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Pensando familias

versão impressa ISSN 1679-494X

Pensando fam. vol.19 no.1 Porto Alegre jun. 2015

 

ARTIGOS

 

A vida amorosa de mulheres financeiramente independentes

 

Love life of financially independent women

 

 

Marivete Leonor Secco1; Michele Gaboardi Lucas2

Universidade do Oeste de Santa Catarina (UNOESC), Unidade de Chapecó (SC)

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O presente artigo buscou compreender como a independência financeira feminina influencia na vida amorosa das mulheres, considerando que ocorreram mudanças significativas nos papéis exercidos por elas com a conquista do mercado de trabalho. Para tanto, foi realizado estudo de caso coletivo com cinco mulheres financeiramente independentes, com idade entre trinta e quarenta e cinco anos, através de entrevistas individuais, com roteiros semiestruturados. Entre os principais resultados, destaca-se que a independência financeira parece influenciar nos relacionamentos amorosos, desde a escolha do parceiro até a decisão da separação. Bem como, parece ter contribuído para tornar o casal menos tolerante, aumentando à dificuldade de resolução de conflitos. E ainda, a independência financeira das mulheres parece interferir no adiamento do projeto de ter filhos, devido à dedicação aos estudos e à vida profissional.

Palavras-chave: Relacionamentos amorosos, Mulheres, Independência financeira.


ABSTRACT

This article aimed at understanding how women´s financial independence influences on their love lives, considering that there are meaningful changes in the roles played by them as they have gained their space in the labor market. For this purpose, the study was carried out with financially independent women, aged between 30 and 45, through individual interviews, with a semi-structured interview script. Among the main results, it is highlighted that the financial independence seems to influence on their love relationships, from choosing the partner to separation decision making. As well, it seems to have contributed to make the couple less tolerant, increasing the difficulty of solving conflicts. In addition, the women´s financial independence seems to interfere with anticipating the project of having children, due to their dedication to studies and to their professional life.

Keywords: Love relationships, Women, Financial independence.


 

 

Introdução

As mudanças ocorridas com o passar dos anos na vida das mulheres, com a conquista do mercado de trabalho formal e da consequente independência financeira, alteraram de forma significativa os papéis assumidos por elas tanto dentro, quanto fora do lar. Falar de mulheres financeiramente independentes é falar de mulheres que superaram barreiras, que deixaram de viver dedicadas aos seus maridos, deixaram de assumir apenas o papel de esposa, mãe e dona de casa, para conquistar espaços nunca antes imaginados.

O interesse em pesquisar sobre este assunto surgiu justamente por observar o paradoxo que todas essas mudanças trouxeram para a vida das mulheres, pois, por mais que se aceite e se incentive a conquista do mercado de trabalho feminino, ainda se exige uma dedicação extra delas (mais do que dos homens) para os assuntos do lar, cuidado dos filhos e dedicação ao marido. Considera-se, portanto, que para o futuro profissional psicólogo pesquisar sobre este assunto é uma forma de auxiliar na compreensão desses conflitos, bem como, no entendimento de possíveis sofrimentos que possam surgir a partir deles.

O objetivo principal a que se destinou esta pesquisa foi compreender como a independência financeira feminina influencia na vida amorosa das mulheres. Para tanto, buscou-se perceber possíveis influências da independência financeira feminina na decisão de casar, de ter filhos e divorciar-se; identificar a percepção das mulheres sobre a influência de sua independência financeira na escolha dos parceiros, bem como, verificar como a mulher financeiramente independente percebe o exercício dos papéis femininos.

O papel da mulher na sociedade

A construção histórica do papel feminino sofreu mudanças ao longo das décadas. O que era esperado da “mulher do passado” difere muita das perspectivas que são colocadas nelas atualmente. Não só as perspectivas da sociedade em relação às mulheres, mas as perspectivas delas mesmas sobre seu futuro, seus sonhos e objetivos mudaram.

No início da civilização, era ignorado o fato de que o homem participava da fecundação, e com isso a sociedade se organizava em torno da linhagem materna. Apesar de haver certo predomínio social da mulher, não havia o predomínio do feminino sobre o masculino, eles viviam em harmonia (Narvaz & Koller, 2006; Lins, 2010; Anton, 2012).

A partir da pré-história, quando o homem deixa de ser caçador para se tornar pastor, surge a agricultura e com ela as tarefas das mulheres passam a se multiplicar e tornar-se obrigações (Lins, 2013). Além disso, ao passar a criar animais e ter mais tempo de observá-los foi possível descobrir a participação dos machos na reprodução o que “entronizou o homem como patriarca” (Lins, 2013, p. 22).

Além disso, nota-se também a importância do estabelecimento da propriedade privada e das relações monogâmicas (que eram a forma de garantir a herança aos filhos legítimos) como fatores que contribuíram para o estabelecimento do patriarcado e a consequente dominação do homem sobre a mulher. O cristianismo e o surgimento da igreja católica contribuíram para a hegemonia da sociedade patriarcal (Narvaz & Koller, 2006).

Com a sociedade passando a ser predominantemente patriarcal, surgem novas definições dos papéis sociais, sendo que alguns papéis são considerados próprios para homens e outros próprios para mulheres. Nessa nova reorganização social o homem é colocado em um papel de superioridade e a mulher de inferioridade e submissão (Féres-Carneiro, 2010).

A partir de então, os papéis sociais que as pessoas assumem passam a ser definidos conforme seu sexo. Quando nasce uma menina sua criação será de uma forma, quando nasce um menino será de outra. O que é ressaltado na seguinte afirmação “A expectativa da sociedade é de que as pessoas cumpram seu papel sexual, que sofre variações de acordo com a época e o lugar” (Lins, 2010, p. 136).

