sustentáculo desse sistema. Desse modo, as classificações do sofrimento psíquico que, tornaram-se tão presentes em nosso tempo, apontam para uma revolução que aspira à ciência, o que não significa que a seja, uma vez que promove alterações sociais e, consequentemente, estruturam as subjetividades humanas a partir de nomeações que falam pelo sujeito.

Segundo Ferreira (2014), essa nomeação é oriunda da égide psiquiátrica norte-americana que culmina nas últimas versões do DSM, que passaram a regular a prática médica e o universo psi e não somente o contexto psiquiátrico, no que concerne ao sofrimento psíquico. Guarido (2007, p. 151) complementa que "[...] os resultados de pesquisas na neurociência [...] tentam fundamentar o funcionamento psíquico em bases orgânicas [...]".

Nesse ínterim, uma das reflexões que podemos fazer, é sobre os efeitos que emergem a partir das práticas classificatórias que, conforme Guarido (2007), estabelecem que os sintomas psíquicos sejam reconhecidos como manifestações de desordens da bioquímica cerebral. Na clínica, o DSM contribui para o rompimento de uma abordagem psicopatológica, já que a partir dele, há a descrição de transtornos mentais ao invés de quadros psicopatológicos, que são diagnosticados por meio de sintomas presentes na vida do sujeito, semelhante a um checklist.

É nesse sentido que a constatação de Leader (2015, p. 11) de que "foi exatamente quando as patentes dos antidepressivos populares de maior vendagem começaram a expirar, em meados da década de 1990, que, de repente, o transtorno bipolar tornou-se o beneficiário dos vastos orçamentos de comercialização da indústria farmacêutica". E prossegue:

Surgiram sites na Internet para ajudar as pessoas a se diagnosticarem, e artigos em revistas e suplementos de jornais, todos fazendo referência ao transtorno bipolar como se ele fosse uma realidade - e quase todos eram financiados, na totalidade ou em parte, pela indústria farmacêutica. Questionários da Internet permitiam o autodiagnóstico em poucos minutos e, para muitas pessoas, foi como se suas dificuldades finalmente tivessem nome (LEADER, 2015, p. 7).

Dessa forma, Guarido (2007, p. 158) afirma que "com tantas descrições, quase ninguém escaparia a um diagnóstico de problemas mentais". E diante desse excesso de nomeações, outros conectivos como crescimento das prescrições de psicofármacos, o consequente uso abusivo de medicamentos, a insinuação da indústria farmacêutica enquanto detentora do poder controlador do sofrimento psíquico da população, do mal-estar da sociedade e da veiculação midiática que contribui reforçando a promessa da anulação de faculdades propriamente humanas, como o sofrimento.

A percepção dessa realidade nos leva a refletir sobre a veracidade dessa quantidade de categorias que passam a compor a classe dos Transtornos Bipolares, uma vez que parecem estar mais a serviço das indústrias farmacêuticas que da promoção da saúde mental. Se entendermos que, em larga medida, a saúde mental está associada aos modos que aprendemos para lidar com o sofrimento psíquico, entenderemos que esse excesso de nomeações busca suprir nossa incapacidade de lidar com o sofrimento. Isso porque o sofrimento perdeu seu sentido na sociedade contemporânea, visto que ele parece ter se tornado desumano.

Assim, a falta desse referente permite que o modelo biologizante perpetue, já que, como afirma Ferreira (2014, p. 122), "dar sentido ao sofrimento humano é um eixo fundamental da organização das culturas". Em outras palavras, a forma como damos significado ao sofrimento sempre esteve intimamente relacionada à elaboração teórica acerca dessa cultura assim como à forma como passamos a agir socialmente.

Nessa linha de pensamento, ao produzir a subjetividade que lhe é própria, a contemporaneidade arrasta consigo o padecimento psíquico na forma de excessos e transbordamentos no lugar do que deveria permanecer vazio. O que ora enseja são questionamentos de um não compreender que nas tramas do sofrimento psíquico nos coloca a debater: como entender essa necessidade de consumi(dor)? Que:

[...] por meio da medicalização irrestrita, [...] almeja é silenciar a voz do sofrimento, essa fala outra (sintoma) que se expressa por meio da doença e que insiste em fazer-se presente na subjetividade das individualidades. Medicalizar, nesse sentido, significa remediar os sintomas visíveis, ao preço de se desconsiderar a dimensão simbólica e subjetiva dessas formas de "mal-estar" (Tavares, 2010, p. 62).

