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Pensando familias

versão impressa ISSN 1679-494X

Pensando fam. vol.17 no.1 Porto Alegre jul. 2013

 

ARTIGOS

 

Práticas sociais e significados do envelhecimento para mulheres idosas

 

Social practices and meanings of aging for elderly women

 

 

Alice Einloft Brunnet1; Bruna de Andrades1; Caroline dos Santos de Souza1; João Luís Almeida Weber1; Liza Martinato1; Thiago Loreto1; Adolfo Pizzinato1

Faculdade de Psicologia, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Programa de Educação Tutorial em Psicologia
Secretaria de Educação Superior/Ministério da Educação

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O envelhecimento populacional vem aumentando no Brasil nos últimos anos. Com vistas a tal fenômeno, objetivou-se compreender o significado da velhice e das mudanças decorrentes do envelhecer em mulheres. Foram entrevistadas oito idosas entre 60 e 70 anos, residentes em Porto Alegre e participantes de um programa de atenção educativa à velhice em uma universidade da mesma capital. Entrevistas abertas, de caráter narrativo, foram feitas com a intenção das participantes relatarem suas experiências. Para a análise dos dados o método utilizado foi a Análise Compreensiva de Base Fenomenológica. Os discursos confirmam a luta das idosas para modificar sua imagem de sujeitas passivas ou senis. Constantemente atarefadas, com atividades de lazer ou rotineiras, vão contra o conceito de aposentadoria contemplativa. A socialização e a preocupação com o corpo continuam existindo, mesmo com o aumento da idade. Tais preocupações associam-se ao conceito de qualidade de vida, garantindo prevenção dos problemas de saúde mental.

Palavras-chave: Idosa, Envelhecimento, Socialização.


ABSTRACT

Currently Brazil has expanded its aging population. Toward this phenomenon we aimed to understand the meaning of old age, and the changes resulting from aging, in women. Were interviewed eight elderly women between 60 and 70 years, living in Porto Alegre and participants of an educational program about old age in a university in the same capital. Open interviews, of narrative character, were made with the intention to let the participants report their experiences. The method used for the data analysis was comprehensive analysis in a phenomenological base. The speeches confirm the struggle of the women to change their image of senile or passive person. Constantly busy with leisure activities or routine, they go against the concept of contemplative retirement. Socialization and concern with the body still exist, even with increasing age. Such concerns are associated with life quality, ensuring prevention of mental health problems.

Keywords: Elderly, Aging, Socialization.


 

 

Introdução

O envelhecimento populacional é hoje um fenômeno característico principalmente dos países desenvolvidos e em grande parte dos países em desenvolvimento (Tavares et al., 2011). No Brasil, o panorama não é muito diferente: segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) a expectativa de vida do brasileiro, que em 1960 era de 55,8, passou a ser de 73,5 anos em 2009. Comparando a população de idosos com a população total, foi observado, segundo o IBGE, que no Brasil houve um significativo aumento na proporção de idosos em comparação a outros países da América Latina (Moura & Souza, 2012). Este novo cenário populacional traz questionamentos não só sobre os conceitos de envelhecimento e aposentadoria, mas também para a forma de lidar com eles.

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), o Brasil até o ano de 2025 será o sexto país do mundo em número de idosos (OMS, 2005). A nossa Política Nacional de Saúde para a Pessoa Idosa estabelece e regulamenta a atenção à saúde pelo Sistema Único de Saúde (SUS) às pessoas com 60 anos ou mais (Brasil, 2006), e o Estatuto do Idoso (2006) regulamenta os direitos assegurados a essa população. Apesar disso, ainda é recente a preocupação com o tema. Dias Junior, Costa e Lacerda (2006), ao examinarem vinte anos de publicações da Revista Brasileira de Estudos de População, constataram haver apenas oito publicações que apresentavam como tema principal o envelhecimento e suas consequências.

Conforme a definição da OMS (2005) considera-se que são “pessoas mais velhas” aquelas com 60 anos ou mais. Reconhece, porém, que tal definição de idade cronológica na tentativa de definir a fase conhecida como velhice não pretende ser, como não é, um marcador que acompanha o envelhecimento, tornando-se necessário considerar aspectos socioeconômicos e culturais ao se pensar no envelhecimento de pessoas e populações, especialmente ao se desenvolver políticas sociais voltadas ao idoso, população esta que tem crescido muito rapidamente, mais que qualquer outra faixa etária, em todo mundo (OMS, 2005).