Portanto, ao falar do papel da mulher na sociedade ao longo da história é importante levar em consideração os estereótipos que foram criados pela sociedade. Pois, apesar das mudanças ocorridas nos papéis assumidos por homens e mulheres, não se pode deixar de considerar a influência que a mentalidade patriarcal ainda gera nos pensamentos e comportamentos da sociedade atual, inclusive quando se trata de relacionamentos amorosos.

Relacionamentos amorosos

Nesta pesquisa foi escolhido o termo relacionamentos amorosos por acreditar que abrange de forma adequada, no contexto atual, as formas de relacionamento entre homens e mulheres. Mas, torna-se importante entender quando e de que forma o amor entrou em cena na história da sociedade ocidental.

Para tanto, é interessante destacar a ideia de que o amor romântico foi inaugurado para facilitar o modelo tradicional de família e a definição de papéis de homens e mulheres na sociedade. O amor passou a fazer parte e ser essencial para que duas pessoas se casem, pois assim o homem poderia seguir tranquilo para o trabalho, deixando a mulher na privacidade do lar, dedicada ao cuidado dos filhos (Lins, 2010).

Cabe também, destacar que “a família não é algo biológico, algo natural ou dado, mas produto de formas históricas de organização entre os humanos” (Narvaz & Koller, 2006, p. 49). Portanto, as diferentes formas de relacionamento atendem as necessidades de sobrevivência e reprodução de cada época. Conceito semelhante também é apresentado na seguinte afirmação “as famílias e os casamentos se organizam adaptados à cultura, ao tempo, ao lugar. São subsistemas a serviço de sistemas maiores, mais fortes e organizados” (Anton, 2012, p. 35).

O amor romântico entrou em cena trazendo consigo muitos mitos que estiveram (e ainda estão) presentes na sociedade, destaca-se o mito do príncipe e da princesa encantado e a ideia de um par ideal e perfeito, que é muito mais fruto de projeção e idealização, do que da realidade. Durante esse período em que o amor romântico ganhou elevada importância, esperava-se que a mulher fosse fraca, temerosa, ansiosa por ser amparada e dominada (Lins, 2010, 2012; Féres-Carneiro, 2010).

Esses mitos contribuíram para a criação da imagem de que para ser feliz é necessário encontrar o amor perfeito, casar-se, constituir família e viver feliz para sempre. Dessa forma, o amor passa a ser sinônimo de felicidade e uma meta a ser alcançada por todos (Lins, 2010). Homens e mulheres devem desejar o casamento e assumir os papéis condizentes ao que se espera de um marido e de uma esposa.

O casamento estava ligado à realidade financeira, mesmo havendo amor. A mulher estava ciente de que o seu futuro bem-estar material estava ligada a situação financeira de seu marido (Lins, 2012). Existia uma preocupação com relação ao futuro da moça e a necessidade de arranjar um marido que fosse considerado um bom partido, ou seja, que pudesse assumir o papel de provedor (Biasoli-Alves, 2000).

As mães reforçavam nas filhas a conduta servil e submissa, na tentativa de evitar protestos, pois não conseguir um esposo ou ser abandonada equivalia a perder algo que era considerado vital e insubstituível (Anton, 2012). Ainda hoje, apesar de serem independentes financeiramente não são poucas as mulheres que acreditam que só serão valorizadas se tiverem um homem ao lado (Lins, 2013).

É interessante notar a visão que se tinha do casamento no século XIX, “o homem, ao se casar, conferia uma espécie de favor à mulher. Esse era o único meio pelo qual ela adquiria status econômico e social” (Lins, 2012, p. 133). Além disso, a mulher que não conseguisse casar era vista como fracassada. A mulher tinha seu prestígio diminuído na sociedade pelo fato de não se casar, e descia de classe ao se dedicar ao trabalho remunerado (Lins, 2012).

Apenas no século XX as mulheres começam a questionar a ideia de que só poderiam ser felizes se estiverem envolvidas com um homem, “o movimento da emancipação feminina e a liberdade sexual trouxeram mudanças profundas na expectativa de permanência de uma relação conjugal” (Lins, 2010, p. 211).

Os relacionamentos amorosos passam por reformulações, entre elas destaca-se o surgimento do relacionamento puro que “não visa necessariamente à procriação, nem se pauta pela indissolubilidade do casamento – a relação pode ser desfeita a qualquer momento, quando não for mais gratificante para qualquer uma das partes” (Giddens, 1993, In Feres-Carneiro, 2010, p. 12). Na visão de Borges (2013) à fragilidade atribuída aos laços amorosos e as relações conjugais, as mulheres contemporâneas parecem estar investindo menos no casamento.

Assim, destaca-se que “o patriarcado, inquestionável e inflexível poder atribuído ao chefe de família, não é mais característico nas famílias atuais” (Gabel, 2008, p. 66). O fator econômico teve forte influência na mudança dos relacionamentos entre homens e mulheres. Isso porque, foi a partir do acesso a educação e a empregos melhores remunerados, que as mulheres conquistaram mais autonomia e poder de questionamento sobre a submissão e a hierarquia dos papéis que lhe eram até então impostos (Gabel, 2008).

O próprio termo relacionamento, tão utilizado hoje para definir a relação entre homem e mulher tem uma definição interessante “[...] relacionar-se é um contexto marcado pela ambivalência – de um lado está o desejo de estabelecer um vínculo permanente e do outro está o temor gerado pelo preço que se há de pagar por tal permanência” (Bauman, 2004, In Feres-Carneiro, 2010, p. 139). Ao falar sobre formação de vínculo e individualidade nota-se a dificuldade encontrada por certas pessoas em conciliar desejos opostos “como o da liberdade com o comprometimento e o da individualidade com o vínculo” (Anton, 2012, p. 38).

