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Pensando familias

versão impressa ISSN 1679-494X

Pensando fam. vol.20 no.2 Porto Alegre dez. 2016

 

ARTIGOS

 

Empoderando mulheres nas relações conjugais: rumo à satisfação conjugal

 

Empowering women in marital relations: towards marital satisfaction

 

 

Bruna Krimberg von Muhlen1, I ; Marli Sattler2

I Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este é um artigo de revisão de literatura onde é feito uma reflexão sobre as relações conjugais, primeiramente contextualizando as relações de gênero, num segundo momento trazendo a Teoria do Espaço Consciente, que explora como as mulheres são mantidas presas pelas normas culturais em barreiras sexistas. São encadeadas reflexões com a Psicologia feminista e o empoderamento das mulheres. A meta foi estabelecer relações entre a hierarquia de gênero com a manutenção da vulnerabilidade feminina presentes nas configurações conjugais, objetivando estimular terapeutas de casais a ajudarem na construção de relações conjugais mais igualitárias, já que estas caminham juntas com a satisfação conjugal, segundo os achados.

Palavras-chave: Relações conjugais, Relações de gênero, Terapia de casal, Satisfação conjugal e empoderamento das mulheres.


ABSTRACT

This is a literature review article where is make a reflection on marital relations, firstly contextualizing gender relations, secondly bringing the Theory of the Mindful Space, which says that women are held in spaces by cultural norms in sexist barriers. Then were made reflections with feminist psychology and women's empowerment. The aim was to establish links between gender hierarchies and the maintenance of female vulnerability present in conjugal settings, looking for encourage marital therapists to help to build more egalitarian marital relations, since those go together with marital satisfaction, accordingly the findings.

Keywords: Marital relations, Gender relations, Couples therapy, Marital satisfaction and empowerment of women.


 

 

Introdução

Este artigo surgiu do interesse de estudar a influência das questões de gênero nas relações de casais, tendo como enfoque a constatação de que muitas vezes as mulheres não percebem, mas não conseguem transcender alguns espaços, pois são cativas por normas sociais sexistas.

Os estereótipos de gênero estão presentes em todas as relações sociais, e consequentemente influenciam nas relações conjugais também. Há muitos estudos que associam gênero a casais, mas não há estudos específicos sobre como empoderar as mulheres nas relações, evitando possíveis consequências danosas, além de tornar as relações mais satisfatórias para ambos os cônjuges.

Assim, a importância de estudar as mulheres nas relações conjugais é principalmente dar visibilidade à influência da cultura patriarcal que ainda existe, e para isto, neste artigo fazemos uma reflexão sobre o empoderamento, usando a teoria do espaço consciente da Krista Burlae (2004) e a psicologia feminista.

 

Método

Foi realizada uma revisão de literatura sobre o tema mulheres e relações de gênero, nas seguintes bases de dados: Web of Science, PsycINFO e Pubmed. Os seguintes descritores utilizados na busca de artigos foram encontrados através do Mesh Terms: Couple therapy AND Gender relations. Tais descritores foram buscados no título, ou/e no resumo, ou/e no texto.

Num segundo momento foi feita a busca de artigos sobre o tema empoderamento e psicologia feminista. Nas mesmas bases de dados. E por fim, buscamos nos artigos e capítulos vistos em aula, no Curso de Formação de Terapia de Casal no Domus, os que abordavam gênero.

O critério de inclusão para seleção de artigos relevantes foi abordar as temáticas: gênero e casal. E o critério de exclusão foi abordar temas médicos e psiquiátricos.

Satisfação conjugal e as relações de gênero

O conceito de gênero deve ser entendido como relacional, sendo uma construção cultural, elaborada sobre as diferenças sexuais e sobre as relações que são socialmente construídas. Neste sentido a sociedade constrói concepções e funções diferentes para mulheres e homens. Assim, os estudos de gênero permitem refletir como valores culturais, morais e éticos influenciam a vida das mulheres (Colling, 2004), e dos homens. No entanto, apesar de haver diferença entre o que é esperado para homens e mulheres, e a expectativa ser diferente na maioria das culturas, sexo e gênero não andam necessariamente juntos. Esta situação fica bem ilustrada por Kilmann et al. (2013), que investigaram 134 casais e concluíram que, independente do gênero, cônjuges com maior ansiedade de abandono ou desconforto com proximidade têm maior probabilidade de terem relações disfuncionais.

