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Pensando familias

versão impressa ISSN 1679-494X

Pensando fam. vol.20 no.1 Porto Alegre jul. 2016

 

ARTIGOS

 

Paternidade no contexto da adoção

 

Fatherhood in the context of adoption

 

 

Rovana Kinas Bueno1; Mauro Luís Vieira2; Maria Aparecida Crepaldi3

Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Existem diferentes caminhos para ser pai. Um deles é por meio da adoção. O presente estudo tem como objetivoinvestigar a paternidade nesse contexto. Os objetivos específicos são:descrever a vivência dos pais durante a espera pela criança; caracterizar a experiência de paternidade; e identificar os sentimentos e as percepções dos pais com relação aos filhos. Participaram do estudoquatro pais (homens) que possuíam um filho adotivo na idade de três ou quatro anos.Realizouse uma entrevista, cujo conteúdo foi analisadoqualitativamente por meio da análise categorial temática. Verificou-se, dentre os resultados, que: a) o período de espera pela criança foi vivenciado como um momento de ansiedade; b) os pais experienciarama paternidade como algo gratificante; e c) dentre os sentimentos que os pais nutrem pelos seus filhos está o amor e medo/preocupação com relação ao bem-estar do filho. Conclui-se que os pais adotivos se mostraram envolvidos com seus filhos.

Palavras-chave: paternidade; relações pai-filho; adoção.


ABSTRACT

There are different ways to be a father. One is through the adoption. The present study aimed to investigate the fatherhood in the context of adoption. The specific aims are: describe the experience of fathers while they were waiting for the child; characterize the parenting experience; and identify the feelings and perceptions of fathers about their children. Study participants were four fathers who had an adopted child at the age of three or four years. It was realized an interview, whose content was analyzed qualitatively by thematic categorical analysis. It was found as result that: a) the moment of waiting for the child was experienced as a moment of anxiety; b) fathers experienced the fatherhood as something rewarding; c) among the feelings that fathers have with their children is the love and fear/concern aboutthe child's welfare. It was concluded that adoptive fathers are very involved with their children.

Keywords: fatherhood; father-child relations; adoption.


 

 

Introdução

O papel do pai e as expectativas com relação à paternidade sofreram alterações ao longo dos anos(Dessen, 2010). Constata-se maior envolvimento do pai com os filhos e com as tarefas domésticas (Staudt & Wagner, 2008). O envolvimento paterno pode ser entendido por meio das dimensões interação (o que o pai faz com a criança), disponibilidade (acessibilidade física ou psicológica do pai para a interação com a criança) e responsabilidade (tarefas que o pai assume com relação à criança)(Lamb, 1997). A paternidade pode ser pensada a partir do envolvimento do pai com seu filho(a), assim como a forma como ele vivencia ser pai e os sentimentos que nutre pelo seu filho(a).

O envolvimento paterno pode receber influência de diversos fatores, como por exemplo, a motivação em ser pai, habilidades que o mesmo possui com crianças, o apoio que recebe das pessoas para se envolver com a criança,as demandas do trabalho (o quanto que o pai poderá estar disponível) (Lamb, 1997), as características da criança e do próprio pai (Pleck, 1997) e o relacionamento conjugal (Bossardi, 2015). A paternidade, a forma como esta é vivenciada, e essas características que interferem no envolvimento paterno têm sido foco de diferentes estudos(Piccinini, Silva, Gonçalves, Lopes, & Tudge, 2004, 2012; Pleck, 1997), os quais intensificaram-se nas últimas três décadas (Lamb, 1997).

Grande parte dos estudos sobre a paternidade no Brasil refere-se a pais biológicos (Vieira et al., 2014). Contudo, como a paternidade é uma experiência que vai sendo construída ao longo do tempo(Costa & Rossetti-Ferreira, 2007; Silva & Piccinini, 2007), é importante investigar como esse processo ocorre em famílias com filhos adotivos, uma vez que a adoção é uma das formas de o homem se tornar pai. Nesse sentido, pode-se compreender a adoção como acolher uma criança abandonada e torná-la filha (Weber, 2005).

