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Pensando familias

versão impressa ISSN 1679-494X

Pensando fam. vol.21 no.2 Porto Alegre dez. 2017

 

ARTIGOS

 

Perspectivas futuras sobre os relacionamentos amorosos de mulheres de duas diferentes gerações

 

Future perspectives on the loving relationships of women of two different generations

 

 

Jussara Abilio Galvão1, I ; Heloisa Moulin de Alencar2, I, II ; Ariadne Dettmann Alves3, III

I Universidade Federal do Espírito Santo (UFES)
II Fundação de Amparo à Pesquisa e inovação do Espírito Santo (Fapes)
III Instituto Ensinar Brasil (DOCTUM)

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Investigou-se as perspectivas de mulheres sobre o futuro das relações amorosas em geral. Participaram da pesquisa 15 mulheres entrevistadas por Alencar (1993) e 15 mulheres entrevistadas atualmente, entre 20 e 30 anos, casadas, sem filhos e da classe média. Foi perguntado como elas imaginavam o futuro dos relacionamentos amorosos em geral. Priorizou-se a análise qualitativa dos dados (Delval, 2002). Os principais resultados indicaram que haverá uma diversidade de formas de relacionamento amoroso como a coabitação, o casamento formal e as uniões homossexuais. Também existirá a fragilidade dos vínculos, assinalando o lugar problemático do outro. As mulheres entrevistadas no passado enfatizaram que haverá mais liberdade e uma tendência para a igualdade entre os sexos e as entrevistadas atualmente sublinharam a persistência no casamento e a inexistência do casamento formal. Este estudo contribui para as pesquisas e fornece subsídios teóricos para a elaboração de projetos sobre a temática em questão.

Palavras-chave: Jovens mulheres, Relacionamento amoroso, Casamento, Amor, Família.


ABSTRACT

We investigate the perspectives of women on the future of loving relationships in general. Thirty married, childless and middle class women, aged 20-30, participated in the study, 15 interviewed by Alencar (1993) and 15 currently interviewed. We asked them how they envisioned the future of loving relationships in general. We gave priority to qualitative data analysis (Delval, 2002). The main results indicated that there will be a diversity of forms of loving relationships such as cohabitation, formal marriage and homosexual unions. There will also be the fragility of the bonds, pointing out the problematic place of the other. The women interviewed in the past emphasized that there will be more freedom and a tendency for equality between the sexes and the ones interviewed now highlighted the persistence in marriage and the absence of formal marriage. This study contributes to the researches and provides theoretical suport for the elaboration of projects on the subject in question.

Keywords: Young women, Loving relationship, Marriage, Love, Family.


 

 

Introdução

Conforme ressaltaram Del Priore (2012; 2014) e Lipovetsky (2005) os padrões de conduta, em meados do século XX, pautavam-se na lógica das desigualdades entre os sexos. Assim, havia a indulgência para com o homem que podia gozar livremente da sua sexualidade e o rigor em relação à mulher que deveria manter-se virgem até o casamento. Nesse contexto, Del Priore (2012; 2014) ressalvou que a sociedade atribuía às mulheres, com base na crença da natureza feminina, os papéis de mãe, de dona de casa e de esposa dedicada e submissa ao marido. Por outro lado, aos homens era atribuído papel de “chefe de família”. Ademais, Del Priore (2012) explicou que a separação era o maior medo das esposas, em virtude de questões afetivas, financeiras e sociais, pois a sociedade estigmatizava as mulheres separadas, considerando-as como má influência.

Esse modelo, no entendimento de Del Priore (2014), começou a passar por modificações no fim do século XX. Nesse período, o número de casamentos formais diminuiu por causa da coabitação e os casos de divórcios aumentaram, entre outros motivos, devido ao fato de que as mulheres passaram a não aceitar viver em um casamento caracterizado pelo sofrimento, preferindo terminar a união e buscar a felicidade pessoal. Em julho de 2010, a promulgação da nova lei do divórcio aumentou e facilitou ainda mais os casos de separação conjugal, já que essa legislação permite o divórcio um dia após o casamento. A autora ressalvou que atualmente as pessoas optam pelo divórcio porque consideram a união conjugal tão relevante, que, ao verem as suas expectativas não correspondidas dentro da relação, se divorciam (Del Priore, 2014).

Ainda, Borges, Magalhães e Féres-Carneiro (2014), ao entrevistarem 20 sujeitos (10 nas idades entre 63 e 69 anos e 10 entre 27 e 34 anos) de ambos os sexos, constataram que os participantes mais jovens consideraram que o divórcio pode libertar o indivíduo de uma união insatisfatória. E Secco e Lucas (2015), em um estudo do qual participaram cinco mulheres solteiras de idades entre 30 e 45 anos, verificaram que algumas participantes relacionaram o divórcio à liberdade e ao poder de escolha da mulher, já que não é mais preciso permanecer em um relacionamento amoroso insatisfatório, conforme ocorria com as mulheres nas gerações passadas.