Ainda no mesmo estudo, homens com ansiedade de abandono, pontuaram menos agressividade, menos controle, e menos rebeldia; enquanto as mulheres, se mostraram-se mais dependentes, mais autocríticas, e menos competitivas. Já homens que pontuaram alto para desconforto com proximidade foram pontuados menos cooperativos e responsáveis, além de mais agressivos e rebeldes. Casais seguros e compatíveis tiveram menores insatisfações conjugais que casais inseguros ou incompatíveis. Os autores ainda sugerem que os terapeutas de casais devem estar atentos para as crenças únicas interpessoais que vinculam os membros de cada casal. A pesquisa achou evidências de que vínculos ansiosos e evitativos estão associados a relacionamentos disfuncionais. Maiores níveis de ansiedade estão ligados ao medo de rejeição, além de maior necessidade de aprovação, aceitação e amor dos outros. E pessoas evitativas têm medo de intimidade e desejo de estar no controle, mantendo, por isto, distância. Estes achados corroboram a teoria do apego adulto, que defende que estilos de apego seguro podem levar a uma comunicação mais construtiva aumentando a satisfação conjugal. A teoria do apego menciona também outros mecanismos pelos quais os estilos de apego podem influenciar relacionamentos incluindo a expressividade emocional, estratégias para lidar com conflitos, e apoio dos parceiros (Collins & Freeney, 2004).

A teoria do apego adulto é inspirada na teoria do apego de Bolwby, que observou crianças e constatou que certos tipos de eventos desencadeiam ansiedade, e que as pessoas tentam aliviar sua ansiedade buscando por proximidade e conforto de seus cuidadores. Esta teoria considera a propensão a criar alianças emocionais íntimas com alguns indivíduos, que se revela um componente básico de satisfação humana, e que está presente no recém-nascido e continua pela vida adulta até a velhice (Bowlby, 1988).

Ainda sobre satisfação, Pace et al. (2015) estudaram como a parentalidade influencia na satisfação e estabilidade de casais recasados, e concluíram que apesar de negativamente relacionada, uma boa e clara comunicação pode ser um fator de proteção para indivíduos e casais quando há fatores de estresse em relação aos filhos do parceiro. Ainda segundo os autores, satisfação e estabilidade são medidas comuns sobre como casais se sentem em seus relacionamentos, e sobre o funcionamento geral da família. Em outras palavras, famílias que funcionam de maneira positiva produzem níveis altos de satisfação e estabilidade em parceiros adultos. Satisfação está relacionada com o quão felizes os cônjuges estão com várias dimensões de seu relacionamento, como intimidade, conflito, divisão de poder e inclui uma avaliação global da qualidade da relação. Já estabilidade está associada com comportamentos e atitudes sobre dissolução de ideação. Os resultados do estudo por fim mostraram que a habilidade de se comunicar claramente e discutir problemas com o parceiro ou a parceira diminui a influência negativa das questões parentais em casais recasados, o que protege, protegendo a satisfação e a estabilidade.

O nível de satisfação com intimidade varia de pessoa para pessoa, podendo ser até desejada de maneira oposta pelos parceiros, dependendo do estilo de apego – por exemplo, se um é evitativo e outro é ansioso -, e também pode variar de cultura para cultura (Wainberg & Hutz, 2012). Portanto diferentes famílias e diferentes culturas podem atribuir diferentes papéis a um ou outro gênero, podendo haver assimetria. Como por exemplo a questão da demonstração de afeto, costuma ser mais estimulada em mulheres do que em homens. Também o valor social de cada gênero pode ser percebido de maneira diferente (Hotvedt, 2002).