Constata-se que muitas das obras sobre paternidade e adoção não são indexadas- ou seja, são livros, capítulos de livro; teses e dissertações sobre a temática - e que maioria das produções brasileiras na área da Psicologia enfoca a paternidade ou o contexto de adoção, o que reforça a importância de estudar essas duas temáticas associadas. Poucas são as obras (Andrade, Costa, & Rossetti-Ferreira, 2006) que evidenciam asdiferentes formas de significação da paternidade adotiva, o que enfatiza a necessidade de mais estudos sobre o assunto.

Entende-se que a adoção pode ser um dos fatores que interfere no envolvimento do pai com os filhos e na própria experiência de paternidade. Que desejos estão envolvidos no processo de adoção? Como o pai adotivo se descreve como pai? Quais são os sentimentos que esses pais nutrem pelos seus filhos? Questões como essas são ponto de partida para compreender melhor essa influência, e por essa razão, faz-se necessário explorar como é ser pai de uma criança adotiva na perspectiva desses pais. Ressalta-se que não é intuito identificar o quanto a adoção interfere na paternidade, mas compreender melhor a paternidade por meio da adoção.

Considerando o exposto, este artigo, derivado de uma dissertação de mestrado,teve como objetivodescrever a paternidade no contexto da adoção. Como objetivos específicos, elenca-se os seguintes: a) descrever a vivência dos pais durante a espera pela criança; b) caracterizar a experiência de paternidade; e c) identificar os sentimentos e as percepções dos pais com relação aos filhos. Para tanto, compreende-se a paternidade como a vivência em ser pai, a qual é perpassada pela relação que o pai estabelece com seu filho. Os termos "vivência" e "experiência", embora distintos, serão considerados neste trabalho como sinônimos.

 

Método

Caracterizaçãoda pesquisa

Trata-se de uma pesquisa qualitativa, do tipo exploratória e descritiva. Nesse sentido, busca examinar o fenômeno em profundidade, visando, portanto, explorar e descrever a paternidade no contexto da adoção.

Participantes

Participaram do estudo quatro pais (homens) com um filho adotivo na idade de três ou quatro anos, acessados em duas instituições que trabalham com a adoção, em uma cidade do sul do Brasil. Esses pais decidiram pela adoção após não conseguirem ter filhos biológicos, e adotaram seus filhosquando estes estavam entre um e três meses de vida. Todos os pais entrevistados tornaram-se pais por meio de uma adoção legal, ou seja, realizada por meio de um processo judiciário.

Assim, participaram da pesquisa os pais que se enquadravam nos critérios de inclusão estabelecidos: ter um filho(a) adotivo; estar casados ou com uma união heterossexual desde pelo menos o momento da adoção;ter adotado seu filho(a) com até um ano de idade através de uma adoção legal; e no momento da coleta de dados a criança deveria ter três ou quatro anos de idade. O critério de exclusão foi a criança ou o pai apresentar alguma deficiência.

Para o presente estudo, cada família foi nomeada com um número. A seguir, descreve-se brevemente cada um dos pais.

O pai P01 tem 37 anos, é casado há 11 anos com E01 da mesma idade, e adotaram um menino que está com três anos e um mês. Ele tem ensino superior completo, é funcionário público e trabalha 40 horas semanais, e sua esposa é do lar e tem ensino médio completo.

O pai P02 tem 50 anos e possui uma união estável há 19 anos com E02 de 47 anos de idade, sua filha adotiva possui três anos e sete meses. Ele tem ensino superior completo, é corretor de imóveis,e sua esposa temensino médio completo e é do lar.P02 trabalha aproximadamente 16 horas por semana.

O pai P03 e sua esposa possuem 53 anos de idade, estão casados há 30 anos, e seu filho adotivo está com quatro anos e seis meses. Ambos possuem curso de pós-graduação, e trabalham 40 horas por semana, e às vezes até mais que isso. Ele é médico e ela é professora universitária.

E o pai P04 tem 37 anos,sua esposa tem 39 anos, e elesestão casados há 13 anos. A filha adotiva deles tem quatro anos e onze meses. Ambos têm o ensino médio. Ele é vigilante, trabalha 36 horas por semana no turno noturno, e sua esposa, aproximadamente, 16 horas como diarista (no restante do tempo ela é do lar).

