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Pensando familias

Print version ISSN 1679-494X

Pensando fam. vol.22 no.1 Porto Alegre Jan./June 2018

 

ARTIGOS

 

Conquistas e fracassos: os pais como base segura para a experiência emocional na adolescência

 

Achievements and failures: parents as a safe base for the emotional experience in the adolescence

 

 

Ana Paula Simeão Faria1, I ; Edna Lucia Tinoco Ponciano2, I

I Universidade Estadual do Rio de Janeiro - UERJ

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Na adolescência, a relação pais e filhos(as) sofre mudanças, de acordo com as transformações e o desenvolvimento do(a) adolescente. O(a) adolescente tende a se afastar dos pais para desenvolver sua individualidade e, no entanto, é importante que o vínculo entre pais e filhos(as) tenha continuidade. Nosso objetivo é investigar e discutir a relevância do apoio parental nas experiências emocionais de conquistas e de fracassos durante a adolescência. Participam deste estudo seis rapazes e seis moças, entre 15 e 19 anos de idade, entrevistados seguindo um roteiro semiestruturado. As entrevistas foram transcritas e adotamos a Análise de Conteúdo. Nossa principal conclusão é a de que os(as) adolescentes consideram importante o suporte parental, como uma base segura, para a regulação das experiências emocionais negativas e como reforçadores nas experiências emocionais positivas. Este suporte configura um ambiente familiar facilitador para o processo do desenvolvimento emocional.

Palavras-chave: Relação pais e filhos, Adolescência, Desenvolvimento emocional.


ABSTRACT

In the adolescence, the relationship between parents and children goes through changes along with the transformations and development in the adolescent’s life. The adolescent tends to distance himself/herself from his/her parents to develop his/her own individuality. Nevertheless, it is important that the attachment between parents and children has continuity. Our aim is to investigate and discuss the relevance of parental support in emotional experiences of failure and achievements during adolescence. Six boys and six girls participated in this study, between the age of 15 and 19. A semi-structured script interview was used. The interviews were transcribed and Content analysis was made. Our main conclusion is that adolescents consider parental support important, as a safe base, for the regulation of the negative emotional experiences and reinforcement for the positive emotional experiences. This support fosters a family environment that facilitates the process of emotional development.

Keywords: Parents and children’s relationship, Adolescence, Emotional development.


 

 

Introdução

Na adolescência, há um investimento para a independência, emocional e material, típico de contextos urbanos, caracterizando um período marcado pela autonomia e por decisões de projetos de vida. Neste processo de autorrealização, o(a) adolescente constrói novos aspectos da identidade e desenvolve novas características para o self, estando implicadas as emoções. A adolescência é caracterizada por um período de frequentes mudanças emocionais, acompanhada do amadurecimento da competência emocional, desenvolvida desde a infância (Mendes, 2009; Santrock, 2014). O desenvolvimento cognitivo e a maior consciência de si incrementam o desenvolvimento de habilidades para administrar melhor suas emoções na relação com o outro, consigo mesmo(a) e na sociedade (Ponciano & Féres-Carneiro, 2014; 2017; Ponciano & Seidl-de-Moura, 2011). A fase propõe mudanças pessoais, sociais e emocionais, sendo relevante para o(a) adolescente o suporte parental, como base segura para os novos desafios (Allen & Land, 1999; Beyers & Goossens, 2008; Carter & McGoldrick, 1995; Meeus, Iedema, Maassen & Engels, 2005).

Há um salto no desenvolvimento cerebral, nas regiões e sistemas localizados no córtex pré-frontal. Estas áreas são responsáveis por funções que afetam a experiência emocional, dentre elas: a regulação do comportamento e da emoção; realização do pensamento abstrato; a percepção e a avaliação de risco e de recompensa (Steinberg, 2005). Estas funções são marcantes na adolescência, influenciando a capacidade de planejamento, a introspecção, a autoavaliação, a autorregulação e a coordenação entre afeto e cognição (Santrock, 2014; Steinberg, 2005). O desenvolvimento emocional é induzido por essas mudanças, aumentando a capacidade de regulação e alcançando respostas emocionais mais adequadas e adaptativas (Silva & Freire, 2014). Surgem novos recursos cognitivos, importantes para que o(a) adolescente amadureça e regule suas emoções. No entanto, a competência emocional desenvolvida (Santrock, 2014) não é uma característica exclusivamente individual e depende da colaboração dos pais, como agentes facilitadores para a qualidade do desenvolvimento da regulação emocional (Morris, Silk, Steinberg, Myers & Robinson, 2007; Silva & Freire, 2014). Um ambiente familiar em que o(a) adolescente vivencia com seus pais, na maior parte das vezes, experiências de afeto positivo e uma relação de apego de confiança e de segurança, pode facilitar o desenvolvimento saudável na adolescência.