Também destaca-se a interessante visão de que “atualmente uma maior diversidade de espaços e posições destinados à mulher, o que possibilita maior liberdade de escolha, inclusive na esfera amorosa” (Almeida, Levandowski & Palma, 2008, p. 100). Já Feres-Carneiro (1998, s/n) ao pesquisar sobre o casamento contemporâneo, chega à conclusão de que “no casamento contemporâneo, os ideais do amor romântico tendem a se fragmentar, sobretudo pela pressão da emancipação da mulher e da autonomia feminina”. Ao analisar a identidade de mulheres na contemporaneidade destaca-se o surgimento de uma mulher que “preza a individualidade e a liberdade, que quer ser independente pessoal e financeiramente e que deseja se realizar no mundo público” (Borges, 2013, p. 80).

No entanto, Santos (2015) em seu estudo sobre a solteirice na representação social feminina chegou à conclusão de que o caminho da felicidade da ‘nova mulher’ ainda está bastante ligado aos moldes convencionais do século XIX. Pois, elas estariam à procura de “sua estabilidade financeira, profissionalização, do ‘príncipe encantado’ e da constituição de sua família, para aí sim alcançar sua tão sonhada felicidade” (Santos, 2015, p.12).

Verifica-se, portanto, que fazem apenas algumas décadas que o poder patriarcal passou a ser substituído por formas mais democráticas de convívio dentro dos lares, por isso é importante levar em consideração a ideia de Lins (2010), quando diz que após tantas mudanças inicia-se um momento de transição, onde a mulher se vê dividida entre o dilema de buscar seus direitos e ser mais independente, ao mesmo tempo em que ainda se vê presa a amarras do passado de submissão que viveu por muito tempo.

Mulheres e o mercado de trabalho

Houve um momento de transição, onde o trabalho feminino passou a ser gradualmente aceito, possibilitando que a mulher começasse a dar os primeiros passos na conquista de sua independência. A partir da década de setenta, quando as mulheres foram conquistando um espaço maior no mercado de trabalho, as barreiras do papel de ser apenas esposa, mãe e dona do lar foram ficando para trás (Probst, 2003). Destaca-se que “a entrada da mulher no mercado de trabalho, com a Revolução Industrial e o capitalismo, auxiliou para que ela deixasse de ser propriedade privada familiar e reprodutora” (Almeida et al, 2008, p. 102) No entanto, uma mudança como essa não ocorre de forma tão simples e sem trazer consequências.

Duas ideias interessantes devem ser consideradas, uma de que o trabalho feminino é aceito quando existe a necessidade financeira, no entanto, isso é algo que deixa o homem envergonhando e abala sua autoestima, pois este é um sinal de que ele não consegue dar conta sozinho de sustentar sua família; e outra de independência feminina ligada ao estereótipo de “solteironas”, que por abrirem mão do papel de mãe e esposa não podem ser totalmente felizes (Lins, 2012).

A partir do momento em que a mulher assumiu o papel de trabalhadora não ocorreu mudança nos papéis assumidos dentro de casa, ou seja, ela continuou sendo esposa, dona de casa, mãe e assumiu também o papel profissional (Jablonski, 2013). Isso ocorre porque o papel do homem de trabalhador, marido e pai, não foi alterado, ao passo que o da mulher sofreu mudanças. Para o homem é algo bastante simples ser profissional, pai e marido (Bee, 1997).

Existem também diferenças na forma como a família vê o trabalho do homem e da mulher “a família é vista como apoiando e nutrindo o trabalhador do sexo masculino por seu desempenho no trabalho, ao passo que as mulheres são vistas como privando suas famílias por trabalhar [...]” (McGoldrick, 1995, p. 35). Muitas vezes, para conseguir consolidar sua posição no mercado de trabalho, as mulheres acabam tendo que adiar alguns projetos pessoais, entre eles a maternidade (Probst, 2003). Em uma pesquisa com executivas brasileiras percebeu-se que “o desequilíbrio entre a esfera pública (trabalho) e a privada (lar) tem sido o principal fator que gera um quadro de desequilíbrio, sofrimento e angústia às mulheres” (Lima et al, 2013, p. 77).

Percebe-se, portanto que apesar das modificações nos relacionamentos terem iniciado há várias décadas, as pesquisas apontam que as mulheres mesmo tendo conquistado seu espaço no mercado de trabalho, continuam assumindo muitos papéis que lhe eram impostos pelo sistema patriarcal.

Outra questão que tem influência na definição dos papéis sociais é a financeira. Ao estudar como homens e mulheres percebem o dinheiro, através de mensagens recebidas na infância observou que “as mulheres recebem mensagens duplas: a de ser independente financeiramente e a de ser responsável no âmbito doméstico pelos cuidados do lar e dos filhos”, enquanto os homens “são educados para ser independentes [...]” (Frankel, 2006, In Guimarães, 2010, p. 33).

Com relação à maternidade, deve-se levar em consideração que as mulheres possuem um período fértil determinado, para as mulheres ocorre o aumento do risco de aborto e outras complicações após os trinta anos (Bee, 1997). Ou seja, ao mesmo tempo em que as mulheres estão se preparando para o mercado de trabalho, precisam também preocupar-se com o período fértil, caso desejem ter filhos.

