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Pensando familias

versão impressa ISSN 1679-494X

Pensando fam. vol.19 no.1 Porto Alegre jun. 2015

 

ARTIGOS

 

Tradução para a língua portuguesa do Brasil e adaptação semântico-cultural do Questionário de Avaliação das Relações Familiares Básicas1

 

Translation into Brazilian Portuguese and semantic cultural adaptation of basic family relationships

 

 

Magda Pozzobon2, I ; Juan Luis Linares3, II ; Irani Iracema de Lima Argimon4, III ; Olga Garcia Falceto5, IV ; Angela Helena Marin6, I

I Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, Programa de Pós-graduação em Psicologia, São Leopoldo, Brasil
II Universidade Autônoma de Barcelona, Serviço de Psiquiatria do Hospital de Santa Cruz e San Pablo, Barcelona, Espanha
III Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Faculdade de Psicologia, Departamento de Psicologia Clínica, Porto Alegre, Brasil
IV Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Faculdade de Medicina, Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal, Porto Alegre, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo deste estudo foi traduzir para a língua portuguesa do Brasil e realizar a adaptação semântico-cultural do Cuestionario de Evaluación de las Relaciones Familiares Básicas (CERFB), que avalia aspectos cognitivos, emocionais e pragmáticos da conjugalidade e da parentalidade. Contou-se com tradutores fluentes em português e espanhol, especialistas na abordagem sistêmica. A revisão final foi realizada por um comitê de profissionais bilíngues da área da saúde e o autor do CERFB. Para a adaptação semântico-cultural foi realizado um pré-teste com 30 casais que realizavam psicoterapia familiar em Porto Alegre/Brasil. Constatou-se que o conteúdo era inteligível, de fácil compreensão e resposta, e o tempo de aplicação adequado. A investigação sugere a necessidade de ajustar pequenas diferenças semânticas e linguísticas e realizar a validação do instrumento.

Palavras-chave: Parentalidade, Conjugalidade, Relações familiares, Tradução de instrumento, Adaptação semântico-cultural.


ABSTRACT

This study aims to translate into Brazilian portuguese and to perform a semantic and cultural adaptation of the "Basic Family Relationship Questionnaire" (CERFB), which assesses cognitive, emotional and pragmatic aspects of conjugality and parenting. For the translation, we had translators fluent in Portuguese and Spanish and experts in systems theory. The final revision was made by an expert Committee of judges, composed of bilingual health professionals and the author of the original instrument. For semantic and cultural adaptation, a pre-test was conducted in a sample of 30 couples who were undergoing a psychotherapeutic process in family therapy, in the city of Porto Alegre/Brazil. The instrument revealed intelligible content, was easy to understand and answer, and had a suitable time of application. This research suggests the need of working semantic and linguistic differences in a more significant sample as well as to validate the instrument.

Keywords: Parenting, Conjugality, Family relationships, Instrument translation, Semantic and cultural adaptation.


 

 

Introdução

A terapia familiar fundamentada no modelo sistêmico considera que os membros da família interagem de maneira interdependente, sendo que a complexidade das experiências diárias, confrontos e conflitos tendem a levar a desequilíbrios devido à causalidade circular do sistema. Diversos são os conflitos que podem ocorrer durante o ciclo vital das famílias, desde o início da formação do subsistema conjugal, no qual é preciso conciliar estilos, expectativas e valores culturais, herdados das famílias de origem, até o nascimento do primeiro filho, que requer uma reorganização para o estabelecimento de novas regras, tarefas e funções (Minuchin & Fishman, 2003).

No momento da chegada dos filhos, o relacionamento conjugal tem sido apontado como um importante fator de influência sobre a qualidade dos relacionamentos familiares (Dessen & Braz, 2005). Inclusive, a presença de conflitos entre os cônjuges podem levar a prejuízos no desenvolvimento da prole (Leidy, Parke, Cladis, Coltrane, & Duffyet, 2009; Stocker, Richmond, Low, Alexander, & Elias, 2003).

