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Pensando familias

versión impresa ISSN 1679-494X

Pensando fam. vol.22 no.2 Porto Alegre jul./dic. 2018

 

ARTIGOS

 

Redes de apoio social de famílias com crianças acolhidas institucionalmente: estudo de caso múltiplo

 

Social support network of families with children institutionally accepted: multiple study of case

 

 

Paula Oliveira Barroso1 ; Janari da Silva Pedroso2, I, II ; Edson Júnior Silva da Cruz3, I

I Universidade Federal do Pará
II Conselho Nacional de Desevolvimento Científico e Tecnológico - CNPq

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Esta pesquisa investigou a rede de apoio social de famílias com crianças institucionalizadas a partir de dois estudos de caso, um com uma mãe e outro com uma avó que tinham, respectivamente, sua filha e neto em acolhimento institucional. Com a utilização de diário de campo, análise de documentos, entrevista semiestruturada e o Mapa dos Cinco Campos pode-se formular os resultados, que indicaram incipientes práticas de cuidado na construção das redes das participantes, em que tanto o número de elos quanto à qualidade entre eles era escasso e sem alguma figura de referência. Os resultados mostraram que a família é o principal apoio percebido pelas participantes e ao mesmo tempo é onde mais se tem conflitos. Concluiu-se que poucas pessoas faziam parte da rede de apoio social dessas famílias, o que contribuiu para a situação de vulnerabilidade.

Palavras-chave: Rede de apoio social, Família, Criança, Acolhimento institucional.


ABSTRACT

This research investigated the social support network of families with institutionalized children from two case studies, one with a mother and the other with a grandmother who respectively had their daughter and grandchild in institutional care. With the use of field diary, document analysis, semi-structured interview and the Map of the Five Fields, the results can be formulated, which indicated incipient care practices in the construction of the participants' networks, in which both the number of that the family is the main support perceived by the participants and at the same time it is where there are more conflicts. It was concluded that few people were part of the social support network of these families, which contributed to the situation of vulnerability.

Keywords: Social support network, Family, Children, Residential care.


 

 

Introdução

De acordo com a teoria sistêmica, a família é composta por subsistemas interdependentes que se influenciam mutuamente por meio de um padrão circular e não linear (Carter & McGoldrick, 2011; Gomes, Bolze, Bueno & Crepaldi, 2014). Segundo Minuchin (1985), a família como sistema e os subsistemas familiares se configuram com os indivíduos em suas relações diádicas e triádicas, sendo determinados com bases nos interesses de seus membros, em suas funcionalidades e de acordo com a geração e com o sexo dos indivíduos. O individual, o conjugal, o parental e o fraterno são os principais subsistemas presentes em uma família e cada indivíduo pode assumir diferentes subsistemas em um grupo familiar e variados papéis em cada subsistema (Cerveny, 2012; Minuchin, 1985).

Alguns estudos têm apresentado novas explicações sobre as estruturas e papeis das famílias modernas, (pode-se citar como exemplo a entrada da mulher no mercado de trabalho, o pai que assume um papel mais afetivo na vida dos filhos, o aumento dos divórcios, a permanência de filhos adultos na residência dos pais, além de famílias monoparentais, homoafetivas ou recasadas (Bustamante & Santos, 2015; Botton, Cúnico, Barcinski & Strey, 2015). A visão sistêmica baseada na teoria geral dos sistemas e desenvolvida inicialmente por Bertallanfy (1972) considera que as famílias representam sistemas abertos em interação com os meios que estão inseridos. São grupos baseados em questões econômicas, permeados por afetos e sentimentos que assumem papel de proteção de seus membros e de transmissão de padrões culturais da sociedade da qual fazem parte (Gomes, Bolze, Bueno, & Crepaldi, 2014). Portanto, a investigação da dinâmica relacional existente entre a família e a rede em que está inserida é apropriada na medida em que há um processo de influência recíproca entre o grupo familiar e as demais instituições ou organizações, como a família extensa, trabalho, escola, subculturas religiosas, que funcionam como rede de apoio social. Esta rede corresponde ao nicho interpessoal da pessoa e contribui substancialmente para seu próprio reconhecimento com indivíduo e para sua autoimagem (Nunes, Lemos, Nunes & Costa, 2013).

A família geralmente fornece uma base para a socialização dos indivíduos, é um dos campos de relações que possui uma maior responsabilidade sobre o desenvolvimento de seus membros. Contudo, um grande número de famílias tem dificuldades em desenvolver e realizar as atribuições de provimento, cuidado e proteção, pois, em muitos casos, se encontram em vulnerabilidade social e em uma cadeia de fragilidades em suas redes de apoio. Assim, o sistema familiar frente aos riscos acaba não tendo condições de reagir funcionalmente e de fortalecer a construção da rede de apoio social e desenvolvimento de seus membros (Zappe, Yunes, & Dell'Aglio, 2016; Machado, Scott & Siqueira, 2016).

