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Pensando familias

Print version ISSN 1679-494X

Pensando fam. vol.21 no.1 Porto Alegre July 2017

 

ARTIGOS

 

A conjugalidade e os conflitos vivenciados a partir do recasamento

 

Conjugality and conflicts experienced from remarriage

 

 

Amanda Pansard Alves1 ; Dorian Mônica Arpini2, I

I Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Santa Maria

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Esse estudo objetivou investigar o estabelecimento da nova relação conjugal e os conflitos vivenciados a partir do recasamento. Integraram esse estudo seis mulheres que vivenciavam um relacionamento estável com um homem que possuía filhos de um relacionamento anterior. Os dados foram coletados em um encontro com cada participante, no qual foi construído o genograma da família, com o auxílio de uma ficha de dados de identificação. Também, foram utilizadas entrevistas semidirigidas de questões abertas, tendo sido analisadas por meio da análise de conteúdo temática. Como resultados, evidenciou-se a rapidez com que se estabeleceu a coabitação entre as entrevistadas e seus companheiros. Além disso, foi possível constatar que a relação entre ex-companheira e a atual como o principal conflito dentro da família recasada, aspecto possivelmente relacionado com o curto período em que os homens ficaram solteiros. Outra fonte de tensão que se fez presente estava relacionada ao pagamento da pensão alimentícia.

Palavras-chave: Relações familiares, Família, Recasamento, Separação conjugal.


ABSTRACT

This study aimed to investigate how was the establishment of the new marital relationship and the conflicts experienced from remarriage. Integrated six women who experienced a steady relationship with a man who had children from a previous one. The data were collected on a meeting with each participant on which the genogram of the family was built, with the aid of an identification data sheet. In addition, semi-structured interviews with open questions were used and analyzed through thematic content analysis. The results showed how quickly the cohabitation between the interviewed women and their partners was settled. Furthermore, it was found that the relationship the clash between former and current partner was identified as the main conflict in the remarried family, feature that may be related to the short period in which men were single. Another source of tension that was present is related to the child support payment.

Keywords: Family relationships, Family, Remarriage, Marital separation.


 

 

Introdução

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o qual apresenta os números de separações judiciais no Brasil desde o ano de 1984, foram totalizadas 62.547 nesse primeiro ano de análise, atingindo o número mais alto em 2006, no qual foram registradas 101.820 (IBGE, 2011). Apesar do censo apresentar este balanço, sabe-se que muitas outras uniões e separações são extraoficiais, o que indica a existência de um número ainda maior do que o demonstrado a partir desse levantamento (Hack & Ramires, 2010).

O alto índice de separações está relacionado, de acordo com Féres-Carneiro (1998), a uma valorização do casamento e não a um desprezo pela união conjugal. É quando o parceiro não responde a expectativa do outro, na busca pelo sonhado par romântico, que os sujeitos acabam optando pelo divórcio. De acordo com Guimarães e Amaral (2008), “é na hipermodernidade que a cultura passa a considerar a separação conjugal não mais como um estigma, mas como uma possibilidade de libertação de uma relação que faliu, para abrir portas para a reconstrução dos ideais de felicidade conjugal” (p. 275). Em outras palavras, a união atualmente se dissolve pelo desgaste daquilo que a construiu, não tendo mais os motivos e contratos que, em tempos idos, mantinham a relação (Bernstein, 2002; Corso & Corso, 2011).

Contudo, é importante não simplificar a separação3. Conforme aponta Féres-Carneiro (1998), ela é um fenômeno complexo e multifatorial e que impactará de forma singular os membros da relação. Nesse viés, é possível que os dois membros do casal não estejam vivendo este período de forma compatível, no qual um deles pode ainda desejar a manutenção do casamento. Este fato pôde ser observado a partir da experiência em um projeto de extensão em um Núcleo de Assistência Judiciária (Cúnico, Mozzaquatro, Arpini & Silva, 2010), no qual em muitos casos os sentimentos que envolviam a dissolução da união não estavam sendo vivenciados da mesma forma por ambas as partes. Deve-se destacar que, apesar dessa diferença, existirá uma carga de sofrimento em ambos, posto que é um projeto de vida que se rompe com o fim do casamento. Tal projeto envolve desde as conquistas materiais até as afetivas, o que poderá evocar sentimentos de fracasso, impotência e perda, resultando em um luto a ser elaborado pelos ex-cônjuges (Brun, 2010; Corso & Corso, 2011; Féres-Carneiro, 1998).

Pontua-se que a situação vivenciada nesse processo que envolve a separação, desde sua decisão, reverberará nas experiências posteriores dos membros envolvidos. O sofrimento evocado e a possível resolução desse conflito, quando bem elaborado, poderá resultar em uma maior aceitação dos filhos em caso de nova união dos pais (Brun, 2010). Em contraposição, o estabelecimento rápido de um novo relacionamento por vir a trazer problemas para essa nova união (Brun, 2010; Cartwright & Gibson, 2013).