 

Instrumentos

Neste artigo serão apresentados os resultados obtidos por meio de dois instrumentos. Um foi o Questionário Sociodemográfico que incluiu questões como idade, escolaridade, tempo de união, número de pessoas da família, profissão e jornada de trabalho,e foi utilizado para caracterizar os participantes da pesquisa. Ele foi desenvolvido por um grupo de pesquisa do qual os autores fazem parte. O outro foi a Entrevista com Roteiro Semiestruturado de Envolvimento Paterno, elaborado para a presente pesquisa, cujo roteiro apresentava perguntas sobre a vivência da adoção, o envolvimento paterno e a relação pai-filho.

 

Procedimento de coleta de dados

O presente estudo atendeu aos aspectos éticos, sendo aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos (CEPSH), sob o Parecer Consubstanciado 216.414. A coleta de dados durou aproximadamente uma hora e meia com cada um dos participantes. A coleta foi realizada na instituição em que os pais foram acessados, com exceção de um dos pais, que preferiu realizar a coleta em sua residência. Para a referida coleta, os pais assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido em duas vias, uma ficando em seu poder, e então, responderam ao Questionário Sociodemográfico e à Entrevista com Roteiro Semiestruturado de Envolvimento Paterno.A entrevista foi gravada com o consentimento dos participantes e transcrita, posteriormente, na íntegra, para a realizaçãoda análise dos dados.

 

Análise dos dados

Realizou-se análise de conteúdo do tipocategorial temática(Bardin, 1977), utilizando-se o Software Atlas.ti 5.1. Empregou-se dessa análise os seguintes procedimentos: Leitura flutuante das entrevistas; nova leitura para identificação dos elementos temáticos (unidades mínimas de análise); síntese de cada entrevista; elaboração do quadro de análise temática; e categorização dos elementos temáticos a partir dos dados analisados.

As categorias temáticas que emergiram na análise das entrevistas foram submetidas separadamente a dois juízes, pesquisadores na área da Psicologia. A concordância de cada um dos juízes com a pesquisadora foi de 90%. Utilizou-se a equação de avaliação de fidedignidade derivada da metodologia observacional para calcular o índice de concordância4.

 

Resultados

Com a análise dos dados, emergiram as seguintes categorias: "Vivência do processo de adoção"; "Experiência em ser pai"; e "Sentimentos e percepções do pai com relação ao filho". Essas categorias serão apresentadas a seguir.

Categoria "Vivência do processo de adoção"

Essa categoria refere-se aos desejos, às motivações, e à ansiedade que envolve o processo percorrido para se adotar uma criança. O desejo ou falta de desejo em ter um filho é evidenciado por todos os pais da seguinte forma: Os pais P01 e P04 relatam que eles e suas esposas desejavam ter um filho. Contudo, os pais P02 e P03 relatam que eles não tinham esse desejo: "Não, não, eu nunca tinha... eu nunca tive muito esse desejo. Nunca me chamou muito atenção ser pai. Sabe, não era uma coisa que fosse na época pra mim muito importante" (P03). Segundo relato de P04, sua família também expressou o desejo de que o casal tivesse filhos, o pressionando para ter.

As motivaçõesdizem respeito às razões pelas quais os pais referiram o que os impeliram a adotar uma criança. Verifica-se que o principal motivo foi a infertilidade, verificada em todos os casais, após tentativas de ter filhos biológicos. Todavia, também surge como motivação para adoção a caridade (P01). Já P04 também elencou como motivação "ter alguém para os cuidar quando envelhecerem".No trecho a seguir, contata-se a idade avançada da mãe aliada à infertilidade.

Aí a gente tentou ter filhos e não conseguimos, ela não engravidou. (...) A gente tentou um ano. Ter filho natural. E como não conseguiu, os dois já estavam com uma idade relativamente avançada nessa época, 40 e poucos, "ah, então vamos adotar!"(P03).

Um dos sentimentos evidenciados ao longo das entrevistas nesse processo de espera pela criança foi aansiedade, a qual foi evidenciada por todos os pais, os quais alegaram que achavam que a adoção não iria mais acontecer. P02 afirma: "A gente esperava, mas não esperava, porque já haviam passado cinco anos, e eu vinha aqui seguido pra ver se eles não tinham nos tirado da lista de espera, mas não, era assim mesmo". Essa demora foi mensurada pelo tempo de espera pela criança, cuja média foi de quatro anos e três meses: P01, P02, P03 e P04 esperaram, respectivamente, três anos, cinco anos, cinco anos e quatro anos.