O estudo de Bellinger (2013) ilustra bem como as construções de cada cultura podem influenciar os casais. O autor estudou uma técnica para ajudar casais refugiados a reconhecer e lidar com mudanças e ameaças a papeis de gênero tradicionais, após o reassentamento em países ocidentais, já que o reassentamento pode produzir grande tensão em casais refugiados. A partir deste estudo, Bellinger (2013) sugere que através de empatia e diálogo estruturado - cada pessoa tem sua vez de se expressar e mostrar compreensão com a experiência do outro, refletindo de forma mais profunda - permite que o casal possa ser treinado a identificar o cerne de suas preocupações sobre as mudanças em suas vidas e trazerem soluções de benefício mútuo. Focar na redistribuição de cada responsabilidade de gênero e numa nova estrutura cultural de divisões igualitárias de trabalho, enquanto ajudava famílias a assumir novas responsabilidades na manutenção de deveres domésticos, parentalidade, emprego, e finanças, era um dos objetivos. O artigo ilustra habilidades ensinadas aos casais de refugiados para expressar empatia um com o outro, em relação a pensamentos sobre a nova experiência, preocupações, desejos e sentimentos. Como resultado, cada membro do casal se tornou capaz de entender como a perda dos sistemas de suporte os afetaram, individualmente e juntos.

No artigo de Black et al. (2013) foram analisadas interações de resolução de problemas de casais. O objetivo foi comparar as performances, com base em fatores como gênero, criando categorias para avaliar o comportamento humano. Concluíram que casais têm dificuldade de reconhecer quando eles se comportam de maneira a instigar conflito. E que aceitar o ponto de vista do outro, seus sentimentos e comportamentos, escutar com a mente aberta e atitude positiva, além do uso do humor (não sarcástico) são fatores, que segundo o estudo, diminuem conflitos. Ainda sobre humor, em estudo de Tapia-Villanueva (2014) foi analisada a influência do senso de humor na dinâmica relacional conjugal. O autor concluiu que o bem-estar no relacionamento conjugal está relacionado a um vínculo afetivo efetivo. A proteção do vínculo pode ser entendida como a preponderância de efeitos positivos sobre negativos durante brigas e a restauração do clima emocional depois disso. O uso do humor em períodos entre crises favorece a flexibilidade, consequentemente o senso de humor influencia a capacidade do casal de enfrentar estados de negatividade, e de se reconciliar após uma discussão. Portanto, o humor protege a estabilidade e aumenta a satisfação conjugal, o que minimiza o risco de divórcio. O divórcio, embora uma possibilidade, pode vir a se tornar um elemento devastador, de onde se pode depreender que o amor e os relacionamentos amorosos ocupam um lugar de destaque na vida por darem sentido(s) ao enfrentamento das dificuldades cotidianas (Almeida, 2014).

Outro fator de proteção para satisfação conjugal é a distribuição de renda simétrica entre os cônjuges. A pesquisa de Boris (2012) concluiu que quando a distribuição de renda é assimétrica em determinada cultura ou casal, predispõe à supervalorização das atividades profissionais, culturalmente consideradas masculinas, bem como a desvalorização das tarefas domésticas, geralmente atribuídas às mulheres. Desse modo, quando a relação é assimétrica, são geradas dependência e impotência, baseada nas funções familiares patriarcais, na qual os recursos financeiros são conquistados apenas por um dos parceiros. Já quando homem e mulher assumem, cada um, suas próprias carreiras profissionais e suas respectivas fontes de renda, têm meios de negociar mais igualitariamente a distribuição dos recursos financeiros da família, com independência e poder (quando a família conta com duas fontes de rendimento, provenientes de ambas as carreiras profissionais dos cônjuges) tornando viável a aliança conjugal, a escuta do outro e o compartilhamento das distintas formas de compreensão da subjetividade de homens e de mulheres na relação conjugal.