As atitudes dos pais na resolução desses conflitos e crises dão origem a diferentes estilos parentais, entendidos como o clima emocional que facilita a socialização das crianças, considerando a influência de crenças e valores expressos por meio de atitudes parentais que visam à qualidade e eficiência na interação entre pais e filhos, dando origem às práticas e estratégias educativas que visam promover comportamentos desejados ou modificar aqueles considerados indesejados (Baumrind, 1996; Darling & Steinberg, 1993). Tais estilos, quando pautados em regras rígidas, controle e uso de sanções, podem influenciar o desenvolvimento e manutenção de diversos transtornos psíquicos em crianças, como, por exemplo, transtornos do humor, comportamentos desadaptativos e transtornos alimentares (Eisler, 2005; Ma, 2005). Além disso, a falta de apoio ou limites claros também pode predispor ao uso de substâncias psicoativas (Bahr, Hofmann, & Yang, 2005). Dessa forma, faz-se importante avaliar o grau de harmonia e desarmonia da conjugalidade e da parentalidade para a manutenção da saúde global do sistema familiar.

Como visto, a qualidade do relacionamento conjugal tem sido apontada como uma importante influência para o desempenho adequado da parentalidade e estudos têm apontado uma correlação positiva entre a satisfação conjugal e a coparentalidade harmoniosa (Wagner, Predebon, Mosmann, & Verza, 2005). A coparentalidade se refere à forma e extensão com que o pai e a mãe dividem a liderança e se apoiam nos seus papéis parentais (McHale, 1995). Estudos apontam que a qualidade coparental pode afetar de forma mais significativa o desenvolvimento dos filhos (Scrimgeour, Blandon, Stifter, & Buss, 2013) do que a qualidade conjugal ou parental isoladamente (Feinberg, Kan, & Hetherington, 2007; Schmidt, 2008). O subsistema coparental pode ser ativado na presença ou ausência de um dos pais e ser reforçado com comentários adequados, ou ser prejudicial através de alianças ou comentários impróprios sobre o cônjuge, podendo levar, inclusive, à alienação parental (Lamela, Nunes-Costa, & Figueiredo, 2010).

O estudo das dimensões conjugalidade e parentalidade tem sido considerado essencial para a compreensão do funcionamento familiar (Magalhães & Féres-Carneiro, 2011), enfatizando a importância da prática da parentalidade tanto do pai quanto da mãe, visando o saudável desenvolvimento dos filhos (Borsa & Nunes, 2011; Jager & Bottoli, 2011). Neste mesmo sentido, Linares (1996, 2002, 2006a, 2006b, 2007, 2008) acredita que as dimensões conjugalidade e parentalidade são interdependentes e se influenciam mutuamente e, na Teoria das Relações Familiares Básicas, desenvolvida sob uma ótica sistêmica, define a conjugalidade (maneira como os pais interatuam enquanto casal) e a parentalidade (modo como os pais se relacionam com seus filhos) como as dimensões responsáveis pelo clima relacional familiar.

De acordo com a Teoria das Relações Familiares Básicas, a conjugalidade pressupõe pelo menos três aspectos de intercâmbio entre os cônjuges: elementos cognitivos (reconhecimento e valorização); emocionais (carinho e ternura); e pragmáticos (expressões da sexualidade e do desejo). Já a parentalidade é um investimento do casal na prole e está impregnada dos mesmos elementos cognitivos e emocionais, sem envolver a sexualidade e o desejo, mas o interesse nos cuidados e sociabilização dos filhos, devendo manter-se viva, mesmo quando o casal conjugal se desfaz. Quando isto acontece, a conjugalidade não se extingue, mas se transforma em pós-conjugalidade, que consiste no modo como os ex-cônjuges interatuam para exercer suas funções parentais (Linares, 1996, 2002, 2006a, 2006b, 2007, 2008). Em função disso, torna-se importante a distinção da experiência da parentalidade e da conjugalidade (Brito, 2014) e a consciência de que as responsabilidades de cada um para com os filhos devem manter-se mesmo após uma possível dissolução da conjugalidade (Cúnico, Arpini, & Cantele, 2013).