Além do mais, no início deste século, percebe-se a existência de uma diversidade de modelos de relacionamentos amorosos orientando as condutas dos sujeitos. Dessa maneira, Duarte e Rocha-Coutinho (2011) investigaram o “namorido”, que é uma forma de relação amorosa na qual, após rápido namoro, os parceiros optam pela coabitação sem obrigatoriamente programarem a oficialização da união no futuro. Participaram deste estudo cinco mulheres, entre 27 e 37 anos de idade, que se encontravam nessa modalidade de relação amorosa por um período de um ano pelo menos. As autoras averiguaram que, no namorido, não há um compromisso com a durabilidade do relacionamento, já que o relevante é a satisfação obtida pelos parceiros na relação amorosa (Duarte & Rocha-Coutinho, 2011). Amorim e Stengel (2014), em uma pesquisa feita com um casal heterossexual e um casal homossexual feminino, com idades entre 28 e 30 anos, empregaram o termo “customizadas” para se referirem aos enlaces amorosos em que os casais, embora partam de um modelo social predefinido, de algum modo fogem dos paradigmas existentes e inventam um modo singular de relacionamento conjugal.

Também Marimón e Vilarrasa (2014) esclareceram que vem aumentando o número de pessoas que estão se distanciando do modelo de relacionamento amoroso, pautado no amor romântico. Assim, elas mencionaram o aumento nos casos de divórcio e de separação, os casais que moram em casas separadas e as famílias homossexuais. Bauman (2004), ao discutir sobre a fragilidade nas relações amorosas, expôs que os compromissos em longo prazo devem ser evitados, já que são um entrave para novas oportunidades amorosas mais lucrativas. Dessa forma, os casamentos tradicionais, que já estão abalados pela coabitação temporária, são substituídos “pelo ‘ficar juntos’, de horário parcial ou flexível” (p.26). Como exemplo, o autor citou os “casais semi-separados” (p.26), que preferem ter seus lares e amigos separadamente e ficam juntos apenas quando desejam e, os relacionamentos de bolso caracterizados pela pequena duração, instantaneidade, alta disponibilidade de parceiros, ausência de paixão e dos sentimentos de amor e de desejo.

Ainda Galvão, Alencar e Rossetti (2016), em um estudo exploratório com duas mulheres casadas de idades de 48 e 52 anos, verificaram um distanciamento do casamento tradicional, pois as entrevistadas explicaram que essa instituição não é mais sólida como era antigamente e que, nos dias atuais, as pessoas não querem comprometer-se com outrem em uma relação amorosa. Para elas, no futuro haverá uma fragilidade nas relações amorosas que serão pautadas no individualismo e os casais vão morar em casas separadas. Ademais, Borges, et al. (2014) averiguaram que, dentre os entrevistados, os mais jovens não creem na durabilidade das relações amorosas, já que os relacionamentos podem ser facilmente rompidos.

Resultados semelhantes a esses foram encontrados por Smeha e Oliveira (2013) em uma pesquisa com oito jovens, de ambos os sexos, de idades entre 18 e 23 anos. Os entrevistados explicaram que os relacionamentos atuais se caracterizam pela individualidade, superficialidade, descartabilidade, busca do prazer, transitoriedade, grande disponibilidade de parceiros, ausência de compromisso, efemeridade e liberdade. Esta foi mais enfatizada pelos rapazes que expressaram desejar a liberdade de sair com os amigos quando estão em um enlace amoroso. Os entrevistados disseram que no futuro as relações amorosas serão caracterizadas pelo individualismo, os casais vão morar em casas separadas e os relacionamentos estáveis deverão acontecer em idades mais avançadas. Sobre projetos de vida, esses jovens explicaram que priorizam a formação acadêmica.

Tal fato também foi verificado no estudo de Zordan, Falcke e Wagner (2009) do qual participaram 197 jovens solteiros, de ambos os sexos, de idades entre 20 e 31 anos, pois, entre os objetivos mais relevantes na vida, os jovens aludiram, em ordem decrescente, a realização profissional, a realização pessoal, as boas condições de vida, conquistar os sonhos, continuar estudando, ser valorizado profissionalmente e constituir família. Na pesquisa de Matos, Féres-Carneiro e Jablonski (2005) com 10 adolescentes de ambos os sexos, nas idades entre 13 e 17 anos, os participantes ressaltaram que, no futuro, almejam principalmente cursar uma faculdade, trabalhar e ter filhos.

Além disso, no trabalho de Stengel e Tozo (2010) com sete adolescentes de idades entre 15 e 19 anos, de ambos os sexos, os entrevistados expuseram que aspiram em longo prazo, em ordem de preferência, cursar o ensino superior, a estabilidade financeira e profissional, o casamento e a constituição familiar com filhos. E, na pesquisa de Secco e Lucas (2015), as participantes mencionaram priorizar a careira profissional e os estudos, em detrimento do casamento.

Por sua vez, Chaves (2010), ao entrevistar 12 jovens de idades entre 18 e 25 anos, de ambos os sexos, verificou que, na concepção dos entrevistados, os casamentos estão acontecendo mais tarde, devido à valorização das esferas profissional e financeira e ao individualismo que prioriza a liberdade individual. Para a maioria dos participantes, principalmente as moças, houve expressivas mudanças nas relações amorosas que passaram a se caracterizar pela instabilidade e pela falta de compromisso. Como justificativas para essas mudanças, os jovens destacaram o aumento e a facilidade da separação conjugal, a facilidade com que as relações sexuais ocorrem, a busca pelo prazer imediato, pela autorrealização e pela autossatisfação, a falta de compromisso entre as pessoas e o individualismo. Esses dados encontrados por Chaves (2010) foram corroborados, em parte, em outro estudo realizado pela mesma autora em 2016, do qual participaram 12 jovens de idades entre 18 e 25 anos, de ambos os sexos, uma vez que se constatou que esses jovens priorizavam a busca por relações amorosas mais superficiais, pontuais, efêmeras e hedonistas.