A decisão em ingressar em uma nova relação conjugal ocorre de maneiras diferentes para os membros do casal. Conforme apontam alguns estudos (Cartwright & Gibson, 2013; Costa & Dias, 2012; Féres Carneiro, 1998), o homem tende a se casar novamente antes da mulher. De acordo com uma pesquisa empreendida por Silva, Trindade e Silva Junior (2012), os homens, em muitos casos, após a vivência de um período em que estão solteiros, buscam uma nova companheira com o intuito de organizar a sua vida. Em contrapartida, para a mulher, frequentemente esta escolha parece envolver questões menos objetivas. Apesar dessas particularidades, a tomada de decisão para dar início a um novo casamento muitas vezes é difícil em razão da frustração vivenciada com o fim da união anterior que, em muitas situações, mesmo com o passar do tempo, permanece presente (Brun, 2010).

Faz-se necessário enfatizar que o recasamento ocorre de formas diferentes quando existem ou não filhos do relacionamento anterior. No primeiro caso a complexidade é maior para o estabelecimento desta nova relação conjugal, já que a dupla parental deve continuar existindo, o que exigirá a comunicação entre os ex-parceiros, em função dos filhos. Tal necessidade que se impõe pode ser um elemento que dificultará o afastamento entre o ex-casal evitando o rompimento definitivo que poderia amenizar a dor da separação. Já no segundo caso – quando não existem filhos – geralmente o ex-casal se desvincula completamente, uma vez que não há nenhum outro laço que os una (Corso & Corso, 2011; Osorio & Valle, 2008).

Apesar do estabelecimento de uma nova relação, a ex-companheira poderá gerar conflito e tensão no relacionamento do novo casal, já que a atual mulher será a substituta e terá a chance, que ela já não possui, de vivenciar a satisfação conjugal ao lado deste homem, principalmente naquelas situações em que a separação foi uma decisão que partiu do companheiro (Guimarães & Amaral, 2008). De acordo com Church (2005), a ex-esposa muitas vezes se sentirá ameaçada e com isso também poderá não colaborar com o ex-marido nas questões que envolvem os filhos em comum (Cartwright & Gibson, 2013).

Outra reorganização que será necessária diz respeito ao aspecto econômico. Conforme assinala Grisard Filho (2010), muitos dos conflitos que podem se apresentar nessas famílias decorrem dos gastos que se multiplicam com o recasamento. Além disso, após o fim do relacionamento o homem e a mulher muitas vezes se sentem em desvantagem com relação aos acordos financeiros (Brun 2010). Diante disso, a nova companheira pode também se sentir sobrecarregada caso auxilie seu marido a prover o antigo lar (Church, 2005).

Diante dos aspectos apresentados e da complexidade dessa temática, o objetivo desse estudo consistiu em explorar questões referentes à conjugalidade em famílias recasadas e os possíveis conflitos que permeiam essas relações, a partir do olhar da nova companheira do pai.

 

Método

Delineamento

Com o intuito de atingir os objetivos propostos, realizou-se uma pesquisa qualitativa. Essa escolha se deu em razão da complexidade que envolve a temática das famílias recasadas, a qual pode ser melhor explorada por essa modalidade, uma vez que a pesquisa qualitativa busca identificar os significados presentes na vida individual e coletiva (Minayo, 2013). De acordo com Gomes (2012), o objetivo da pesquisa qualitativa é a exploração de opiniões e representações sociais sobre a temática que se busca investigar. Nesse sentido, essa abordagem não busca quantificar o fato, mas analisá-lo a partir da perspectiva das pessoas que estão envolvidas no fenômeno (Minayo, 2013).

Participantes

Participaram desse estudo seis mulheres que vivenciavam um relacionamento estável com um homem que possuía filhos de um relacionamento anterior. Todas elas ou seus parceiros foram usuários de um Núcleo de Assistência Judiciária de uma Universidade Pública, serviço que atende uma população com renda de até três salários mínimos. As participantes foram incluídas de forma proposital, intencional ou deliberada (Turato, 2003). Essa escolha se deu em razão da busca por informantes que pudessem contribuir com a temática, em oposição à amostragem estatística que tem como fundamento representar significativamente uma população total.

Com relação à idade das entrevistadas, quatro delas possuíam menos de 30 anos e duas mais de 50 anos, sendo que essas idades estiveram entre 21 a 53 anos. O tempo de união entre as participantes e seus companheiros variou entre 11 meses a 9 anos. O número de enteados que cada uma possuía também foi bastante diverso, variando entre 1 a 5.

No que tange à ocupação, apenas uma estava com vínculo empregatício no momento da realização da entrevista, enquanto as demais dedicavam-se ao lar e uma delas era estudante universitária. Das seis participantes duas não possuíam filhos de um relacionamento anterior, porém somente uma delas ainda não era mãe, uma vez que a outra já possuía um filho fruto da união atual.

Instrumentos e procedimentos

Para a realização da coleta dos dados foram utilizados como instrumentos a ficha de coleta dos dados de identificação, o genograma e a entrevista semidirigida de questões abertas (Turato, 2003). Num primeiro momento, foi preenchida a ficha de coleta dos dados de identificação e a partir desses dados, na presença da participante, foi construído o genograma – somente ilustrando a configuração familiar.

