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Pensando familias

Print version ISSN 1679-494X

Pensando fam. vol.19 no.1 Porto Alegre June 2015

 

ARTIGOS

 

Relações familiares de cuidadores de pessoas com deficiência intelectual profunda

 

Family relations of carers of profound intellectually disabled people

 

 

Paulo R. Ferreira1, I; Geraldo A. Fiamenghi-Jr2, II

I Psy Instituto de Psicologia e Desenvolvimento Humano
II Centro Universitário UNIFIEO - Mestrado em Psicologia Educacional

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo desta pesquisa foi estudar as relações familiares no cuidado a pessoas com transtornos crônicos. Participaram desta pesquisa cinco famílias, responsáveis pelo cuidado de pessoas dependentes, com deficiência intelectual profunda, que responderam à escala de Crichton e a uma adaptação do APGAR Familiar (Smilkstein). Os resultados mostraram que as famílias encontram-se integradas na relação de ajuda, participação de seus membros na tomada de decisões, liberdade dos seus membros nas questões financeiras, relação afetiva positiva e tempo que dedicam ao paciente crônico. Nestes casos estudados, a interação familiar não sofreu prejuízo devido à dependência crônica de alguns de seus membros.

Palavras-chave: Família, Adaptação familiar, Deficiência mental, Cuidadores.


ABSTRACT

The aim of this research was to study changes in family relations dues to caring of chronic disabled people. Five families responsible for caring of dependent profound intellectually disabled people participated in this research, answering to the Crichton Scale and to the adapted version of the Family APGAR (Smilkstein). Results showed that families are integrated regarding support, family members’ participation in decision making, freedom in financial issues, positive affective relations and time dedicated to the chronic patient. In the cases studied family interaction has not been disturbed by the chronic dependence of some of its members.

Keywords: Family, Family adaptation, Intellectual disability, Carers.


 

 

Introdução

Pesquisadores, como Nader (1997), perceberam que a família é uma instituição fundamental na compreensão da realidade social e que dela dependem outras instituições e o desenvolvimento econômico e político do Estado. Além disso, a chave para a compreensão entre o desenvolvimento individual e social está na família.

O cuidar da saúde de seus membros sempre foi uma prática comum na família e alguns autores afirmam que esta é uma de suas principais funções (Colliére, 1989). Observa-se hoje que a família cada vez mais vem assumindo a responsabilidade pelo cuidar de seus membros, pois os avanços tecnológicos das últimas décadas proporcionaram mudanças radicais no modo de vida das populações, paralelo a um aumento na expectativa média de vida, provocando grande impacto nos diversos segmentos da sociedade, decorrente, por exemplo, do aumento de doenças crônico-degenerativas.

A família, segundo Lacerda (1996), passa a ter maior significado quando ocorrem modificações nas condições de vida de um de seus membros, por exemplo, quando um adoece. Uma vez que, na maioria das vezes, é o familiar que proporciona cuidado ao doente, esse cuidador necessitará de assistência tanto quanto aquele que está sob seus cuidados.

As famílias, portanto, além de receberem informações por parte dos profissionais de saúde sobre como conduzir o cuidado necessitam ser assessoradas, acompanhadas, esclarecidas e fortalecidas no desempenho deste cuidado e mais, precisam de suporte econômico que dê conta da implementação do cuidado sem comprometer as condições de vida da família como um todo (Mayrink, 1986).

Cuidador familiar é o termo utilizado para caracterizar um familiar qualquer que cuide de um ou mais idosos e/ou pacientes crônicos em sua família. Cuidador familiar primário de idosos e/ou pacientes crônicos caracteriza a situação de um membro da família do idoso e/ou paciente, apontado como responsável pelos cuidados necessários para o bem estar deste (MPAS, 1999).

Uma pessoa em estado de dependência é aquela que necessita transferir para terceiros as atividades necessárias a fim de assegurar as tarefas da vida diária e está associada a uma doença crônica ou deficiência (Vilão, 1995). A saúde e qualidade de vida dos pacientes dependentes crônicos estão diretamente ligadas ao estado físico, psicológico e relação social dos seus cuidadores.

