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Pensando familias

versão impressa ISSN 1679-494X

Pensando fam. vol.20 no.1 Porto Alegre jul. 2016

 

ARTIGOS

 

Abordagem da transgeracionalidade na terapia sistêmica individual: um estudo de caso clínico

 

Transgenerationality's approach in individual systemic therapy: a clinical case study

 

 

Edgmara Giordani CamiciaI,1; Stefany Bischoff da SilvaI,2; Beatriz SchmidtII,3

IFaculdade da Serra Gaúcha (FSG)
II
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O presente trabalho consiste em um estudo de caso clínico sobre a terapia sistêmica individual de uma jovem adulta, realizado em clínica-escola de psicologia. Particularmente, foram priorizados os aspectos transgeracionais abordados ao longo do processo terapêutico, o qual ocorreu durante o período de oito meses, com sessões semanais. Conforme requer o pensamento e a prática sistêmica, o tratamento considerou a cliente no contexto da sua rede de relacionamentos e experiências, enfatizando os significados que ela atribuía a esses eventos, para favorecer que fossem reajustados no sentido de se tornarem mais coerentes e adaptativos. Assim, trabalhou-se na perspectiva da promoção da qualidade de vida e de relacionamentos mais saudáveis, sobretudo no que tange à família de origem, à conjugalidade, à coparentalidade e às práticas parentais. Entende-se que esse estudo pode contribuir para a atuação profissional dos terapeutas sistêmicos, à medida que lança luz sobre a terapia individual de jovens adultos, o que ainda parece pouco discutido na literatura, notadamente no Brasil.

Palavras-chave: terapia sistêmica individual; transgeracionalidade; desenvolvimento do adulto; adulto jovem; relações familiares.


ABSTRACT

This work consists in a clinical case study about individual systemic therapy of a female young adult, held in a school clinic. In particular, priority was given to transgenerational issues addressed throughout the therapeutic process, which occurred during eight months, with weekly sessions. As requires systemic thinking and practice, the treatment considered the client as part of a network of relationships and experiences, emphasizing the meanings that she attributed to these events, to encourage transformations in order to become more consistent and adaptive. Thus, the clinical work aimed to promote quality of life and healthier relationships, especially with respect to the family of origin, conjugality, coparenting and parenting practices. This study may contribute to the professional practice of systemic therapists, as it sheds light on the individual therapy for young adults, which still seems little discussed in the literature, notably in Brazil.

Keywords: individual systemic therapy; transgenerationality; adult development; young adult; family relations.


 

 

Introdução

De acordo com a teoria do ciclo vital da família, o desenvolvimento individual se dá circunscrito no desenvolvimento familiar, uma vez que a família consiste no principal contexto de socialização dos indivíduos. Nessa perspectiva teórica, o ciclo de vida familiar é constituído por estágios, que compreendem o relacionamento intergeracional, de modo que os sintomas individuais podem estar associados ao funcionamento familiar ao longo do tempo. O estágio de lançamento do jovem adulto, por exemplo, requer a resolução de tarefas desenvolvimentais atinentes à diferenciação da família de origem, para dela se separar sem romper, e à aceitação da responsabilidade emocional e financeira pelo "eu". No estágio de união das famílias no casamento, pressupõe-se o comprometimento com a formação do subsistema conjugal, o que demanda o realinhamento do relacionamento com famílias ampliadas para a inclusão do cônjuge. Por outro lado, nas famílias com filhos pequenos, é esperado que os adultos avancem uma geração e se tornem cuidadores da geração mais jovem, fazendo-se necessário o ajustamento conjugal para a criação de espaço para o filho, além do compartilhamento de tarefas de cuidado à criança (Carter & McGoldrick, 1995).

Nas situações em que o jovem adulto não consegue se diferenciar adequadamente de sua família de origem, é provável que siga reproduzindo padrões familiares de relacionamento afetivo com os quais não concorda, em vez de estabelecer soluções adequadas para as suas próprias relações (Souza, 2010). Em linhas gerais, a ocorrência de conflitos familiares e de casamentos prematuros por parte do jovem adulto nesse estágio se associa ao fato de a saída dos filhos da casa dos pais não ser encarada como uma transição natural (Pellegrini, Silva, Barreto, & Crepaldi, 2015). No que tange especificamente ao casamento, há indicativos de que o namoro, importante etapa a ser cumprida previamente à união conjugal, tem sido cada vez mais breve nas relações contemporâneas (Heckler & Mosmann, 2014), o que aumenta a probabilidade de disfuncionalidade no casamento, bem como de divórcio (Carter & McGoldrick, 1995).

Os anos iniciais do casamento, os quais compreendem a construção e o desenvolvimento da conjugalidade, têm sido definidos como o período de maior satisfação conjugal. Não obstante, paradoxalmente, um grande número de divórcios ocorre nessa fase, no Brasil (Heckler & Mosmann, 2014). Tornar-se casal consiste em uma das tarefas mais complexas do ciclo de vida familiar. Isso porque requer reordenamentos individuais, com vistas a construir a identidade conjugal e a história de vida a dois, envolvendo ainda o contexto ecossistêmico mais amplo em que a díade está inserida e interage (Schmidt, Bolze, Vieira, & Crepaldi, 2015).