Redefinindo um papel mais ativo visando ao bem-estar das pessoas na terceira idade, uma preocupação iminente se refere à saúde desta população. A Unidade de Envelhecimento e Curso de Vida da Organização Mundial de Saúde, em contribuição à Segunda Assembleia Mundial das Nações Unidas sobre Envelhecimento, desenvolveu um Projeto de Políticas Públicas que visa a orientar as discussões e formulações de ações que possam promover o envelhecimento ativo e saudável, definindo um envelhecimento ativo não apenas como a capacidade de se estar fisicamente ativo, como força de trabalho, mas a uma participação contínua em questões sociais, econômicas e culturais (OMS, 2005). Desse modo, manter a autonomia e independência dos indivíduos durante o processo de envelhecimento torna-se a principal meta, ao possibilitar que as pessoas na terceira idade controlem sua vida, tomando suas próprias decisões, recorrendo a regras e normas próprias, podendo executar suas funções diárias sem a ajuda de terceiros. É essa habilidade de se manter autônomo e independente que mais fortemente determina a qualidade de vida nesta fase (OMS, 2005).

A velhice ainda é caracterizada socialmente por uma etapa da vida marcada por decadência física, perda de papéis sociais e com a associação de outras imagens culturalmente negativas, como o comprometimento cognitivo, o deterioramento emocional e o empobrecimento econômico. Esta visão acerca do idoso predominou por boa parte do século XX e, por mais que tenha sido ressignificada, deixa resquícios até hoje (Debert, 2004). Na nossa sociedade, há uma valorização da juventude, sendo esta considerada “produtiva”, na qual a velhice é uma fase da vida vista como inútil e dependente (Leite, Cappelari, & Sonego, 2002).

Esta visão dos idosos provém principalmente da aposentadoria, que antigamente era um marcador social de velhice, descanso e falta de “produtividade”. Atualmente, no entanto, a concepção de que a aposentadoria vem para o descanso e a calmaria tem se esvaído cada vez mais (Silva, 2008). Afinal, uma pessoa em um país em desenvolvimento é considerada na terceira idade aos 60 anos, supondo que esta viva até os 80 anos, seriam 20 anos de puro descanso?

Estes conceitos denotam as mudanças de concepção pelas quais a velhice passou, atingindo atualmente uma concepção que valoriza mais os potenciais sociais. O idoso que, antigamente, passava seus dias em casa, hoje tem sua ocupação social maior, incluindo vínculos afetivos (Doimo, Derntl & Lago, 2008). Segundo Carmona e Melo (2000), a conquista e manutenção de redes de apoio gera melhorias à qualidade de vida e saúde mental do idoso. No espaço conquistado socialmente, este pode exercer seu papel de cidadão e colocar em prática suas potencialidades, aumentando sua autoestima, motivação pessoal e as possibilidades de aumentar sua rede social (Araújo, 2004).

Em geral, qualidade de vida na terceira idade tem sido tratada como um aspecto de características multidimensionais e subjetivas, uma vez que está muito mais ligada à autoestima e ao bem-estar pessoal e social. Nesta fase do desenvolvimento, as pessoas tendem a definir as relações interpessoais e o equilíbrio emocional associados a uma boa saúde e independência como felicidade e satisfação com a vida (Vecchia et al., 2005; Joia, Ruiz, & Donalisio, 2007), mas a escolaridade também passa a ser entendida como um fator de proteção à saúde e ao bem-estar, uma vez que baixos níveis de escolaridade estão mais associados a comportamentos prejudiciais à saúde do idoso, como sedentarismo e hábitos alimentares (Lima-Costa et al., 2003).

Os idosos que têm a possibilidade de participar de programas educacionais junto às instituições abrem mais possibilidade de convívio com outras pessoas, realizando estudos e debates e estimulando a cognição, entre outras tarefas. Os grupos de convivência proporcionam trocas de informações e conhecimentos, que por sua vez aumentam as relações interpessoais e o diálogo (Leite, Cappelari, & Sonego, 2002).