O(a) adolescente tende a buscar independência e autonomia, em um processo de exploração da identidade e de exploração social, e precisa receber encorajamento (Beyers & Goossens, 2008). No entanto, isso não acontece de forma simples, sendo, frequentemente, um processo instável e de grandes conflitos, de dúvidas e de confusão para o(a) adolescente. A ansiedade e a frustração podem ser experimentadas e, muitas vezes, geram expectativas, que podem provocar inseguranças e cobranças. São várias possibilidades de escolhas e de experiências que se apresentam, diferente do ambiente familiar, geralmente, confiável e protetor. Neste cenário, situações novas, portanto, desconhecidas, que podem trazer medo e incertezas, gerando novas experiências emocionais, costumam levar o(a) adolescente a buscar apoio e segurança. Neste aspecto, os pais têm um papel fundamental, pois o ambiente familiar permanece como o principal contexto de segurança para o(a) adolescente (Meeus et al., 2005). Logo, o vínculo com os pais precisa estar atuante. Pesquisas apontam que o(a) adolescente não está preparado(a) para “caminhar” sozinho(a) (Beyers & Goossens, 2008), mas precisa dar os “primeiros passos”, para desenvolver-se. Neste caso, os pais podem funcionar como um “porto seguro” em que o(a) adolescente se distancia, mas, ao sinal de problemas, sabe que existe um lugar para se abrigar. Para tanto, os pais precisam se conectar com os(as) filhos(as) adolescentes com aceitação e com responsabilidade; evitando hostilidade, rejeição e controle invasivo (Beyers & Goossens, 2008). Uma maior necessidade de autonomia, pode dar a falsa impressão de que a presença dos pais não é necessária. Estudos apontam que a separação, no sentido radical, pode não ser saudável para a construção de identidade e de ajuste emocional e social, pois o(a) adolescente não encontra um lugar de apoio para orientação e regulação de suas experiências emocionais (Allen & Land, 1999; Beyers & Goossens, 2008; Meeus  et al., 2005). Nesta falta, o(a) adolescente pode viver experiências com sensações corporais e psicológicas muito intensas.

Um estudo de Meeus et al. (2005) demonstra que no início da adolescência, o suporte parental está ligado ao ajuste emocional do(a) adolescente, mais do que à construção da identidade ou à individualização. Contudo, o mesmo estudo aponta que, no final da adolescência, o suporte parental apresenta-se relacionado a maior estabilidade no processo de desenvolvimento da identidade, levando o(a) adolescente ao compromisso social e relacional e a menos necessidade do suporte emocional dos pais. Nesse sentido, a família precisa ser o ambiente de maior estabilidade e de segurança, com os pais e/ou adultos cuidadores envolvidos, mostrando-se presentes e abertos para o diálogo e a negociação de temas e de decisões importantes. Para tanto, é preciso que pais e adolescentes reorganizem a relação familiar, no que se refere ao reconhecimento dos pais sobre as mudanças apresentadas por seus filhos(as) (Bowlby, 1971; Ponciano, 2015). Neste aspecto, as conversas e as narrativas no ambiente familiar precisam transformar-se, para se adequarem às mudanças subjetivas e à necessidade de exploração do(a) adolescente, contribuindo para o seu desenvolvimento emocional.

A nova dimensão dialógica familiar ocorre em paralelo às novas e diferentes interações fora do ambiente familiar. A companhia dos amigos e as trocas de experiências com eles são vivências com diferentes ideias, pensamentos e valores. Nas culturas ocidentais, esses encontros permitem ao(à) adolescente se distanciar de sua família, para pensar sobre si de forma distinta e separada de seus pais (Allen & Land, 1999; Oatley & Jenkins, 1998; Santrock, 2014). Este processo, de novas descobertas e de diferenciação familiar, desperta no(a) adolescente novas atitudes e novos comportamentos, que podem ser confundidos com indisciplina ou com rebeldia. É comum, na tentativa do(a) adolescente afirmar sua experiência, discordar dos pais, para se impor como indivíduo pensante e que possui opinião própria. Este é um dos aspectos que reflete a importância dos novos diálogos familiares, assegurando que as novas ideias e as negociações permitam diferentes formas de funcionamento na vida do(a) adolescente, como, por exemplo, assumir mais responsabilidades e mais autonomia. Estas ações, apoiadas pelos pais, auxiliam no desenvolvimento da autoconfiança, que possibilita um senso de identidade integrado e seguro (Smetana, 2011). A interdependência familiar pode ajudar também o(a) adolescente a lidar melhor nas situações em que o ambiente social seja desfavorável, auxiliando na regulação de experiências emocionais negativas (Ponciano, 2016; Smetana, 1999).

Destaca-se que, durante o desenvolvimento adolescente, as alterações de humor e a dificuldade de autorregulação podem trazer comportamentos inadequados, provocando novos desafios para os pais, pois precisam oferecer amparo emocional e ajudar a desenvolver recursos próprios, para lidarem com variadas situações que despertam diferentes emoções (Coleman, 2011).  Por conseguinte, o ambiente familiar saudável e seguro também facilita a regulação das emoções, pois o lar pode fornecer exemplos de vida emocional equilibrada (Allen & Land, 1999). Além disso, pais atentos aos possíveis problemas emocionais de seus(suas) filhos(as) interferem, procurando minimizar as causas. Desse modo, possibilitam experiências prazerosas de confiança e de emoções com experiências positivas (Allen & Land, 1999; Smetana, Metzger, Gettman, & Campione-Barr, 2006). A Regulação Emocional é um processo que envolve aspectos cognitivos e comportamentais que surgem em resposta às mudanças significativas no estado emocional, com a finalidade de modular a intensidade e a expressão de uma emoção (Morris et al, 2007; Rei, 2012). Nesse sentido, as emoções podem ser inibidas e submetidas ao controle do sujeito (Macedo & Sperb, 2013).