Categoria "Experiência em ser pai"

Essa categoriacontempla como o pai delineia a transição para a paternidade, os sentimentos em ser pai e como se descreve como pai. A transição para a paternidade foi experienciada de diferentes maneiras. P01 relata "(...) Assim, me colocaram o crachá de pai de um dia pro outro, então foi bem assim, estressante, mas pelo lado bom assim, porque a gente não tinha nada (...)". P01 referiu ter experienciadoessa transição de modo brusco, possivelmente porque não houve uma gestação biológica e, portanto, não houve um período mais concreto de preparação psicológica. P02 explicou que no dia a dia foi aprendendo a técnica de ser pai. Além disso, ressalta-se que os pais também falam que a chegada do filho foi um "marco" e relatam que foi uma mudança radical em suas vidas.

Os sentimentos em ser pai se referem às suas emoções e à sua vivência da paternidade. Esses foram relatados positivamente por todos os pais, os quais afirmaram ter sido uma experiência muito boa: "Eu só tenho a falar coisas boas. A experiência foi a melhor possível, a melhor possível" (P01). Todos os pais também relataram ser gratificante ser pai. P01 afirma que se surpreendeu positivamente consigo mesmo, e P04 ressalta que para ele, ser pai é uma experiência única.

Todos os pais, ao se descreverem muito positivamente como pais, afirmaram que seu papel é importante para a criança. A seguinte frase exemplifica essa percepção: "Olha, em termos de qualidade eu acho que eu posso me dizer que eu sou um pai, um pai, acima da média" (P01). Os pais também se perceberam como amigos do filho (P02 e P04), preocupados com o filho (P01 e P03), atenciosos (P02), carinhosos (P01 e P02), protetores (P02 e P03), provedor (P02), participativo (P01), mas também impaciente (P01).

Categoria "Sentimentos e percepções do pai com relação ao filho"

Essa categoriaengloba o amor como sentimento dos pais com relação aos filhos, e medos e preocupações com relação à criança. Assim, um dos sentimentos mais mencionados pelos pais foi o "amor". P01 e P02 falaram do amor sentido como algo instantâneo no momento em que conheceram a criança e que sentiram que esse amor "maravilhoso" [sic] foi algo que facilitou seu envolvimento paterno. A fala de P01 exemplifica esse sentimento:

(...) a gente foi lá conhecer a criança e assim, parece que ela já tinha saído da maternidade, porque, foi uma coisa tão... uma empatia, uma afinidade, um amor que logo se criou (...) mas, foi assim, amor à primeira vista, claro que ninguém ama assim à primeira vista, mas digo naquela conotação, que todo mundo gostou, minha família toda assim, vê ele como uma criança iluminada, e foi bem legal.

P02 imagina que o amor que sente pela filha não deva ser diferente de um amor por filhos biológicos. Já P01 falou que acredita que o amor que sente pelo seu filho adotivo seria igual ou maior do que o amor que sentiria por um filho biológico. O pai P04 também relatou se sentir muito apegado à sua filha. P03 e P04 alegaram que percebem seus filhos mais apegados a eles do que a suas esposas.

Além do amor, os pais também relataram o sentimento de medo:

Sinceramente eu tinha um pouco de reticências porque nunca na minha família tinha história de adoção, a gente sempre ouve casos e tal de situações da criança que vem com trauma, aquela coisa toda, eu tinha realmente medo assim, medo, um receio, mas depois eu fui avaliando, refletindo e tal... (P01).

P03 também comentou:

(...) Preconceito, eu acho, sei lá. (...) Eu tinha muito medo de como é que eu ia me sentir em relação a ele, eu achei que eu poderia até não gostar dele, sei lá, passava isso na minha cabeça, mas não existe. Como eu te disse, é intenso.

 

Discussão

Cada uma das categorias descritas nos resultados contempla um objetivo proposto por este estudo. A seguir, discute-se cada uma das categorias encontradas.