A dificuldade de cuidado na família pode comprometer a socialização dos membros e produzir fragilidades no desenvolvimento individual e do grupo familiar. No caso das crianças, o cuidado é primordial para a satisfação das necessidades básicas e afetivas (Pasian, Faleiros, Bazon & Lacharité, 2013). Os grupos familiares, segundo a teoria sistêmica, acreditam que o comportamento de cada membro da família é interdependente do comportamento dos outros, ou seja, a atitude de cada pessoa reflete ou é refletida pelas atitudes de cada uma das outras pessoas (Cerveny, 2012).

O cuidado, no entendimento de Araújo, Reichert, Oliveira e Collet (2012), está intimamente ligado com a construção e manutenção das redes de apoio social. Pelo cuidado se constituem os elos que formarão a rede de apoio social, que contribuirá, por meio de seus recursos de proteção e força, para a formação de estratégias de enfrentamento, resiliência e competência para a pessoa, tornando-a capaz de enfrentar situações adversas (Nunes, Lemos, Nunes & Costa, 2013).

Para a compreensão do termo rede de apoio social, é necessário entender os conceitos de rede, rede social e apoio social. McConnell, Breitkreuz e Savage (2011), explicam que a rede se compõe em um objeto ligado em pontos, e, essas ligações são constituídas por trocas que amarradas formariam um tecido, um complexo maior. Juliano e Yunes (2014) conceituam redes sociais como um conjunto de relações estabelecidas pelo indivíduo, que se constroem tanto individual como coletivamente, já que são fontes de reconhecimento, de sentimento, de identidade, da competência e da ação de uma pessoa ou de um grupo.

A rede social é construída a partir do apoio social, apoio emocional, instrumental e informacional. O apoio emocional e afetivo relaciona-se com recebimento de afeto, proteção e assistência, é construído por meio de relações de confiança e da disponibilidade de afeto. O apoio instrumental refere-se ao fornecimento de condições que possibilitem assistência em tarefas e no cumprimento de objetivos, esse apoio pode ser material ou não, como a ajuda com alimentos, ajuda com tarefas, entre outros.  Já o informacional, envolve a assistência que visa a orientar e informar no sentido de dar sugestões, conselhos, informações e explicações desejadas (Siqueira & Dell’aglio, 2006).

Estes apoios iniciam com o primeiro contato mãe-bebê. A partir da experiência desse primeiro contato formam-se as bases que sustentarão a constituição de outras relações, derivadas principalmente da família, mas também de amigos e de relações outras que se estabelecem no decorrer da vida do indivíduo e que compõe a sua rede social. Por intermédio dessas relações, potencialmente, se recebe cuidado e amor, e o contato com forças que contribuem com fornecimento de sustentação fortifica a rede social do indivíduo e cria condições para que outras relações aconteçam, logo esse processo leva o sujeito a se estimar e reafirmar seu senso de valor perante a sua vida social (Custódio, Linhares & Crepaldi, 2014).

A família faz parte da rede de apoio social do sujeito, mas a rede extrapola o grupo familiar ao incluir outros membros não familiares (Sakuramoto, Squassoni & Matsukura, 2014). A rede de apoio social é composta por um conjunto de sistemas e de pessoas que formam relacionamentos, ofertam e recebem suporte material, cognitivo, afetivo e emocional. Além da família, existem outros sistemas que podem ser fornecedores de apoio e ser constituintes da rede de apoio social do indivíduo, como os amigos, a escola, a instituição de acolhimento e todas as outras relações que permeiam seus diferentes microssistemas.

É importante avaliar, principalmente, três dimensões distintas para identificar a rede de apoio social de alguém: o número de ligações formadas, tanto com outras pessoas quanto como ambiente, a frequência de transações de apoio e reciprocidade nessas ligações e a avaliação subjetiva relativa à satisfação e proximidade ou intimidade do indivíduo com os integrantes dessas ligações (Custódio, Linhares & Crepaldi, 2014). São essas as dimensões responsáveis para o fortalecimento ou enfraquecimento da rede de apoio social, pois elas estão implicadas diretamente, com a sua função, no fornecimento de apoio e em processos de sustentação do indivíduo.

Existe uma clara influência do fornecimento de apoio pelas relações sociais, no processo de resiliência e na emissão de respostas positivas e, além disso, há uma remissão de sintomas depressivos e de sentimentos de desamparo na vida do indivíduo. Quando há fortificações nas redes de apoio, além de processos de resiliência, o bem-estar e a saúde são mais propícios, a satisfação com a rede está diretamente relacionada com a satisfação e qualidade de vida (Siqueira & Dell’Aglio, 2006).