Na adolescência, o desenvolvimento cerebral acarreta transformações, com incremento da introspecção, da autoavaliação, da autorregulação e da coordenação entre afeto e cognição (Steinberg, 2005). O desenvolvimento emocional na adolescência é induzido por essas mudanças e obtém traços que aumentam a capacidade de regulação, alcançando respostas emocionais mais adequadas e adaptativas. O ambiente também propicia condições para o desenvolvimento da capacidade de regulação das emoções.

Pesquisadores (Morris et al., 2007) destacam três caminhos: observação, práticas parentais e ambiente emocional familiar. Estes aspectos estão relacionados com a qualidade de apego dos pais em relação aos(às) filhos(as). Por meio da observação, os(as) filhos(as) percebem como seus pais regulam as próprias emoções, em certas situações; as práticas parentais refletem-se no modo como os pais se relacionam emocionalmente com seus(suas) filhos(as); e o ambiente emocional familiar é o resultado da qualidade das relações parentais e conjugais. O comprometimento da participação familiar é crucial para a qualidade e eficiência da regulação emocional (Morris et al., 2007), sendo esses processos iniciados na infância e continuados na adolescência.

As mudanças emocionais na adolescência acontecem em conjunto com muitos desafios para o(a) adolescente, no que se refere, por exemplo, às escolhas profissional e amorosa, às expectativas de realizações e à aquisição de responsabilidades. Logo, o(a) adolescente precisa lidar com situações novas, que podem provocar diferentes emoções. A capacidade de introspecção e de autoavaliação podem aumentar a preocupação com sua imagem diante do outro (Santrock, 2014). Perceber-se, constantemente, fora das suas próprias expectativas ou ter uma má performance no meio social pode promover emoções difíceis, como vergonha ou culpa (Lewis, 1995; Oatley & Jenkins, 1998; Tangney & Dearing, 2002). Ao passo que se perceber realizado ou dentro das expectativas pessoais e sociais pode promover emoções prazerosas, como o orgulho (Muris & Meesters, 2013).

As dificuldades encontradas neste período, relacionadas às diferentes exigências que o desenvolvimento provoca, demonstram a necessidade de amparo. O(a) adolescente encontra-se em processo de desenvolvimento e de amadurecimento, e pode ter dificuldades de enfrentar situações de estresse, não conseguindo a regulação emocional necessária, para uma resposta satisfatória. Em um ambiente familiar saudável e seguro o(a) adolescente pode assimilar a capacidade de regulação de suas emoções (Allen & Land, 1999; Smetana et al., 2006). Estudos apontam que os pais são os principais agentes para a regulação no desenvolvimento emocional, promovendo e facilitando o processo (Morris et al., 2007). Portanto, o vínculo familiar é indispensável para o desenvolvimento da regulação emocional, em um contexto de intimidade, permitindo um ambiente no qual o adolescente possa encontrar confiança nos pais, para falar de si e de suas experiências.

À medida que o(a) adolescente amadurece, desenvolvendo sua autonomia, em processos internos (psíquicos) e externos (sociais), é emocionalmente saudável que ele se mantenha apegado aos pais, ainda que se diferencie do apego tal como ocorre na infância (Allen & Land, 1999; Santrock, 2014; Smetana et al., 2006). A partir desses aspectos, o(a) adolescente desenvolve a regulação emocional, ocasionando experiências de vida mais positivas e intervindo, favoravelmente, no seu desenvolvimento. O objetivo deste trabalho é investigar e discutir a relevância do apoio parental nas experiências emocionais de conquistas e de fracassos durante a adolescência. Para tanto, entrevistamos 12 adolescentes, seis moças e seis rapazes, buscando conhecer, a partir de suas narrativas, experiências emocionais de conquistas e de fracassos, pessoais e profissionais, e a relevância do apoio dos pais. Trata-se, portanto, de uma pesquisa de caráter exploratório, na qual ressaltamos a importância de compreender e elaborar conhecimento a partir da experiência dos(as) adolescentes.

 

Método

Participantes

A amostra foi constituída por 12 adolescentes de classe média e baixa da cidade do Rio de Janeiro e municípios próximos, com idades entre 15 e 19 anos, sendo seis rapazes e seis moças. Dentre as moças entrevistadas, suas idades estão entre 15 e 19 anos. Dentre os rapazes, todos têm a idade de 18 anos. Definimos a escolha dessa faixa etária por caracterizar o momento em que o adolescente começa a ter mais autonomia nas decisões que implicam o seu presente e o seu futuro, como, por exemplo, escolha amorosa ou profissional, o que proporciona experiências pessoais referentes à conquista ou ao fracasso, enquanto as referências sobre si estão sendo ressignificadas (desenvolvimento do self). Nesse sentido, a amostra, apesar das diferenças de classe social, não apresentou divergência em relação à formação escolar e aos desejos de realização profissional e pessoal. Os(as) entrevistados(as) foram identificados(as) pelas letras M(masculino) e F(feminino), seguido por um número de um a seis e a idade correspondente.