A ajuda às pessoas com necessidades especiais supõe uma intimidade estreita entre estas e quem procura satisfazer as suas necessidades. A ajuda recebida pode ser de âmbito profissional, prestada pela família ou pelos vizinhos e amigos (MPAS, 1999). Os fenômenos de transformação no contexto familiar são importantes para a compreensão da dinâmica familiar no que se refere ao cuidador e ao cuidado do dependente crônico, pois crianças com necessidades especiais tendem a tolerar menores pressões sociais do que as crianças normais (Dunn, 1976).

De modo geral, as questões envolvidas na relação de autonomia e dependência que se estabelece entre um adulto autônomo e o paciente dependente crônico são complexas.

Gatz, Bengtson e Blum (1991) e Zarit (1994) explicam que cuidar de idosos dependentes traz uma variedade de efeitos adversos e reconhecem o impacto emocional vivido por familiares que cuidam de pessoas com doença mental, ou outros problemas decorrentes do envelhecimento. Esse impacto emocional ou sobrecarga tem sido definido como "problemas físicos, psicológicos ou emocionais, sociais e financeiros que familiares apresentam por cuidarem de idosos doentes" (George & Gwyther, 1986, p. 253). Zarit (1997) relata que cuidadores apresentam taxas mais altas de depressão e outros sintomas psiquiátricos e podem ter mais problemas de saúde do que pessoas, com a mesma idade, não cuidadores. Além disso, os cuidadores participam menos de atividades sociais, têm mais problemas no trabalho e apresentam maior frequência de conflitos familiares, seguidamente tendo como foco a forma como eles cuidam do parente (Fiamenghi & Messa, 2007).

Apesar dessas constatações, observamos que algumas pessoas reagem de forma diferente às situações estressantes decorrentes do cuidado prestado (Fiamenghi & Messa, 2007). Assim, para propor intervenções, é necessário identificar a variabilidade das respostas aos estressores, para se promover programas que possam ajudar a limitar o impacto que o cuidar pode trazer ou ajudar a identificar e aumentar fatores que possam mediar e reduzir o impacto (Zarit, 1997).

Segundo Smeltzer e Bare (2002), a doença crônica evolui passando por nove fases. A fase pré-trajetória descreve o estágio em que a pessoa está em risco de desenvolver uma condição crônica devido a fator genético ou estilo de vida, que aumentam a suscetibilidade da pessoa à doença crônica. A fase de trajetória caracteriza-se pelo estabelecimento dos sintomas ou da incapacidade associada a uma condição crônica. Com frequência, essa fase é acompanhada pela incerteza da trajetória da condição crônica, à medida que os sintomas vão sendo avaliados e realizados os exames diagnósticos. A fase estável da trajetória indica que os sintomas e a incapacidade estão sob controle ou gerenciamento. A fase instável caracteriza-se pela instabilidade da evolução frente à recidiva dos sintomas, desenvolvimento de complicações ou reativação da doença. Durante essa fase, as atividades diárias da pessoa podem ser interrompidas pelos sintomas e pela necessidade de desenvolver novos regimes ou estratégias para controlar os problemas. A fase aguda caracteriza-se pelo início súbito de sintomas ou complicações graves ou incessantes, requerendo hospitalização para o seu controle. Essa fase pode exigir modificações importantes das atividades usuais da pessoa por algum tempo. A fase de crise caracteriza-se por uma situação crítica ou com risco de vida, exigindo o tratamento ou cuidado de emergência. A fase de retrocesso é marcada pela recuperação depois de um período agudo. Essa fase inclui aprender a conviver com as incapacidades ou a superá-las e um retorno a um modo aceitável de vida dentro das limitações impostas pela condição crônica. A fase de declínio ocorre quando os sintomas se agravam ou a incapacidade progride apesar das tentativas de controle da evolução por meio do manejo apropriado do regime. Um declínio não leva necessariamente à morte. A tendência de declínio pode ser estancada e a trajetória restabelecida em qualquer ponto, dependendo da condição e do tratamento. A fase terminal é caracterizada pelo declínio gradual ou rápido, apesar dos esforços para estancar o distúrbio ou diminuir a velocidade do declínio pelo controle da doença; ela caracteriza-se pela falha em manter as funções vitais.