É também nos anos iniciais do casamento que comumente se dá o processo de transição para a parentalidade. Nesse processo, os membros do casal necessitam reorganizar as representações sobre si mesmo e sobre o cônjuge, além de incluir o papel parental a outros papeis já desempenhados por cada elemento da díade (Flykt et al., 2011). Da mesma maneira, faz-se necessário dividir as decisões e as tarefas atinentes ao processo de cuidar e de educar a criança, bem como lidar com a redução do tempo disponível para o próprio casal, o que desafia a estabilidade conjugal (Prati & Koller, 2011). Face à complexidade das interações nas famílias com filhos pequenos, destaca-se o risco para a emergência de conflitos conjugais e de divórcio nesse estágio (Carter & McGoldrick, 1995).

Nas situações em que ocorre o divórcio de casais com filhos pequenos, salienta-se a importância de reorganização da paternidade e da maternidade (Warpechowski & Mosmann, 2012). Logo, mesmo nos casos em que há o recasamento, deve-se atentar para que não se suceda a exclusão dos pais dos cuidados parentais, pois eles são os responsáveis pela educação dos filhos. No que diz respeito às famílias recasadas, especificamente, entende-se que a adaptação ao novo casamento costuma requerer um período de tempo, em que se fazem necessários ajustamentos no que tange a novos papeis, questões afetivas (culpa, mágoa, resolução do apego ao cônjuge anterior), tal como permeabilidade das fronteiras, com o intento de permitir a inclusão do novo cônjuge e a criação de espaço para o relacionamento dos filhos com o pai ou mãe que não detém a guarda e o restante da família ampliada (Carter & McGoldrick, 1995).

Assim, mesmo frente à ruptura da conjugalidade, deve ser mantida a coparentalidade, que consiste no modo como os indivíduos coordenam e se apoiam no processo de cuidar e de educar os filhos, caracterizando-se pela responsabilidade compartilhada pelas figuras parentais no papel de cuidadores. Outrossim, não inclui aspectos românticos, emocionais, sexuais, financeiros ou legais da relação entre adultos que não sejam concernentes ao cuidado à criança (Feinberg, 2003). De maneira geral, os estudos sobre coparentalidade estão associados fortemente às famílias divorciadas (Maršanic & Kušmic, 2013).

Tal qual a coparentalidade (Feinberg, 2003), a individuação do jovem adulto e a conjugalidade recebem influência dos eventos vividos pelo indivíduo ao longo de sua trajetória de vida, bem como de aspetos transgeracionais (Carter & McGoldrick, 1995). Igualmente, as práticas educativas parentais, ou seja, técnicas e estratégias utilizadas por pai e mãe no desempenho de seu papel de agentes de socialização, que se associam a manifestações comportamentais infantis, são também influenciadas pela transgeracionalidade (Marin et al., 2013; To, So, & Chan, 2014).

A transgeracionalidade consiste nos processos transmitidos de uma geração a outra, mantendose presentes ao longo da história familiar. Assim, diz respeito a padrões relacionais que se repetem, ainda que as pessoas envolvidas não percebam (Falcke & Wagner, 2005). Nesse sentido, os indivíduos carregam consigo e transpõem para os relacionamentos que estabelecem uma bagagem emocional, constituída nos relacionamentos anteriores, que pode ser composta por cargas positivas ou negativas. De tal forma, tendem a se estabelecer barreiras à intimidade, da mesma maneira que expectativas ou exigências de que os novos relacionamentos venham a compensar ou a sanar mágoas anteriormente experienciadas (Carter & McGoldrick, 1995). Salienta-se que, mesmo nas situações em que a pessoa tenta se comportar de modo oposto ao estipulado pela família, sofre as consequências, por não se adequar ao que foi preestabelecido (Falcke & Wagner, 2005).

A abordagem da transgeracionalidade na terapia sistêmica, na modalidade familiar, é enfatizada em alguns estudos (Pellegrini et al., 2015; Seixas, 2010). A terapia sistêmica pode ser definida por uma forma de psicoterapia que concebe os comportamentos dos indivíduos como associados ao contexto relacional em que eles se inserem, com base na perspectiva de causalidade recursiva entre comportamentos e interações. Familiares e outros indivíduos importantes da rede relacional estabelecida pelos clientes são frequentemente incluídos no processo terapêutico, de modo direto ou virtual, por meio de questionamentos sobre os seus comportamentos e as suas percepções (Sydow, Beher, Schweitzer, & Retzlaff, 2010).

A terapia sistêmica teve início e permanece, até o presente momento, priorizando notadamente suas intervenções e pesquisas junto a famílias, ao invés de exclusivamente junto a indivíduos (Boscolo & Bertrando, 2013; Laurindo, Silva, & Schmidt, 2015; Souza, 2010). Não obstante, com base na literatura internacional, há indicativos de que profissionais com formação em terapia familiar dedicam aproximadamente 50% do seu tempo à terapia individual (Breunlin & Jacobsen, 2014; Kung, 2000). De tal forma, clínicos e teóricos da terapia familiar, pautados na perspectiva sistêmica, compreendem que as intervenções baseadas nessa abordagem se distinguem de outras por considerar os indivíduos ou os problemas por eles referidos de modo contextual, em que os padrões relacionais estabelecidos se conectam ao longo do tempo, por meio de processos circulares, ao invés de lineares (Kung, 2000). Logo, a terapia sistêmica prioriza, sobretudo, o contexto relacional no qual o indivíduo está inserido (Jenkins & Asen, 1992; Reynolds, 2007; Vidal, 2006), por ponderar que para maior efetividade das intervenções, deve-se considerar não somente indivíduos, mas sistemas humanos (Schmidt, Schneider, & Crepaldi, 2011).