Ainda sobre a renda, Courduriès (2011) sinaliza que, o dinheiro, mesmo que, posto em circulação sob a justificativa do altruísmo, do amor e do desinteresse, revela também as discussões e as negociações conjugais que muitos preferem deixar silenciadas, e que pode contribuir para fortalecer as relações desiguais e alimentar as relações de poder. Casais suíços entrevistados revelaram que com o tempo de coabitação, na maioria das vezes as mulheres são as responsáveis pelas despesas domésticas cotidianas, enquanto os homens se encarregam mais frequentemente dos ganhos e da gestão conjunta das contas do lar (Oltamari, 2007).

Outra questão inerente às relações conjugais são os ciúmes. No entanto o que é vivido como “ameaça”, e as formas em que se manifestam, variam conforme o gênero, o tipo de apego individual (ansioso, evitativo ou seguro), e a cultura. Historicamente as mulheres foram consideradas propriedade dos homens, e deveriam depender deles, segundo a cultura patriarcal. Já alguns homens, à medida que temem perder sua mulher, expressam-se agressivamente, já que o ciúmes se relaciona com medo de perder segurança (Scheinkman & Werneck, 2010).

Em estudo recente, Santos e Melo (2013) apontam que o excesso de utilização de redes sociais e telecomunicação, principalmente por parte das meninas adolescentes, está ligado a comportamentos de investigação e invasão de privacidade, servindo de base para discussões e agressões, gerando ciúmes e podendo levar a violência física ou psicológica, falta de confiança e baixa comunicação. Assim, insegurança, ansiedade, bem como irritação, são sentimentos que todos têm, mas a forma de lidar pode ser mais ou menos produtiva, dependendo de cada indivíduo e de cada relação.

A teoria do espaço consciente

A teoria do espaço consciente (Burlae, 2004) compreende a violência como o senso de ser capturada por um espaço de barreiras sexistas, racistas e culturais, isto é, a invasão como violação do espaço corporal, pessoal ou/e cognitivo, afetando a integridade das mulheres. As invasões e os cativeiros enquanto violência contra as mulheres, na cultura patriarcal são normalizadas e comuns, são uma norma cultural, na qual a energia e os corpos de mulheres são espaços invadidos, ou onde as mulheres são mantidas presas em um determinado espaço. Essas regras culturais oferecem papéis, segundo os quais as mulheres devem dirigir sua energia para os outros de maneira extrema. Os papéis cativos servem para manter a hierarquia patriarcal.

As mulheres são treinadas pela cultura patriarcal a aceitar as violências como normais. Assim, nem todas as ações de cativeiro são vistas como violentos quando ocorrem, fazendo com que muitas mulheres só se dêem conta que vivenciaram a violência quando os efeitos danosos aparecem, razão pela qual muitas mulheres permanecem cativas de barreiras durante toda a sua vida. Quando a mulher é incapaz de emergir em novos espaços, a violência existe na vida dela, e ela sente os efeitos do cativeiro. E sente a necessidade de mudanças (Burlae, 2004).

Assim, a violência não acontece apenas quando as mulheres são agredidas fisicamente ou verbalmente, mas também quando não podem viver suas vidas com plenitude, pois precisam representar os papéis que a sociedade espera de uma mulher. Segundo Burlae (2004), estas violências podem ser previstas e evitadas por um antecipado senso de invasão ou cativeiro. Quando se sabe que algo não está certo, como a mulher não ser protegida pela cultura, a mulher deve usar estratégias e limites para prevenir a violência. E para que esses cativeiros que aprisionam comportamentos femininos sejam rompidos é necessário que exista uma tomada de consciência, um empoderamento dessas mulheres, através do rompimento de barreiras que muitas vezes a sociedade ainda impõe, ou seja, não permitir que papéis com influência patriarcal sejam impostos regendo suas vidas, de forma que as mulheres possam emergir em novos espaços não sexistas.