Para Catusso (2005), a família, muitas vezes, pode ser um fator negativo para a socialização do idoso, quando esta é demasiadamente protetiva e não incentiva a autonomia do mesmo. É importante que ele conviva com outros indivíduos, de modo que não perca a motivação para a vida e fique aguardando seu fim (Leite, Cappelari, & Sonego, 2002). Assim como o convívio com outras pessoas é saudável, o contato com animais de estimação também pode proporcionar ao sujeito idoso muitas experiências benéficas (Vaccari & Almeida, 2007). Entre elas podem ser citadas o alívio de situações de tensão, companhia constante, afetividade incondicional, segurança, contato físico, disponibilidade ininterrupta de afeto.

Outro ponto chave para o entendimento dos novos espaços ocupados pela velhice na sociedade contemporânea é como se incrementam, nessa faixa etária, as conquistas das mulheres em relação ao espaço e ao reconhecimento social. Assim, muitas mulheres idosas acabam percebendo que nessa fase da vida há um ganho importante de potencialidades, gerando, entre outras consequências, um aumento da autoestima das mulheres idosas. Figueiredo e colaboradores (2007) defendem que através desses argumentos é possível compreender a discrepância existente entre a autoestima de homens e mulheres na terceira idade. A influência do gênero altera a saúde e a qualidade de vida nessa etapa do desenvolvimento, e isso pode ser explicado por um contexto histórico vivenciado especialmente pelas mulheres ao decorrer dos anos. Como exemplo, podemos citar a obra de Pitkin, que em 1936 afirmava que a mulher aos cinquenta anos já não teria mais nenhum papel social, pois seus filhos já estariam independentes.

Para Jardim, Medeiros e Brito (2006), é necessário que se conheça a experiência e as necessidades da vida do idoso através de seu próprio discurso, pois o estigma social legado ao idoso tende a ser uma construção social a partir do olhar do outro sobre a pessoa no processo de envelhecimento. Levando em conta estes argumentos, o presente estudo tem como objetivo geral conhecer algumas das possibilidades que a mulher idosa contemporânea tem, especialmente no modo de se relacionar socialmente. Além disso, pretende-se identificar no discurso das mesmas, elementos que caracterizem o papel dos grupos sociais em seu cotidiano, bem como compreender a ressignificação do papel da mulher, analisar como as participantes percebem e lidam com as mudanças decorrentes da velhice, identificar a visão que as entrevistadas têm de suas próprias vivências e analisar como se configura o campo de relações dessas pessoas e como isso interfere na visão que elas têm de si e do processo de envelhecimento.

 

Método

A presente pesquisa é de natureza qualitativa e deriva de entrevistas com oito idosas de Porto Alegre (RS). Os dados foram analisados com base na Análise Compreensiva de Base Fenomenológica (Bernardes, 1991). Este método foi escolhido para que se pudessem observar os significados subjetivos das vivências das entrevistadas em seus discursos.

Para Pizzinato (2008), as histórias contadas por uma pessoa, ao narrar suas experiências vividas, são transformadas em narrativa, possibilitando a compreensão subjetiva do sujeito, ao passo que a linguagem é a expressão da identidade, que por sua vez se constitui das vivências experienciadas no mundo ao longo da vida, sendo, portanto, a identidade uma junção das relações do indivíduo com o mundo que o rodeia, com as expressões culturais do meio social que o circunda. Dessa forma, a cultura, com suas representações que dão sentido e significado às ações e papéis cotidianos vividos e revividos também pela pessoa idosa, a representa, a identifica, havendo a possibilidade de buscar novas representações e significados para sua existência quando por meio de suas narrativas, seu discurso, revela-se o sentido de si mesmo, atrelado às práticas sociais vigentes. O perceber a si mesmo pode ou não estar em acordo como o outro o percebe, mas este perceber do outro também influencia a percepção de si mesmo.

As participantes possuíam ensino médio completo e tinham idade entre 60 e 70 anos. A amostragem foi intencional, dentre um grupo semanal de aulas de informática para a terceira idade, realizado na Pontifícia Universidade do Rio Grande do Sul. As idosas entrevistadas responderam a questões de caráter sócio-demográfico e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, que informava o caráter da pesquisa e o tipo de contribuição desejada. A entrevista possuía perguntas gerais que foram elaboradas com intenção de deixar as participantes relatarem a sua experiência com relação a determinados assuntos, entre eles as atividades diárias, relações interpessoais, etc. Para a análise das entrevistas foram elaboradas seis categorias: relações, atividade, envelhecer, autonomia, autoimagem e autocuidado. Os nomes utilizados no presente artigo são fictícios.