Essa ênfase ao contexto, incluindo aspectos desenvolvimentais, transgeracionais e ecológicos, pode trazer vantagens à terapia individual. Isso porque, ao se modificar o comportamento de um indivíduo, tende-se a transformar um padrão interacional, de forma que o próprio cliente induziria mudanças aos membros da sua rede de interações (Kung, 2000). Assim, as relações nos sistemas e nos subsistemas (isto é, reagrupamentos de membros do sistema mais amplo), retroalimenta-se, o que caracteriza o conceito de globalidade (Schmidt et al., 2011). Com base nessa perspectiva, o terapeuta sistêmico busca se focar na criação de novas conexões entre os diferentes padrões relacionais de seu cliente e na promoção de reflexões sobre possíveis soluções alternativas, considerando tanto o momento presente, quanto o passado e o futuro (Jenkins & Asen, 1992).

A indicação da modalidade de terapia mais adequada em cada caso está vinculada estreitamente ao diagnóstico (Boscolo & Bertrando, 2013). Entretanto, em linhas gerais, recomenda-se a terapia sistêmica individual para os casos em que, por diferentes motivos, não é possível realizar terapia familiar ou de casal (Jenkins & Asen, 1992), ou ainda para adolescentes e adultos que se encontrem em fase de desvinculação mais ou menos avançada do sistema familiar (Boscolo & Bertrando, 2013).

Embora exista um grande número de revisões sobre a eficácia das terapias cognitivocomportamental e psicodinâmica, identifica-se uma produção científica relativamente menor no que concerne à sistêmica; ademais, as pesquisas sobre a terapia sistêmica enfatizam, predominantemente, crianças e adolescentes, ao invés de adultos (Sydow et al., 2010). Não obstante, uma parcela importante da demanda por terapia individual se concentra na população jovem adulta (Souza, 2010). Nesse sentido, embora sejam cada vez mais recorrentes as terapias sistêmicas individuais (Breunlin & Jacobsen, 2014; Kung, 2000) a literatura sobre a temática ainda parece escassa, de modo que são relevantes os estudos que subsidiem a prática clínica (Souza, 2010), notadamente com base nas particularidades do contexto sociocultural brasileiro, com vistas a contribuir para o processo de formação profissional em âmbito nacional (Laurindo et al., 2015). Frente ao exposto, o presente trabalho consiste em um estudo de caso clínico sobre a terapia sistêmica individual de uma jovem adulta, realizado em clínica-escola de psicologia. Particularmente, serão priorizados os aspectos transgeracionais abordados ao longo do processo terapêutico.

 

Método

O presente trabalho, de natureza qualitativa, consiste em um estudo de caso clínico. Do ponto de vista de método de pesquisa, os estudos de caso contribuem para a compreensão detalhada de fenômenos complexos, em uma perspectiva do mundo real e holística. O uso do estudo de caso na psicologia, em específico, pode cobrir a análise de condições referentes ao comportamento humano que se estendem por um determinado período de tempo. Ademais, inclui também aspectos contextuais que favoreçam a compreensão em profundidade do caso (Yin, 2015). Particularmente nas pesquisas sobre psicoterapia, os estudos de caso possibilitam entender o processo de mudança, bem como a análise longitudinal e subjetiva do encontro terapêutico (Pellegrini et al., 2015).

Nesse estudo, relata-se o processo de terapia sistêmica individual de Laura (30 anos), em clínica-escola de uma instituição de ensino superior do Sul do Brasil, durante os meses de outubro de 2014 e junho de 20154. Ocorreram, no total, 23 sessões; a cliente não compareceu a apenas uma das sessões ao longo do período de tratamento. Os atendimentos foram realizados na modalidade de coterapia, em sala de espelho unidirecional, com presença de equipe reflexiva e supervisão ao vivo. As sessões eram semanais, com duração aproximada de 45 minutos. Adicionalmente, nos 15 minutos pré e pós-sessão, a dupla de terapeutas e os membros da equipe reflexiva realizavam a discussão do caso.

Laura residia com a filha, Alice (cinco anos), e o companheiro, Marcelo, em uma configuração familiar recasada (Carter & McGoldrick, 1995). O casal havia se conhecido aproximadamente dois anos antes do início do processo terapêutico. Após um ano de namoro, decidiram passar a morar no mesmo domicílio. Alice é fruto do relacionamento afetivo de Laura e Pedro, o qual teve duração aproximada de um ano e foi rompido um dia antes do nascimento da criança. Conforme relatos de Laura, sua relação com Pedro sempre se caracterizou como conturbada. Quando iniciou a terapia sistêmica individual, referiu que a comunicação com o ex-companheiro era geralmente intermediada por Carla, atual esposa de Pedro, pois os pais de Alice entendiam que desse modo conseguiriam evitar conflitos e garantir mais facilmente o atendimento às necessidades da criança. Carla e Pedro mantinham união estável há aproximadamente três anos e eram pais de Luiz (um ano).