Na sequência, foi realizada a entrevista, a qual deu suporte a elementos importantes para a finalização do genograma. Os tópicos que guiaram a entrevista foram: a) A história da família; b) A experiência familiar atual; c) A relação com os enteados; d) A relação com a ex-companheira do cônjuge. Dessa forma, os recursos técnicos foram utilizados de forma complementar com o objetivo de ampliar compreensão do fenômeno.

 

Análise dos dados

A técnica utilizada para a análise de dados foi a análise de conteúdo temática. As etapas propostas por Gomes (2012), para a sua realização compreendem os seguintes eixos: leitura; exploração do material e síntese interpretativa. Partindo dessa concepção, no primeiro momento foi realizada uma leitura para a familiarização com o material e elaboração dos pressupostos iniciais. Posteriormente, realizou-se a classificação de trechos na busca pelos núcleos de sentido. Ao final, foi realizada uma articulação entre os temas classificados com os objetivos propostos na pesquisa.

Ressalta-se que tal análise subsidiou a conclusão da construção do genograma, possibilitando incorporar os símbolos que dizem respeito a dinâmica das relações nas famílias, a partir do olhar da participante. Estes símbolos utilizados foram os propostos pela padronização feita por McGoldrick e Gerson em 1985 (McGoldrick & Gerson, 1995) e podem ser compreendidos a partir da legenda abaixo (ver figura 1). Optou-se por não apresentar todos os genogramas na íntegra, considerando o volume de texto que demandaria, no entanto, nos resultados e discussão alguns deles se encontram presentes.

 

 

Destaca-se que o estudo atendeu a todas as exigências da ética em pesquisa segundo a resolução n.466/2012, obtendo aprovação CAEE 19825913.1.0000.5346 pelo Comitê de ética em Pesquisa da Instituição na qual as pesquisadoras estão vinculadas. Além disso, todas as participantes ficaram cientes do objetivo do estudo e assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido. Com o objetivo de preservar a identidade das participantes, todos os nomes aqui apresentados são fictícios.

 

Resultados e discussão

1. Recasamento: o estabelecimento da nova relação e o pouco planejamento

A construção da família recasada inicia com a escolha do parceiro, o qual também pode ter vivenciado a experiência do casamento ou não. Com isso, diversas circunstâncias necessitarão ser ajustadas em função da ampla rede de relacionamentos que passarão a existir com essa nova união (Brun, 2010; Costa & Dias, 2012). Diante disso, poder-se-ia supor que a nova relação se construísse de maneira mais lenta, em razão dos atravessamentos que podem impedir o estabelecimento de uma boa relação entre todos esses membros. No entanto, as falas abaixo parecem indicar que essa não foi a escolha feita pelos casais.

“Olha, nós nos conhecemos através de uma carona que ele me deu, como ele é caminhoneiro (...) e aí ele me ofereceu carona. Ah daí como eu estava curta de grana e tal, daí aceitei a carona. Daí (...) trocamos telefone e tal, daí ele me falou da família dele, que ele tinha dois filhos, deixo claro isso. (...) ele é mais velho que eu, daí eu fiquei meio assim de assumir uma relação com ele, ele sendo mais velho que eu por causa da minha família. Só que daí (...) a gente começou a conversa e saí e a gente acabou se assumindo.” (Carla, 26)

“Aí a gente saiu, saiu, daí eu e ele sentamos na avenida, tinha a lancheria ali (...) daí a gente tomou um refrigerante, daí eu comecei a contar a minha vida pra ele né (...) Daí a gente começou a conversar, eu fui lá, na casa dele, ele me levou lá pra conhecer a casa dele que eu já conhecia, aí a gente passou lá umas horas, conversamos tudo, daí daquele dia em diante ele começou a morar comigo”. (Amélia, 53)

Os relatos parecem indicar o pouco planejamento no estabelecimento da relação conjugal, mesmo ela estando atravessada pelos filhos dos relacionamentos anteriores. Essa atitude parece ilustrar que as adversidades decorrentes do recasamento podem estar sendo minimizadas pelas mulheres que ingressam nessas famílias, assim como pelos pais que parecem não ter considerado a possibilidade de que essa relação fosse construída mais lentamente. Situação semelhante foi encontrada no estudo de Church (2005) que envolveu 104 madrastas no Canadá. A autora identificou que não são raros os casos em que as mulheres criam grandes expectativas em relação a esse novo relacionamento e acabam desconsiderando os possíveis entraves que encontrarão no futuro.

Em contraposição a essa celeridade, autores (Church, 2005; Claro, Kirby & Muller, 1993; Osório & Valle, 2008) afirmam a necessidade do estabelecimento de um diálogo entre o novo casal para que se definam os papéis dentro dessa nova família. Diante disso, pode-se inferir que essa rapidez no estabelecimento da nova relação poderia ser prejudicial para delimitar as funções que serão exercidas por cada membro, o que poderia vir ocasionar uma nova separação conjugal.

Outra participante também revela como se deu o início de sua relação com o seu atual marido e que em um mês estavam vivendo juntos.