Segundo Linares (1996, 2002, 2006a, 2006b, 2007, 2008), a conjugalidade (ou a pós-conjugalidade) se movimenta entre a harmonia e a desarmonia, enquanto a parentalidade se move entre a preservação e a deterioração. Na interação entre estas quatro dimensões se constitui o modo como a família se relaciona e deste dependerá a saúde mental dos filhos.

 

 

Figura 1. Conjugalidade e Parentalidade e suas Quatro Modalidades Relacionais (adaptado de Linares, 2002).

 

A funcionalidade do sistema ocorre quando a conjugalidade é harmônica e a parentalidade é preservada. Quando a parentalidade é preservada, mas a conjugalidade apresenta-se desarmônica, surgem as triangulações7, que podem interferir na relação familiar e trazer danos à saúde dos filhos, pois eles participam dos conflitos do casal, tornando-se aliados de uma das figuras parentais. Quando a conjugalidade se apresenta harmônica e a parentalidade deteriorada, pode ocorrer privação emocional, representada por exigências exageradas, desvalorização ou superproteção. Já quando a conjugalidade está desarmônica e a parentalidade deteriorada, surge a caotização, que caracteriza as famílias multiproblemáticas, com comportamentos desviantes, negligência e falta de amor (Linares, 2002).

A busca por desenvolver um questionário que evidencie a maneira como ocorrem as relações familiares e sua influência sobre o desenvolvimento dos filhos inspirou o surgimento de vários instrumentos como o Questionário de Estilos Parentais (PAQ - Parental Authority Questionnaire, Buri, 1991), que tem sido utilizado em vários países (Furnham & Cheng, 2000; Gonzales, Greenwood, & WenShu, 2001) e serviu de inspiração no Brasil para o desenvolvimento do Inventário de Estilos Parentais – IEP (Gomide, 2006), destinado a pais e adolescentes. Nesse mesmo sentido, foi desenvolvida a Family Environment Scale - FES (Moos & Moos, 1994), que avalia as dimensões interpessoal, crescimento pessoal e manutenção do sistema, mostrando-se capaz de diferenciar famílias com ambiente funcional daquelas com ambiente disfuncional (Vianna, Silva, & Souza-Formigoni, 2007). Destaca-se também o Inventário de Percepção do Suporte Familiar – IPSF (Baptista, 2009), que foi desenvolvido tendo como base alguns instrumentos internacionais (Family Adaptability and Cohesion Evaluation Scale - FACES-III, Family Assessment Device - FAD, Family Awareness Scale - FAS) e nacionais como o IEP (Gomide, 2006). Ele avalia três dimensões: afetivo-consistente (expressões verbais e não verbais de afetividade), adaptação familiar (sentimentos e comportamentos negativos em relação à família) e autonomia familiar (liberdade, privacidade e confiança), indicando a percepção que o indivíduo tem do suporte que recebe da família.