Vivências do pai no processo de adoção

Como dois dos quatro pais não tinham inicialmente desejo em ter um filho, mas relatam sentiremse realizados em sua paternidade e envolvidos com seu filho, pode-se inferir que a falta inicial desse desejo não pareceu influenciar no envolvimento paterno. Além disso, verifica-se que a pressão social para que o casal tenha filhos é uma realidade, o que pode aumentar a angústia dos casais que desejam ter filhos, mas biologicamente não conseguem ou apresentam dificuldades.

A infertilidade costuma ser fonte de angústias dos casais (D'Andrea, 2002), os quais precisam lidar com essa situação. A infertilidade é a principal motivação para a adoção evidenciada na literatura (Schettini, Amazonas, & Dias, 2006; Weber, 2003). Essa motivação remete o que se denomina de adoção clássica, a qual busca suprir as necessidades e interesses dos casais, cujos primórdios tinham o objetivo de deixar descendência a quem não possuía filhos biológicos (Weber, 2003).

Todavia, a adoção por caridade elencada por um dos pais remete à adoção moderna que busca garantir o direito de toda criança crescer e ser educada por uma família (Weber, 2003).Contudo, na adoção moderna o principal objetivo é a preocupação em dar uma família a uma criança, o que não foi o caso, nesta pesquisa. Já a motivação em "ter alguém para cuidá-los quando envelhecerem", remete à adoção clássica explicitada anteriormente.

A ansiedade apareceu como um sentimento presente durante a espera pela criança, a qual pareceu intensificar-se por conta da morosidade no processo de adoção. Constata-se que além da burocracia, o que torna o processo demorado é o perfil de criança escolhido pelos adotantes. Nesse sentido, se faz importante pensar na possibilidade de os pais saberem quando são os próximos da "fila", e que sejam orientados sobre como costuma ser esse momento, até para que eles possam, se assim o desejarem, se preparar para quando o filho vier, e não serem "pegos tão de surpresa" [sic].

Experiência de paternidade

Os resultados revelam que a paternidade pode ser tanto um momento cheio de significados, transformações e responsabilidades, como um momento de reavaliação dos valores e da educação que recebeu de seus próprios pais(Gabriel & Dias, 2011). No presente estudo, constata-se que há pais que experienciam o tornar-se pai de forma brusca, mas há também os que vivenciam o processo como a paternidade sendo construída no cotidiano. Para muitos homens, o sentir-se pai pode ocorrer apenas após o nascimento/chegada da criança. Outra hipótese para o pai ter vivenciado o "tornar-se pai" de modo brusco, pode ser porque o processo de adoção demorou para acontecer ou porque a criança chegou sem um aviso "prévio". A paternidade como algo construído aos poucos, na relação do pai com o filho também é evidenciada em Costa e Rossetti-Ferreira (2009).

A mudança no cotidiano das famílias é esperada, uma vez que com a chegada de um filho, o casal precisa construir o que é denominado de subsistema parental, no qual o casal deve se organizar para desempenhar as tarefas de cuidados e de socialização da criança, sem perder o apoio mútuo (Minuchin, 1982). Nesse momento, ampliam-se os papéis dos membros da família, como o casal, além de marido e mulher, tornam-se pais. Assim, quando o casal torna-se uma família, o mesmo deve se reorganizar e renegociar os papéis e funções de seus membros (Minuchin, 1982). A percepção sobre esse processo pode variar, como foi constatado nesta pesquisa, na qual um dos pais experienciou de modo mais "brusco" enquanto o outro o experienciou de modo mais gradativo.

Essa percepção positiva em como se descrevem como pais qualifica o tipo de participação prestada pelo pai ao seu filho, a qual se revelou grande (na perspectiva dos pais)(Bueno, Vieira, & Crepaldi, 2015). Nesse sentido, os pais afirmam que sua relação com seu filho é permeado por trocas de afeto e carinho(Otuka, Scorsolini-comin, & Santos, 2009).