“ah eu me lembro (riso), tá a gente se encontrou ele me levo lá acho que para conversar (...) aí conforme a gente foi conversando, eu conhecendo ele, ele me conhecendo, acho que ficamos 3 horas conversando, eu vi o caráter dele sabe (...) e aí aconteceu, a gente se encontrou mais duas vezes, aí eu fiquei duas semanas na casa dele, da minha sogra, morando, dormindo no mesmo quarto que ele e dali um mês a gente já estava morando juntos numa casa, e a Fernanda foi junto”. (...) mas eu gostei dele eu acho que foi mais por causa, sei lá, de eu ver que ali eu ia ter uma família, porque daí a gente ia morar sozinhos” (Camila, 21).

A fala de Camila parece revelar que o fato de seu companheiro ter uma filha não teria sido motivo para que ela repensasse, pelo menos inicialmente, o que essa relação poderia implicar. Diferentemente disso, o relato parece destacar que foi em função dele ter uma filha que ela passou a ficar ainda mais interessada na relação. Nesse caso em particular, pode-se conjecturar também que a intenção da participante pudesse estar relacionada ao desejo de que essa união permitira constituir uma família e sair da casa dos pais. Nesse sentido, em um estudo sobre gravidez na adolescência, pesquisadores (Hoga; Borges & Reberte, 2010) identificaram o desejo em constituir uma família e adquirir autonomia e liberdade como uma das razões para que adolescentes de baixa renda engravidassem. Os resultados desse estudo podem ter alguma relação com o relato de Camila, já que ela ainda era adolescente quando deu início ao relacionamento.

Em razão dessa rápida conjugalidade que é construída, outra questão que se revela é a reação dos filhos com a chegada desse novo membro. Nesse sentido, seria importante certa cautela por parte do casal, uma vez que o tempo é um fator importante para facilitar a incorporação da madrasta enquanto novo membro da família (Bernstein, 2002; Brun, 2010; Church, 2005; Claro; Kirby & Muller, 1993; Costa & Dias, 2012; Soares, 2012).

“então eu acho que eu cheguei e foi um baque, tanto pra mim quanto pra eles. Porque eles nem me conheciam, eu era de outra cidade, então na minha cabeça...então eu perguntei pra ele ‘não tem problema os teus filhos, a tua ex?’ ele falou ‘(...), eu estou solteiro faz dois anos, as crianças pedem uma mãe’, ele falava assim e eu dizia ‘que legal, então vamos juntar a minha família e a tua’, eu falava pra ele, ele estava com dois né e eu estava também com dois, aí ele disse ‘vamos juntar a família’”. (Suzana, 23)

Apesar da preocupação que Suzana sinaliza nesse relato, é possível perceber que, assim como nos casos anteriores, nesse também parece não ter havido uma preparação maior para o início de uma nova união. Parece ser, que nos casos aqui apresentados não teria ocorrido uma comunicação formal e aberta por parte dos pais, no sentido de preparar os filhos para a entrada desse novo membro. Os relatos das participantes, estariam em concordância com os achados da pesquisa de Ribeiro (2005), desenvolvida na cidade do Rio de Janeiro, que teve por objetivo investigar as relações entre padrastos/madrastas e seus enteados. O estudo identificou que o entendimento, por parte dos filhos, de que os pais e seus novos cônjuges estavam juntos se deu em razão dos acontecimentos, sem que houvesse uma conversa entre eles.

A palavra “choque” utilizada pela participante parece ilustrar o sentimento que pode ter sido vivenciado pelos enteados, que foram surpreendidos por essa nova configuração familiar que se instalou rapidamente. É interessante destacar que esse também foi o termo utilizado por um integrante do estudo desenvolvido por Soares (2012), o qual teve como objeto de estudo homens e mulheres de famílias recasadas que viviam na cidade do Rio de Janeiro, ao descrever a percepção que tinham sobre a forma com que foi vivenciada essa apresentação. De acordo com a autora, essa rápida passagem da fase inicial de namoro para a coabitação pode estar relacionada a expectativa dos pais de que os filhos instantaneamente aceitarão essa nova união e sentirão afeto pela madrasta, desprezando os ajustes necessários para a construção desses vínculos.

Outro aspecto que pode interferir na futura relação entre madrasta e enteado é o período entre a separação e a nova união. De todas as participantes da pesquisa, apenas Luana declarou que o tempo entre a separação do marido e o novo casamento foi maior que um ano. As demais indicaram que a nova união se deu no mesmo ano (Carla, Amélia e Carmen) ou no ano seguinte (Camila). Outra entrevistada (Suzana) declarou que esse intervalo foi de três anos, mas que, até o momento em que eles assumiram o relacionamento, a ex-mulher se fazia presente auxiliando nas tarefas domésticas na casa do ex-marido. Esses dados parecem corroborar outros estudos que apontam que homens tendem a se recasar mais rapidamente que as mulheres (Cartwright & Gibson, 2013; Costa & Dias, 2012; Féres-Carneiro, 1998). Nos casos aqui citados, as participantes que já tinham se casado anteriormente demoraram mais tempo para o estabelecimento de uma nova relação conjugal: Luana 7 anos, Carmen 8 anos, Amélia 6 anos e Suzana 1 ano.