Por este motivo, “as mulheres casadas sem filhos estão muito mais inclinadas a ter carreiras em tempo integral e a serem muito mais comprometidas em atingir o sucesso em suas carreiras” (Bee, 1997, p. 443). Apresenta-se assim um paradoxo social de valorização da realização profissional e independência financeira da mulher em contrapartida com a cobrança (maior que dos homens) de cuidado e dedicação aos filhos (Feres-Carneiro, 2010). Ao analisar as barreiras que executivas brasileiras encontram em suas carreiras, percebeu-se que a maioria das mulheres entrevistadas acredita que a maternidade complica a carreira (Lima et al, 2013). Dessa forma, não podemos deixar de considerar a influência do papel de mãe na vida profissional das mulheres.

Além disso, pesquisas também sugerem que o aumento do número de divórcios é influenciado pelo aumento da acessão da mulher ao mercado de trabalho. Pesquisas sugerem que mulheres que ganham mais dinheiro têm probabilidade maior de divorcia-se (McGoldrick, 1995). Também destaca-se a visão de que “a autonomia econômica pessoal permite a qualquer um dos cônjuges se separar a hora que quiser, portanto, há muito menos divórcios em lugares onde existe dependência econômica entre os cônjuges” (Lins, 2010, p. 216).

Dessa forma, deve-se considerar que existe uma influência gerada pela conquista de maior autonomia financeira pelas mulheres e a forma como encaram seus relacionamentos amorosos. Casar, permanecer casada ou se separar passa a ser uma opção para a mulher quando ela não depende financeiramente do companheiro para sobreviver.

Por todas essas razões, seja pelos benefícios apresentados pelo trabalho fora de casa, seja pelo acúmulo de papéis femininos (fortemente influenciado pela família tradicional), pesquisar sobre a influência da independência financeira feminina em suas relações amorosas torna-se de grande importância para compreender melhor os benefícios e prejuízos que esse aspecto traz para a vida das mulheres.

Procedimentos metodológicos

O presente trabalho utilizou-se de uma abordagem qualitativa, pois buscou interpretar o universo da produção humana através do mundo das relações, das representações e da intencionalidade (Minayo, 2011). O delineamento da presente pesquisa foi baseado em estudos de caso, utilizando-se o conceito de Gil (2009) de estudo de caso coletivo, que tem por objetivo estudar características de uma população.

Foram entrevistados cinco sujeitos, selecionados pelo critério da intencionalidade, através de amostra não probabilística, selecionadas através de indicações. Para determinação do número de casos foi empregada a sugestão de Gil (2009), que indica que sejam utilizados de quatro a dez casos nesse tipo de pesquisa.

Os sujeitos foram mulheres financeiramente independentes, escolhidas através do critério da intencionalidade, com idade entre trinta e quarenta e cinco anos, ensino superior completo, heterossexuais, com uma vida financeira independente e ativas no mercado de trabalho. Como critério para definir a vida financeira independente não foi considerado a classe social, mas sim o fato delas se sustentarem com recursos financeiro próprios, proveniente da atividade profissional, sem depender de outras pessoas. Além disso, as mulheres entrevistadas não estavam em um relacionamento estável por mais de um ano, sendo que para a presente pesquisa foi considerado relacionamento estável como: não estar morando junto com o companheiro e também não haver uma relação de divisão de despesas entre o casal, caso morem em casas separadas. O fato de não ter filhos não era um critério de seleção, no entanto, nenhuma das participantes entrevistadas ainda é mãe.

Como instrumento de pesquisa, foi utilizada entrevista com roteiro semiestruturado com perguntas abertas relacionadas à independência financeira e a vida amorosa das mulheres. As entrevistas foram realizadas no local de trabalho de cada participante, de forma individual, com duração aproximada de quarenta e cinco minutos, tendo sido utilizado gravador, com autorização das entrevistadas através do Termo de Autorização de Uso de Voz. No momento de transcrição todo e qualquer dado que pudesse revelar a identidade das participantes foi omitido, sendo utilizados nomes fictícios para referirem-se as mesmas.

O projeto no qual se baseia a presente pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa, conforme parecer nº 491.611, de 11/12/2013. Antes de cada entrevista, foi apresentado e assinado pelas participantes o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, conforme a Resolução n° 196, de 10 de outubro de 1996, do Conselho Nacional de Saúde.

Para a avaliação do material obtido através das entrevistas, foi realizada uma análise de conteúdo, que conforme Bardin (2010) consiste em um conjunto de técnicas de análise das comunicações que utiliza procedimentos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens. As categorias de análise foram estabelecidas a partir dos dados obtidos através das entrevistas, sendo que a seleção dos temas das perguntas realizadas contribuiu para a constituição das categorias que visavam atender aos objetivos da pesquisa.

Apresentação e análise dos dados

Caso I: Mulher de trinta e cinco anos, com curso de graduação, duas pós-graduações concluídas e mestrado em andamento. Trabalha três turnos em duas empresas diferentes. Morou junto com um companheiro por algum tempo, mas no momento não está em um relacionamento estável. Mora sozinha.

Caso II: Mulher de trinta e um anos, com curso de graduação e mestrado concluído. Trabalha em duas empresas em turnos diferentes. Teve um namoro que durou sete anos, mas não chegou a morar junto com o companheiro. Não está em um relacionamento estável no momento. Mora com os pais.

Caso III: Mulher de trinta e quatro anos, com curso de graduação e pós-graduação. Trabalha em uma empresa há quatro anos, o dia todo e, às vezes, faz horas extras à noite e participa de eventos aos finais de semana. Namora há oito anos e tem planos de ir morar junto com companheiro. Atualmente mora sozinha.