A liberdade individual também foi expressa pelos jovens no estudo de Borges, et al. (2014), pois, para eles, a liberdade individual é um fator necessário à formação do vínculo. Dessa maneira, as autoras constataram que o valor conferido à liberdade vem alterando as balizas nas quais se avalia a felicidade conjugal. Contudo, segundo Llosa (2013), o ganho de liberdade sexual colaborou para a vulgarização do ato sexual, que, para muitos, especialmente os jovens, passou a ser considerado como um esporte ou mero passatempo. Assim, o sexo, carente de amor e de imaginação, em vez de libertar o homem da solidão, nela o aprisiona, com um sentimento de fracasso e de frustação (Llosa, 2013).

Além disso, Chaves (2016) ressalvou que no contemporâneo as mudanças afetivo-sexuais contribuem para a maior liberdade individual e para maiores possibilidades de experiências prazerosas; por outro lado, deixam as relações amorosas mais instáveis e inseguras. Ela verificou que alguns dos jovens entrevistados temem o compromisso e o envolvimento afetivo com outrem, devido ao fato de já terem vivido, ou escutado de amigos, histórias de relacionamentos anteriores caracterizadas por infidelidades, abandono e desrespeito. Assim, esses jovens tendem a manter relações superficiais como forma de escapar do sofrimento.

Nesse contexto caracterizado por relações mais superficiais, efêmeras e hedonistas, para Chaves (2016), o lugar do outro é problemático, já que ele é visto como um meio para alcançar a autossatisfação, a autorrealização e como um estorvo que pode cercear a liberdade individual. Desse modo, o outro deve ser facilmente descartado e esquecido, já que o mais relevante é a satisfação do próprio prazer. Ainda, conforme La Taille (2009), estamos assistindo ao “crepúsculo do dever” para com outrem e, assim, o outro se torna invisível, e um dos possíveis efeitos dessa invisibilidade é a violência, pois, por meio da ação violenta, o sujeito pode ganhar visibilidade aos olhos da sociedade. Cortella e La Taille (2005) expuseram que a ética cotidiana é influenciada por um individualismo acentuado em que outrem não comparece e que as pessoas percebem que as relações humanas estão, cada vez mais, caracterizadas pela violência.

Dessa maneira, a instrumentalização, a descartabilidade (Chaves, 2016), a invisibilidade do outro e a violência (Cortella & La Taille, 2005; La Taille, 2009) vão de encontro ao que La Taille (2006) definiu como plano ético que remete à busca por uma “vida boa” (p. 36), por uma vida que “vale a pena ser vivida” (p. 30). Mas, para que essa busca por uma vida boa que faça sentido seja chamada de ética, ela deve abranger o outro como pessoa merecedora de respeito e de consideração, e não como um meio para alcançar a autossatisfação pessoal.

Assim sendo, Blandón-Hincapié e López-Serna (2016), em um trabalho realizado com seis jovens nas idades entre 18 e 25 anos, de ambos os sexos, constataram que as características do contemporâneo como, a incerteza, a transitoriedade, o individualismo e a efemeridade das relações amorosas, impulsionam os participantes a buscar laços fortes e estáveis que os liguem com a possibilidade de construir um futuro. Esses jovens mostraram-se cientes da finitude e da vulnerabilidade dos relacionamentos amorosos e, desse modo, buscam estratégias para superar os instantes de crise na relação.

No estudo de Fonseca e Duarte (2014), os cinco casais entrevistados, entre 26 e 37 anos de idade, esclareceram que esperavam de seus parceiros, no namoro, um companheiro para a vida toda, alguém com quem pudessem compartilhar valores, construir uma família e ter filhos. Na pesquisa de Coutinho e Menandro (2010) com 20 mulheres (10 que tiveram filhos na década de 1960 e 10 que tiveram filhos nos anos de 1990), as entrevistadas mais velhas explicaram que, ao redor dos anos de 1960, o casamento era o grande objetivo da mulher. Por sua vez, a maioria das participantes mais jovens explicou que o casamento ainda consiste em um projeto de vida feminino, nos dias atuais. Além do que, em Stengel e Tozo (2010), os adolescentes mencionaram a pretensão de casar no civil e no religioso, isto é, eles almejam, no futuro, constituir família com filhos, dividir a mesma casa e as despesas domésticas. Para esses adolescentes, o casamento deve ser para sempre, pautado no amor e na livre escolha dos parceiros.

A mudança do casamento motivado por interesses familiares para o modelo do casamento fundamentado no amor foi destacada por Del Priore (2012), Ferry (2013) e Marimón e Vilarrasa (2014). No entender de Ferry (2013), o ideal do casamento baseado no amor se estende às demais relações amorosas e são as uniões homossexuais que apresentam o extremo dessa transformação que dissocia os enlaces amorosos dos princípios tradicionais como, a linhagem, a biologia e a economia. Ademais, Oltramari (2009), em uma revisão de literatura, constatou que o amor continua no cerne dos interesses e buscas do homem. E, sobre as mulheres em específico, para Lipovetsky (2000), elas continuam a sonhar com o grande amor.