Ainda nesse sentido, o relato seguinte ilustra de maneira clara a fragilidade da construção dos laços conjugais que foram sendo interrompidos seguidamente. Destaca-se ainda que em todas essas relações nasceram filhos, aspecto que pode ser melhor visualizado no genograma a seguir.

 

 

“quando eu comecei assim andar com ele, ele ainda era casado com a mãe da Clarice (...). Daí acho que a gente ficou um ano e pouco, dois anos junto, saindo junto, aí depois ele se separou, daí ficou acho que uns 3 meses separado dela e daí ele se juntou com a Simone, a mãe da quarta guriazinha. (...), daí a gente voltou a se encontra de novo, a sair junto de novo. (...) E aí depois eu engravidei, acabei engravidando da Priscila. Eu disse para ele, ou ele dizia pra ela [Simone] que eu estava esperando um filho dele ou eu iria ter que contar. (...) depois que foi quando ela mandou ele embora de casa, que ele foi morar comigo, ela viu no celular dele uma foto da Priscila” (Carmen, 29).

O relato da participante chama a atenção em razão da frequência com que os vínculos amorosos foram rompidos e rapidamente substituídos. Mesmo Carmen não tendo relatado problemas conjugais específicos, conforme afirma Gomes (2009), é necessário um período de reflexão acerca da relação passada para que não se repitam os problemas que levaram à separação anterior. Além disso, observa-se o fato de que com cada uma das mulheres Eduardo se tornou pai. Esse dado encontra respaldo no estudo de Marcondes (2008), que entrevistou casais de famílias recasadas de segmentos populares em São Paulo, e identificou que, para os homens entrevistados, ter um filho com a nova mulher foi algo esperado na medida em que entendiam ser essa a consolidação da nova união.

Nesse mesmo sentido, em estudo realizado com mulheres chefes de família de periferia urbana, Cúnico e Arpini (no prelo) identificaram que nessas famílias os filhos nasceram a partir de relacionamentos ainda instáveis. Esse dado mostra-se relevante por indicar as dificuldades que esses pais e mães encontram para continuar exercendo de forma ativa a parentalidade, após a fragilização dos vínculos conjugais.

Quando o intervalo entre um casamento e outro é muito pequeno, a nova relação sofrerá algumas consequências (Brun, 2010). Conforme a autora assinala, nesses casos muitas vezes o novo membro será visto com desconfiança pelos filhos, em função de o verem como o motivador da separação dos pais, tal compreensão dificultará o estabelecimento de um bom relacionamento entre madrasta e enteados. Essa questão se fez presente no caso de Carla, que, apesar de revelar ter iniciado o relacionamento com seu companheiro quando ele estava se separando, os filhos dele não a aceitaram e se mantem afastados dela, mesmo depois de quatro anos (ver Figura 3).

 

 

De acordo com os resultados da pesquisa desenvolvida por Cartwright e Gibson (2013), a qual integrou casais de famílias recasadas da Nova Zelândia, o recasamento precoce também pode levar a um aumento de tensão entre os ex-cônjuges. Em função dessa tensão, consequentemente, poderá haver conflitos na relação entre a “ex” e a atual esposa, aspecto que será abordado na sequência.

1. Os conflitos na família recasada: a ex-esposa e a pensão

1.1 A disputa com a ex-esposa do companheiro

A separação é um fenômeno complexo por envolver diversos aspectos que afetam cada um dos membros da família de maneira diferente (Féres-Carneiro, 1998). Diante disso, pode-se pensar que cada um terá uma leitura única a respeito desse processo. Para as participantes desse estudo, parece ser que o término da relação entre os seus companheiros e suas ex-esposas, não se deu da mesma forma para ambos, tendo na percepção das participantes, as ex-esposas apresentado maior dificuldade em aceitar o fim da união.

“ dizia que eu tinha roubado o marido dela, (...) na real ela tinha esperança que ele voltasse a ficar com ela, só que claro, ele se envolvendo com outra pessoa ela não tinha chance, no caso, de reatar o romance deles lá (...) uma vez ela falou (...) no telefone que o dia que ele quisesse voltar podia voltar, (...) eu acho assim que de repente ela gostava dele sim (...) como ela tinha esperança de voltar com ele, ela me eliminando do caminho é meio caminho andado.” (Carla, 26)

“ela [Simone, ex-companheira do seu marido] pegava no telefone dele, (...) até ela descobrir qual era o meu [número de telefone]. Aí ela me infernizava, me infernizava, diz que era metida a batuqueira (...) ela foi lá na minha casa, largou um monte de trouxinha de saravá, fez horrores essa mulher né”. (Carmen, 29)

Conforme assinalam Guimarães e Amaral (2008), quem decide pela separação, muitas vezes estará em uma posição mais confortável, na medida em que tem o controle, já quem acata viverá um sentimento de impotência em relação a esta tomada de decisão. Apesar disso, nos casos que integraram esse estudo, mesmo que tenham sido os homens que tomaram a iniciativa da separação, os relatos de Carla e Carmen revelam que a ex-mulher parece ter tentado interferir e se fazer presente nessa nova relação. Diante disso, a postura que as participantes descrevem tende a ilustrar a busca dessas ex-mulheres por um espaço que talvez ainda desejassem ocupar.