Além dos instrumentos mencionados, também há o Cuestionario de Evaluación de las Relaciones Familiares Básicas - CERFB (Linares, Ibanez, Vilaregut, & Virgili, 2009)8, que, diferentemente dos anteriores, avalia aspectos da conjugalidade e da parentalidade concomitantemente. Em função disso, acredita-se que a tradução para a língua portuguesa do Brasil e adaptação semântico-cultural do CERFB poderá oferecer uma ferramenta que facilite o diagnóstico rápido de disfunções conjugais e/ou parentais no sistema familiar, incluindo convergências e divergências entre os pais, possibilitando agilidade nas intervenções necessárias, além de auxiliar terapeutas e pesquisadores na compreensão das relações familiares básicas (Linares, 1996, 2002, 2006a, 2006b, 2007, 2008). Por ser um instrumento direcionado aos casais e de rápida aplicação, baseada em uma escala tipo Likert de cinco pontos (1 = nunca, 2 = poucas vezes, 3 = algumas vezes, 4 = muitas vezes e 5 = sempre), o CERFB pode agilizar o diagnóstico de disfunções conjugais e parentais, podendo ser útil a terapeutas e pesquisadores. Dessa maneira, o objetivo deste estudo foi realizar a tradução para a língua portuguesa do Brasil e a adaptação semântico-cultural do CERFB, com vistas a uma possível validação para população brasileira.

 

Método

Para realizar a tradução para a língua portuguesa do Brasil e a adaptação semântico-cultural do CERFB, foram seguidas as cinco etapas preconizadas por Beaton, Bombardier, Guillemin e Ferraz (2007). Na etapa 1, partindo-se do instrumento original, em espanhol, foram realizadas duas traduções para a língua alvo (português do Brasil). A tradução 1 (T1) foi feita por tradutor fluente em ambas línguas, sem conhecimento do tema. A tradução 2 (T2) foi realizada por tradutor fluente em ambas as línguas, profissional da saúde (psicóloga). Na etapa 2 foi realizada a síntese das traduções (T1-2) por um terceiro profissional, fluente em ambas as línguas, profissional da saúde (psicólogo), doutor e especialista em terapia de casal e família. A finalidade da síntese foi resolver dúvidas, distorções ou discrepâncias entre T1 e T2.

Na etapa 3 foram realizadas as retrotraduções (RT1 e RT2) por dois tradutores, nascidos no país da língua original do instrumento (Espanha) e fluentes na língua alvo (português do Brasil), sem conhecimento sobre o tema e sem aceso ao documento original. Esta etapa teve a finalidade de verificar a sintonia entre a versão original e sua tradução e identificar outros problemas que poderiam causar prejuízo na adaptação do instrumento. A etapa 4 consistiu na revisão de um comitê formado por dois especialistas em terapia de casal e família, bilíngues, conhecedores do tema e da finalidade a que se propunha o instrumento, sendo um deles o autor do instrumento original, como propõem Osório, Crippa e Loureiro (2006), após a qual chegou-se a versão final. A etapa 5 consistiu na aplicação da versão final do instrumento para adaptação semântico-cultural (pré–teste) a 30 casais que residiam em Porto Alegre/Brasil e que se encontravam em processo psicoterápico familiar sistêmico com distintos terapeutas dispostos a participar do trabalho, com os quais foi realizado um treinamento para homogeneizar as aplicações.

O pré-teste teve como objetivo avaliar a compreensão das pessoas acerca de cada item e, para sua realização, todos os procedimentos éticos foram cumpridos, tais como oferecer informações sobre os objetivos e procedimentos do estudo, dar liberdade para decisão livre e consciente acerca da participação no estudo e assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Também foi solicitada a autorização formal do autor do instrumento original, Professor Doutor Juan Luis Linares, diretor da Escola de Terapia Familiar do Hospital de Santa Cruz y San Pablo e do curso de Mestrado em Terapia Familiar da Universidade Autônoma de Barcelona (UAB), bem como o apoio do diretor geral da UAB, Doutor Josep Torrent-Farnell. Todos os participantes preencheram a uma Ficha de Dados Sociodemográficos, para caracterização da amostra, e responderam a versão final do questionário.

Dentre os participantes do pré-teste, 66,7% dos homens e 86,7% das mulheres tinham ensino superior completo. O tempo mínimo de casamento era de seis anos e o máximo de 39 (M = 18,7; DP = 8,74), sendo que 63% das mulheres e 70,4% dos homens estavam em seu primeiro casamento. Além disso, 43,3% dos casais tinham somente um filho e os demais tinham dois ou mais, dentre os quais 14,3% tinham idades entre 0 a 7 anos, 44,9% entre 8 e 18 anos e 40,8%, 19 anos ou mais.