No que tange à família de origem, Laura era filha única. Ela foi adotada por Isabel e Jairo, ainda no primeiro mês de vida. Os pais se divorciaram quando Laura tinha um ano. Até o início do processo de terapia, Jairo e a filha mantiveram relacionamento distante, com contatos esporádicos. Outrossim, a relação entre Isabel e Laura, apesar de próxima, caracterizava-se como conflituosa. No mesmo sentido, Isabel parecia também apresentar dificuldades para lidar com o atual companheiro de Laura, bem como com o pai de Alice.

No intuito de organizar os dados referentes à família de Laura no momento inicial da terapia sistêmica individual, confeccionou-se o genograma familiar, que mostra o mapa ou o desenho da família, tal como consta na Figura 1. Vale destacar que, ao longo dos atendimentos, o genograma também foi elaborado pelas coterapeutas conjuntamente à cliente, com vistas a engajá-la no processo terapêutico, investigar padrões relacionais e clarificar a demanda existente por trás da queixa (Wendt & Crepaldi, 2008). Além do genograma familiar, utilizou-se a técnica de workshop com fotografias, que consiste na seleção, pelo cliente, de imagens que ele considera importantes da sua história de vida e que deseja compartilhar com o terapeuta (Souza, 2010). Nesse sentido, Laura selecionou e organizou 100 fotografias digitalizadas, concernentes às fases do seu desenvolvimento individual, dos primeiros meses de vida ao momento em que ocorreram os atendimentos. Essas imagens, armazenadas em um pendrive, foram apresentadas pela cliente, considerando o uso de um notebook, ao longo das cinco sessões em que ocorreu o workshop.

Com a intenção de manter o enfoque sistêmico, mesmo em terapia individual, foram enfatizadas as relações que Laura estabelecia nos diferentes contextos onde estava inserida, com destaque ao contexto familiar (Kung, 2000; Sydow et al., 2010). Do ponto de vista das intervenções, priorizou-se perguntas circulares, de modo a "presentificar" o terceiro na terapia individual e a construir um mapa da rede de relações interconectadas. Partiu-se do princípio de que as informações obtidas por meio de perguntas circulares são recursivas, à medida que tanto o terapeuta quanto o cliente podem mudar constantemente a própria compreensão, com base no ponto de vista dos outros sobre os conteúdos tratados (Boscolo & Bertrando, 2013; Vidal, 2006). Assim, são promovidas reflexões ou formulações de hipóteses a respeito de emoções e pensamentos de outras pessoas, e não apenas do próprio cliente, o que acaba por colocá-lo como observador da própria história (Reynolds, 2007). Desse modo, por permitirem a criação de conexões entre comportamentos, ideias e significados, na perspectiva de uma linguagem relacional, as perguntas circulares podem ser consideradas como uma das principais intervenções do terapeuta sistêmico (Boscolo & Bertrando, 2013).

Ademais, durante as sessões, buscou-se adaptar o ritmo dos atendimentos às possibilidades da cliente, manter uma postura empática e utilizar linguagem clara no processo comunicacional (Zordan, Dellatorre, & Wieczorek, 2012). Foram utilizados também silêncios, palavras e outras expressões vocais que expressassem assentimento ou dúvida, além de perguntas simples (isto é, não apenas circulares), metacomunicações e metáforas. Em linhas gerais, por meio da utilização dessas técnicas, intencionou-se promover reflexões à Laura, sem colocá-la, contudo, em uma postura defensiva ou resistente. Assim, na condução das sessões, visou-se criar e manter uma relação de confiança entre a cliente, a dupla de terapeutas e os membros da equipe (Boscolo & Bertrando, 2013). Similarmente, intencionou-se discutir aspectos do desenvolvimento da cliente e de sua família, de modo a favorecer a qualidade de vida presente e futura (Jenkins & Asen, 1992).

Em respeito às questões éticas, a cliente assinou o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, o qual previa a utilização dos dados relativos aos atendimentos em produções científicas, evidentemente, resguardando-se a confidencialidade e a privacidade. Assim, para preservar as identidades, todos os nomes adotados no presente estudo são fictícios. Do mesmo modo, foram omitidas informações que eventualmente permitissem a identificação da cliente e de outras pessoas que compunham a sua rede de relacionamentos, incluindo, por exemplo, profissões, município e instituição de realização dos atendimentos.