 

 

Instrumento

Partindo de uma investigação exploratória, optou-se pela metodologia qualitativa, por meio de uma entrevista semiestruturada. O roteiro para a entrevista foi elaborado com base na leitura teórica sobre os temas e no objeto de investigação do estudo, com a intenção de provocar a narrativa do entrevistado sobre o autoconhecimento (self adolescente) e a experiência emocional em conquistas e fracassos. O roteiro da entrevista está dividido em três momentos: (1) Sobre autoconhecimento, tanto pessoal quanto social (Quais são as características (positivas e negativas) de uma pessoa da sua idade?; Essas características têm a ver contigo? Fale-me de você.; O que as pessoas dizem de você, de como você é e do que você faz?; Como você se sente sobre isso?); (2) Sobre emoções autoavaliadoras, quando é solicitado que conte três situações, em que cada uma refere-se a experiências que podem provocar culpa, vergonha ou orgulho, identificando as emoções relacionadas (Conte-me sobre uma experiência na qual você tenha feito algo considerado errado. Qual foi a emoção ou como você se sentiu?; Conte-me sobre uma experiência da sua vida na qual você tenha sentido mal com algo que você não tenha conseguido realizar. Qual foi a emoção ou como você se sentiu?; Conte-me sobre uma experiência da sua vida na qual você tenha se sentido bem, por uma conquista ou uma realização. Qual foi a emoção ou como você se sentiu?); (3) Sobre o futuro, sendo sugerido a que se imagine no futuro e pense sobre si mesmo, descrevendo-se (Imagine-se no futuro, como seria realizar o que você gostaria de ser? Conte-me sobre isso).

Procedimentos e considerações éticas

O recrutamento para a entrevista foi realizado a partir da indicação de conhecidos, em que foi solicitado que nos informassem sobre adolescentes cujos perfis se encaixavam nas idades pré-definidas, entre 15 e 20 anos, caracterizando uma amostragem por conveniência. Os(as) entrevistados(as) também fizeram indicações. Com os(as) adolescentes que aceitaram participar, foram feitos contatos telefônicos para combinar o dia, o local e o horário possíveis para a entrevista. As entrevistas foram realizadas em locais diversos, mas com garantias de privacidade, gravadas em áudio para a coleta integral das respostas e narrativas, e para a melhor análise posterior, sendo autorizada com a assinatura em um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Com cada adolescente menor de 18 anos foi solicitada a autorização do pai ou da mãe. Os(as) entrevistados(as) preencheram uma ficha com os dados sociodemográficos. A pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa da Plataforma Brasil, sendo apreciado como aprovado, com número CAAE 43143515.8.0000.5282.

 

Análise dos dados

Após a realização de 12 entrevistas, iniciou-se o processo de transcrição integral. Seguindo os passos da Análise de Conteúdo, as transcrições foram lidas, uma primeira vez, de forma fluida (leitura flutuante), e foi feita uma síntese das impressões gerais sobre cada entrevista (Bardin, 2008). Foram lidas novamente, de forma mais detalhada e concentrada, com o objetivo de destacar as falas significativas para o estudo e as falas compreendidas como relevantes para o(a) entrevistado(a). Neste processo, também foram anotadas, junto às falas, palavras-chave que representavam possíveis categorias, que emergiam para análises posteriores. Desse modo, as palavras-chave constituíram-se em pré-categorias (Bardin, 2008; Gibbs, 2009). As categorias foram divididas em conceituais e descritivas, sendo ambas definidas pela leitura das entrevistas. As primeiras são definidas a partir da fundamentação teórica, em discussão com a literatura utilizada. As categorias descritivas são as que não foram definidas teoricamente, mas foram verificadas no discurso dos(as) adolescentes. Foram definidos três eixos temáticos: (I) self na adolescência, (II) emoções, e (III) relação com os pais. Fizemos comparações e análises separadas entre os eixos e as categorias foram agrupadas segundo os eixos temáticos. Em outro artigo, os Eixos I e II são comparados, enquanto neste são comparados os Eixos II e III. Analisamos separadamente e comparamos o Eixo Emoções e o Eixo Relação com os pais, identificando as experiências emocionais de fracasso e de sucesso e a relevância do apoio dos pais. Apresentamos abaixo as categorias dos dois Eixos trabalhados.

 

 

Averiguamos, por saturação teórica, que as 12 entrevistas realizadas eram suficientes para obter as informações necessárias para o estudo. Por se tratar de uma pesquisa qualitativa, cuja amostra é pequena, a saturação verificada empiricamente é uma ferramenta importante para confirmar a saturação teórico-conceitual, ou seja, a constatação de que as entrevistas realizadas fornecem elementos suficientes, relacionados aos temas propostos para investigação (Fontanella, Luchesi, Saidel, Ricas, Turato, & Melo, 2011; Fontanella, Ricas & Turato, 2008). Portanto, por saturação, foi interrompido o recrutamento para novas entrevistas, sendo a presente amostra considerada suficiente para a investigação exploratória proposta.

 

 

Resultados

Eixo – Emoções: Envolvendo todo o corpo e a expressão facial, como “leitura” e interpretação de uma determinada situação, as emoções podem ser definidas como um estado de prontidão, que alia as dimensões fisiológicas, cognitivas e comportamentais. As emoções contribuem, desse modo, para que o sujeito construa uma resposta, adaptativa ou não, à experiência vivida, de forma subjetiva e nas interações interpessoais (Damásio, 2011; Ekman & Cordaro, 2011; Izard, 2007; Oatley & Jenkins, 1998).