Caso IV: Mulher de trinta e três anos, com curso de graduação e duas pós-graduações. Trabalha pela parte da manhã em uma empresa, na parte da tarde em outra e faz atividades extras à noite (artesanato e confeitaria). Está namorando há oito meses, teve namoros anteriores que duraram alguns anos, mas não chegou a morar junto com nenhum companheiro. Atualmente mora com os pais.

Caso V: Mulher de quarenta e uma anos, com curso de graduação. Trabalha durante o dia em uma empresa. Morou cinco anos com o companheiro, mas atualmente moram em casas separadas há um ano. Mora sozinha.

Através da análise de conteúdo das entrevistas, visando atendar aos objetivos da pesquisa, optou-se pela classificação em categorias temáticas. A 1ª categoria busca compreender o que as mulheres pensam sobre o casamento; a 2ª categoria pretende entender o que elas pensam sobre a separação/divórcio; a 3ª procurou compreender o que as mulheres financeiramente independentes levam em consideração no momento da escolha do parceiro; a 4ª categoria visa entender se a independência financeira influencia na escolha dos parceiros; e por fim, a 5ª categoria analisou a influência da independência financeira das mulheres na decisão de ter filhos.

Casamento

Quando questionada sobre o que pensa sobre o casamento a entrevistada II trouxe a ideia da mudança que houve no significado do casamento com relação há épocas passadas, o que foi considerado por ela como certa banalização, pois segundo ela, hoje em dia não se casa apenas por amor, mas por outros interesses também. Portanto, essa banalização pareceu estar ligada a visão de que o casamento já não é mais visto relacionado com a ideia de amor romântico, apresentada por Lins (2010).

Contribui também para essa noção de desmistificação do amor romântico e de conto de fadas o fato de que quando questionadas se houve mudança com relação à forma de pensar sobre casamento com o passar do tempo e com as experiências, três das entrevistadas consideraram que sim. A entrevistada I comentou que quando era adolescente imaginava que encontraria uma pessoa por quem se apaixonaria e com que ficaria o resto da vida: “E tinha também alguma coisa meio que de conto de fadas, sabe, que ia ser aquele príncipe encantado, e que ele ia fazer tudo do jeito perfeito, sempre, eu achava que ia ser assim, mas com o passar do tempo isso foi se desconstruindo”. A entrevistada III comentou que apesar de sempre ter imaginado como seria seu casamento, mudou um pouco a concepção e hoje, pela praticidade e pela questão financeira, aposta mais na união estável. Já a entrevistada IV, comentou que quando adolescente imaginava uma super-festa, com igreja e vestido branco, mas hoje pensando em casamento a intenção de apenas morar junto “sem muita frescura” é o que considera mais apropriado.

Além disso, ao falar sobre casamento a entrevistada I trouxe a desmistificação da necessidade de pensar em algo eterno, com a possibilidade de troca caso não esteja bom, ou como algo meio descartável, utilizando a frase: “Que seja eterno enquanto dure”. Três outras entrevistadas II, III e IV, também trouxeram a visão de casamento ligada a de união estável e de morar junto, sem um compromisso formal, o que também colabora para pensar no estabelecimento de um relacionamento sem a noção de eternidade.

A entrevistada V, que já teve a experiência de morar junto com o parceiro, trouxe a visão de casamento como uma parceria, “compartilhamento e companheirismo” foram as palavras usadas por ela para definir casamento. Dessa forma, pode-se considerar que não existe a visão patriarcal de superioridade do homem e de submissão da mulher, mas uma relação de igual para igual: “Eu acho que o casamento é uma parceria, é um estado em que se compartilha com a outra pessoa uma vida, as decisões, compartilha momentos”.

A partir desses trechos das entrevistas, pode-se perceber que a ideia de casamento como sinônimo de “felizes para sempre” se existiu em algum momento, acabou sendo desconstruída ao longo da vivência das entrevistadas. Conforme Feres-Carneiro (1998) ocorreu uma fragmentação do amor romântico, ou seja, percebe-se uma visão bem mais realista, sem a imagem de conto de fadas, pois se considera que é importante estar bem na relação para que ela continue.

O incentivo da família em estudar, a praticidade e as prioridades profissionais são os motivos apresentados para que o casamento não seja visto como uma prioridade por quatro das mulheres entrevistadas. A entrevistada II declarou que “Sempre tive muito incentivo de estudar na minha família e talvez por isso que para mim não era um sonho primordial, vamos dizer assim: casar”. Já as entrevistadas III e IV disseram acreditar que atualmente a praticidade da união estável substitui a ideia de casamento tradicional, com vestido branco e igreja. E por último, a entrevistada I declarou que devido à dedicação a vida profissional e aos estudos não consegue abrir espaço e conciliar os relacionamentos com o trabalho, e acredita que por isso, não tenha se casado ainda.

O significado dado ao casamento lembra a definição de relacionamento puro apresentada por Feres-Carneiro (2010), onde a relação não visa nem à procriação, nem se pauta na indissolubilidade, mas pode ser desfeita a qualquer momento quando não for gratificante para qualquer uma das partes.

Separação/Divórcio

Quando questionadas sobre o que pensam sobre separação/divórcio, observa-se certa ambivalência nas respostas das entrevistadas. De um lado a separação é vista como positiva, pois possibilita uma maior autonomia e decisão de escolha, fica-se junto enquanto está bom, de outro, apontam para um lado considerado negativo, pelo fato de que não se fazem mais esforços para manter a relação.