Psicologia feminista

A psicologia feminista assume que o conhecimento é socialmente construído e situado. A psicologia com essa perspectiva não procura padronização, mas antes o contraste e a diversidade que são construídos nas e através das relações vividas pelos homens e pelas mulheres (Neves & Nogueira, 2003). Além disso, as autoras enfatizam o papel das terapias feministas, implicadas na mudança social, como ponte para as mulheres desenvolverem seu empoderamento. Narvaz e Koller (2007) afirmam que essas terapias orientam as mulheres na busca dos recursos comunitários e legais disponíveis acerca dos seus direitos e reconhecem que suas subjetividades ainda são marcadas por diversas formas de discriminação e violência.

Em espaços terapêuticos as mulheres que sofrem algum tipo de violência podem usufruir de acolhimento para trabalhar as sequelas das experiências traumáticas vividas. A utilização das terapias feministas junto às mulheres vulnerabilizadas é de grande valia, pois atua simultaneamente numa lógica de intervenção individual, social e relacional. O papel político desta abordagem psicológica é o de reabilitar o ideal da igualdade entre os sexos, promover o empoderamento (resiliência e autonomia) das mulheres vítimas das violências em todo seu espectro e em particular, das conjugais.

Empoderamento

Não significa “dar poder às mulheres”, e sim o de aprofundamento da democracia do ponto de vista individual e comunitário, onde as pessoas sejam protagonistas de suas vidas e projetos. A perspectiva tomada é a emancipatória cuja conotação política teve seu início nos anos de 1970 e surgiu dos principais movimentos feministas (Horochovski & Meirelles, 2007). Adicionamos aqui a ideia também de relações conjugais regidas por ideologias igualitárias, ou seja, mais democráticas (Saldanha, 2010).

Desequilíbrio de poder entre parceiros é intrínseco a estresse em relacionamentos e conectado a experiências emocionais, além de processos de comunicação e contextos sócio culturais como gênero. A habilidade de trabalhar com as dinâmicas de poder entre os parceiros deve ser inerente à prática de terapia de casal, segundo Knudson-Martin et al. (2015). No entanto, poucas instruções sobre isso estão disponíveis.

Os autores deste estudo apresentaram sete competências clínicas considerando gênero e questões de poder nos seus próprios trabalhos, são elas; (a) identificar decretos no discurso cultural, (b) sintonizar a emoção subjacente ao contexto social e cultural, (c) nomear processos subjacentes de poder, (d) facilitar a segurança relacional, (e) promover a sintonia mútua, (f) criar um modelo de igualdade, e (g) facilitar a responsabilidade partilhada no relacionamento.

As mulheres só conseguem iniciar um processo de empoderamento, quando souberem reconhecer que podem desenvolver um senso de si, e forem capazes de se autodefender, conquistar, avançar e superar não somente as adversidades, mas também, os obstáculos humanos comuns. No caso de mulheres que se encontram destituídas de diversos recursos, não basta receberem o poder por doação ou transferência por benevolência, pois dessa forma as mulheres continuariam no lugar de objetos passivos. Este poder a que fazemos referência não é uma dádiva, muito menos uma concessão. Ainda que os projetos de empoderamento sejam primeiramente elaborados por atores externos, devido às dificuldades para ação espontânea dos sujeitos desempoderados, a responsabilidade maior pertence aos sujeitos por eles atingidos, que nesse sentido, podem participar de sua elaboração (Horochovski & Meirelles, 2007).

Há empoderamento sempre que mulheres com graus baixos de empoderamento, autonomia e emancipação se sentirem competentes em determinadas circunstâncias, reconhecerem a importância de suas participações, e se perceberem com maior liberdade de expressão e atuação do que constrangimentos e limitações. É justamente a ação de se apropriar destes recursos internos que favorece que se tornem sujeitos ativos do processo de suas existências seja este, o exercício de uma conjugalidade igualitária, a busca por um lugar no mercado de trabalho, a denúncia por maus tratos, a administração da sua sexualidade, só para mencionar algumas situações. Não é suficiente, no entanto, que isto fique somente no nível individual, pois o se empoderar é também relacional e sistêmico, e depende das interações com o ambiente em que as mulheres estão circunscritas, inclusive às conjugais.