 

Resultados e Discussão

Segundo Silva (2008), na contemporaneidade pode-se identificar o surgimento de novos costumes e comportamentos que trazem mudanças à imagem associada aos idosos, esta contribuição evidencia o surgimento de novos grupos compostos por eles e suas possibilidades de participarem de contextos distintos, causando uma nova maneira de serem vistos. Para o presente estudo criaram-se categorias com base nas entrevistas realizadas e, a partir das categorias estruturadas, foi possível perceber uma inter-relação entre as mesmas, por serem co-dependentes ou por serem necessárias para outras emergirem.

As categorias principais para analisar e correlacionar os dados obtidos são: (1) Relações, englobando as subcategorias: Família, Amizade, Animais e Outros; (2) Atividades; (3) Envelhecer; (4) Autonomia; (5) Autoimagem, que tem como subcategoria Imagem de Mulher; e, (6) Autocuidado. Vale ressaltar que os relatos foram enquadrados dentro de cada uma das categorias de modo compatível com o relato original das entrevistadas.

A categoria das “Relações” englobou questões referentes aos relacionamentos que as idosas possuem com outras pessoas. Apareceram no relato das mesmas questões referentes ao cultivo da prática da amizade – podendo ser com amigos, vizinhos, etc. –, companheirismo e familiaridade. Para Leite, Cappellari e Sonego (2002), a integração e convivência social dos idosos acontece na inserção dos mesmos em grupos.

Sobre a categoria “Relações – Família” foi constatada que a maioria das entrevistadas são viúvas. Somente uma delas nunca casou e não tem filhos. Desta forma, as relações familiares mais relatadas foram com filhos e netos. De acordo com Hintz (2001), a família vem se modificando de uma estrutura de hierarquia para uma estrutura de igualdade, o que possibilita que haja maior diálogo e demonstrações de afeto entre as gerações.

“Como eu digo pra minha filha: 'Minha filha, tu conversa com teu filho e conversa com ele, conversa com teu filho e o seguinte: ouça tudo que ele tem que dizer'”. (Silvia, 70 anos)

Já na categoria “Relações – Amizade”, todas relataram amizades, contaram que participam de grupos, tais como Igreja, aulas e cursos.

“Mas 15 dias atrás eu fui. Ah vou, é só me sentir bem e as gurias já começam a perguntar: 'Vamos? Ô, Silvia!'. Quando eu to boa eu vou. Aí elas vão comigo. Eu que levo. Eu aproveito.” (Silvia, 70 anos)

Perguntadas sobre animais na categoria “Relações – Animais”, duas entrevistadas relataram possuir animais de estimação. Uma delas conta que seus animais são seus companheiros.

“... meus bichinhos, tenho três gatos, uma cachorrinha... é... eu vivo em função deles.” (Laura, 61 anos)

O vínculo com o animal de estimação traz muitas vantagens para o idoso como o alívio em situações de tensão, disponibilidade ininterrupta de afeto, contato físico e proteção, como respondeu uma das senhoras.

Na categoria “Relações – Outros” apareceram discursos sobre novos relacionamentos de forma dividida, duas entrevistadas disseram querer um novo companheiro e outras duas disseram que não querem um novo relacionamento amoroso.

“... se não é pra ter uma pessoa fixa permanente é melhor não ter. Então daí eu não me envolvo com o masculino nesse sentido de carinho.” (Maria, 65 anos)

Em “Atividades” foram consideradas as ações que envolvem algum gasto de energia física, como esportes e artesanato. Engloba todas as práticas que as idosas realizam em seu cotidiano.

“... faço curso, quando tem assim, eu faço curso de tapeçaria, tem o curso de artesanato...” (Silvia, 70 anos)

As idosas entrevistadas relataram que participaram, ou participam ativamente de atividades e eventos. A maioria delas tem aulas de informática, dança, pratica atividades físicas (musculação, caminhada, natação e vôlei) e realiza viagens.

Participação na igreja e hidroginástica foi referida, assim como bailes, palavras cruzadas, curso de tapeçaria, artesanato, coral, chá, cinema, teatro e desfiles de moda, mostrando-se engajadas e interessadas na participação. Portanto, as “Atividades” que envolvem esportes e práticas relacionadas à interação em grupos com outras pessoas da mesma faixa etária foram referidas como as mais praticadas pelas entrevistadas.