A entrevistada I disse “As pessoas são livres para fazer as escolhas que elas quiserem fazer [...]. Toda a escolha, claro, tem uma consequência, mas elas escolhem, são livres para escolher, eu não vejo como uma coisa ruim”. A entrevistada II afirmou que “Separação/divórcio, também eu acredito que hoje em dia como a mulher não é obrigada a aturar algumas coisas, a ser submissa, por exemplo, ficou muito mais fácil...”, e ainda, a entrevistada III declarou que “Se não tá legal, hoje em dia eu acho que não vale a pena continuar, porque você não depende da pessoa para ter um subsídio de comer, de morar, disso, daquilo”.

Nota-se, portanto, que as entrevistadas apontaram a questão de separação ligada à ideia de liberdade e de independência, onde a mulher passa a poder optar se deseja ou não manter o casamento ou a relação, sendo que antes não tinha essa liberdade e era obrigada simplesmente a aturar a união, independente de ela ser boa ou não. A entrevistada I considera que ocorreu uma “mudança cultural” que passou a permitir a separação.

Ao mesmo tempo em que revelam a questão positiva de maior autonomia, as respostas de três entrevistadas apontam também para um lado considerado negativo, pelo fato de que não se fazem mais esforços para manter a relação. Pois, a facilidade de se separar faz com que os casais não invistam mais no relacionamento, não existindo um esforço de ambos para manter uma boa convivência depois de terminada a fase da paixão e iniciado os conflitos. Que colabora com a ideia de Borges (2013) ao afirmar que as mulheres contemporâneas parecem estar investindo menos no casamento.

Contribuem para essa visão afirmações como a da entrevistada II “... qualquer casal hoje, geralmente que tem um conflito, não enfrenta ele e acaba se separando, enfim, eu acho que banalizou também nesse sentido”. Da entrevistada IV, quando diz: “Eu acho negativo. Porque as coisas se diluem, parece que sentimento já não tem mais tanto valor...”. E ainda, da entrevistada V: “Eu penso que hoje está muito banalizada esta questão. [...] porque se tu se divorciar, o que tu vê hoje, que ocorre um segundo casamento, um novo divórcio, terceiro casamento, um novo divórcio”.

Dessa forma, as entrevistadas I e III ressaltaram mais os aspectos positivos da separação, já as entrevistadas IV e V ressaltaram mais os aspectos negativos e, por fim, a entrevistada II considerou ambos os aspectos ao falar sobre o que pensa sobre separação. No entanto, apenas a entrevistada IV demonstrou certa aversão à ideia de separação, não vendo isso como uma possibilidade futura, ao afirmar que “Eu espero que nunca aconteça comigo”.

A independência financeira é apontada pela entrevistada II e III como um dos fatores de aumento da autonomia, pois não é mais necessário que se “ature” um relacionamento por depender do companheiro financeiramente, como faziam as mães e avós. Ressaltando-se a questão de opções e escolha. Isso foi bastante destacado nesse trecho da fala da entrevistada III: “Eu acho que mudou bastante com o passar do tempo, se a gente olhar para a nossa realidade em relação à das nossas mães elas vem de uma condição que elas... a minha mãe em especial, se ela precisar de dinheiro para qualquer coisa ela precisa do recurso financeiro do meu pai, então não é aquela independência que hoje eu tenho”.

Tanto a acessão da mulher ao mercado de trabalho, quanto o aumento de sua independência financeira, parece influenciar a visão de separação, pois aumenta sua autonomia e poder de decisão, colaborando com o que McGoldrick (1995) e Lins (2010) perceberam em suas pesquisas. No entanto, chama atenção a preocupação com relação ao fato de que a facilidade de se separar foi apontada como fator que contribui para diminuir a dedicação do casal para tentar solucionar conflitos, o que foi apresentado no discurso das entrevistadas II, IV e V. Se antes, a submissão da mulher determinada pela sociedade patriarcal era fator que contribuía para a continuidade do casamento, baseado no mito do “feliz para sempre”, na atualidade, parece que a autonomia e o poder de decisão aumentaram os conflitos dentro do casal e a dificuldade de resolvê-los.

Escolha dos parceiros

Quando questionados sobre o que levam em consideração no momento de escolher um parceiro, as entrevistadas destacaram: compatibilidade de ideias, objetivos de vida e valores pessoais comuns, bom humor, nível de escolaridade semelhante, o parceiro deixá-la trabalhar e apoiar seus projetos. As entrevistadas I, III e IV disseram que ter um bom diálogo e poder conversar bastante, sobre assuntos diferentes com o parceiro é um item que influencia bastante.

A entrevistada V destacou que o que busca hoje em um parceiro difere do que buscava no passado “[...] dependendo da idade eu acho que a gente pensa coisas diferentes, porque quando tu é mais jovem tu pensa em romance, hoje claro, isso é importante, tem que gostar da pessoa, mas já pensaria também nessa questão de afinidade [...]”.

Portanto, a impressão é de que o mito do príncipe encantado parece não estar presente na escolha de parceiros das entrevistadas. A visão do estereótipo masculino como o herói, com características de duro, impetuoso, dominador e inexpressivo, apresentada por Lins (2012) é substituída pela de um companheiro mais sensível, compreensivo e que valorize a comunicação. Pode-se considerar que o fato de três das entrevistadas destacarem a importância do diálogo substitui a ideia da submissão, abrindo espaço para a igualdade e a liberdade de expressão da mulher dentro do casal.

Apenas a entrevistada II trouxe como item que o parceiro teria que ser trabalhador e batalhar para conseguir uma vida agradável e estável, o que se encaixa mais nos objetivos em comum (pois ela faria o mesmo), do que no estereótipo de provedor de Lins (2012) e Bisoli-Alves (2000).