Outra participante apresenta sua interpretação a respeito da postura assumida pela ex-esposa de seu marido. Destaca-se que nessa situação quem decidiu pela separação foi Paola (ver Figura 4), contudo Suzana também declara ter vivenciado essa interferência, especialmente no que se refere a sua relação com os enteados.

 

 

“ela deixou ele, então ele sofreu, (...) foi embora, toda aquela confusão né, então no momento que aparece outra ela quer tudo o que era dela de volta, então começou todos os problemas (...) Toda a hora ligando, toda a hora ligando, as crianças iam pra lá, ela dizia que eu maltratava as crianças, (...) que eu podia fazer mal com os filhos dela, sendo que ela esquecia que eu tinha mais duas filhas também, entendeu, uma preocupação que eu fosse bater nas crianças, uma que jamais eu ia fazer isso, nem o pai ia deixar entendeu, não tem como”. (Suzana, 23)

De acordo com Guimarães e Amaral (2008), o conflito entre a mãe e a madrasta “retrata o combate feminino entre mulheres que disputam o reconhecimento de suas habilidades de ‘fêmea’” (p.282). Pode-se dizer que um dos papéis tradicionais que são atribuídos à mulher é a maternidade. Nesse sentido, não raro são os casos em que a mãe se sentirá ameaçada quando entender que a nova mulher poderá estar ocupando seu lugar.

“quando ela descobriu que ele casou de novo e que eu estava cuidando dela [sua enteada], ela começou a se aproximar e tentar incomodar sabe?! Descobriu que a menina me chamava de mãe, ficou brava, disse que mãe dela era ela. Aí até que ela conseguiu tirar a menina da gente. Ela ficou tão enciumada com isso, e aí eu engravidei, que daí ela decidiu pega a guarda da menina”. (Camila, 21)

A reaproximação que Camila descreve é possível que esteja vinculada à ameaça que algumas mães sentem quando percebem que seu espaço está sendo invadido pela nova mulher (Church, 2005). A ocupação desse lugar parece estar ilustrada quando a participante revela que era chamada de mãe por sua enteada, o que pode ter ocasionado, consequentemente, a busca dessa mãe pela guarda da menina.

As situações apresentadas por Camila e Suzana se aproximam pelos aspectos que envolvem a relação com os enteados. Diante disso se observa que, conforme assinala Church (2005), existem dois triângulos relacionais nas famílias recasadas que podem se estabelecer como campos de conflito entre a atual e a ex-esposa. O primeiro deles envolvendo o pai, a mãe e a madrasta, tendo como objeto da disputa a atenção do homem, já o segundo envolvendo as duas mulheres e os filhos, a competição tendo como foco esses últimos.

Uma das entrevistadas, revela a repercussão do conflito que vivencia, especialmente com uma das mães de suas enteadas. Quando se observa o genograma (ver Figura 2) e o seu relato identifica-se que essa tensão se mantém, principalmente, com a última mulher de seu marido.

“com a Helena [segunda esposa de Eduardo] nem me olha na cara (...), mas eu não tenho nada contra ela (...). Mas (...) das mais velha eu me dou muito bem com a Julia, só com a Helena que não é muito minha, mas deixa, nunca proibiu a Clarice de ir lá em casa nem nada né, nunca proibiu. E com a Simone [terceira esposa de Eduardo] é aquilo ali né [referindo-se ao conflito que mantém com ela]”. (Carmen, 29)

Faz-se necessário pontuar que Carmen relatou que já tinha um envolvimento com Eduardo quando esse ainda mantinha um relacionamento com Helena, podendo-se inferir que é também em função disso que ainda persistiria certo estranhamento entre elas. Já com relação à Simone, a entrevistada declara que, em razão da importância desse embate entre elas e também entre Simone e Eduardo, resultado da relação conflitiva que o casal mantinha quando ainda moravam juntos, esta não permite que ele leve sua filha para passar os finais de semana com o casal. Nesse sentido, pode-se pensar, em concordância com outros estudos (Claro, Kirby & Muller, 1993; Gomes, 2009; Ripoll-Núñez, Arrieta & Gallo, 2013), que quando a separação é muito conflitiva, esta poderá resultar num distanciamento entre pais e filhos. Além disso, conforme apontam Cartwright e Gibson (2013), a ex-esposa, após o recasamento do ex-marido, poderá se tornar ainda mais inflexível nas questões que dizem respeito aos filhos.

1.2 A pensão como fonte de tensão

O dinheiro foi observado como sendo um atravessamento que poderá gerar conflitos na dinâmica da família recasada. Conforme analisa Grisard Filho (2010), em função da grande complexidade dessas famílias e da multiplicação dos gastos, esse é um dos temas que pode suscitar conflito nos novos lares. Esse aspecto se fez presente nos casos que integraram esse estudo, uma vez que todos os enteados não estavam residindo com o pai. Assim, todos os companheiros das entrevistadas realizavam o pagamento da pensão alimentícia.