O “Envelhecer” foi considerado a partir das falas em que as entrevistadas se colocavam como impossibilitadas de exercer alguma atividade mediante o envelhecimento do corpo e/ou da mente, que envolvem modos de vestir e ser; o que eram costumes delas, mas deixaram de ser considerados adequados para sua faixa etária. Em relação a este tema, constatamos que práticas físicas e esportivas foram prejudicadas devido aos problemas de saúde relativos à idade. (Silvia, 70 anos e Iara 64 anos)

“...eu já pra caminhar já me canso um pouco mais né...esse problema da musculação que eu te falei, as articulação né assim, a gente se abaixa e já não obedece tanto né?”. (Laura, 61 anos)

A independência de alguém para designar atividades que elas desempenham foi contemplada na categoria “Autonomia”. Ou seja, foram considerados dessa categoria os relatos que explicitavam atividades e afazeres que as idosas realizavam sozinhas ou em um grupo, quando não dependiam de ninguém para auxiliá-las.

“...eu me envolvo muito com o meu trabalho, eu me jogo de corpo e alma...”. (Maria, 65 anos)

No critério de “Autonomia”, as respostas das entrevistadas variaram muito. Houve mais pontos divergentes do que relatos de semelhança. Entretanto, em todos os casos dessa pesquisa, as idosas relataram sair de casa e aparentam possuir uma vida bem ativa e independente, comunicando-se com outras pessoas, viajando com amigos (Geroní, 75 anos) etc.

Em relação à “Autoimagem”, foram consideradas as respostas que apresentaram conteúdos referentes ao modo como as entrevistadas se percebem, se vêem, se arrumam etc. Esta foi a categoria com maior homogeneidade nas respostas das entrevistadas. O relato mais presente entre esse público foi a vaidade. Dentre as cinco idosas entrevistadas, três afirmaram que se consideram vaidosas. Algumas apresentaram em seu relato a preocupação de estar adequadas com as roupas que utilizam. Duas delas (Silvia, 70 anos e Iara, 64 anos) relataram que estão acima do peso e apontaram esse fato como sendo um incômodo.

“É assim, eu sou discreta. Gosto de coisa combinando né, mas com discrição”. (Laura, 61 anos)

A categoria “Autocuidado” é referente a todas as práticas realizadas para se cuidar e se arrumar. Duas das idosas referiram que utilizam os serviços dos Postos de Saúde para cuidados com a saúde (Maria, 65 anos e Laura, 61 anos). Essa categoria possui a subcategoria “Imagem de Mulher”, que por sua vez, refere-se a como as idosas acreditam que as mulheres devem ser, devem se portar, etc. Os conteúdos mais citados incluem o uso de cremes e batons.

“Ah, uso também creme, uso sempre creme depois do banho (risos).” (Geroní, 75 anos)

A principal vantagem de fazer parte de grupos de convívio é, segundo as entrevistadas, a oportunidade de fazer novas amizades. De acordo com os relatos, muitas vezes as antigas amizades não existem mais, como descreve uma das participantes:

“Assim, de infância mesmo, eu acho que não tenho mais amigos, tenho assim da época de colégio, do ginásio, do normal, da faculdade, daí a gente se encontra de vez em quando... mas, amigo mesmo, agora mais esse pessoal do grupo de dança que eu tô já há 10, 12, 14 anos, e também agora do coral...”

As interações sociais são, em sua maioria, com pessoas da mesma geração. Além disso, pode-se pensar que muitas pessoas idosas buscam apoio entre si para superar o processo de crise que enfrentam na transição para a terceira idade. Neste processo há a procura pela identificação de outros semelhantes a eles, como é o caso de uma das participantes quando questionada sobre o grupo de amigos com quem sai de vez em quando:

“Tem uma prima que é solteira como eu, né. Eu casei mais tarde. E ela vive sozinha assim como eu, né. Ela mora num apartamento também. E... quando a pessoa é casada os horários não combinam e tal. E tem uma amiga minha que é solteira e tem a mãe dela, então a gente tá sempre junto, viaja junto e tudo.”