A dependência que muitos pacientes têm em relação à família, no nível da execução das tarefas mais simples, da necessidade de ajuda financeira e apoio médico específico, leva às sociedades modernas um desafio. Este consiste em encarar a doença de uma nova forma, com outros profissionais, como psicólogos e assistentes sociais, enquanto técnicos de relação de ajuda, passando a fazer parte da terapêutica destas patologias.

Giacquinta (1977), após analisar 100 famílias, definiu quatro etapas que descrevem as diferentes fases de adaptação da família com doentes em risco de vida. A primeira etapa consiste em enfrentar a realidade e ocorre durante o período em que o paciente recebe o diagnóstico, mantendo-se ativo e continuando a desenvolver as funções habituais no meio familiar. A segunda etapa consiste na reorganização durante o período que precede a morte. Nesta etapa o paciente suspende as funções familiares habituais e vê-se na contingência de receber cuidados médicos em casa ou no hospital. A terceira etapa é a perda e coincide com a iminência da morte e com a própria morte. Nesta altura, a família experimenta a perda e a solidão da separação. Os membros da família podem ter atingido os limites da sua capacidade de suporte e inicialmente confessar o alívio que sentem perante a morte do paciente. Finalmente, a quarta etapa tem a ver com o restabelecimento e é a etapa final de adaptação da família, desenvolvendo-se depois de concluído o luto com sucesso. É importante para a família vencer a indiferença e a ausência de envolvimento social, de forma a aceitar a morte (Marques, 1991).

O presente trabalho busca, portanto, compreender a interação da família com seus filhos deficientes intelectuais profundos dependentes de cuidados, descrevendo como o cuidador familiar vai definir o grau de dependência dos pacientes dependentes de cuidados e os efeitos desses cuidados, na estrutura familiar.

 

Método

1. Participantes

Os participantes desta pesquisa foram cinco famílias, cujos filhos foram diagnosticados com deficiência intelectual profunda, em condição de dependência, com idade variando entre 8 e 25 anos, que frequentam um serviço especializado no atendimento a crianças com deficiência mental, residentes numa cidade do interior do Estado do Espírito Santo.

Preconizou-se esta idade dos filhos (8 a 25 anos) porque se entende que os pais com filhos nessas faixas etárias apresentam uma vivência acumulada com a deficiência. Já tiveram que lidar com alguns desafios iniciais de ter uma criança com esta condição particular, tais como luto do filho idealizado, autonomia motora e a entrada na escola e começam a se confrontar com os desafios da adolescência e da vida adulta. Com os filhos na idade escolar os pais já atravessaram o impacto emocional diante do conhecimento do problema que os afeta e se reorganizaram, podendo falar de suas experiências. Além disso, uma faixa ampla também permitiria recolher informações diferenciadas quanto às necessidades dos cuidadores familiares e dos pacientes.

A pesquisa não ofereceu risco aos participantes e estes poderiam retirar-se da pesquisa a qualquer momento que o desejarem. Foi mantido o sigilo quanto à identidade dos participantes e a pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética (Processo CEP/UPM no. 936/08/06 e CAAE – 0039.0.272.000-06)

2. Instrumentos

Para coletar informações relativas ao participante dependente foi utilizada a primeira parte da Avaliação da Capacidade Funcional (AVD) da Crichton Geriatric Assessment Scale (Bowling, 1994), que avalia a capacidade funcional do paciente e tem a vantagem de permitir conhecer a evolução das suas capacidades e limitações através do registro periódico. A utilização apenas da primeira parte da escala justificou-se uma vez que o restante dela colhe informações que não eram necessárias para este estudo. A figura 1 abaixo exemplifica a ficha de AVD.