O apoio social percebido tem sido uma variável amplamente estudada, devido aos seus efeitos diretos e indiretos na redução do impacto negativo de vários fatores de risco sobre o bem-estar físico e psicológico. Todavia, em Portugal existem poucas investigações sobre o apoio social em famílias com menores em risco psicossocial. Em uma pesquisa foi analisada as relações entre o apoio social percebido e o número e impacto emocional dos acontecimentos de vida estressantes. Participaram 133 mães, com idades compreendidas entre os 16 e os 58 anos, com filhos sinalizados pelas Comissões de Proteção de Crianças e Jovens do Algarve. Foram aplicados, por meio de uma entrevista individual, o Arizona Social Support Interview Schedule, a escala de Apoyo Social para Situaciones Vitales Estresantes, o Inventario de Situaciones Estresantes y de Riesgo e um questionário de dados sociodemográficos. As participantes sofreram um número significativo de acontecimentos de vida estressantes com elevado impacto emocional, tanto no passado como nos últimos três anos (Nunes, Lemos, Nunes & Costa, 2013).

Os acontecimentos de vida estressantes mais frequentes foram a morte de um familiar, problemas econômicos e laborais, conflitos conjugais e problemas psicológicos. As mães relataram maiores necessidades emocionais do que necessidades tangíveis ou informativas. Por sua vez, observamos uma baixa presença de apoio por parte dos profissionais, sendo a sua principal fonte de apoio os familiares e os amigos. São discutidas as implicações para as políticas sociais junto deste grupo vulnerável (Nunes, Lemos, Nunes & Costa, 2013).

Atentando para todos os aspectos apresentados é possível identificar e compreender a realidade geral e a rede de apoio social das mães e avós que possuem seus filhos ou netos em situações de acolhimento institucional. Sabe-se que neste contexto a rede de apoio social é um fator de proteção ainda mais importante, visto que, o contexto de vulnerabilidade social, que a maioria dessas famílias enfrentam, fragiliza seus laços e suas redes. Diante do que foi discutido, o presente estudo tem como objetivo analisar a rede de apoio social de famílias de crianças que estão em situação de acolhimento.

 

Método

Participantes

Os casos foram estruturados a partir das entrevistas com duas mulheres: uma mãe e uma avó de crianças que estavam em acolhimento institucional. A mãe foi identificada com nome fictício Beatriz, idade de 36 anos e a avó com o nome fictício de Auricélia, idade de 42 anos. Os critérios de inclusão adotados para as participantes foram: a voluntariedade, ser do sexo feminino, já que tal pesquisa está vinculada a um projeto maior que aborda o cuidado feminino, possuir parentesco consanguíneo com alguma criança acolhida, ter uma certa regularidade nas visitas à criança, já que o primeiro contato pesquisador-pesquisado era realizado no dia das visitas. Os critérios de exclusão foram se a mãe ou a avó não fossem as principais responsáveis pelo cuidado da criança.

Ambiente de pesquisa

A pesquisa foi realizada em um espaço de acolhimento para crianças de zero a seis anos, localizado na região Norte do país. O local possui um espaço amplo com alguns ambientes para recreação, uma cozinha, um refeitório, salas para os funcionários, técnicos e para a gerente da instituição e há ainda uma área externa, uma espécie de “barracão”, destinado para as visitas e para atividades programadas com as crianças e onde a coleta foi realizada após o horário da visita.

Instrumentos e materiais

Como instrumentos e materiais foram utilizadas as entrevistas semiestruturadas com questões abertas que permitiram a identificação pessoal e de familiares, e também as informações da rede de apoio social das participantes. O diário de campo foi utilizado para o registro dos fenômenos percebidos no campo de pesquisa, e o Mapa dos Cinco Campos (Figura 1) é composto pelos seguintes campos de contato: Família, Abrigo, Escola, Amigos/Parentes e Contatos Formais (Igreja, Conselho Tutelar, Clube, etc.). O instrumento avalia a estrutura (quantidade de relações estabelecidas na rede de apoio social) e a função (qualidade dessas relações) da rede de apoio social do participante.

Cada círculo adjacente mede a satisfação do sujeito com a relação social apresentada, ou seja, a satisfação era avaliada pela proximidade da pessoa representada em relação ao círculo central que indicava a participante. O primeiro e o segundo círculos corresponderam às relações mais próximas (bom nível de satisfação); o terceiro e o quarto círculos corresponderam às relações mais distantes (médio nível de satisfação); e o quinto círculo correspondeu aos contatos insatisfatórios. Os dados obtidos foram anotados em uma folha de registro, com informações sobre a relação com o respondente e a existência ou não de conflitos e rompimentos nas relações (Siqueira, Betts, e Dell’Aglio, 2006).