O procedimento escolhido para a realização da tradução para a língua portuguesa do Brasil e a adaptação semântico-cultural do CERFB é resumido na Figura 2.

 

 

Figura 2. Estágios da Tradução do CERFB (adaptado de Beaton et al., 2007).

 

Resultados

Em cada uma das etapas da tradução e adaptação, considerando os diferentes contextos culturais, foram levadas em consideração quatro áreas: (a) área semântica (análise do significado e identificação das dificuldades gramaticais ou duplo sentido das palavras); (b) área idiomática (busca de equivalência das expressões idiomáticas e gírias relacionadas aos contextos culturais específicos, mantendo-se o significado intrínseco); (c) área cultural (busca de adequação das diferentes realidades culturais, costumes e hábitos que possam ser diferentes em cada país considerado); (d) área conceitual (manutenção da ideia, conceito, noção ou representação abstrata expressa em cada sentença).

Na área semântica, os resultados sinalizaram certo rechaço à presença das palavras estraga (item # 3) e defectos (item # 7), levando os participantes a sugerirem a substituição destas palavras em um próximo estudo. Os demais itens não apresentaram dificuldades de aceitação, compreensão ou duplo sentido. Na área idiomática não foram percebidos problemas de compreensão ou tradução. Na área cultural, tampouco, foram identificadas contradições relevantes em relação à versão original do instrumento, provavelmente em função das semelhanças culturais entre Brasil e Espanha. Finalmente, na área conceitual, a ideia central de cada item parece ter sido mantida, não havendo nenhuma dificuldade a respeito, a não ser pela palavra responsabilidad (item #5), que foi questionada pelos casais que tinham filhos com oito anos ou menos. A Tabela abaixo apresenta as etapas da equivalência semântica relativas a cada item do questionário (do 1 ao 25) que foram analisados durante as traduções, retrotraduções e revisão dos juízes.

De acordo com a observação dos terapeutas que aplicaram o instrumento, algumas características importantes apresentadas foram a facilidade de compreensão e a rapidez de aplicação. O tempo de aplicação se mostrou adequado e a maior parte dos participantes levou entre 10 e 15 minutos para responder ao questionário. Não houve rejeição aos enunciados, que se revelaram compreensíveis, facilitando a realização da tarefa. Do conjunto das análises realizadas, originou-se o Questionário de Avaliação das Relações Familiares Básicas (QARFB), versão final, que é apresentado na Tabela 2.

 

Discussão

O objetivo do presente estudo foi a tradução e a adaptação semântico-cultural do Cuestionario de Evaluación de las Relaciones Familiares Básicas - CERFB (Linares et al., 2009). Na área linguística, buscou-se eliminar as dificuldades gramaticais, manter significados e equivalências idiomáticas, adequar diferenças e realidades culturais e, em especial, manter a ideia expressa em cada sentença. Para essa tarefa, contamos com três tradutores com larga experiência e cinco profissionais bilíngues, terapeutas familiarizados com a investigação do tema objeto deste estudo, três dos quais tinham titulação de doutor.

Diferentemente do procedimento adotado na Espanha, que contou com pais de estudantes de centros escolares e universitários públicos e privados, que levaram os questionários para responder em casa, no presente estudo, os questionários foram aplicados por terapeutas de casal e família, que puderam fazer uma observação das dificuldades de compreensão e preenchimento, assim como escutar as sugestões sobre os itens do instrumento que poderão necessitar ajustes, como as palavras estraga (item # 3) e defectos (item # 7). Como resultado, percebeu-se a necessidade de adaptação de algumas palavras à realidade brasileira para que o instrumento seja bem aceito pela população-alvo e para que tenha as características exigidas de confiabilidade e validade que obteve o instrumento original. O Alfa de Crombach obtido na amostra brasileira (α = 0,509) sugere uma adequação mediana e, provavelmente, a aplicação em uma amostra expressiva poderá resultar em uma melhor consistência interna. Contudo, a maior parte dos itens não apresentaram dificuldades de aceitação ou tradução, tampouco foram percebidos problemas de compreensão ou dificuldade no preenchimento do instrumento.