 

 

Relato e discussão do caso

A queixa inicial de Laura se centrou em dificuldades para lidar com alguns comportamentos apresentados por Alice. Segundo relatou a cliente, sua filha se recusava a cumprir regras, e havia passado a demonstrar dificuldades na interação com outras pessoas. Desse modo, o pedido de consulta estava pautado notadamente em Alice como "paciente identificada" (Tilmans-Ostyn & Meynckens-Fourez, 2000). A entrevista inicial ocorreu com mãe e filha no setting terapêutico, no sentido de investigar a queixa trazida pela família. Na maior parte do atendimento, Laura permitiu que Alice explorasse o espaço à sua maneira, sem tentar colocar qualquer limite. A criança, por sua vez, interagia no sentido de "roubar a cena", concentrando as atenções de todos somente para ela. Além disso, emergiram relatos sobre a união conjugal de Laura e Marcelo, bem como sobre o recasamento e a chegada do novo filho de Pedro.

Assim, já nesse primeiro contato, buscou-se ampliar o foco, lançando luz às variáveis do contexto, ao invés de explorar exclusivamente o que motivou o pedido por consulta (Tilmans-Ostyn & Meynckens-Fourez, 2000). Evidenciou-se que Laura relacionava as manifestações comportamentais de Alice a aspectos que envolviam as suas próprias práticas parentais, a relação conjugal com Marcelo e a relação coparental com Pedro. Adicionalmente, a cliente referiu também seu desconforto por ainda depender financeiramente de sua mãe, Isabel, mesmo já desenvolvendo atividades laborais na área em que concluiu o ensino superior. Dessa forma, como emergiram importantes conteúdos atinentes à conjugalidade, à coparentalidade e à diferenciação da família de origem, sugeriu-se a modalidade de terapia sistêmica individual (Boscolo & Bertrando, 2013), a qual foi aceita por Laura. Os demais encontros ocorreram somente com a cliente, com exceção de apenas um, em que Marcelo esteve presente, mediante convite das coterapeutas e da equipe. No entanto, as pessoas da rede de relacionamentos da cliente foram incluídas virtualmente no processo terapêutico, para manter o enfoque sistêmico, mesmo nos atendimentos individuais (Kung, 2000; Sydow et al., 2010).

Em linhas gerais, os objetivos do processo terapêutico foram: compreender aspectos transgeracionais que influenciavam os relacionamentos estabelecidos por Laura; favorecer a diferenciação da cliente em relação à sua família de origem; propiciar o estabelecimento de fronteiras mais nítidas entre os subsistemas familiares; fortalecer a qualidade da conjugalidade de Laura e Marcelo; estimular o compartilhamento, por Laura e Pedro (díade coparental), da responsabilidade pelo processo de cuidar e de educar a filha; promover práticas parentais mais positivas. Para fins desse estudo, será apresentada uma síntese dos principais aspectos tratados na terapia sistêmica individual, sem a intenção de produzir um relato temporalmente linear. De tal maneira, para facilitar a compreensão do caso por parte do leitor, a ordem de exposição dos conteúdos não necessariamente será a mesma em que eles foram abordados ao longo do processo terapêutico.

Laura referiu ter poucas informações sobre o seu nascimento, a sua família biológica e a sua adoção, pois seus pais, Isabel e Jairo, demonstravam-se resistentes a falar sobre isso. Outrossim, afirmou acreditar que a decisão dos pais pela adoção foi devida à infertilidade de Isabel, embora não tivesse certeza. Tais assuntos, administrados de forma velada, implicaram em segredos familiares, que retratam determinados eventos ocorridos no âmbito familiar, os quais não atendam às normas pré-estabelecidas pelos padrões da família (Falcke & Wagner, 2005). Os segredos familiares consistem em aspectos do ciclo de vida familiar que se interconectam e influenciam o ciclo de vida individual dos membros, podendo gerar desdobramentos desadaptativos (Carter & McGoldrick, 1995).

Os motivos que levaram ao divórcio de Isabel e Jairo também não eram sabidos ao certo por Laura. A cliente mencionou, contudo, que após a ruptura da união conjugal dos pais, seu contato com Jairo e com os demais membros da família paterna se tornou pouco frequente. A redução de frequência de contatos com os filhos, após o divórcio, parece ser recorrente para o genitor que não detém a guarda da criança, sobretudo quando a relação entre o pai e a mãe é estremecida (Warpechowski & Mosmann, 2012), tal como no caso em questão. Além disso, Laura referiu recordarse de diversas situações em que a mãe e a avó materna apresentaram falas depreciativas a respeito de Jairo. Ademais, relatou ainda que as verbalizações de Isabel eram direcionadas às figuras masculinas de modo geral. Assim, ao longo de toda a sua trajetória de vida, ouviu recorrentemente assertivas tais como "não se pode confiar nos homens" e "os homens não servem para nada".

Com base nas percepções da cliente, sua adolescência se distinguiu por dois momentos paradoxais, caracterizados por tranquilidade até os 15 anos de idade e por rebeldia a partir de então. O que marcou essa divisão foi o episódio de abuso sexual sofrido por Laura, perpetrado enquanto ela estava alcoolizada, por um jovem adulto da rede de relacionamentos de sua família. Pouco tempo depois da ocorrência, Isabel foi informada sobre o fato por pessoas próximas, vindo a culpabilizar a filha. Desse modo, Laura, que apresentava escassas lembranças da noite em que foi violentada, referiu que além dos impactos individuais desencadeados por ter sido vítima de abuso sexual, precisou ainda lidar com os desdobramentos na relação com a mãe, situação que a fragilizou e a vulnerabilizou ainda mais. Segundo Borges e Zingler (2013), a falta de apoio materno e o discurso de culpabilização tendem a colocar novamente a vítima em situação de risco e de violência. Isso pode agravar sintomas, pela continuidade à exposição dos efeitos da vitimização; outrossim, quanto maior o distanciamento afetivo com os pais, mais difícil se torna o enfrentamento da situação de violência pela adolescente (Rodrigues, Brino, & Williams, 2006).