Se a sociedade hodierna é constituída de "determinados dispositivos socioculturais que forjam condições de possibilidades para a emergência de sentimentos [humanos]", como afirma Tavares (2010, p. 85), não seriam os transtornos de humor expressões de nossa condição de fragilidade existencial? Modos de nomear um mal-estar próprio da condição humana, mas do qual não se sabe dizer, pois sempre escapa?

Propõe-se o questionamento se sintomas como, tristeza em excesso, ansiedade, insônia, atribuídos aos Transtornos de Humor, não são consequências dos ritmos estranhos e convulsivos da vida na sociedade contemporânea, caracterizada pelos excessos, nas exigências performáticas, seja de trabalho, aparência ou relacionamentos, a ordem constante é "goze de tudo o tempo todo e seja sempre feliz". Exigências que tentam tamponar o mal-estar inerente à civilização, há tanto tempo analisado por Freud (1930[1929]/1996).

E, na "ânsia de autossuficiência a todo custo, evitamos quase que fobicamente qualquer tipo de sofrimento, e assim tentamos sempre nos livrar de sentimentos e sensações que aprendemos a identificar como dor" (TAVARES; HASHIMOTO, 2010, p. 97), mesmo que isso signifique renunciar a própria condição humana. No fim, terminamos quase sempre como objetos do capitalismo.

Portanto, o espaço de subjetividade é a tradução de suportes necessariamente técnicos do cotidiano que na atualidade parecem expressos pela excessiva classificação diagnóstica, ou seja, nomeação em série do sofrimento psíquico, pelo uso abusivo de psicofármacos e por uma grande necessidade de neutralizar as narrativas do sujeito. Nesses termos, podemos entender tais suportes como base fundante de um discurso que almeja normatizar as questões mais humanas como as mudanças de humor.

Não sem razão, Frances (2015, p. 6) nos alerta que "nem todos os sintomas e problemas de vida são causados por transtornos mentais e que um diagnóstico malfeito pode ser extremamente prejudicial". Por isso, o autor aponta alguns cuidados essenciais no momento da construção diagnóstica: 1º) durante a entrevista de diagnóstico, "o foco deve se dar sempre na necessidade do paciente de ser ouvido e compreendido, acima de qualquer outra coisa" (p. 7); 2º) use o checklist com parcimônia; 3º) não esqueça da significância clínica, ou seja, lembre-se que os sintomas psiquiátricos são bastante comuns na população em geral, portanto, sintomas isolados de depressão, ansiedade, insônia e outros, não são suficientes para justificar um diagnóstico. Além disso, os sintomas devem estar causando sofrimento ou comprometimento clinicamente significativos; 4º) antes de tomar qualquer decisão diagnóstica, o profissional deve se perguntar - "esse diagnóstico tem maior potencial para ajudar ou para prejudicar [o paciente]?" (p. 9); 5º) não esqueça que "as impressões diagnósticas são hipóteses que merecem ser testadas, e não cortinas que podem encobrir novas informações ou o quadro geral" (p. 10), assim, o diagnóstico psiquiátrico não deve ser definitivo; 6º) sempre documente seu raciocínio a fim de retornar a ele para buscar responder possíveis lacunas, quando necessário; 7º) e por fim, lembre-se constantemente da importância do que está fazendo.

 

Considerações Finais

O DSM-5 suscitou inúmeras polêmicas devido a muitas modificações nos critérios diagnósticos. Essas alterações parecem resquícios de uma época na qual os seres humanos buscavam continuamente quantificar e controlar os sofrimentos psíquicos. Assim, também se mostra como reflexo do espírito do tempo atual, em que se torna imperativo a ausência de sofrimento e o gozo constante da felicidade. Ao ver de Roudinesco (2000), estaríamos imersos em uma sociedade seduzida pela padronização de comportamentos e de crenças voltadas para a normatização de atitudes diante dos pretensos padrões de normalidade que permitiria a extinção prática das singularidades clínicas e o estabelecimento conveniente de uma padronização que favorece, sobretudo "o campo da medicina, o âmbito dos planos de saúde e da indústria farmacêutica, entre outros espaços" (MARTINHAGO; CAPONI, 2019, p. 9).

Portanto, nossa investigação oferece elementos para que possamos refletir, buscando fazer uma leitura da sociedade e da realidade a qual estamos inseridos. Assim, como aponta Ferreira (2014), para além de questionar acerca dos sentidos que o consumo de diagnósticos tem para pessoas das mais diversas idades, desde crianças, supostamente, com seus "déficits de atenção", a adultos com suas "depressões", cabe indagar o significado desse modelo de subjetividade em uma sociedade que não admite mais que o sofrimento seja parte integrante da vida e que busca uma padronização de comportamentos humanos que resultem em uma estabilidade da vida entendida por muitos como a cura da realidade.