Em suma, embora haja uma diversidade de modelos de relações amorosas no contemporâneo, dos quais alguns tendem para a fragilidade dos vínculos, ainda existe a busca por enlaces sólidos, pelo amor e pelo casamento tradicional. Este, conforme Marimón e Vilarrasa (2014), permanece como fonte de inspiração para a vida afetiva, e, segundo Del Priore (2014), a instituição mais antiga da história humana, isto é, a família continuará a existir, já que ela é um sustentáculo para todos os seres humanos que buscam garantir a sua descendência na terra.

Sobre os papéis tradicionais de homens e mulheres dentro da relação amorosa, para Borges, et al. (2014), houve uma diminuição da assimetria entre os sexos, pois, no contemporâneo, homens e mulheres constroem as suas trajetórias de vida, tendo as mesmas preocupações relativamente à profissão e à independência financeira. Por outro lado, segundo Llosa (2013), embora as mulheres possuam uma autonomia sexual bem mais ampla do que antigamente, elas ainda não gozam da mesma liberdade sexual que os homens. Ademais, a concepção da maior permissividade sexual masculina foi constatada por alguns estudos, dentre os quais se citam, Bozon (2003), que discutiu pesquisas realizadas na França; Larrañaga, Yubero, S., e Yubero (2012), em uma pesquisa da qual participaram 262 universitários (77,28% mulheres e 21,5% homens) com idade média de 20,92 anos; e no trabalho de Matos et al. (2005) com adolescentes. Por fim, Del Priore (2014), além de ter ressaltado a permanência da maior liberdade sexual para o homem, explicou que permanecem entre os sexos as desigualdades econômicas, políticas e nos afazeres domésticos.

Dessa maneira, conforme Bozon (2003), Lipovetsky (2000) e Oltramari (2009), apesar das mudanças ocorridas nas relações amorosas, ainda não é possível falarmos de uma igualdade entre os sexos, já que, para Lipovetsky (2000), a diferenciação entre homens e mulheres se reproduz insistentemente no meio social; e, para Bozon (2003), a autoelaboração dos sujeitos dentro de um enlace amoroso cria estruturas sociais tão rígidas quanto as que existiam em sociedades antigas.

Terminadas as considerações teóricas, com base nelas é possível notar que estamos vivendo um momento de mudanças, iniciado no fim do século XX, no qual as relações amorosas podem configurar-se de diversas formas, e os ideais tradicionais continuam perpassando essas relações. Assim, este estudo, teve por objetivo investigar a perspectiva de jovens mulheres que viviam em conjugalidade sobre o futuro das relações amorosas dos casais em geral e a existência ou não de diferenças entre os pontos de vista de mulheres que foram entrevistadas em 1993 (Alencar, 1993) e de mulheres que foram entrevistadas na atualidade, em 2013. Ou seja, também almejou-se verificar se as mudanças sublinhadas nas considerações teóricas deste trabalho vão emergir de forma diferenciada entre essas duas gerações. Com este trabalho, pretende-se contribuir para que se compreendam as transformações que vêm ocorrendo nas relações amorosas, colaborar para as pesquisas e levantar subsídios teóricos para profissionais que trabalham como o tema em questão.

 

Método

Participantes

Participaram deste estudo 30 mulheres: 15 mulheres foram entrevistadas no passado por Alencar (1993) e 15 entrevistadas em 20134, de idades entre 20 e 30 anos, sem filhos, que viviam em conjugalidade com homens e pertenciam à classe média. Destaca-se que por viver em conjugalidade considerou-se mulheres que coabitavam com os seus parceiros amorosos sem estarem casadas legalmente, mulheres que se casaram somente no civil e as que se casaram no civil e no religioso.

Cabe ressalvar que a escolha por mulheres jovens que viviam em conjugalidade foi em virtude de considerar-se que, nos primeiros anos de coabitação, é preciso organizar um modo de funcionar como casal que é influenciado por uma pluralidade de formas de conduta amorosa, às vezes, contraditórias, conforme apresentado anteriormente. Desse modo, elas podem estar vivenciando mais intensamente essa diversidade de modelos. Optou-se por investigar as perspectivas futuras, pois acredita-se que as mulheres podem se pautar nesse contexto de mudanças, para elaborar uma projeção futura das relações amorosas e também em virtude da quase ausência de pesquisas sobre o futuro dos relacionamentos amorosos dos casais em geral.

A coleta dos dados

A escolha das participantes, no passado (Alencar, 1993), bem como as de atualmente (2013) ocorreu por meio de indicação, isto é, foi solicitado a amigos, colegas de trabalho e/ou de faculdade das pesquisadoras que indicassem mulheres que se encontravam nos parâmetros estabelecidos para este estudo. Feita a indicação, Alencar (1993) realizava o contato com a possível participante por telefone e, caso o sujeito aceitasse em participar da pesquisa, explicava o tema do estudo e garantia o anonimato da entrevistada. Por sua vez, o contato com as participantes, em 2013, foi realizado por meio de telefone, e-mail e/ou de redes sociais, sendo que, no mesmo momento, era explicado às mulheres o objetivo deste trabalho.

Tanto as mulheres entrevistadas por Alencar (1993) como as entrevistadas em 2013 responderam à pergunta: “Hoje, em relação aos casais em geral, como você imagina o futuro das relações amorosas?”. As entrevistas foram realizadas de maneira individual, em dia, horário e local escolhidos pelas participantes, gravadas em áudio, transcritas posteriormente e os protocolos permanecem guardados em arquivos pessoais das entrevistadoras. Sublinha-se que, como em 1993 não era exigido que as pesquisas fossem apreciadas por um comité de ética, somente às mulheres entrevistadas, em 2013, foi entregue, no dia da entrevista, um termo de consentimento livre e esclarecido que especificava os objetivos da pesquisa, assegurava o anonimato das participantes, explicava que poderiam desistir de participar a qualquer momento sem sofrerem dano, que os resultamos seriam publicados em um periódico científico e que este trabalho seguia as normas éticas de pesquisa com seres humanos, conforme a Resolução do Conselho Nacional de Saúde n.º 466/2012 (2012). O estudo teve a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da UFES mediante o Parecer n.º 419.793.