 

 

Para a avaliação do grau de integração familiar do paciente foi utilizada uma adaptação do APGAR Familiar, proposto por Smilkstein (1978). O APGAR Familiar consiste num questionário composto por cinco perguntas, que pretende quantificar a percepção que o doente tem do funcionamento familiar, bem como esclarecer o tipo de relação/integração que ele tem com os membros da família. Para esta pesquisa, a primeira coluna do Questionário de APGAR Familiar foi utilizada como forma de avaliação do grau de interação familiar, em relação aos filhos deficientes. A figura 2 abaixo exemplifica o Questionário de APGAR Familiar.

 

 

Os pais responderam também a uma ficha de informações demográficas, com perguntas sobre idade do filho com deficiência, idade da mãe, idade do pai, situação marital, religião, composição familiar, posição do filho com deficiência na prole, ocupação da mãe, ocupação do pai, imóvel próprio, auxílio financeiro externo à família, escolaridade da mãe, escolaridade do pai, renda familiar.

3. Procedimento

Os pais foram contatados em um serviço especializado, numa cidade do interior do Espírito Santo. Após a leitura da Carta de Intenções aos Participantes da Pesquisa e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, foram agendadas entrevistas com os pais/cuidadores primários.

As respostas foram obtidas na casa dos participantes, em espaço reservado, por se tratar de local conveniente e escolhido pelos próprios participantes, com o objetivo de criar um clima mais informal e de mais confiança. Os pais responderam a AVD e, em seguida, o questionário de APGAR Familiar, após fornecerem as informações demográficas.

 

Resultados e Discussão

Inicialmente, podemos observar no Quadro 1 abaixo, os dados de identificação dos pais, cuidadores dos participantes deste estudo, que nos permitem compreender como se dá a interação entre deficientes intelectuais profundos com a família, bem como o grau de dependência dos pacientes dependentes de cuidados e os efeitos desses na estrutura familiar.

 

 

Em relação à idade, os filhos encontram-se em uma faixa etária ampla, com idade entre 8 a 25 anos. As idades dos pais variam entre 30 a 49 anos e todos os pais das cinco famílias são casados. Em relação à religião, quatro famílias são de formação religiosa católica e uma evangélica. Na composição familiar, encontramos duas famílias compostas do cônjuge e mais três filhos; duas famílias com o cônjuge e mais quatro filhos e uma composta do cônjuge, três filhos e mais uma sobrinha.

Observa-se, também, nas cinco famílias entrevistadas, que todos os deficientes intelectuais profundos são o primeiro filho do casal. Este dado é significativo, porque revela que o impacto emocional provocado pelo nascimento de uma criança deficiente na família não trouxe uma ruptura no casal, traumatizando-o ao ponto de não desejarem ter outros filhos, como explicam Mayrink (1986) e Batista (1990).

No que diz respeito à ocupação materna, a maioria se dedica à vida do lar, permitindo lidar com o trabalho doméstico e com o cuidado dos filhos. Apenas uma mãe realiza trabalho fora de casa. Esta situação da maioria das mães se dedicarem ao trabalho do lar deve-se ao fato delas se responsabilizarem integralmente pela criação do filho com deficiência mental. Em relação ao pai, a ocupação de todos os pesquisados localiza-se integralmente fora do âmbito de casa, com dedicação integral a este trabalho.

Quanto à escolaridade, tanto materna quanto paterna, em quatro das cinco famílias, o grau de instrução não excede o ensino fundamental; em apenas uma os pais completaram o nível superior. Quatro das cinco famílias entrevistadas possui casa própria e apenas duas famílias recebem pensão do INSS. A renda mensal das famílias variou entre dois a três salários mínimos e meio e apenas uma família apresenta condições mais favoráveis em relação à renda, dispondo de mais de 8 salários mínimos por pessoa ao mês.

Nas três famílias cuja renda era inferior a um salário mínimo, os filhos recebem atendimento em regime de externato (permanência da criança por um dos períodos do dia, manhã ou tarde) na instituição. Na outra família, o filho além de frequentar a instituição especializada, vai à escola regular.