A linguagem e critérios diagnósticos propostos pelo DSM - aquilo que era um conjunto de saberes, códigos e nomenclaturas técnicos, muito atrelados ao campo específico dos profissionais da saúde mental - começou a ser apreendido como uma possibilidade de demarcar amplamente o sofrimento psíquico e a conduta dissidente em diversas outras esferas da vida.

Acreditamos, em consonância com Dunker e Kyrillos Neto (2011, p. 14), que "a psiquiatria ao se afastar da psicopatologia, reconhecendo nela um território demasiadamente ambíguo do sofrimento, do mal-estar e da significação, com sua polifonia de vozes e narrativas, aproxima-se perigosamente de uma prática mecânica de medicalização de massas". De modo que, "sua aspiração à universalidade decai em 'totalidade operacional', bem como sua capacidade para intervir na singularidade da clínica degrada-se em 'generalidade particular'" (p. 14).

Por esse viés, não é errôneo afirmar que o sofrimento humano no contemporâneo se tornou fortemente marcado pelo status de doença mental, um desvio do padrão social que atribuiu exclusivamente ao saber médico a responsabilidade pela busca para a solução desses desviantes. Nesse sentido, o avanço do uso acrítico de medicamentos ampliou a descrição e a nomenclatura dos diagnósticos e, consequentemente, expandiu a indústria farmacêutica que se tornou a nova detentora do poder controlador do sofrimento psíquico da população, do mal-estar da sociedade e da veiculação midiática que contribui reforçando a promessa da anulação de faculdades propriamente humanas, como o sofrimento, a tristeza e a angústia.

Dessa forma, o espaço de subjetividade torna-se uma mera tradução de suportes técnicos do cotidiano que na atualidade são expressos pela excessiva classificação diagnóstica, ou seja, nomeação em série do sofrimento psíquico, pelo uso abusivo de psicofármacos e por uma grande necessidade de neutralizar as narrativas do sujeito. É nesse cenário que se verifica o surgimento dos Transtornos de Humor em suas formas variadas como verdadeiro identificador do mal-estar contemporâneo.

É certo que refletir sobre o discurso dos Transtornos de Humor na contemporaneidade se mostra um desafio, uma vez que a necessidade de respostas rápidas, que marca o pensamento contemporâneo, incita, muitas vezes, a uma objetividade que não necessariamente contempla o caráter subjetivo da pesquisa no campo da saúde mental. Nesse sentido, nossa investigação não fornece respostas prontas, mas oferece elementos para que possamos refletir, buscando fazer uma leitura da sociedade e da realidade a qual estamos inseridos.

Portanto, como aponta Ferreira (2014), para além de questionar acerca dos sentidos que o consumo de psicofármacos tem no mundo atual, cabe indagar o significado desse discurso da subjetividade em uma sociedade que não admite mais as alterações de humor como partes constituintes do ser humano e que busca, na padronização de comportamentos humanos, a estabilidade da vida entendida por muitos como a cura da realidade. É nessa perspectiva que verificamos a necessidade técnica e ética de se recorrer às balizas da clínica psicanalítica, como uma via que torna possível a articulação da subjetividade com a singularidade.

 

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1 Pensar o DSM como um manual ateórico consiste em afirmar que seu sistema de classificação é baseado em critérios diagnósticos estabelecidos no estudo da distribuição estatística e desvinculados de uma teoria psicopatológica. Essa ideia de ateoria é retomada pelos pesquisadores do DSM no intuito de solucionar o problema da validade dos diagnósticos psicopatológicos por intermédio da confiabilidade expressa no índice de concordância diagnóstica nas diferentes teorias psicopatológicas. Dessa forma, tem-se "categorias confiáveis, provisórias e operacionais, ateóricas e sem impasses em relação à etiologia, o que o [DSM] deixa imune a qualquer equívoco terminológico no campo da psicopatologia. O seu critério está fundamentado na 'descrição formal do plano empírico dos fatos clínicos'" (DUNKER, 2014, p. 102).
2 As pessoas de temperamento forte geralmente são aquelas que possuem uma personalidade pautada em comportamentos intensos (muito disciplinada, muito impaciente, facilmente irritável, entre outros), muitas vezes, são vistas como insensíveis, arrogantes e mal-humoradas, o que termina por dificultar o convívio com outras pessoas.
3 Neste texto, estamos chamando de revolução científica às mudanças significativas na estrutura do pensamento que, em uma determinada época, repercutiram no plano científico da sociedade.

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