Cuidados éticos

A pesquisa fez parte de um projeto que foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos da Saúde da Universidade Federal do Pará com financiamento do CNPq. Em relação aos cuidados éticos, as participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) que assegura o sigilo da identidade das entrevistadas e da instituição envolvida para garantir a privacidade e a confidencialidade das informações.

Procedimentos

A pesquisa teve uma abordagem qualitativa baseada em dois estudos de casos, que exigiu uma investigação aprofundada do objeto de pesquisa, e permitiu a criação de categorias para uma análise qualitativa de uma pesquisa que ocorreu no ambiente natural dos participantes (Yin, 2010). O planejamento teve uma revisão narrativa de literatura com o objetivo principal de apreender conhecimentos a respeito do contexto de instituições de acolhimento e embasar teoricamente as análises das temáticas abordadas sobre redes de apoio social.

Após esse estudo inicial, com o objetivo de conhecer o espaço de acolhimento foi destinado um período de duas semanas para a ambientação. Além disso, foram lidos os prontuários (para colher algumas informações básicas sobre as crianças e seus familiares) e foram selecionadas as participantes e assim foram explicadas as mesmas, os objetivos da pesquisa e agendado um encontro para ser feita a coleta de dados.

Para a coleta de dados foi utilizado um registro de coleta de informações dos prontuários e foram aplicadas as entrevistas estruturadas individualmente com cada participante, em seguida foi aplicado o Mapa dos Cinco Campos. Outros dados foram obtidos por meio do Diário de campo que foi escrito no período de ambientação e também após as entrevistas.

Para análise das entrevistas semiestruturadas utilizou-se a Técnica da Análise de Conteúdo proposta por Bardin (2006), definida como um conjunto de técnicas de análise das comunicações que utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens em cinco fases: pré-análise, exploração do material, tratamento dos resultados, inferência e interpretação.

Na pré-análise dos dados realizou-se uma leitura flutuante da transcrição da entrevista. A partir dessa leitura, na fase de exploração do material, os dados foram sistematizados e foram criadas as categorias temáticas com base nos resultados dos casos, ou seja, foi verificado o que os dois casos haviam em comum, diante disso, as categorias foram nomeadas da seguinte forma: “o cuidado: forças, fragilidades e paradoxos” e a “rede de cuidado: figuras presentes e ausentes”.

Os dados do Mapa dos Cinco Campos (adaptado por Siqueira, Betts, & Dell’Aglio, 2006) foram sistematizados pela estrutura da rede (número de contatos em toda a rede e por campo) e pela funcionalidade da rede (análise descritiva dos contatos em cada círculo adjacente ao centro), que representam os níveis de proximidade; análise descritiva dos conflitos e rompimentos; e análise qualitativa do mapa como um todo e depois por cada campo separadamente. A ilustração do Mapa se encontra a seguir:

 

 

O grau de vinculação dos participantes com o número de pessoas citadas nos campos foi medido pela localização dessas pessoas em relação ao círculo central. Para o cálculo desse escore, o número de pessoas colocadas no primeiro nível foi multiplicado por oito; no segundo nível, por quatro; no terceiro nível, por dois; no quarto nível, por um; e no quinto nível, por zero. O somatório desse cálculo foi dividido pelo número total de pessoas citadas no campo, para análise de proximidade no campo, ou pelo número total de pessoas citadas no Mapa, para a análise de proximidade no instrumento. Assim o fator de proximidade varia de zero a oito, sendo que escores entre 0 e 2,6 são considerados de pequena força; 2,7 e 5,3, média força; 5,4 e 8, grande força de proximidade.

 

Resultados

Caso I: Beatriz

Beatriz (36 anos) tinha sua filha Elza em segundo acolhimento, seu primeiro acolhimento foi com dois anos e nove meses e teve um período de cerca de 10 meses. Com seis anos Elza foi acolhida novamente e assim permanecia até a data da pesquisa.

Beatriz morou durante sua infância e adolescência com seus avós maternos e também foi criada por eles, já que sua mãe ocupava todo seu tempo trabalhando em uma fábrica e assim não constituiu um bom vínculo no relacionamento com a filha. No período da pesquisa Beatriz vivia com o namorado Ricardo, que a ajudou a construir uma casa com melhores condições para receber Elza. O pai é um homem que Beatriz se envolveu temporariamente, possuía transtorno mental e apareceu apenas no nascimento e somente reconheceu sua paternidade, não registrou a criança. De acordo com os prontuários, Elza, quando bebê, frequentava a família paterna, porém, essas visitas tinham restrições de Beatriz.