Para uma melhor análise do conteúdo obtido nos dois questionários (AVD e APGAR Familiar), as respostas foram divididas em duas categorias:

1. Como os familiares compreendem o grau de dependência dos deficientes intelectuais profundos:

Nesta categoria foram reunidas as respostas do questionário adaptado da AVD, que avalia a capacidade funcional do paciente e tem a vantagem de permitir conhecer a evolução das capacidades e limitações do doente através do registro periódico.

Assim, verifica-se que três dos cinco deficientes são dependentes há mais de 15 anos, sendo que dois se situam entre os 8 e os 13 anos, dois se situam entre 17 e os 19 anos e um com mais de 20 anos (dependência desde o nascimento).

Segundo as respostas dos familiares, verificou-se em relação à alimentação, que atualmente três deficientes são independentes, um necessita de orientação e um necessita da ajuda de terceiros. Como podemos verificar segundo os dados obtidos, três dos deficientes pesquisados obtiveram evolução na capacidade de controlar o movimento esfincteriano, o que demonstra um retrocesso no quadro, e dois demonstram estabilidade em relação à trajetória da deficiência. Também se pode observar que, em relação à locomoção, atualmente todos eles são totalmente independentes. Segundo as respostas das famílias, em relação ao banho, atualmente quatro necessitam da ajuda de terceiros e um é totalmente dependente. No início, em relação ao vestir-se, todos os deficientes eram totalmente dependentes e, atualmente, quatro necessitam da ajuda de terceiros e um continua totalmente dependente. Com relação ao dinheiro, todos se encontram totalmente dependentes da ajuda de terceiros, incapazes de se responsabilizar pelo manuseio do dinheiro. Quanto ao uso da medicação, constata-se que todos os deficientes são totalmente dependentes. Em relação ao cuidado do ambiente, atualmente três filhos deficientes intelectuais profundos são totalmente dependentes e dois necessitam da ajuda de terceiros.

Segundo os pais, então, de forma global, atualmente três dos filhos com deficiência intelectual severa são parcialmente dependentes e dois totalmente dependentes.

Os dados apresentados acima são importantes, porque demonstram a percepção da família em relação ao deficiente intelectual profundo, em relação à superação ou às limitações impostas pela deficiência. Percebe-se pelas informações obtidas pelas famílias, que elas são capazes de compreender a cronicidade da doença de seus filhos cuja deficiência apresenta evolução lenta e duração indefinida, ou ocorrência que se estende por muitos meses ou anos, de acordo com o que explica Giacquinta (1977).

Este dado é importante, pois revela que os deficientes intelectuais profundos, na maioria das atividades cotidianas, na execução de tarefas simples, na necessidade de ajuda financeira e apoio médico, têm uma dependência permanente em relação à família, o que corrobora a posição de Smeltzer e Bare (2002).

O quadro 2 mostra as diferenças entre a dependência no início da vida e na atualidade, como percebida pelas famílias.

 

 

2. A interação da família com seus filhos deficientes intelectuais profundos dependentes de cuidados:

Nesta categoria foram reunidas as respostas do questionário adaptado do APGAR Familiar, proposto por Smilkstein (1978). Para esta pesquisa, a primeira coluna do Questionário de APGAR Familiar foi utilizada como forma de avaliação do grau de interação familiar, em relação aos filhos deficientes intelectuais profundos.

Verifica-se que quatro dos cuidadores sentem-se satisfeitos com a ajuda dos membros da família e apenas um refere que algumas vezes se sentiu satisfeito.

Em relação à tomada de decisões na família, constata-se que no início e atualmente todos os cuidadores informais se sentem quase sempre satisfeitos com a participação da família na tomada de decisões. Os dados apresentados demonstram a satisfação na maioria das famílias na partilha sobre a tomada de decisões e das responsabilidades pelos membros da família, na comunicação e na solução de problemas.

No que se refere à liberdade na família, verifica-se que desde o nascimento da criança, até a atualidade, quatro dos cuidadores sentem-se quase sempre satisfeitos com a sua liberdade dentro da família e apenas um deles refere que algumas vezes se sentiu satisfeito.

Verifica-se que tanto no início, como atualmente, quatro dos cuidadores informais se sentem quase sempre satisfeitos com a dedicação da família e apenas um algumas vezes satisfeito com a dedicação da família.