Análise dos dados

Realizou-se a análise dos dados com base na sistematização proposta por Delval (2002), priorizando a análise qualitativa dos dados: Primeiramente, foi feita a leitura flutuante dos 30 protocolos de entrevistas, buscando identificar tendências gerais nas respostas das participantes; em seguida, foram criadas categorias de análise autoexcludentes, pautadas no critério de semelhança entre as respostas. Para verificar a precisão das categorias, solicitou-se a uma pesquisadora, que não participou diretamente deste estudo, que classificasse os protocolos de entrevistas nas categorias criadas. Por fim, gerou-se uma (Tabela 1), contendo as categorias, números e percentuais, visando à melhor exposição e discussão dos resultados, bem como a comparação das respostas das mulheres das duas diferentes gerações.

 

 

Apresentação e discussão dos resultados

Ressalta-se que a maior parte das entrevistadas apresentou mais de uma resposta. Assim, embora o número de participantes tenha sido 30, o de respostas foi 86, cujo cálculo da porcentagem foi realizado com base na quantidade de respostas dadas à pergunta (Tabela 1). Sublinha-se que primeiramente serão discutidas as categorias que não apresentaram diferenças relevantes entre a porcentagem de respostas das mulheres das duas gerações. Por percentual relevante considerou-se as categorias que apresentaram mais de 5% de diferença entre o número de respostas das mulheres e as que somente compreenderam relatos de um grupo de entrevistadas. Em seguida, serão discutidas as categorias que comtemplaram maior porcentagem de respostas proferidas pelas participantes do passado; e, por último, as que encerram maior percentual de repostas aludidas por mulheres entrevistadas em 2013. Além disso, empregaram-se nomes fictícios iniciados com a letra ‘P’ para as mulheres entrevistadas, no passado, (em 1993) e com a letra ‘A’ para as entrevistadas atualmente (em 2013).

Todas as entrevistadas proferiram que os relacionamentos amorosos estão passando por mudanças, o que indica a coexistência de uma diversidade de modelos de uniões amorosas no futuro. Posto isso, vejamos categorias que não tiveram diferenças relevantes entre os esclarecimentos das mulheres das duas gerações.

Desse modo, a categoria “fragilidade dos vínculos”, resposta de maior frequência entre as participantes, aliou as seguintes perspectivas: No futuro, os relacionamentos amorosos serão escorregadios, fúteis, industrializados, fáceis de ter, piores devido à falta de amor e banalizados por causa da facilidade do divórcio; ademais, tenderão a ser menos sólidos e duradouros caracterizados pelo individualismo, pela ausência de compromisso e de obrigação; alguns casais poderão viver em casas separadas; algumas pessoas não desejarão ter filhos; a instituição familiar dificilmente se fortalecerá; uns desejarão conviver primeiro para somente depois assumir algo mais sério; e a violência vai aumentar. Como exemplo, apresenta-se o relato de Anita: “Eu acho que o relacionamento futuro vai ser um relacionamento muito escorregadio [...] muito fútil. Muito, industrializado! [...] como se fosse uma coisa muito fácil de ter. [...]”.

Conforme os estudos de Bauman (2004), Galvão et al. (2016) e Marimón e Vilarrasa (2014), as pessoas estão distanciando-se do modelo tradicional de união amorosa, pois a ausência de compromisso caracteriza os enlaces amorosos na atualidade (Bauman, 2004; Chaves, 2010; Galvão et al., 2016; Smeha & Oliveira, 2013). A fragilidade nas relações amorosas defendida por Bauman (2004) também foi expressa pelas mulheres no estudo de Galvão et al. (2016) e por jovens nas pesquisas de Borges et al. (2014).

Assim, atualmente os relacionamentos amorosos particularizam-se pelo individualismo (Chaves, 2010; Galvão et al., 2016; Smeha & Oliveira, 2013), já que os casais moram em casas separadas (Bauman, 2004; Marimón & Vilarrasa, 2014) e no futuro também vão morar em residências diferentes (Galvão et al., 2016; Smeha & Oliveira, 2013). Ainda, definem-se pela instabilidade (Chaves, 2010), descartabilidade (Smeha & Oliveira, 2013), busca do prazer (Chaves, 2010; Smeha & Oliveira, 2013), superficialidade, efemeridade (Chaves, 2016; Smeha & Oliveira, 2013), hedonismo (Chaves, 2016), grande disponibilidade de parceiros (Bauman, 2004; Smeha & Oliveira, 2013), facilidade em que as relações sexuais ocorrem (Chaves, 2010), instantaneidade, coabitação temporária e pelos casais que se encontram em horários parciais e/ou flexíveis (Bauman, 2004). Também assistimos ao aumento nos casos de divórcio (Marimón & Vilarrasa, 2014) e de separação (Chaves, 2010; Del Priore, 2014; Marimón & Vilarrasa, 2014) que, segundo Del Priore (2014), podem ter como contribuição a nova lei do divórcio que permite a separação um dia após o casamento.