Os recursos financeiros que possuía vinham principalmente de trabalhos provisórios (confecção e revenda de peças íntimas, venda de latinhas e bombons) e de benefícios dados pelo governo, como o Benefício de Prestação Continuada (BPC) que ganhava por ser diagnosticada com hiperprolactinemia. Por causa dessa doença Beatriz tinha acompanhamento endocrinológico e, além disso, por um ano, fez tratamento psiquiátrico, por apresentar sintomas de transtornos mentais (transtorno de personalidade borderline): desorientação temporal, desânimo, tristeza, agressividade, ideias persecutórias e de suicídio. Parou o tratamento, e voltou em 2010, pelo medo de perder sua filha e pela dificuldade de relacionamento com a genitora, familiares e vizinhos. Porém, sua adesão ao tratamento não foi completa, não possuía acompanhante, não aceitava os remédios e faltou as atividades terapêuticas. Apesar de Beatriz ter um bom vínculo afetivo e de cuidado com Elza e ter sido resistente a sua reintegração para a família extensa, foi a mãe de Beatriz que ficou com a guarda da criança e que se dispôs a supervisionar o tratamento médico de Beatriz, já que Beatriz, de acordo com a decisão jurídica, não apresentava condições psíquicas para assumir sozinha a criança. Porém, Beatriz teve dificuldades de aderir ao tratamento médico e a mãe não apresentou condições de cuidar da filha nessa situação.

Durante a trajetória de vida de Beatriz, ela relatou não possuir muito apoio familiar e por isso não aceitava a intervenção da família nas questões relativas à filha, principalmente a intervenção da mãe, cujo vínculo afetivo é fragilizado. Com isso, Beatriz perdeu a guarda da criança, já que a guarda fatídica era de Beatriz e Elza voltou para o acolhimento.

Percepção da rede da mãe: Beatriz

Beatriz indicou seis contatos durante a estruturação do mapa, três contatos no primeiro nível de proximidade, dois no segundo nível, nenhum contato foi apontado no terceiro e quarto nível e um contato foi apontado no quinto nível. Apenas no campo família e amigos a participante apontou relações: no campo família, a participante colocou cinco contatos (três no primeiro nível e dois no segundo), no campo amigos a participante indicou uma pessoa (no quinto nível).

Em relação à análise funcional da rede de Beatriz foram apontados cinco contatos satisfatórios (nos quatro níveis mais próximos) e um contato insatisfatórios (no último nível). Os relacionamentos satisfatórios são com sua filha, Elza, sua mãe, Lúcia, sua irmã Joelma e suas tias, Ana e Luciana. O contato apontado como insatisfatório foi com seu namorado Ricardo. O fator de proximidade nos campos do mapa de Beatriz teve a família com escore de 6,4, campo que indicou grande força de proximidade na sua rede. O campo “amigos” teve escore de zero, indicando pequena força de proximidade.

Caso II: Auricélia

No caso de Auricélia existiam poucas informações sobre ela, já que de início ela não tinha interesse em ficar com o neto Paulo, pois alegou que teria que abrigar os seus pais juntamente com seu filho Bruno e a mãe de Paulo, com os quais teve grandes conflitos. Seu interesse pela guarda do seu neto Paulo tinha se manifestado recentemente por saber que seus pais permaneciam negligentes em relação à situação do filho, que se encontrava há mais de um ano em instituição de acolhimento. Seu filho, Bruno, não foi criado por ela em razão de ela ter se separado do seu marido, pai de Bruno, pois ele a maltratava e era usuário de drogas e álcool. Por isso, se afastou e ficou muito tempo sem contato com o filho. Ao retomar a aproximação quando Bruno já estava na vida adulta, devido ao seu contexto ele já tinha entrado mais ainda em contato com fatores de risco, como o uso de drogas e práticas de violência.

Auricélia fornecia o apoio necessário para Bruno e sua mulher, o que lhe causava problema, por isso ela diz ter deixado de fornecer apoio ao casal. Ela tentou apoiar o filho para parar com o uso de drogas em um período em que viveu junto com ele, porém, pela relação conflituosa entre os dois, ele saiu de casa e ambos só voltaram a se ver depois do nascimento de Paulo, neto de Auricélia e filho de Bruno. Além de Bruno, Auricélia possui outro filho, Elton, de 25 anos, e mais duas filhas: Analu, de 20 anos e Vânia, de 14 anos, que foi adotada e é quem ajuda nos afazeres domésticos e que mora com Auricélia.

Percepção da rede da avó: Auricélia.