Após a ocorrência do abuso sexual, a cliente relatou importantes mudanças comportamentais, sobretudo nas interações com o sexo oposto, de modo que se envolveu em uma série de relacionamentos afetivos bastante breves e conturbados durante a adolescência e o início da adultez jovem. De tal maneira, tendia a romper o namoro ao perceber que ele poderia se tornar mais "sério", isto é, na possibilidade de estreitamento e de aprofundamento dos laços afetivos. Nos anos que se seguiram o abuso, Laura mencionou que passou a manter relações sexuais exclusivamente sob efeito de bebidas alcoólicas, o que foi modificado apenas ao longo do processo de terapia sistêmica individual. Nesse sentido, nas sessões, procurou-se oferecer à Laura a possibilidade de elaborar tal experiência. Isso porque, dentre os impactos que a violência sexual acarreta às vítimas, estão sentimento de culpa, vergonha, prejuízos ao funcionamento sexual posterior (Borges & Zingler, 2013; Rodrigues et al., 2006), o que se evidenciou e se buscou tratar no caso em questão.

A literatura também aponta uma tendência de as vítimas de abuso sexual se envolverem em relacionamentos nocivos, dolorosos e insatisfatórios (Rodrigues et al., 2006). No que tange ao relacionamento com Pedro, a cliente o caracterizou como bastante intenso e violento. Mencionou que foi agredida fisicamente pelo ex-companheiro em diferentes situações. Notadamente por terem conhecimento a esse respeito, a mãe e a avó materna de Laura propuseram que ela realizasse um aborto, ao receberem a notícia da gravidez. A cliente se opôs fortemente à possibilidade aventada e passou a residir com Pedro até o período final da gestação, quando então a união conjugal foi rompida, pela constância e intensidade das brigas do casal. Assim, retornou ao domicílio materno e lá permaneceu, até o início da relação conjugal com Marcelo. De acordo com as narrativas de Laura, após o nascimento de Alice, Isabel referiu um grande arrependimento por ter proposto o aborto, uma vez que a relação com a neta se tornou uma importante fonte de gratificação para a avó.

No processo terapêutico, foram tratados os sentimentos de perda e de abandono de Laura, em diferentes momentos de sua vida: ao nascer, uma vez que sua mãe biológica ponderou não reunir condições suficientes para permanecer com ela; na infância, em função do divórcio de Isabel e Jairo, o que se associou à importante redução do convívio com o pai e à desvalorização das figuras masculinas; na adolescência, com o episódio de abuso sexual e os desdobramentos acarretados a partir de então; na adultez jovem, com a sugestão de realização de aborto pela mãe e pela avó materna no início da gestação e a ruptura da união conjugal com Pedro no final da gestação.

Todos esses aspectos da história de vida da cliente pareciam impactar as interações que ela estabelecia no momento em que ocorreram os atendimentos psicológicos. A sua dificuldade para confiar no sexo masculino se evidenciava, por exemplo, na expectativa de que Pedro não conseguiria cuidar adequadamente de Alice e de que Marcelo poderia, a qualquer momento, traí-la ou abandoná- la. A dificuldade de confiar e o medo do abandono, que perpassavam questões do desenvolvimento individual e transgeracionais, consistiram em temáticas recorrentemente tratadas nas sessões. Assim, buscou-se compreender os padrões de relacionamento familiar que se repetiam nas gerações, o quanto eles poderiam repercutir na vida presente de Laura, no sentido de ela sofrer consequências por deixar de seguir um modelo pré-estabelecido (Falcke & Wagner, 2005), ao se permitir vivenciar uma coparetanlidade apoiadora com Pedro e uma conjugalidade de qualidade com Marcelo.

Para tratar esses aspectos, fez-se necessário abordar o nível de diferenciação entre Laura e Isabel, na perspectiva de que a cliente buscasse se pautar no seu próprio "eu" e na sua própria história de vida, de modo a reduzir o emaranhamento emocional com a mãe (Pellegrini et al., 2015). Isso porque, quando o cliente não é capaz de escutar a sua própria voz interna, tendem a emergir maiores dificuldades relacionais (Reynolds, 2007). Assim, por meio do processo terapêutico, visou-se favorecer a construção de uma nova forma de Laura se relacionar com a família de origem, de modo a ocupar nesse sistema uma função diferente da que vinha ocupando até então (Souza, 2010). Entende-se que a diferenciação por meio do estabelecimento de fronteiras mais nítidas entre Isabel e Laura foi acompanhada também da diferenciação por meio do estabelecimento de fronteiras mais nítidas entre Laura e Alice. Em suas narrativas, a cliente mencionou que percebia a filha como uma extensão de si. Assim, ponderou-se que a dificuldade para colocar limites poderia estar associada à intenção de não frustrar Alice, talvez como reflexo do sentimento de frustração de Laura pelo abandono por sua mãe biológica e por seu pai adotivo. Ou seja, na concepção materna, a finalidade dessas práticas seria privar Alice de um sofrimento que era, de fato, o de Laura.