Nesse contexto, sublinha-se que o lugar do outro é problemático porque ele é visto como um instrumento para alcançar a autossatisfação e a autorrealização (Chaves, 2016). Também se torna invisível (La Taille, 2009), isto é, não comparece, uma vez que a ética cotidiana é influenciada por um individualismo exacerbado e, assim, as relações humanas definem-se cada vez mais por atos de violência (Cortella & La Taille 2005), pois, por meio dessas ações, o sujeito pode ganhar visibilidade aos olhos do outro (La Taille, 2009). Dessa maneira, a construção de um projeto de vida ético fica prejudicada, visto que esse projeto deve envolver outrem como um fim em si mesmo (La Taille, 2006).

Por sua vez, na categoria “continuidade das mudanças” as mulheres proferiram que, no futuro, as coisas vão permanecer como estão nos dias atuais, isto é, uns vão dar importância ao casamento e outros não. Ademais, existirão várias formas de amor, as pessoas vão morar juntamente sem a exigência do casamento civil e, se a relação não der certo, vão separar-se e ter que escolher muito bem os parceiros.

A categoria “busca por viver o amor” aliou as respostas que revelam que futuramente as pessoas vão persistir mais no amor, superar as diferenças e encontrar novas formas de viver o amor. Além disso, os casais, tanto heterossexuais quanto homossexuais, vão querer compartilhar momentos de construção e de amor, buscar a felicidade e ficar juntos porque gostam um do outro. Observemos o depoimento de Alana: “Independente de ser homem com mulher, homem com homem ou mulher com mulher, mas compartilhar isso, não é? De compartilhar esses momentos de construção, de amor”.

Em conformidade com os dados desta pesquisa, segundo Del Priore (2012) e Ferry (2013), o amor passou a ser a base dos casamentos, cujos enlaces homossexuais são o ápice dessa transformação (Ferry, 2013). Oltramari (2009) ainda explicou que o amor permanece no centro dos interesses e das buscas do homem, e Lipovetsky (2000) ressalvou que as mulheres continuam a sonhar com o grande amor. Também Blandón-Hincapié e López-Serna (2016) constataram que os jovens buscam estratégias para superar os momentos de crise na relação.

Segundo a categoria “casamentos tardios”, futuramente as pessoas vão casar-se menos e, mais tarde, vão estudar primeiro para depois casar. Vejamos as explicações de Àgata: “Eu acho que estão estudando mais [...] para depois constituir uma família [...] eu acho, que vai ser, assim mesmo, entendeu? Estudar primeiro para depois casar, entendeu? Para depois constituir família”. A prioridade pelos estudos foi verificada nas pesquisas de Matos et al. (2005), Secco e Lucas (2015), Smeha e Oliveira (2013), Stengel e Tozo (2010) e Zordan et al. (2009). Dessa maneira, os casamentos estão acontecendo (Chaves, 2010) e vão acontecer, no futuro, mais tardiamente (Smeha & Oliveira, 2013).

Isso posto, serão descritas as categorias que apresentaram diferenças relevantes na porcentagem de repostas entre as duas gerações de participantes. Assim, serão mencionadas as categorias que foram exclusivamente ou principalmente aludidas pelas mulheres entrevistadas no passado. Dessa maneira, somente as mulheres entrevistadas no passado consideraram a categoria “sempre haverá mudanças sociais”, que reuniu os esclarecimentos, a saber: As coisas tendem a mudar, a se adaptar naturalmente, isto é, novos valores se adaptam a novas realidades, e os casamentos serão diferentes porque vivemos coisas diferentes.

A categoria “tendência para igualdade entre homens e mulheres”, também exclusivamente mencionada por participantes do passado, contemplou as explicações segundo as quais, no futuro, os homens tendem a ser mais colaborativos e menos exigentes, devido às novas posturas adotadas pelas mulheres, tais como morar sozinha ou assumir uma relação homossexual; o machismo vai diminuir; e espera-se que o homem aceite mais a evolução da mulher e haja menos cobranças de ambos os parceiros. Nesse contexto, não haverá diferenças no que é a mulher dentro e fora de casa, mas isso não implica que ela tenha de abrir mão de sua feminilidade. Assim sendo, o relato de Pâmela exemplifica essa categoria: “[...] antes as mulheres tinham muita necessidade, assim, de ter um homem como ponto de referência e agora muitas mulheres moram sozinhas. Há muitas mulheres se relacionando com outras mulheres, não é? É assumindo isso sem nenhum problema”.

Entendemos que essa perspectiva apresentada pelas entrevistadas vem se confirmando, já que há, sim, uma flexibilidade nos papéis entre homens e mulheres (Borges et al., 2014; Bozon, 2003; Del Priore, 2014; Larrañaga et al., 2012; Lipovetsky, 2000; Llosa, 2013 e Oltramari, 2009). Contudo, as diferenças entre os sexos ainda persistem, visto que a maior permissividade sexual masculina foi ressaltada nos estudos de Bozon (2003), Del Priore (2014), Larrañaga et al. (2012) e Llosa (2013).