A intenção de pedir para terapeutas aplicarem o questionário teve a finalidade de diminuir equívocos no preenchimento, esquecimento de alguma questão e sanar eventuais dificuldades de compreensão, bem como oferecer uma escuta sobre estas dificuldades, além de tentar reduzir o viés da desejabilidade social, aumentando a confiança nas respostas, uma vez que ele foi respondido no setting clínico. A diferença entre a amostra espanhola e a brasileira se constitui como uma variável que deverá ser modificada em um próximo estudo, pois a ideia é testar o instrumento em população mais ampla, em especial nas escolas, que podem oferecer grande número de participantes de uma população não clínica.

Ainda quanto aos participantes, destaca-se que uma das limitações do presente estudo foi contar com uma amostra que pertencia a um nível socioeconômico privilegiado, pois todos estavam realizando psicoterapia familiar em uma instituição privada e a maioria tinha ensino superior completo. Para os próximos passos da validação do questionário em âmbito nacional, também será necessário que ela seja estratificada em termos de escolarização e nível socioeconômico e que reúna casais que estejam vivenciando distintas etapas do ciclo vital.

A tradução de um instrumento exige esforço no sentido de buscar manter a clareza de linguagem, além da consistência interna como um todo e de cada item em particular. Por esse motivo, é importante a elaboração de uma planilha de avaliação dos itens do questionário a ser submetida aos juízes avaliadores, para que se possa obter um coeficiente de validade de conteúdo (CVC) e identificar itens que não se encontrem adequados aos objetivos do instrumento (Hernández-Nieto, 2002). Esse é um protocolo que pode ser adotado em um próximo estudo para obter a validação do QARFB. Além disto, por tratar-se de uma investigação que demanda muito trabalho, será importante um número maior de profissionais envolvidos.

Esta primeira etapa da tradução e adaptação semântico-cultural do QARFB se mostrou adequada e satisfatória. Os resultados obtidos são um estímulo para um novo estudo na direção de obter a validação deste instrumento para população brasileira, uma vez que necessitamos de novas ferramentas capazes de medir a percepção que os pais possuem sobre o clima relacional familiar e avaliar as relações familiares básicas, diferenciando o ajuste conjugal do parental e a conduta materna da paterna.

 

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Endereço para correspondência
Magda Pozzobon
E-mail: magdapozzobon@hotmail.com

Enviado em: 27/05/2015
1ª revisão em: 25/07/2015
Aceito em: 20/11/2015

 

 

1 Este estudo foi desenvolvido em colaboração com a Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), a Universidade Autônoma de Barcelona (UAB), o Instituto da Família de Porto Alegre e a Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), Rio Grande do Sul, Brasil.
2 Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, Programa de Pós-graduação em Psicologia, São Leopoldo, Brasil.
3 Universidade Autônoma de Barcelona, Serviço de Psiquiatria do Hospital de Santa Cruz e San Pablo, Barcelona, Espanha.
4 Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Faculdade de Psicologia, Departamento de Psicologia Clínica, Porto Alegre, Brasil.
5 Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Faculdade de Medicina, Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal, Porto Alegre, Brasil.
6 Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, Programa de Pós-graduação em Psicologia, São Leopoldo, Brasil.
7 Para Minuchin (1974) trata-se de uma configuração relacional na qual os filhos são utilizados sistematicamente para resolver, evitar ou deslocar conflitos existentes entre os pais.
8 Instrumento desenvolvido na Espanha onde obteve adequada consistência interna (α = 0.887).

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