De tal modo, as reflexões promovidas no processo de terapia propiciaram retomar experiências da trajetória de vida pregressa da cliente e da história transgeracional de sua família, analisar como essas experiências se atualizavam nas suas relações contemporâneas e ressignificá-las, no sentido de (re)orientar práticas parentais presentes e futuras (Marin et al., 2013; To et al., 2014). Assim, passados alguns meses do início dos atendimentos, Laura referiu significativa melhora no que tange ao cumprimento de regras e à qualidade dos relacionamentos interpessoais estabelecidos por Alice, o que consistia no motivo apontado para a busca por terapia.

Compreende-se que também foi possível estabelecer fronteiras mais nítidas entre o subsistema conjugal, composto por Laura e Marcelo, e os demais subsistemas familiares. Nesse sentido, ao longo do processo de terapia, a cliente e o seu companheiro se organizaram financeiramente, sem a necessidade do auxílio de Isabel, e decidiram mudar para uma casa maior, pois até então Alice, Laura e Marcelo dividiam o único dormitório da residência. Assim, na nova casa, com dois dormitórios, delimitou-se melhor o espaço ocupado pela díade conjugal e pela criança. Para favorecer a explicitação à Alice sobre os novos limites que estavam sendo estabelecidos na família, sugeriu-se que a cliente utilizasse, metaforicamente, a mudança de local de moradia e a existência de paredes que separavam os cômodos na nova residência. Do mesmo modo, a decisão de mudança de domicílio também foi representativa, segundo Laura, da sua própria percepção de solidificação da relação de casal. Igualmente, consistiu em um passo importante para que Isabel a percebesse como mais autônoma e independente da mãe, o que também se associou à melhor qualidade da relação entre Isabel e o casal Laura e Marcelo. Assim, entende-se que o fortalecimento de fronteiras nítidas se constituiu como resultado da terapia sistêmica, mesmo na modalidade individual (Souza, 2010).

Além disso, pondera-se que com o maior nível de diferenciação, houve uma tendência à redução de conflitos familiares (Pellegrini et al., 2015), bem como ao maior comprometimento dos membros da díade com o próprio casamento (Carter & McGoldrick, 1995). Notadamente nos primeiros anos da vida a dois, os quais se caracterizam por tensão e necessidade de adaptação, a diferenciação das famílias de origem se faz necessária em termos da construção da conjugalidade, muito embora elas continuem como modelo de referência para o jovem casal (Heckler & Mosmann, 2014). Isso porque, o casamento não está circunscrito exclusivamente aos vínculos estabelecidos por duas pessoas; ele envolve ainda o contexto ecossistêmico mais amplo de inserção do casal (Schmidt et al., 2015). A cliente também passou a relatar aumento de interesse e maior satisfação nas relações sexuais com o companheiro, o que pode se associar a um resultado da melhora da qualidade conjugal. Nos meses finais do processo terapêutico, conforme verbalizações de Laura, Marcelo passou a insistir para que o casal tivesse um filho. Entretanto, como a cliente ainda se percebia pouco segura frente a essa perspectiva, optou por postergar a gestação para outro momento, muito embora narrasse se sentir desconfortável, de certo modo, por não atender ao que desejava o cônjuge.

Considera-se importante salientar que Laura também se pautou no seu próprio "eu" (Pellegrini et al., 2015; Reynolds, 2007), mesmo contra a vontade de Isabel, ao buscar retomar o contato com Jairo, a quem ela já não via há alguns anos. De tal modo, uma vez que os números telefônicos do pai já não eram os mesmos, a cliente decidiu procurá-lo por meio das redes sociais. Identificou que ele havia mudado de Estado e marcou um encontro, na cidade em que ela residia, para que pudessem conversar pessoalmente. Marcelo a incentivou e a auxiliou nesse processo, inclusive estando junto de Laura para apoiá-la durante o momento de rever o pai. Conforme a narrativa da cliente, ela e Jairo puderam falar sobre aspectos das suas trajetórias de vida e sobre como se sentiam em função do distanciamento físico e emocional estabelecido. Isso porque, tal como a criança, o genitor também tende a vivenciar conflitos e ansiedades frente ao afastamento dos filhos (Warpechowski & Mosmann, 2012). Nesse reencontro, Laura esclareceu alguns de seus questionamentos sobre o processo de adoção e a infância, além de como se deu o afastamento de Jairo em relação à filha e à ex-esposa. Laura considerou o encontro gratificante, mesmo sabendo que talvez ele não fosse o único determinante para a reaproximação entre ela e o seu pai. Do ponto de vista das coterapeutas e da equipe reflexiva, esse vivência, junto a outras abordadas ao longo do processo terapêutico, possibilitaram à cliente a ressignificação de aspectos do seu desenvolvimento individual e familiar, na perspectiva de uma maior qualidade de vida presente e futura.