Categoria - Emoções básicas: caracterizadas por não necessitarem de um processo de introspecção ativo ou de consciência de si, as emoções básicas (tristeza, medo, alegria, raiva, surpresa e nojo) não estão ligadas aos processos mentais complexos, expressando com o corpo e com as expressões faciais, direta e pontualmente, a vivência de uma determinada experiência (Ekman & Cordaro, 2011; Izard, 2007; Nesse, 1990).

Fiquei muito triste, impotente por não conseguir mudar a opinião deles (pais). ... Tristeza, frustração mesmo (por não ter passado em um concurso). (M1-18a)

Eu fiquei triste, por ser uma coisa que eu sempre quis (por não ter passado num concurso). ... Fiquei bem feliz. Mas o dia que eu fiquei bem feliz foi o dia de entrega da boina (cerimônia de ingresso no curso militar). Não, o choro era só de alegria, de uma conquista (estava na presença dos pais). (M4-18a)

Ah, tristeza.... ( por não ter passado no vestibular). ... Ah, alegria, não só por mim, mas por ver meu pai e minha mãe felizes também. Foi uma alegria! (quando se batizou na igreja). (F4-19a)

Os(as) adolescentes nomeiam as emoções que sentem em relação às experiências de sucessos e de fracassos, nos campos profissionais e afetivos. Nas experiências negativas, ou seja, de fracassos, a experiência emocional que eles identificam é a de tristeza. Nas experiências positivas ou de sucesso, eles afirmam que sentem alegria. Nas experiências positivas ou negativas, M1-18a, M4-18a e F4-19a afirmam que compartilham suas emoções de alegria ou de tristeza com os pais.

Categoria - Emoções autoavaliadoras: requerem do sujeito uma consciência de si, que avalia suas ações, enquanto, ao mesmo tempo, avalia o que o outro pensa dele (Lewis, 1995), sendo o conteúdo dos pensamentos especificamente relacionado ao que é avaliado da situação vivenciada (autoavaliação). Se a avaliação for negativa, o sujeito pode sentir vergonha ou culpa, fracasso ou transgressão (Tangney & Dearing, 2002). Por outro lado, se a avaliação for positiva, pode sentir orgulho (Muris & Meesters, 2013).

Subcategoria das emoções autoavaliadoras - Culpa: caracteriza-se por uma exposição negativa do self, a partir de um comportamento que é avaliado como errado ou transgressor, tendo como padrão os valores do grupo de pertença (Lewis, 1995; Tangney & Dearing, 2002).

Fiquei muito arrependido, de que não era para ter feito aquilo, que poderia ter vivido a vida sem ter passado por aquilo. Falei coisas que não devia falar (em relação a uma briga com os pais). (M1-18a)

Uma situação, assim, que não quero que repita de forma alguma (ficou bêbado). (M3-18a)

Mas eu menti sério para eles (pais), e não era para eu ter mentido de tal forma. (M5-18a)

Uma sensação que poderia ter feito algo diferente, e que não tinha necessidade de ter desobedecido. ...  Não consegui a bolsa. Pensei que podia ter me esforçado mais, ter estudado mais. (F2-17a)

Eu me arrependo, porque eles são legais comigo (os pais). Penso que não deveria ter falado aquilo. (F3-18a)

Eu fico com o coração apertado, depois que eu fiz alguma coisa errada (em relação aos pais). ... Não diria mágoa, porque depende de pedir desculpas e perdoar. (F5-18a)

Nesses relatos, os(as) entrevistados(as) estão falando de um sentimento de culpa, pois falam em arrependimento de algo que fizeram. M1-18a e F3-18a disseram coisas aos pais que não queriam dizer; M3-18a chegou em casa bêbado e se sentiu mal por isso; M5-18a mentiu para os pais; F2-17a desobedeceu à avó e percebeu que poderia ter estudado mais para uma prova; e F5-18a diz que se sente mal quando percebe que fez algo errado. Em todos os relatos, os adolescentes demonstram que não tiveram uma boa sensação após o acontecido, e mostram-se arrependidos, diante dos pais e da avó. A emoção que eles nomeiam, relacionada à experiência de arrependimento, é a de tristeza.

Subcategoria das emoções autoavaliadoras - Orgulho: caracteriza-se por uma exposição positiva do self, que confirma uma experiência de autoavaliação positiva das habilidades e das conquistas pessoais, tendo como padrão os valores do grupo de pertença (Muris & Meesters, 2013).

É muito boa essa sensação, saber que todo o seu tempo foi recompensado. ...      Satisfação, dever cumprido. (M1-18a)

Caraca, consegui! (M5-18a)

Aí eu consegui conquistar ele (namorado), meus pais deixaram eu namorar. (F2-17a)

Senti coisas muito boas... talvez, por estar vendo minha mãe orgulhosa. (F5-18a)

Os(as) entrevistados(as) relatam sensações de satisfação, de conquista e de dever cumprido, após vivenciarem uma experiência de sucesso. No entanto, não nomeiam o orgulho como emoção e sim a alegria. F5-18a fala de uma conquista em um relacionamento, quando conquistou um rapaz.  As outras falas remetem às conquistas pessoais, quando M1-18a e M5-18a passaram em um concurso, e F5-18a inaugurou sua marca de roupas. Momentos positivos que podem ser compartilhados com os pais.