Sobre a categoria “haverá mais liberdade”, com base nos relatos das mulheres, futuramente haverá uma livre escolha entre tudo, as pessoas casadas poderão sair com os amigos enquanto o parceiro fica em casa. Devido ao poder de escolha, seremos mais felizes e realizados. Ainda haverá maior liberdade de permanecer solteiro, se a pessoa quiser, e de haver separação/divórcio, visando a uma nova tentativa amorosa. Por outro lado, com o ganho de liberdade, os jovens antecipam as coisas e, no futuro, terão problemas, vão sofrer, ficar malucos e frustrados. Vejamos o depoimento de Patrícia: “A liberdade é muito maior atualmente, eu acho que tende a ser maior. [...] Assim, vou sair com as minhas amigas, você vai ficar em casa e tal, tudo bem, numa boa”.

Da mesma forma, em revisão da literatura, foram encontrados estudos que ressaltam a importância da liberdade nos relacionamentos. Por exemplo, no estudo de Smeha e Oliveira (2013), a liberdade foi mais enfatizada pelos rapazes que desejam ter a liberdade de sair com os amigos quando estão em um relacionamento amoroso. Em Borges et al. (2014), os jovens explicaram que a liberdade individual é necessária para a constituição do vínculo, pois a importância concedida a ela altera os parâmetros com os quais se avalia a felicidade do casal. Por sua vez, Del Priore (2014) explicou que o divórcio é motivado pela insatisfação das pessoas dentro do casamento e, assim, elas optam por se divorciarem e vão à busca da felicidade pessoal. Também os jovens entrevistados por Borges et al. (2014) e as mulheres, no estudo de Secco e Lucas (2015), expuseram que o divórcio pode libertar o sujeito. Por outro lado, Llosa (2013) argumentou que o ganho da liberdade sexual aprisiona o homem na solidão com um sentimento de fracasso e de frustação.

Cabe ressaltar que a diferença no percentual de respostas entre as duas gerações de participantes nas categorias “haverá mais liberdade” e “tendência para a igualdade entre homens e mulheres” pode ser em parte explicada pelo fato de que as mulheres entrevistadas no passado se encontravam, em termos histórico-sociais, mais próximas dos modelos de conduta bem definidos pela tradição (Del Priore, 2012; 2014; Lipovetsky, 2005) e, assim, elas poderiam ansiar por mais igualdade e flexibilidade nos relacionamentos amorosos.

Em relação às categorias que apresentaram maior percentagem de respostas de mulheres entrevistadas atualmente, em “persistência no casamento” reuniram-se os relatos que evidenciam que as pessoas vão persistir no casamento porque se trata de uma estrutura e/ou construção antiga, vão querer casar no civil e no religioso, vão querer compartilhar a vida e ver o amor como algo bonito a ser cultivado. Ainda a família vai continuar a existir, já que as pessoas precisam do vínculo afetivo. Vejamos a explicação de Ângela: “[...] Ainda acho que o casamento vai prevalecer por muito tempo. Porque é uma construção que a gente carrega já há muitos, muitos anos”.

Da mesma forma, no entendimento de Del Priore (2014), a família é a mais remota instituição humana e é a base para todos que almejam manter a sua descendência no mundo. E, conforme Marimón e Vilarrasa (2014), o casal tradicional continua a inspirar a vida afetiva das pessoas. Ademais, tanto os adolescestes (Stengel & Tozo, 2010) quanto as mulheres (Coutinho & Menandro, 2010) consideraram o casamento como um projeto de vida: Para os primeiros, os filhos, a união civil e religiosa e a divisão dos serviços na casa e as despesas se inseriram nesse projeto. E Fonseca e Duarte (2014) verificaram que os entrevistados esperam encontrar no parceiro um companheiro com quem seja possível construir uma família e ter filhos.

Ressalta-se que o maior percentual de respostas mencionado pelas mulheres entrevistadas, na atualidade, nessa categoria pode ser parcialmente explicado em virtude de que essas participantes estejam vivenciando mais de perto os aspectos do contemporâneo como, a incerteza, a transitoriedade, o individualismo e a efemeridade nas relações amorosas. Tal fato vai ao encontro de Blandón-Hincapié e López-Serna (2016), que argumentaram que esses aspectos podem impulsionar as pessoas a buscar laços fortes e estáveis que viabilizem a construção de um futuro.

Em “inexistência do casamento formal”, aliaram-se as seguintes respostas: Futuramente não haverá casamentos tradicionais devido à educação que os jovens estão recebendo dos pais e à coabitação; algumas pessoas não vão querer casar por causa de experiências ruins e precoces, mas outras desejarão coabitar, compartilhar a vida e não vai haver a obrigação de casar e, assim, as pessoas poderão fazer um “test-drive”. Como exemplo, observa-se o relato de Alana: “[...] Eu acho que eles vão querer casar, também. Não estou querendo dizer se é casar no civil ou no religioso. Morar junto, não é? Compartilhar [...] Se não quiser casar não precisa, não é?”.

Da mesma forma, Del Priore (2014) assinalou a diminuição dos casamentos formais em virtude da coabitação e que, em Chaves (2016), alguns dos entrevistados evitavam o compromisso e o envolvimento afetivo com outrem por causa de experiências amorosas anteriores, definidas por infidelidades, abandono e desrespeito.

Verificou-se ainda que duas participantes entrevistadas atualmente consideraram que “não há como saber” de que maneira será o futuro das relações amorosas em virtude não só da maior liberdade que os jovens têm atualmente, tanto para consumir drogas quanto para se dedicarem aos estudos, como também das diferenças entre os jovens recatados de famílias evangélicas e as meninas do funk que, com 12 anos, vão coabitar com outras pessoas.