Os dados obtidos demonstram a satisfação dos membros das famílias com a maturidade emocional e realização conseguida pelo apoio e solidariedade no seio da família, ao contrário do que afirmam George e Gwyther (1986).

Estes dados são importantes porque revelam que a partilha na tomada de decisões e na responsabilidade pelos membros da família tem gerado um sentimento de unidade e reciprocidade. Além disso, demonstram que as famílias têm usado recursos dentro e fora da estrutura familiar para a solução de problemas, mobilizando e interagindo com naturalidade com comportamentos e atitudes que instrumentalizem forças para o ajuste social familiar (Fiamenghi & Messa, 2007).

Podemos constatar com estes dados que embora as famílias tenham uma criança deficiente intelectual profunda, não houve a desestruturação na relação afetiva da família, como explica Prado (1975).

Portanto, existe um sentimento de satisfação das pessoas da família com a dedicação de seus membros, buscando o conforto. Assim, a função econômica da família se realiza normalmente pela divisão do trabalho entre seus diversos componentes (Prado,1985).

Nessa pesquisa observou-se que, do surgimento da deficiência (início da vida) até a atualidade, as famílias encontram-se integradas na relação de ajuda, da participação de seus membros na tomada de decisões, na liberdade dos membros da família nas questões financeiras, na relação afetiva e no tempo que os membros da família dão ao deficiente intelectual profundo, como proposto pelo MPAS (1999). Percebe-se que a interação familiar não sofreu prejuízo devido à deficiência de seus membros e que elas foram bem sucedidas nas fases de adaptação ao transtorno. Podemos verificar que, no caso destas famílias, a deficiência não foi um agente desestruturador familiar e elas continuam integradas e suprindo satisfatoriamente as necessidades dos deficientes intelectuais profundos, de acordo com o que propõe Lacerda (1996).

 

Considerações finais

Os fatos conjunturais e as pesquisas apontam que o cuidado em domicílio de pacientes acometidos de patologias neurológicas ou de outras doenças crônicas, não é mais uma tendência, é uma realidade.

O cuidado informal é, e continuará sendo realizado pelos membros da família, na maioria dos casos e em situações que englobam condições crônicas, de dependência parcial ou total, em curto, médio e longo prazo.

A família é a instituição básica da sociedade humana, pois não se trata apenas de um grupo biológico, mas do ambiente onde os acontecimentos mais importantes da vida são vividos. A família, portanto, é o núcleo do afeto, devendo gerar apoio e solidariedade. Ela é o campo onde as interações humanas manifestam seus sofrimentos e alegrias, forças e fraquezas, ânimo e desânimo.

Por meio deste estudo, foi possível refletir sobre as interações na família com seus filhos deficientes intelectuais profundos, dependentes de cuidados, no contexto do cuidado familiar, seu papel e relações. Embora exista uma predominância de aspectos positivos na relação dos membros das famílias com o deficiente intelectual profundo e sua interação familiar nestes casos analisados, eles não podem ser generalizados para outros contextos.

O estudo constatou que as famílias analisadas de deficientes intelectuais profundos foram capazes de identificar o grau de dependência de seus filhos e que desde o início da identificação da deficiência até o momento, a dependência de cuidados familiares e as doenças consequentes à deficiência profunda de seu filho, que resultam num desgaste físico e emocional, não foram capazes de desestruturar a relação familiar.

Contudo, como o número de participantes foi reduzido, sugerimos que a continuidade das pesquisas se faça, aumentando o número de famílias, além de introduzir uma entrevista, para que se possa aprofundar as questões emocionais e vivenciais dos envolvidos no cuidado crônico.

 

Referências

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Endereço para correspondência
Geraldo A. Fiamenghi-Jr
E-mail: geraldo.fiamenghi@unifieo.br/gfiamenghi@hotmail.com

Enviado em: 29/05/2014
Aceito em: 19/06/2015

 

 

1 Psy Instituto de Psicologia e Desenvolvimento Humano.
2 UNIFIEO - Mestrado em Psicologia Educacional.

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