Eixo - Relação com os pais: Relação de intimidade, em que pais e filhos(as) estabelecem uma maior proximidade no ambiente familiar, transformando a autoridade parental em uma posição menos hierárquica (Ponciano & Féres-Carneiro, 2012; 2014; 2017), e contribuindo para que os(as) adolescentes reconheçam o apoio dos pais, mantendo maior conexão com eles, enquanto desenvolvem autonomia (Coleman, 2011; Smetana, 1999; Smetana et al., 2006).

Categoria - Autonomia/relação com os pais: na busca por maior autonomia, que é a capacidade de pensar, sentir e agir por conta própria, as figuras dos pais, nesse processo, são indispensáveis para o apoio e para a segurança (Allen & Land, 1999; Santrock, 2014).

Uma vez eu briguei muito com os meus pais, por causa de uma garota. O sentimento foi muito ruim, mas me fez amadurecer muito a minha relação com eles. Comecei a agir mais racionalmente em relação a isso. Entender melhor o que eles pensam e que eles querem o melhor para mim. (M1-18a)

E tentar dar orgulho aos meus pais! É muito importante, porque eu sei como eles estão batalhando, há muito tempo. E eu quero dar orgulho a eles. Porque meu pai é militar e o desejo do meu pai é colocar dentro de uma área militar. Porque eu sinto que eu sou filho único, aí tem muito aquilo, eles sempre trabalharam muito por mim. (M3-18a)

Acho que uma vez que eu menti para os meus pais. Mas, eu menti sério para eles... Eu sabia que ele (pai) não ia deixar, mas, mesmo assim, não era para eu ter feito aquilo. Se ele não ia deixar, era porque ele tinha um bom motivo para não deixar. ... Aí, surge uma dúvida para os pais: se ele mentiu nisso, quem garante que ele não mente em outras vezes. ... Então, meus pais são militares e eu sempre fui muito influenciado nesse aspecto. ... Porque confiança a gente adquire com o tempo e, de repente, você perde a confiança de uma vez, é horrível, né...você se sente muito mal. ... Se você perdeu a confiança dos seus pais, você perde tudo. ... Aí, com o tempo eu fui recuperando a confiança deles. Mas essa foi uma das poucas vaciladas que eu dei. Foi o ápice. (M5-18a)

As falas acima trazem exemplos de relações entre pais e filhos, que predominam nas entrevistas. Referem-se às preocupações que os adolescentes têm em manter um bom relacionamento com os pais. M1-18a e M5-18a relatam situações em que brigaram ou mentiram para os pais. Eles contam que se sentiram mal, após esses acontecimentos, e procuraram remediar essas situações, procurando entender a importância dos cuidados dos pais em relação a eles. O adolescente M3-18a traz outro exemplo de relação dos adolescentes com os pais: a preocupação em corresponder, por meio de uma realização, os esforços que os pais fazem por ele.

Ah, às vezes, assim, com a minha família. Minha mãe, talvez. A gente é tão, tipo, envolvida com tanta coisa. A gente não tem tanto tempo para, do tipo, dar mais atenção. Não tem muita paciência. Ah, eu fico com o coração apertado, depois que eu fiz alguma coisa errada, quanto mais com meus pais. ... Eu, às vezes, estou envolvida com a faculdade, aí, a minha mãe vem para contar alguma coisa... aí, eu não dou tanta atenção. Às vezes, respondo algo que corta a pessoa, acho que isso não é legal, não é positivo. (F5-18a)

Nesta fala, a adolescente discorre sobre a preocupação que tem em manter um bom relacionamento com os pais, relatando não se sentir bem quando percebe que trata mal sua mãe, por não ter muita paciência. Nestes momentos, percebe que não dá atenção devida à mãe, interrompendo-a de forma não positiva, quando a mãe queria conversar com ela.

Eu sempre quis que a minha mãe fosse feliz, entendeu? Também tentava fazer que meus pais se falassem (os pais são separados). ... porque quando eu falo das minhas notas, ela diz que não faz mais do que a minha obrigação. Então, acho que ela nem precisa saber das minhas notas. ... Quando eu vejo a mãe das minhas amigas, é muito diferente. ... Porque meu pai se separou da minha mãe, quando eu tinha um ano, minha mãe tem depressão, então, eu nunca consigo, sabe, a minha família é muito desunida, a gente não tem contato. Eu nunca tive uma família de verdade. (F1-15a)

A fala acima diverge dos fragmentos anteriores, sobre a relação com os pais, não estando relacionada a um discurso positivo sobre um possível bom relacionamento com pais. Não se refere ao reconhecimento, como para os(as) outros(as) adolescentes, da atenção e dos cuidados que os pais podem dispor.