“porque ele dá a pensão e a gente vive apertado, sabe, e a mãe dela vive incomodando. (...) ‘então eu vou querer um aumento de pensão (...)’ e eu disse ‘ta Bruna, quanto que tu quer?’ ‘250’, aí (...) eu disse ‘não temos condições, quem sabe ano que vem eu trabalhe e ajude a pagar a pensão’ (...). Desliguei o telefone e fui conversar com o meu marido eu disse ‘Rodrigo eu não aguento mais, nós temos que dar um ponto final nisso, porque senão ela vai viver a vida inteira, até a Fernanda tiver 18 anos, essa manipulação’”. (Camila, 21)

O relato de Camila parece ilustrar o seu entendimento acerca do uso da pensão, por parte da mãe de sua enteada, o qual se daria como forma de interferir na relação do novo casal. Destaca-se o fato de que, nesse caso, a participante tenta intermediar a relação entre seu marido e a ex-esposa dele, o que pode ter potencializado o conflito em razão da dificuldade de diálogo existente entre o ex-casal.

Esses dados corroboram os achados de Cartwright e Gibson (2013), que identificaram em seu estudo que a presença de exigências do ex-companheiro em relação ao dinheiro foi um dos estressores para o casal da família recasada. Com relação à madrasta, Brun (2010) também aponta para o fato de que é possível que ela sinta seu casamento sendo invadido pela presença da “ex”, quando se instala a necessidade de acordos sobre os interesses dos filhos e as questões financeiras do ex-casal. Essa questão parece ficar evidente no relato de Camila quando ela refere que diz para seu marido: “Rodrigo eu não aguento mais, nós temos que dar um ponto final nisso”.

Além disso, o dinheiro pode ter assumido contornos conflitivos mais relevantes ainda, em razão da população aqui investigada, a qual é usuária de um serviço que atende pessoas com renda de até três salários mínimos. Em função disso, o pagamento da pensão alimentícia pode ter ganhado ainda mais importância pelas dificuldades financeiras já vivenciadas por essas famílias.

“eu tento ajudar ele, porque o que ele ganha eu sei que não dá, e o que ela quer (...) é esses atrasados, é esses 40 por cento, é esses atrasados de pensão e o que ele ganha não dá. (...) daí ele já estava no NPS, (...) janeiro, ele foi para receber e pegou 35 só, 35 reais do pagamento dele. Eu digo ‘Ivan, o que tu vai fazer com esses 35?’ ‘Pois é né, só a mulher levou todo o meu dinheiro’”. (Amélia, 53)

A declaração de Amélia ilustra os desafios que se apresentam para sua família em virtude do desconto referente à pensão alimentícia para seus enteados. Essa questão também se fez presente na fala de Carmen, quando declara que seu marido “trabalha praticamente para pagar a pensão” (Carmen, 29). Além disso, o número de filhos dos companheiros de Carmen e Amélia, também pode ser entendido como outro aspecto que potencializa dificuldades financeiras nessas famílias (ver Figura 2 e Figura 5).

 

 

Apesar disso, Church (2005) verificou que madrastas de classe média também identificaram no dinheiro um dos focos de conflito. De acordo com a autora, mesmo que a nova mulher compreenda e apoie a decisão do marido em garantir o bem-estar e conforto dos filhos, não raro são os casos em que ela criticará a forma como a mãe faz uso desses recursos.

eu falei pra ele, ‘chega de só a gente buscar, só a gente gastar, uma vez ela traz, nas férias de julho ela traz e busca e nas férias de dezembro a gente pega e busca, (...) a gente dá os 250 e eu trabalho e te ajudo a pagar a pensão’ eu falei pra ele e ele não quer, ele diz ‘não, a filha é minha, não quero ajuda’ eu disse ‘não, eu tenho que te ajudar, senão a gente vai passar necessidade’ né. Então eu não vou querer ver o meu filho passando necessidade por causa de um capricho da mãe da Fernanda, não pela Fernanda, mas por causa da mãe dela”. (Camila, 21)

A fala de Camila ilustra a crítica que ela dirige à mãe de sua enteada, ao mencionar que apenas eles despendem de dinheiro para que a Fernanda possa visitá-los e também pelo fato de entender essa postura da mãe como sendo um “capricho”. Conforme sinaliza Church (2005), é comum que a nova mulher acredite que a ex-esposa use o dinheiro da pensão, em benefício próprio, deixando de gastar com as necessidades do(s) filho(s), como exemplificado pela entrevistada quando refere que a ex-esposa não auxilia nos gastos para que sua filha realize as viagens.

Destaca-se, apesar disso, o intuito da participante em futuramente auxiliar seu companheiro no pagamento da pensão, para que a família consiga ter melhores condições financeiras. Observa-se que Camila, assim como outras participantes (Luana, Carla, Suzana e Amélia), não estavam exercendo nenhuma atividade remunerada. Nesse sentido, esse dado parece revelar que os papéis tradicionais do homem como o provedor e da mulher como a cuidadora do lar, ainda se mantém em alguns contextos, conforme também sinalizam outros autores (Brun, 2010; Costa & Dias, 2012; Cúnico & Arpini, 2013; Valentim de Souza & Dias, 2014), além do fato de que ter apenas uma renda para prover o orçamento familiar, pode fazer com que o pagamento da pensão tome uma dimensão ainda maior.