A questão apresentada por Feres-Carneiro (2010) de que o relacionar-se é um contexto marcado pela ambivalência entre estabelecer e temer um vínculo permanente e por Anton (2012) de conciliar desejos opostos como o da liberdade com o comprometimento e o da individualidade com o vínculo, aparece no discurso de duas entrevistadas. Bem como, são encontradas semelhanças com conclusões de Borges (2013), que destaca que as mulheres contemporâneas prezam pela individualidade, pela liberdade e independência pessoal e financeira, são encontradas. Entrevistada I: “[...] de certa forma alguém que me permita ainda ser bastante livre” e entrevistada III: “ Eu confesso para ti que o fato de ir morar junto está me causando um sofrimento. [...] é uma decisão difícil para quem mora sozinha e para quem tem uma independência como eu tenho”.

Até o século XX, conforme Lins (2012) a mulher que não se casasse era considerada fracassada e tinha seu prestígio diminuído. Atualmente, conforme o discurso acima nota-se que o fato de abrir mão da independência de morar sozinha parece trazer certo sofrimento e dúvida na hora de tomar a decisão.

Influência da independência financeira na escolha do parceiro

Todas as entrevistadas consideram que existe uma influência de sua independência financeira na escolha de seus parceiros. Seja pelo fato de elas se importarem que os possíveis parceiros também já tenham conquistado sua independência, seja pela necessidade de que o parceiro esteja aberto para se relacionar com uma mulher que é financeiramente independente.

As entrevistadas II, III e IV comentaram que analisam se o homem também já é financeiramente independente quando conhecem um possível pretendente. A entrevistada IV afirmou que “... eu não ia aguentar namorar com uma pessoa que precisa ficar pedindo dinheiro para pai e mãe”.

A entrevistada I comentou que a independência financeira influencia porque alguns homens ainda tem dificuldade de lidar com isso, apesar de se dizerem abertos. Isso parece estar bastante ligado à visão patriarcal de sociedade que ainda não foi totalmente superada, onde é inadmissível um homem aceitar dividir uma conta ou permitir que a mulher pague.

A entrevistada V inicialmente ficou em dúvida se influencia ou não, mas depois considerou que talvez a influência esteja no fato de que, quando uma mulher financeiramente independente vai escolher o parceiro, ela não vai precisar se preocupar em escolher alguém que lhe dê estabilidade. Ou seja, não vai precisar escolher um provedor.

A entrevistada III considerou que a independência financeira vem a dificultar as relações, no sentido de que deixa tanto o homem quanto a mulher mais inseguro, pois: “Você não tem mais aquela coisa de um certo controle, vou buscar em casa, vou levar, vou trazer”. Isso, para ela é considerado como algo positivo, porque deixou a mulher de certa forma menos dependente e isso é um desafio para os homens: “Porque a partir do momento que eles quiserem conquistar alguém legal, eles também vão ter que se tornar pessoas legais”.

Na sociedade patriarcal, mesmo quando havia amor, o casamento estava ligado à realidade financeira, conforme Lins (2012), isso porque a mulher estava ciente de que seu futuro bem-estar material estava ligado à situação financeira do seu futuro marido. Ouvindo as entrevistas percebe-se que a situação financeira continua interferindo, não porque as mulheres precisem dos homens para alcançar uma estabilidade financeira, e sim porque ter um nível de escolaridade e independência financeira semelhantes influencia na compatibilidade de ideias, sonhos, objetivos e principalmente no diálogo, que são considerados questões importantes no momento da escolha do parceiro.

Influência da independência financeira na decisão de ter filhos

Durante a entrevista, a pergunta sobre a decisão de ter filhos foi a que arrancou mais suspiros e risadas das entrevistadas, parecendo ser um ponto que mexe com as emoções, pois apesar de nenhuma delas ser mãe, todas demonstraram o desejo de ser. Preocupação, planejamento, escolha e angústia são as questões mais comuns observadas nas respostas das mulheres quando questionadas se pretendem ter filhos e como pensam em reorganizar sua vida profissional para isso.

A questão da idade é um fator que demonstra preocupá-las, e aparentemente, se não fosse pela questão biológica todas demonstraram a vontade de adiar ainda mais este projeto. Demostram também certa insegurança, medo de se arrepender tanto de ter o filho, como de deixar de tê-lo. Justamente o que traz Bee (1997), a preocupação entre o período fértil versus a acessão no mercado de trabalho.

A entrevistada I destaca que se sente preocupada em relação a filhos, porque já está com 35 anos: “Porque assim, é uma coisa que eu tenho que escolher agora, que se eu não escolher agora eu não sei o que eu vou fazer, não vai ter solução. E aí é uma coisa assim, se eu tiver e me arrepender e não posso devolver, mas e se eu não tiver e me arrepender, daí o que eu vou fazer?”. E ela destaca ainda, revelando maior preocupação com relação a filho do que a relacionamento “Eu acho que relacionamento ele pode acontecer em qualquer idade da vida, sabe, com alguém. Mas filho é uma idade que para mim está ali, eu tenho que decidir e tenho que fazer alguma coisa logo”.

O ritmo de trabalho e a dedicação à vida profissional aparentam ter sido fatores que influenciaram no adiamento do projeto de ser mãe. O que colabora com a ideia de Bee (1997) de que mulheres sem filhos são muito mais inclinadas a ter carreiras em tempo integral e a serem muito mais comprometidas em atingir o sucesso em suas carreiras, de Probst (2003) que afirma que as mulheres têm cada vez mais adiado projetos pessoais, como a maternidade, para consolidar sua posição no mercado de trabalho, e ainda, o que é destacado por Lima et al (2013) sobre o sofrimento e a angústia gerado pelo desequilíbrio entre o trabalho e o lar, e a visão de mulheres executivas que consideram que a maternidade complica a carreira.