Auricélia indicou dez contatos durante a estruturação do mapa, um contato no primeiro nível de proximidade, um no segundo nível, quatro no terceiro nível, um no quarto nível e três no quinto nível. Apenas no campo “família” e “parentes” a participante apontou relações: no campo família, a participante colocou seis contatos (dois no primeiro nível, um no segundo, dois no terceiro e um no quinto); no campo “parentes” a participante indicou quatro pessoas (duas no terceiro nível, uma no quarto e outra no quinto).

Em relação à análise funcional da rede de Auricélia foram apontados seis contatos satisfatórios (nos quatro níveis mais próximos) e dois insatisfatórios (no último nível). Os relacionamentos satisfatórios são com o ex-marido José, com o filho Flávio, a filha Analu, o genro Waldir, a sogra de sua filha Paula e sua sobrinha Lorena. Os contatos apontados como insatisfatórios foram com seu filho Bruno e com sua tia Lia. O fator de proximidade nos campos do mapa de Auricélia teve a família com escore de 4,6 indicando média força de proximidade e os parentes com escore de 3,25, indicando média força de proximidade.

 

Discussão

Com base na análise de conteúdo de Bardin (2006), foram criadas duas categorias temáticas, a partir das análises das entrevistas dos prontuários, do diário de campo e das percepções do Mapa de Cinco Campos. A primeira categoria foi denominada como “O cuidado: forças, fragilidades e paradoxos” e a segunda categoria foi denominada como “A rede de cuidado: figuras presentes e ausentes”. E a discussão dos resultados se embasou na teoria sistêmica e nos estudos da revisão de narrativa da literatura.

O cuidado: forças, fragilidades e paradoxos

A construção desse eixo temático buscou mostrar a qualidade e o aspecto funcional da rede de apoio social dos dois casos estudados. Para isso, foram investigadas as práticas de cuidado na perspectiva da construção das redes sociais, com objetivo de evidenciar diversas situações de cuidados, positivos e negativos que ocorreram na vida das participantes da pesquisa.

De acordo com os relatos da entrevista, foi possível identificar que o campo “família” constituiu o contexto que mais apresentou conflitos, rompimentos e fragilidades em ambas as famílias investigadas. Entretanto, as entrevistadas apontaram no Mapa dos Cinco Campos satisfação nas suas relações familiares. Logo, pode-se aferir que as participantes idealizam um modelo de família, onde na percepção das mesmas tal ambiente poderia ser um espaço onde o apoio social fosse algo existente, mas na prática o campo “família” se apresentou como um ambiente de conflitos que se repetiu entre as gerações.  Foi possível observar também, que os familiares ao mesmo tempo em que são vistos como fontes de apoio positivas, são também percebidos como causadores de conflitos.

Essas experiências se relacionam à vulnerabilidade social desse contexto estudado que muitas vezes gera experiências de práticas de cuidado primária negativa. E são justamente as práticas de cuidado primária positivas fornecidas pela família que potencialmente oferecem maior capacidade de resolução de conflitos e a melhor manutenção e construção das redes de apoio social, o que tende a ampliar os campos de relações e a confiabilidade dentro das redes (Machado, Scott & Siqueira, 2016). Quando não acontece isso, as relações que se estabelecem no decorrer da vida são mais resilientes, rígidas e restritivas, tendo uma grande chance de se pautarem no mesmo modelo de relação familiar atravessado por conflitos. Nesse contexto, mesmo algumas relações conflituosas que foram relatadas pelas participantes foram classificadas como satisfatórias.

Além do conflito presente nas relações, elas também não demonstraram ser firmadas em práticas positivas de cuidado e se mostraram distantes, construídas de maneira rígida, com restrição contida nas fronteiras de relação. A baixa taxa de contato nas relações resulta em relações distanciadas, que, por vezes, não garantem o apoio mútuo intrafamiliar e expressam um sentido de independência. Isso pode atenuar a possibilidade de relação de confiança, que é evitada e difícil, e também pode evitar um possível conflito que se repete entre as relações e os modelos de redes sociais próximos (Minuchin & Fishman, 1990). Essas percepções foram vistas a partir das falas das participantes, como pode ser observada na seguinte transcrição da entrevista:

As pessoas não são tão confiáveis como a gente pensa, como a gente imagina .... Os outros não têm cuidado com ninguém, ninguém tem cuidado com ninguém, essa é a realidade. Só a família mesmo né? Minha família, eu e a Elza .... É agora é cada um por si, eu pela Elza e a Elza por mim. O resto a gente não pode confiar não .... Eu penso assim, que parente é parente, acima de tudo. Mas tem gente que não pensa assim. Não tem consideração por ninguém, não considera ninguém, sabe? A gente pensa que pode confiar e a gente não pode. (Beatriz, Comunicação pessoal, Janeiro, 2015)