Outro aspecto relacionado ao dinheiro e ao exercício dos papéis na família é trazido pela participante Suzana, quando relata uma experiência conjugal anterior, na qual ela também era madrasta. Pode-se identificar em seu relato a função exercida pelo seu ex-companheiro.

“então era assim toda a hora ligava ‘pai eu quero cem’, ‘pai eu quero duzentos’, ‘pai eu quero tal coisa’, aí umas gurias com 16, 17, 18 anos, 23 anos, depois 24 anos e ele sempre sustentando. Só que aí tu abria o ‘face’[facebook] e tu via as fotos das bailadas, tomando cerveja, aproveitando a noite, e eu dizia ‘puxa, é pai, mas é meu marido também’ ele estava trabalhando, suando, pra estar bancando essas coisas assim”. (Suzana, 23)

É possível identificar o descontentamento da participante em relação ao uso ou a necessidade do pagamento da pensão para suas enteadas. Brun (2010) destaca que não é incomum esses sentimentos de ciúmes da nova esposa quando observa a preocupação do marido com os filhos do antigo casamento. Apesar disso, é importante que a nova mulher compreenda que a relação de parentalidade, a qual envolve o vínculo afetivo e também o sustento financeiro, deve ser mantida mesmo após o fim do matrimônio.

De acordo com Grisard Filho (2010), será necessário que o novo casal busque o diálogo e, com isso, encontre formas criativas para ultrapassar os desafios impostos por essa configuração familiar, especialmente com relação ao manejo do dinheiro. De acordo com o autor a manutenção do conflito sobre as finanças poderá encaminhar o casal para uma nova separação. Diante disso, observa-se a importância de tratar sobre esse tema que ainda é tabu mesmo nas famílias intactas (Brun, 2010; Grisard Filho, 2010).

 

Considerações finais

As considerações finais indicam que a rapidez no estabelecimento de uma nova relação conjugal, como nos casos que integraram esse estudo, parece ter como um dos seus maiores atravessamentos a figura da ex-esposa, a qual parece ter assumido o ponto central de conflito com a atual esposa. Os relatos revelaram que a ex-companheira poderá alimentar uma tensão tendo como foco de disputa o ex-marido ou os filhos. Destacou-se também nos casos aqui apresentados, que da fase inicial da nova relação até a coabitação se passou pouco tempo. Nesse sentido, entende-se que as novas esposas podem estar minimizando as dificuldades que decorrerão de um casamento em que seu companheiro possui filhos de uma relação passada. Apesar disso, deve-se enfatizar que não foram relatados problemas conjugais específicos.

Esses dados que indicaram o dinamismo do relacionamento conjugal nessas famílias trazem consigo a necessidade de se pensar os aspectos que envolvem a manutenção do exercício da parentalidade nessas famílias, considerando que esta não deve se fragilizar diante do rompimento conjugal. Nesse sentido, entende-se como fundamental a realização de novos estudos que busquem compreender como os pais e mães recasados, que possuam filhos de uniões anteriores, mantém suas responsabilidades parentais em relação a esses.

O dinheiro, e mais especificamente a pensão alimentícia, foi apresentado nesse estudo, como um potencializador de conflitos e uma dificuldade a ser ultrapassada para a manutenção dessas relações. Diante disso, torna-se relevante que serviços que atendam famílias, em suas mais diversas configurações, se busque fomentar o diálogo entre o casal para que eles consigam compreender, desde cedo, as dificuldades que podem se apresentar.

Pontua-se que esse estudo não buscou estigmatizar as famílias recasadas como portadoras de problemas. Entende-se que os conflitos vivenciados não devem ser compreendidos como definitivos, mas como atravessamentos que a nova família deve superar na sua construção. O que parece existir nessas famílias é uma maior complexidade nas relações, o que demandará maior flexibilidade para que todos os membros encontrem satisfação dentro desse novo arranjo familiar.

Deve-se enfatizar que os resultados aqui apresentados dizem respeito à concepção da madrasta no contexto da família recasada. Em razão disso, é possível que os outros membros não compartilhem do entendimento e da experiência vivenciada por essas mulheres. Além disso, a população investigada nesse estudo possuía uma renda de até três salários mínimos, o que certamente influenciou nas vivências dessas famílias. Nesse sentido, torna-se relevante outros estudos que busquem compreender a visão dos demais membros da família e também que abarquem outros segmentos sociais, para que os profissionais possam ajudá-los a superar os conflitos e entraves que poderão surgir na construção dessa nova família.

 

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Endereço para correspondência
Amanda Pansard Alves
E-mail: amanda.pansard@hotmail.com

Enviado em: 13/10/2016
1ª revisão em: 16/04/2017
Aceito em: 30/05/2017

 

 

1 Psicóloga, mestre em psicologia pela Universidade Federal de Santa Maria.
2 Prof. Dra pelo Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Santa Maria.
3 Nesse estudo os termos separação e divórcio serão utilizados como sinônimos.

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