Além disso, o fato de não estarem em um relacionamento estável também parece exercer influência no adiamento de ter filhos. A entrevistada III, que tem planos de ir morar com seu companheiro disse que o próximo passo provavelmente seja ter um filho, o que traz a ideia tradicional de família, onde primeiro o casal vai morar junto, para depois pensar em filho. A entrevistada II colabora com essa visão ao dizer que “[...] mas em função de não ter um relacionamento sério, não gostaria (até então pelo menos) de ser mãe solteira”.

Com relação à mudança que um filho traria para sua vida todas demostram acreditar que teriam que reduzir a carga horária de trabalho ou reorganizar a agenda profissional, e muitas vezes, abrir mão de algumas coisas para assumir o papel de mãe. No entanto, apenas a entrevistada V demonstrou disposição de abrir mão da sua independência, caso fosse preciso, para ter um filho, o que pode estar relacionado com a questão da idade.

A angústia com relação a filhos parece estar ligada a que McGoldrick (1995) e Feres-Carneiro (2010) apresentam sobre conflito de papéis familiares e profissionais e a responsabilidade que sempre é maior para a mulher na dedicação com educação e cuidado com os filhos. Pois, todas elas disseram que provavelmente necessitariam reorganizar sua agenda para tornarem-se mães, no entanto, apenas as entrevistada II e III mencionaram a participação do parceiro nesse processo.

 

Considerações finais

A independência financeira feminina foi uma conquista que aumentou a autonomia na vida das mulheres e contribuiu para a transição da sociedade totalmente patriarcal para formas mais igualitárias de relação de homens e mulheres. A grande maioria das mulheres na atualidade não se enquadra no padrão de “princesa dos contos de fadas” que apenas esperava pelo príncipe encantado que iria “salvá-la”, atualmente elas estudam, dedicam-se ao mercado de trabalho e tornam-se independente, deixando em segundo plano os relacionamentos amorosos.

A visão das entrevistadas sobre o casamento destacou a mudança cultural que ocorreu, onde os laços passaram a ser pautados na autonomia e sua duração passou a depender da qualidade da relação, desmistificando o mito do amor romântico e do “viveram felizes para sempre”. A união estável demonstra ser o tipo de relacionamento mais aceito, por ser um vínculo mais informal e prático, o que acaba facilitando a separação. Já a separação, é vista de forma ambivalente, é considerada como positiva, pois passou a ser uma escolha, no entanto, é considerada como negativa, pois passou a ser a primeira escolha diante dos conflitos.

A acessão da mulher ao mercado de trabalho e o aumento da independência influenciou nos relacionamentos, pois estes passaram a ser uma opção, e não um meio através do qual a mulher passaria a ser mais respeitada e valorizada. A autonomia e o poder de decisão também parecem ter aumentado os conflitos no relacionamento e a dificuldade de resolvê-los, pois antes a ideia de eterno fazia com que as pessoas aturassem e relevassem (principalmente as mulheres) os comportamentos do companheiro, no entanto, na atualidade a autonomia e a independência parece ter tornado as pessoas mais individualistas e menos tolerantes.

No momento de escolher seus parceiros as mulheres mostram-se exigentes, pois buscam um companheiro no sentido literal da palavra, uma companhia que venha a somar, a agregar. A visão do estereótipo masculino como herói e provedor é substituída pela de um companheiro mais sensível, compreensivo e que valorize a comunicação, ocorrendo à substituição da submissão, pela de igualdade e liberdade de expressão da mulher dentro do casal.

A independência financeira influencia na escolha do parceiro, não porque as mulheres precisem dos homens para alcançar uma estabilidade financeira, e sim porque ter um nível de escolaridade e independência financeira semelhante influenciam na compatibilidade de ideias, sonhos, objetivos e principalmente no diálogo, que são consideradas questões importantes no momento da escolha do parceiro.

O maior conflito parece estar na decisão de ter filhos, pois diferente do relacionamento amoroso, a gravidez tem prazo limite para acontecer. Preocupação, planejamento, escolha e angústia são os aspectos mais comuns observadas nas respostas das mulheres quando questionadas se pretendem ter filhos e como pensam em reorganizar sua vida profissional para isso. A angústia com relação a filhos parece estar bastante ligada aos conflitos de papéis familiares e profissionais e a responsabilidade que sempre é maior para a mulher na dedicação com educação e cuidado com os filhos.

Sendo essa uma pesquisa de caráter qualitativo, não se pretende generalizar os resultados. Portanto, sugere-se a realização de novas pesquisas relacionadas com a interferência da vida profissional nos relacionamentos amorosos e nos papéis sociais assumidos pelas mulheres. Principalmente, fatores relacionados com a maternidade, como a organização da vida profissional das mulheres após terem filhos, a satisfação com o exercício do papel de mãe, a percepção de mulheres que optam por não ter filhos e a organização do casal moderno diante de tantas mudanças.

 

Referências

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Endereço para correspondência
Marivete Leonor Secco
E-mail: marivetesecco@hotmail.com

Michele Gaboardi Lucas
E-mail: opmichele@hotmail.com

Enviado em: 21/10/2014
1ª revisão em: 25/01/2015
2ª revisão em: 04/04/2015
Aceito em: 29/05/2015

 

 

1 Acadêmica de Psicologia da Universidade do Oeste de Santa Catarina (UNOESC), Unidade de Chapecó (SC).
2 Psicóloga, docente da Universidade do Oeste de Santa Catarina (UNOESC), Unidade de Chapecó (SC).

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