Beatriz apresentou nessas falas um campo de relações escasso e com relações frágeis permeadas por desconfiança, o que demonstrou a falta de uma figura de referência e de apoio, o que reflete numa situação familiar desintegrada, em que ela coloca somente sua filha como membro de sua família e única figura relacionada ao cuidado. Talvez essa percepção da entrevistada esteja atrelada a sua história de vida, pela qual os conflitos familiares e falta de apoio foram situações bem presentes. A partir de outras falas é possível verificar isto:

Meu cuidado com a Elza? É um pouco paranoico assim (risos). Tudo eu acho que já é .... Entendeu? Qualquer coisa já é, sei lá. Eu tenho cuidado, assim, tem que ter cuidado com a limpeza, com essas coisas. Só que assim... nem sempre é possível. É isso né, tem que ter cuidado, cuidado também, a gente sabe, a gente que é mãe sabe que cuidado a gente tem que ter com a criança. (Beatriz, Comunicação pessoal, Janeiro, 2015)

Foi verificado entre as duas participantes que as práticas de cuidado e as relações de apoio delas se davam com a criança que estava em acolhimento institucional, constata-se isso nas interações afetuosas vistas entre as crianças e as participantes (anotações do diário de campo) e em suas seguintes falas, em que elas expõem a vontade de ficar com as crianças e a conscientização do cuidado que deve ser direcionado a elas ... agora to querendo ficar com ele (Paulo, seu neto) pro resto da minha vida”; “Pra mim...todos os cuidados com criança... tem que ter muito cuidado né ?!” (Auricélia, Comunicação pessoal, Fevereiro, 2015).

Porém, essa força nas relações de cuidado, apresentada nos dois casos, constitui-se como um paradoxo, já que ao mesmo tempo que a relação entre as crianças e as participantes é positiva, ela também é negativa tanto para elas quanto para as crianças, já que o contato físico nessa relação foi prejudicado devido o acolhimento da criança. Em um relato é possível ver essa fragilidade no conteúdo de fala e expressão triste: To meio assim, meio triste, eu to triste, eu vivo muito triste porque eu to longe da minha filha. (Beatriz, Comunicação pessoal, Fevereiro, 2015)

Percebeu-se também na fala das entrevistadas que as mesmas apontam mais um apoio afetivo em relação às crianças e pouco mencionam o apoio financeiro e informacional. Tal configuração supostamente ocorre devido à situação em que esses familiares e crianças se encontram, já que o acolhimento institucional por si só já causa uma grande carga emocional. Porém, o apoio afetivo apesar de ser apontado na literatura como uma das fontes mais importantes para o desenvolvimento do indivíduo, tal fator de proteção deve estar atrelado ao contexto como um todo. Assim, se uma criança ou família recebem um apoio afetivo de qualidade, mas as outras manifestações de apoio são frágeis, supostamente essas pessoas tendem a vivenciar situações de estresses e conflitos (Zappe, Yunes & Dell’Aglio, 2016) principalmente na situação de acolhimento institucional, onde o papel da família como cuidadora primária se torna, de certa forma, ausente, em um período fundamental do desenvolvimento humano (Cruz, 2014).

Como consequência disso, a base de um desenvolvimento saudável se torna fragilizada, já que é a partir do contato e cuidado, que a família dá a base para a satisfação de necessidades básicas e afetivas de seus membros (Botton, Cúnico, Barcinski, Strey, 2015). Nesse sentido, a funcionalidade nas relações sociais de família com crianças institucionalizadas mostra-se frágil, somado a isso há o distanciamento de figuras que, em alguns casos, exercem força dentro dessa funcionalidade, levando assim a uma dupla fragilidade nas relações de cuidado e na estruturação de campos de relação nesses dois casos estudados.

A rede de cuidado: figuras presentes e ausentes

Essa categoria foi criada com o objetivo de investigar estruturalmente a rede de apoio social das participantes. Para isso, buscou-se identificar as figuras e campos de relações que, em comum, as participantes apresentaram maior contato e indicações no mapa, e aqueles campos e figuras que elas apresentaram com um menor contato e fracas ou ausentes forças de proximidade. Para a construção da categoria os números de ligações formadas, tanto com outras pessoas quanto com o ambiente, foram considerados e a frequência de transações de apoio e reciprocidade nessas ligações também.