Outro ponto positivo destas relações sociais é a autonomia que as idosas passam a ter, pois passam a frequentar jantares, eventos, viagens etc. sem necessitarem da ajuda de algum familiar ou cuidador. O que ficou evidente nos relatos foi um aumento na autoestima das idosas, pois as amizades e a autonomia apontam para um sentimento de utilidade e atividade nas mesmas ao mesmo tempo em que a convivência em grupo faz com que elas se importem mais com os cuidados pessoais, como podemos ver na fala de uma das entrevistadas:

“... Sou muito vaidosa, vivo cuidando da minha aparência, mesmo porque a gente tá no meio das pessoas, a gente tem que levar o melhor para as pessoas, principalmente na igreja onde eu trabalho... e mostrar para eles que não é porque a gente é pobre que não pode se gostar...”

Com relação às redes de apoio, ou seja, aquelas pessoas com as quais as idosas podem contar quando tiverem problemas, elas demonstraram uma maior preferência pelos amigos ao invés de familiares, “é sempre mais um amigo do que um familiar, né, que a gente conversa”, relata uma das idosas. As participantes não relataram nenhuma desvantagem em relação aos grupos de socialização, no entanto, falaram a respeito de algumas situações que as impedem de participar de tais atividades. Entre elas, estão os problemas de saúde como, por exemplo, os problemas no joelho que fizeram uma das idosas não poder mais realizar exercícios e a falta de segurança nas ruas, fazendo com que elas temam sair de casa sozinhas.

Antigamente, o papel social da mulher era considerado acabado após a saída dos filhos de casa (Pitnik,1936). Atualmente, entretanto, está surgindo um modelo flexível que estimula a formação de novos vínculos afetivos tanto em mulheres quanto em homens idosos, além de um estímulo à atividade (Silva, 2008). Na presente pesquisa, isso ficou evidente na constante busca das participantes por novos grupos, exercícios físicos e amizades.

As relações com pessoas da mesma idade, que foram encontradas em nossa pesquisa de forma positiva, são explicadas por Garcia e Leonel (2007), os quais relatam que muitos idosos se reúnem para facilitar a transação do processo de crise que enfrentam no trânsito para a velhice. Os sujeitos que não querem, não podem ou não conseguem tal autonomia são vistos como dependentes e fracos e sua imagem de saúde, atividade e vitalidade não seriam apropriadas (Silva, 2008).

A família foi citada também como um suporte afetivo para troca de confidências e, em alguns casos, para sair. Segundo Caldas (2003), a família ainda é o principal sistema de suporte do idoso, pois fica claro que ao adoecer, a família está quase que exclusivamente sob a responsabilidade de cuidadora.

Pode-se perceber que ainda existe uma demonstração de maternidade em algumas das entrevistadas, porém agora esta é exercida com os netos e sobrinhos. No entanto foi trazido que as viúvas e solteiras não possuem contato sexual com homens e apenas uma das entrevistadas frequenta bailes de terceira idade.

 

Considerações finais

O presente estudo mostrou que as potencialidades do papel social da mulher idosa têm se tornado cada vez mais maleáveis, considerando que as entrevistadas não condizem inteiramente com o perfil de idosas “tradicional”, uma vez que desenvolveram trajetórias marcadas pela potencialização e empoderamento de suas ações sociais. A amostra não permite a generalização dos achados, como é praxe nos estudos qualitativos, porém ficou evidente que as mulheres idosas encontram motivação para atividades que lhes proporcionam bem-estar, e apesar de em algumas situações as dificuldades físicas se manifestarem, elas procuram a possível solução para o problema e encontram novas formas de se relacionar. O estudo é limitado às idosas de classe média que, por estarem ativamente integradas em mais de uma atividade social, possuem um estilo de socialização e de vida familiar mais ativo e implicado nas novas potencialidades do ser idoso no Brasil. Recomenda-se para estudos futuros que sejam feitas entrevistas com participantes de diferentes contextos sociais e econômicos, para verificar se o fenômeno encontrado não ocorre apenas em determinado segmento.

 

Referências

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Endereço para correspondência
João Luís Almeida Weber
E-mail: jlweber27@gmail.com

Recebido em: 13/01/2013
Revisado em: 29/04/2013
Aceito em: 30/05/2013

 

1 Faculdade de Psicologia, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Programa de Educação Tutorial em Psicologia, Secretaria de Educação Superior/Ministério da Educação.