Rodrigues, Rocha e Silva (2014) analisaram percepções de mulheres heterossexuais sobre o papel do casal no planejamento familiar, concluindo que a corresponsabilidade do homem nas decisões e ações frente ao planejamento familiar ainda é um desafio. Aponta para a necessidade de ações mais concretas visando à colaboração entre o casal e o empoderamento das mulheres, com consequente redução das desigualdades de gênero.

A noção Freiriana ressignifica o termo empoderamento como sendo a conquista da liberdade pelas pessoas que têm estado subordinadas a uma posição de dependência (econômica ou física ou de qualquer outra natureza) (Valoura, 2006). Paulo Freire tem inspiração central de emancipação das mulheres, sob a influência da metodologia feminista, que tem como condição a consciência dos efeitos de gênero nas relações sociais (e conjugais); reconhece a existência de estruturas desiguais de poder, além de trabalhar as dimensões constitutivas das relações de gênero, que são a simbólica, a normativa, a institucional e a subjetiva, e também com a perspectiva do empoderamento das mulheres (Pinto, 2011).

Empoderadas, as mulheres se reerguem e podem assim retomar o cuidado com seus próprios corpos e sua própria saúde emocional e física. Podem romper com um comportamento que no campo feminino, como afirma Taquette (2009), ainda é marcado por conformismo, silêncio e submissão.

 

Considerações finais

O artigo inicia associando questões de gênero a aspectos das relações conjugais, bem como explora como o estilo de apego de cada indivíduo influencia a forma com que este vai lidar com a intimidade com seu ou sua parceira. Aborda, também, a influência da cultura em que o casal foi criado e que está inserido.

Habilidades podem ser aprendidas, seja numa terapia de casal ou numa terapia individual, para que indivíduos possam ter relações conjugais mais satisfatórias. Uma das habilidades que surge como muito relevante nas relações conjugais é o senso de humor, que leva a uma maior positividade e flexibilidade na resolução de conflitos, até mesmo ajudando em outra habilidade, que é a capacidade de se comunicar claramente, inclusive nos recasamentos e no exercício da parentalidade, protegendo a satisfação e estabilidade do casal.

A empatia entre os parceiros, segundo estudos encontrados, também é uma habilidade que mesmo não presente, pode ser desenvolvida, e que ajuda inclusive na redistribuição igualitária nas tarefas domésticas e de trabalho e sustento. Também, a distribuição de renda mais simétrica, é outro fator de proteção para relações conjugais mais satisfatórias, pois tendem a possibilitar mais equilíbrio de poder nas tomadas de decisões.

A tomada de consciência das barreiras sexistas que ainda permeiam a nossa sociedade, também ajuda com que mulheres ascendam a novos espaços e que relações sejam mais democráticas, com maior liberdade de expressão das mulheres; que podem ter esta tomada de consciência facilitada em terapias conjugais. Afinal, o empoderamento de mulheres é relacional, para que elas possam ter mais autonomia, os homens têm que dar espaço, e assim há maior satisfação pessoal, e conjugal. Trazendo satisfação aos parceiros, quando estes conseguem transcender os valores machistas ainda impregnados na nossa sociedade.

Estudos adicionais são necessários para melhor compreender como as relações de gênero influenciam a satisfação nos relacionamentos.

 

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Endereço para correspondência
Bruna Krimberg von Muhlen
E-mail: brunakm.psic@gmail.com

Enviado em: 20/01/2016
1ª revisão em: 20/03/2016
2ª revisão em: 30/05/2016
Aceito em: 28/06/2016

 

 

1 Psicóloga, especializada em terapia de família e terapia de casal pelo Domus – Centro de Terapia de Família e Casal. Mestra pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Doutoranda no grupo de pesquisa de Relações de Gênero na mesma Universidade.
2 Psicóloga.

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