Chamou a atenção que, em um estudo com mães adotivas (Sonego & Lopes, 2009), estas alegaram que percebem seus maridos como excelentes pais. Isso reforça a ideia de que os pais adotivos se mostram muito participativos e há maior igualdade entre eles e as mães no que se refere às tarefas de cuidado das crianças (Schettini et al., 2006). Ressalva-se que isso não significa que ser pai adotivo é melhor do que ser pai biológico; e sim, que o fato do homem ser pai por adoção poderá interferir na forma como o pai se envolve com o filho, interferência essa que resultará de inúmeros fatores, e não apenas do fato de haver inicialmente essa maior igualdade entre homem e mulher.

Sentimentos dos pais em relação aos filhos

O amor "imediato" sentido pelos pais também foi encontrado em uma pesquisa com mães adotivas (Sonego & Lopes, 2009). Embora os pais alegassem que esse amor foi imediato, pode-se pensá-lo como um sentimento que foi de certa forma, "construído" durante a espera pela criança.

Segundo relato dos pais, parece não haver diferença em seus sentimentos pelo fato de os filhos serem adotivos. Isso é verificado em um estudo com filhos biológicos e adotivos (Glover, Mullineaux, Deater-Deckard, & Petrill, 2010), que não encontraram diferença com relação aossentimentos de pais e mães para com os filhos adotivos ou biológicos. As mães adotivas também alegaram que o amor que sentem pelo filho adotivo é igual ao de um filho biológico, resposta esta dada por mães que também tinham filhos biológicos e pelas que tinham apenas filhos adotivos (Sonego & Lopes, 2009).

As dúvidas e incertezas sobre a capacidade de acolher como filho uma criança que não foi gerada pelo casal precisam ser elaboradas durante o processo de adoção (Levy, Dinana, & Pinho, 2009). Esse receio por parte dos candidatos à adoção pode estar relacionado ao preconceito que ainda existe com relação às crianças adotadas, ou pode estar relacionado às histórias de adoção que "não deram certo" (Alvarenga & Bittencourt, 2013).

 

Considerações finais

Por meio da análise dos resultadosda presente pesquisa, constatou-se que a paternidade no contexto da adoção é vivenciada positivamente e experienciada de diferentes maneiras. Trata-se de uma paternidade perpassada pelos desejos e pressão em ter uma descendência, bem como ansiedade durante a espera pela criança, a qual, após chegar na família, evoca sentimentos de amor e medo nos pais.Desse modo, a compreensão da paternidade pode ser múltipla, dependendo do foco que lhe é atribuído e da forma como é estudada.

Como limitações do presente estudo, tem-se o número reduzido de participantes. Nesse sentido, embora esses pais tenham se mostrado muito envolvidos com seus filhos, e tenha se constatado uma maior igualdade da participação deles e de suas esposas na vida da criança, o estudo não permite afirmar se estas seriam peculiaridades deste estudo ou dos pais adotivos de modo geral em comparação aos pais biológicos.

Destaca-se que, no final de cada coleta de dados, os paisafirmaram ter gostado de participar da pesquisa e se colocaram à disposição para contribuírem em futuros estudos.Dessa forma, sugere-se que mais estudos sejam desenvolvidos com pais adotivos, tanto comparando pais biológicos, adotivos e padrastos, quanto enfocando os pais com crianças adotivas de diferentes idades (como os filhos adolescentes). Estudos longitudinais com pais adotivos e seus filhos também seriam importantes para a compreensão de como essa relação se desenvolve e se mantém ao longo do tempo. Assim, enfatiza-se a necessidade de maiores estudos sobre o pai adotivo, os quais poderão contribuir na elaboração de estratégias para a promoção de saúde psicossocial das famílias adotivas.

 

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Endereço para correspondência
Rovana Kinas Bueno
E-mail: rovanak@gmail.com

 

Enviado em 09/12/2015
Primeira revisão em 29/03/2016
Aceito em 28/04/2016

 

 

1 Psicóloga. Especialista em Terapia Individual, Familiar e de Casal. Mestre em Psicologia. Doutoranda em Psicologia. Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
2 Psicólogo. Psicólogo. Mestre e Doutor em Psicologia Experimental. Docente do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
3 Psicóloga. Mestre em Psicologia Clínica. Doutora em Saúde Mental. Docente do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
4 O índice de concordância resulta do número de acordos do juiz com a pesquisadora dividido pelo número de acordos somados ao número de desacordos, o resultado foi multiplicado por 100 para resultar em uma percentagem.

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