Quando o assunto é a minha mãe, ela não é nem um pouco responsável, irresponsável mesmo. Eu acho que levo os estudos muito a sério. Minha mãe é extremamente preguiçosa. A minha mãe gosta de sair muito, eu não gosto disso. Meu pai é um tipo de pessoa que não resolve as coisas, é o contrário de mim, eu gosto das coisas bem resolvidas...meu pai, não...ele vai empurrando. ... Sabe, a minha mãe me batia, várias vezes. Porque, não sei, acho que ela estava muito estressada, sempre. Ainda tá, mas agora não me bate mais. ... Chegar em casa é a pior coisa. Porque quando eu chego em casa, eu sei como as coisas vão ser todos os dias. São xingamentos, são estresses da minha mãe, coisas assim, e meu pai que não se posiciona. ... Quando eu estava me preparando para ir para a casa do meu pai, num domingo, minha mãe fez um escândalo e meu pai foi pra lá, para minha casa, e meu pai desistiu de me levar pra lá (a casa do pai), porque seria muita confusão com minha mãe, ou seja, ele sabe tudo que eu passo, mas é muito mais fácil não ter dor de cabeça. ... Na última vez que eu sentei com meus pais, para dizer que eu tinha tentado me matar. Só eu sei o quanto é difícil. (F6-16a)

A fala desta adolescente é a que indica um significado mais claro no que se refere a uma relação negativa com os pais, descrevendo vários defeitos da mãe e do pai. Os pais são separados e ela mora com a mãe. F6-16a contou que por causa dessas questões, já tentou o suicídio, indicando também ter problemas de saúde mental, indicando de forma dramática a relevância do apoio dos pais.

 

Discussão

A literatura sobre a adolescência apresenta alguns estudos sobre a relação entre pais e filhos(as) (Allen & Land, 1999; Meeus et al., 2005; Beyers & Goossens, 2008), que apontam para a importância do vínculo parental, com a função de oferecer segurança e apoio emocional para as dificuldades que o(a) adolescente encontra, devido às mudanças provocadas durante a adolescência. A busca de autonomia e de independência é um movimento importante para o desenvolvimento do(a) adolescente, pois permite o amadurecimento e o desenvolvimento psicológico e social, necessários no ciclo vital (Smetana et al., 2006). Nesta busca, os(as) filhos(as) tendem a se distanciar dos pais (Meeus et al., 2005). No entanto, necessitam da manutenção do vínculo com eles, como suporte de apego seguro (Allen & Land, 1999; Meeus et al., 2005; Beyers & Goossens, 2008). Na atualidade, os pais vivenciam uma relação menos hierárquica com os(as) filhos(as) (Ponciano, 2015; Ponciano & Féres-Carneiro, 2014; 2017;) e os(as) adolescentes procuram manter-se próximos aos pais, no que se refere a uma relação de interdependência (Ponciano & Seidl-de-Moura, 2011). A descrição do relacionamento com os pais surgiu na fala dos(as) entrevistados(as) quando foi solicitado que contassem alguma experiência pessoal de conquista ou de fracasso, sendo essas experiências relacionadas a emoções de alegria e de tristeza. Neste momento, eles contam sobre situações nas quais criaram um mal-estar com os seus pais, demonstrando muito arrependimento e insatisfação. Descrevem, nestas situações, os valores aprendidos com os pais e o reconhecimento das suas orientações, em aspectos importantes para suas vidas. Os(as) adolescentes também relacionam os pais como motivadores para realizações pessoais de conquistas, como forma de retribuir o cuidado e o afeto que os pais dedicam a eles. Importante salientar, que no momento em que relatam essas histórias, a postura e o tom da voz mudam, falam mais baixo e apresentam expressão facial pesarosa, quando relatam tristeza, e falam mais firme e com expressão de felicidade, quando relatam alegria. Esses aspectos levam-nos a pensar a mobilização interna que o relato dessas histórias provoca.

As características familiares narradas pela maioria dos(as) adolescentes apontam para uma manutenção dos laços dos(as) filhos(as) com os pais. Com exceção de duas adolescentes, a configuração familiar dos(as) entrevistados é a de famílias intactas. A maioria dos(as) adolescentes relatam o cuidado para não decepcionar os pais e a necessidade de retribuir o carinho e a dedicação dos mesmos. Percebe-se que os(as) adolescentes permanecem vinculados(as), emocionalmente, com seus pais, pois buscam manter boa relação.

No entanto, duas adolescentes demostram dificuldade no relacionamento com seus pais: F1-15a e F6-16a. As histórias das adolescentes se relacionam pelo fato de que ambas têm os pais separados desde a infância, moram com a mãe e o pai é ausente, o que não foi relatado pelos(as) outros(as) entrevistados(as), cujos pais permanecem casados. F1-15a demostra que a mãe é uma pessoa muito importante para ela, mas, que não encontra nela o devido reconhecimento e cuidado. Ela declara que seus esforços não são notados pela mãe, muito menos suas conquistas pessoais, não recebendo qualquer tipo de valorização ou de reconhecimento. A literatura sobre o tema aponta que os pais são os principais co-agentes de regulação no desenvolvimento emocional, promovendo e facilitando o processo (Morris et al., 2007). Pensamos a necessidade inerente de suporte emocional, como regulador para o(a) adolescente (Ponciano, 2015; 2016). A fase em desenvolvimento pode dificultar que o(a) adolescente utilize os próprios recursos para enfrentar as situações novas ou frustrantes, por isso, a necessidade de uma base segura, construída na infância (Carter & McGoldrick, 1995), que precisa ser reeditada para as novas necessidades do(a) adolescente. Na falta dos pais, o(a) adolescente pode ser impulsionado a buscar substituições fora da família.