Por último, na categoria “outros”, que não apresentou diferenças relevantes entre os relatos das duas gerações de entrevistadas, se encontram as seguintes respostas: No futuro chegaremos a um equilíbrio entre as coisas ótimas do presente e as ruins do passado; se não tiver Deus, não vai ter mais relacionamentos; o preconceito vai acabar e a estrutura familiar vai mudar, já que poucas pessoas terão filhos. Isso posto, serão tecidas as considerações finais deste estudo.

 

Considerações finais

Neste estudo, constatou-se que, com base nos depoimentos das entrevistadas, as relações amorosas estão modificando-se e que, no futuro, haverá uma diversidade de formas de relacionamento amoroso como a coabitação, o casamento no civil e/ou no religioso e as relações homossexuais. Esses resultados aproximam-se do namorido investigado por Duarte e Rocha-Coutinho (2011), das “relações customizadas” discutidas por Amorim e Stengel (2014) e de Del Priore (2014) ao sublinhar a continuidade da família no futuro.

Verificou-se que a “fragilidade dos vínculos” foi a categoria mais aludida pelas participantes em geral (n=23; 26,7%), indicando o lugar o problemático do outro nas relações amorosas (Chaves, 2016) e a não contribuição para a construção de um projeto de vida ético (La Taille, 2006). Desse modo, enfatiza-se a importância de que psicólogos e profissionais da educação desenvolvam projetos de intervenção, nas escolas e nas comunidades, com sujeitos de todas as idades, objetivando construir e fortalecer a concepção de que o outro deve ser entendido como alguém que merece ter seus sentimentos, sua singularidade e a sua dignidade respeitada.

Sobre as diferenças encontradas nas perspectivas das mulheres das duas gerações, averiguou-se que as categorias - “sempre haverá mudanças sociais” e “tendência para a igualdade entre homens e mulheres” - contemplaram somente esclarecimentos de mulheres entrevistadas no passado. Destaca-se também o maior número de respostas em “haverá mais liberdade” mencionado por elas. Assim, em relação às categorias “tendência para a igualdade entre homens e mulheres” e “haverá mais liberdade”, sublinha-se que esse resultado pode ser em parte explicado em virtude de que essas participantes estavam mais próximas dos valores tradicionais de conduta caracterizados pela rígida divisão de papéis entre os sexos (Del Priore, 2012; 2014; Lipovetsky, 2005).

Dessa maneira, essas mulheres podem ter idealizado um futuro em que as uniões amorosas sejam mais livres e igualitárias. Tal fato vem sendo corroborado pela literatura, uma vez que maior igualdade entre homens e mulheres na relação amorosa foi sublinhada nos trabalhos de Borges et al. (2014), Bozon (2003), Del Priore (2014), Larrañaga et al. (2012) Lipovetsky (2000), Llosa (2013) e Oltramari (2009). Ademais, a liberdade foi valorizada pelos jovens nos estudos de Borges et al. (2014) e de Smeha e Oliveira (2013).

Por sua vez, a categoria “não há como saber” inseriu apenas explicações de mulheres entrevistadas atualmente e as categorias “inexistência do casamento formal” e “persistência no casamento” tiveram a maioria dos depoimentos aludidos por essas mulheres. Assim, sublinha-se que a maior ênfase atribuída por mulheres entrevistadas atualmente em “persistência no casamento” pode estar relacionada ao fato de que elas estejam vivenciando, de forma mais próxima, a instabilidade e o individualismo presentes na atualidade. Desse modo, essas mulheres podem ter aspirado a um futuro em que as pessoas sejam mais persistentes no casamento.

Cabe ressalvar que este estudo se limitou a investigar as perspectivas futuras para os relacionamentos amorosos com jovens mulheres casadas na classe média. Desse modo, sugere-se a importância da realização de pesquisas transversais que investiguem a concepção das relações amorosas com sujeitos nas demais faixas etárias, de ambos os sexos, e em diferentes classes econômicas, pois entende-se que, ao longo dos anos, as pessoas mudam a forma de conceber as relações afetivas e podem estar cientes dos fatores que conduziram tal mudança.

Em termos gerais, ressalta-se que os resultados deste estudo podem fornecer subsídios teóricos para psicólogos e profissionais da educação que trabalham como o tema dos relacionamentos amorosos: Por exemplo, elaborando palestras, cursos e/ou projetos de intervenção. Ainda destacamos que este trabalho contribui nas pesquisas sobre a temática em questão.

 

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Endereço para correspondência
Jussara Abilio Galvão
E-mail: jussaraabgalvao@hotmail.com
E-mail: jussagalvao@gmail.com

Heloisa Moulin de Alencar
E-mail: heloisamoulin@gmail.com

Ariadne Dettmann Alves
E-mail: alves.ariadne@gmail.com

Enviado em: 02/03/2017
1ª revisão em: 30/04/2017
Aceito em: 22/06/2017

 

 

1 Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Psicologia (UFES).
2 Professora do Departamento de Psicologia Social e do Desenvolvimento e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia (UFES). Doutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano (USP). Bolsista Pesquisador Capixaba da Fundação de Amparo à Pesquisa e inovação do Espírito Santo (Fapes).
3 Professora no Instituto Ensinar Brasil (DOCTUM). Doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia (UFES).
4 Agradecemos a Tais Peres Fonseca pela colaboração na coleta dos dados e na transcrição das entrevistas realizadas na atualidade e pelo auxílio na análise dos dados em geral.

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