Com base na avaliação realizada pelo sistema terapêutico – isto é, cliente, coterapeutas e membros da equipe – sobre os resultados da terapia sistêmica individual, identificou-se que apenas um dos objetivos delimitados para o trabalho não foi atendido, a saber: o compartilhamento, por Laura e Pedro, da responsabilidade pelo cuidado e pela educação de Alice. Isso porque, embora a cliente percebesse maior qualidade no processo comunicacional com o ex-companheiro, a divisão de tarefas maternas e paternas, que consiste em uma das dimensões da coparentalidade (Feinberg, 2003; Maršanic & Kušmic, 2013), ainda se caracterizava como pouco equânime. Laura se responsabilizava por praticamente todas as tarefas domésticas, educacionais, financeiras e de saúde relativas à rotina e ao desenvolvimento de Alice. Mencionava que, se por um lado, sentia-se sobrecarregada, por outro lado, preferia que Pedro permanecesse ausente, pois assim evitaria que a filha presenciasse as oscilações de humor do pai, ou mesmo os eventuais episódios de agressividade. Não obstante, quando questionada se Pedro apresentava comportamentos inadequados na interação com Alice, Laura negava, justificando que o principal problema, em seu ponto de vista, era que o pai interagia pouco com a filha.

Com o objetivo de continuar a tratar esses aspectos, para evitar a repetição do afastamento paterno-filial nas gerações familiares, ao final do oitavo mês da terapia sistêmica individual, sugeriuse que a cliente desse continuidade ao processo terapêutico. Contudo, fazia-se necessária a troca da dupla de terapeutas, bem como de todos os membros da equipe reflexiva, uma vez que a terapia era realizada no contexto de uma clínica-escola, e que os estudantes que acompanhavam o caso até então haviam concluído o seu estágio de psicologia clínica. Assim, mediante o aceite por parte de Laura, os atendimentos tiveram continuidade junto a uma nova dupla de terapeutas e a novos membros da equipe reflexiva. Entretanto, foge ao escopo do presente estudo de caso a abordagem das especificidades da terapia sistêmica individual após a troca de coterapeutas e de equipe reflexiva, uma vez que se entende que os objetivos delineados para esse processo terapêutico foram atendidos em sua quase totalidade, conforme avaliação do sistema terapêutico.

 

Considerações finais

Esse trabalho consistiu em um estudo de caso clínico sobre a terapia sistêmica individual de uma jovem adulta, realizado em clínica-escola de psicologia. Toda a complexidade do processo terapêutico, evidentemente, não pode ser contemplada por meio desse breve relato. De tal modo, foram priorizados, sobretudo, aspectos transgeracionais, de forma a oferecer uma visão geral dos atendimentos, ao longo dos oito meses de terapia. Conforme requer o pensamento e a prática sistêmica, o tratamento considerou a cliente no contexto da sua rede de relacionamentos e experiências, enfatizando os significados que ela atribuía a esses eventos, para favorecer que fossem reajustados no sentido de se tornarem mais coerentes e adaptativos (Reynolds, 2007). Assim, trabalhou-se na perspectiva da promoção da qualidade de vida e de relacionamentos mais saudáveis, particularmente no que tange à família de origem, à conjugalidade, à coparentalidade e às práticas parentais.

Entende-se que o presente estudo de caso pode contribuir para a atuação profissional dos terapeutas sistêmicos, à medida que lança luz sobre a terapia individual de jovens adultos, o que ainda parece pouco discutido na literatura, notadamente no Brasil. Contudo, é importante frisar que não se pretende generalizar os resultados obtidos no processo terapêutico em questão. Desse modo, buscou-se compreender em profundidade o caso, com destaque às suas singularidades, na intenção de apresentar possibilidades de intervenção junto a pessoas que estejam vivenciando situações semelhantes e, de certa forma, encontrem-se vulneráveis por conta disso.

Destaca-se a relevância de se investigar clientes que procuram atendimento em clínicas-escola de psicologia, uma vez que, assim, é possível favorecer a formação acadêmica e o planejamento de intervenções mais efetivas (Neumann & Wagner, 2015). Dessa maneira, sugere-se a efetivação de estudos adicionais nesse contexto, que contemplem outras demandas da terapia sistêmica individual, outras fases do ciclo de vida, bem como a realização de follow up, com o intento de analisar se os efeitos da intervenção se sustentam em longo prazo.

 

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Endereço para correspondência
Edgmara Giordani Camicia
E-mail: edgmara.giordani@gmail.com

Stefany Bischoff da Silva
E-mail: stefany_bischoff@hotmail.com

Beatriz Schmidt
E-mail: psi.beatriz@gmail.com

 

Enviado em 08/01/2016
Primeira revisão em 24/02/2016
Aceito em 20/04/2016

 

 

1 Estudante do Curso de Psicologia da Faculdade da Serra Gaúcha (FSG).
2 Estudante do Curso de Psicologia da Faculdade da Serra Gaúcha (FSG).
3 Psicóloga, Especialista em Saúde da Família e Mestre em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Integrante do Núcleo de Infância e Família (NUDIF) da UFRGS.
4 Por se tratar de uma clínica-escola, não foram realizadas sessões no mês de janeiro de 2015, em função do recesso acadêmico.

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