Desse modo, a adolescente, F6-16a, retrata questões mais complexas na relação com os pais. No seu discurso, a mãe, além de ser ausente, é agressiva e não demostra afeto pela filha. F6-16a afirma, durante a entrevista, que já tentou suicídio, revelando o grau de dificuldade que tem para lidar com as emoções, inclusive as provocadas pelos pais. A experiência de F6-16a demonstra a ausência de suporte dos pais como base segura, para servir de apoio e de regulação das experiências emocionais. O ambiente familiar estável, que propicia um vínculo seguro, servindo como suporte e amparo para as necessidades e as experiências de conquistas ou de fracassos, parece não estar disponível para a adolescente (Allen & Land, 1999; Ponappa, Bartle-Haring & Day, 2014; Santrock, 2014).

A partir desses dois exemplos negativos, consideramos a importância do vínculo saudável, ao propiciar um ambiente para o desenvolvimento da regulação emocional do(a) adolescente (Morris et al., 2007), o que é levado ao extremo do sofrimento psíquico, no caso de uma tentativa de suicídio. Nos demais exemplos positivos, percebemos que a manutenção do vínculo permite também a produção de novos diálogos alcançados pelos(as) adolescentes na relação parental, contribuindo para a aquisição de individualidade, maturidade e responsabilidade (Bell, Baron, Corson, Kostina-Ritchey & Frederick, 2014), ao reconhecerem seus erros, sentindo tristeza, reatando o relacionamento com os pais e/ou, ao sentirem alegria, por corresponderem às expectativas dos pais.

A categoria representada no eixo Relação com os pais apontou para a importância que os(as) adolescentes concedem ao relacionamento com seus pais. Em suas narrativas, a preocupação dos(as) adolescentes de manterem um bom relacionamento com os pais foi unânime. Os(as) adolescentes, nas experiências de conquistas e de fracassos, esperam o apoio familiar, como reguladores das emoções de alegria, satisfação e orgulho, e de tristeza, frustração e culpa, que podem acompanhar essas experiências. Desse modo, verificamos a relevância da presença dos pais na vida dos(as) filhos(as) adolescentes, como suporte emocional, enquanto base segura para as frustrações e os desafios, e na permanência dos laços afetivos, numa relação próxima e menos vertical. Contudo, isso não foi manifesto no discurso das adolescentes que indicam problemas de relacionamento com os pais, remetendo à dificuldade de novos diálogos, à falta de reconhecimento e à fragilidade dos laços afetivos. Nestes casos, observamos que os relatos ressaltam as dificuldades emocionais e as frustrações, no que se refere às dúvidas e às incertezas sobre decisões importantes, e/ou indicam desvalorização, no que se refere à falta de reconhecimento dos pais.

 

Considerações finais

Nessa pesquisa, a relação entre pais e adolescentes foi trazida pelos(as) adolescentes, por meio de suas histórias, como um aspecto pertinente e relevante para eles(as). A compreensão da relação dos(as) adolescentes com seus pais foi discutida, examinando, a partir da narrativa dos(as) entrevistados(as), como o suporte parental pode ser relevante nas experiências emocionais de conquista e de fracasso, que trazem emoções como alegria e tristeza, respectivamente.

Nossos dados são limitados pelas características dos(as) entrevistados(as), ao mesmo tempo que permitem apresentar um contexto no qual é possível observar a relação pais e filhos(as), específica de um grupo. Para tanto, alcançamos nosso objetivo, que foi o de investigar e discutir a relevância do apoio parental nas experiências emocionais de conquistas e de fracassos durante a adolescência. Verificamos que o suporte parental pode refletir na vivência das experiências emocionais positivas e negativas, confirmando que, para esses(essas) adolescentes, o vínculo com os pais é considerado crucial. Esses dados ressaltam a importância da qualidade positiva da relação pais e filhos(as) e a reedição da base segura, que pode ter sido construída na infância e continua necessária na adolescência. Desta forma, o(a) filho(a)  pode considerar os pais uma base de apoio, para que possa experimentar mais autonomia e mais independência de forma segura, pois pode contar com os pais, caso necessite. Um vínculo seguro na adolescência permite que o(a) adolescente viva suas primeiras experiências de conquistas e de fracassos, podendo contar com os pais como auxiliares na regulação das experiências emocionais negativas e como reforçadores nas experiências emocionais positivas, o que configura um ambiente familiar facilitador para o desenvolvimento emocional. Sendo essa a nossa principal conclusão, nessa pesquisa exploratória, consideramos ser relevante realizar outras pesquisas, utilizando variadas metodologias, que investiguem a especificidade da relevância da relação pais e filhos(as), em situações específicas de conquistas e de fracassos, vividas pelos(as) adolescentes. Pensamos que, futuramente, a investigação desta relação a partir da perspectiva dos pais pode fornecer dados isolados e comparativos com a fala dos(as) adolescentes, enriquecendo a análise e os resultados da pesquisa sobre o tema. Além disso, consideramos necessário que sejam feitas mais investigações sobre a especificidade de cada emoção e sua relação com o desenvolvimento do selfadolescente, o que tem implicações para as práticas educacionais e terapêuticas.

 

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Endereço para correspondência
Ana Paula Simeão Faria
E-mail: apsimeaofaria@gmail.com

Enviado em: 19/07/2017
1ª revisão em: 06/09/2017
Aceito em: 28/10/2017

 

 

1 Psicóloga clínica, Doutoranda em Psicologia Social – UERJ.
2 Professora Adjunta do Instituto de Psicologia do Programa de Pós-graduação em Psicologia Social – UERJ.

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