Nesse sentido, nos dois casos estudados, foi observado que as relações de apoio das participantes se concentram no campo família. Mesmo assim, muitos relatos nas entrevistas semiestruturadas refletem que a família e os parentes são figuras ausentes, conforme pode ser observado nos relatos a seguir:

Não tenho proximidade assim de parente. A minha tia tem os dela pra ajudar, ela não vai se bater lá da casa dela pra vir pra cá sabendo que ela tem o dela né. Não é igual minha mãe, que minha mãe ajuda o filho de todo mundo, de tia, primo e não sei o que, e esquece os filhos dela. Ela esqueceu os filhos dela. Eu e os outros. (Beatriz, Comunicação pessoal).
“Olha... A minha família ela não me ajuda. É só eu mesmo que me ajudo, me viro, tudo quanto é parte né. Tanto que eu já ajudo a família, os filhos. (Auricélia, Comunicação pessoal)

Tanto no caso de Auricélia e Beatriz foi notável a ausência do grupo familiar nas suas rotinas e até mesmo nas suas histórias de vida. De acordo com Siqueira e Dell’Aglio (2007), um dos fatores que contribui para a fragilidade na construção de vínculo e afeto em algumas famílias é a situação de vulnerabilidade social em que esses membros estão inseridos, o que também muitas vezes afeta a relação com outros contextos que poderiam fornecer alguma forma de apoio para as referidas participantes.  

Não foi apenas o campo família que se mostrou ausente, o campos amigos, vizinhos, parentes e o próprio abrigo, pareceram não fornecer qualquer apoio, tanto para Auricélia quanto para Beatriz. As anotações do diário de campo destacaram a ausência do espaço de acolhimento como instituição de apoio, já que não se percebeu ações efetivas de apoio às participantes e os cuidados às crianças em certos pontos eram ausentes. Tal situação se torna preocupante, pois uma das funções do espaço de acolhimento conforme o ECA, a Lei nº 12.010/2009, as Orientações Técnicas para os Serviços de Acolhimento para Crianças e Adolescentes (Brasil, 2009) e o Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária (2006) é estreitar e fortalecer as relações da criança com os membros familiares e também favorecer o acesso à comunidade como um todo e percebeu-se na fala das entrevistadas que a instituição aparentemente não forneceu todo o apoio necessário a essas famílias.

Na relação com os vizinhos foi notado relações negativas: Tem uns vizinhos lá que são meio chatinhos, eles querem ter o que a gente tem (Beatriz, Comunicação pessoal). Evidencia mais ainda a fragilidade e a marca da ausência de pessoas na rede de apoio social das participantes, visto que o fortalecimento dessas redes está relacionado com a identificação do indivíduo como pertencente a um grupo social (Ochieng, 2011) e as duas participantes não se identificaram e nem se colocaram como pertencentes a nenhum grupo social. É importante frisar que a relação com os vizinhos não era boa e que tornava frágil a rede para enfrentar os problemas devido à falta de apoio emocional e informacional (Machado, Scott & Siqueira, 2016)

Em relação às figuras presentes, nos dois casos, os filhos foram as figuras em comum que foram apontados, tanto pelo mapa como pelas entrevistas, como figuras fornecedoras de apoio, e as mais importantes na constituição da rede social das participantes, como se percebe na fala de Beatriz: “ Eu tenho minha filha comigo (Elza), essa á a coisa mais importante, não tem mãe, não tem pai, não tem marido, não tem irmão, não tem nada que seja mais importante do que minha filha”; e nas falas de Auricélia, quando fala das figuras fornecedoras de apoio para ela em sua situação.

Percebe-se na fala acima que apesar de terem o apoio de alguns familiares, as entrevistadas não souberam apontar qual a forma de apoio que mais recebem e se esses apoios são de qualidade. É necessário que essas mulheres tenham uma rede de qualidade para que as mesmas possam ser amparadas em situações de emergências e de necessidades, mais ainda caso consigam a guarda das crianças, pois com a construção de uma rede de apoio forte e atuante, os conflitos tendem a diminuir e a probabilidade da criança voltar a ser acolhida torna-se mais rara (Siqueira et al, 2006).

Mesmo apresentando essas figuras presentes, de uma maneira geral, nos dois casos estudados, as redes de apoio social das participantes eram compostas por poucas pessoas, e tanto o número de elos quanto à qualidade entre eles era escasso. Vários grupos sociais se mostraram ausentes na rede de apoio social das participantes, existindo muitas figuras inexistente (vizinhos, amigos e abrigo) e ausentes (família). Por serem poucas pessoas estruturando a rede das participantes, as figuras existentes pareceram, na aplicação do mapa, ter uma maior força de satisfação na relação quando comparado com os dados obtidos com a aplicação da entrevista semiestruturada.

 

Conclusões

A pesquisa realizada possibilitou apreender conhecimento a respeito da dinâmica das redes de apoio social e do cuidado envolvido na construção destas redes de famílias com crianças institucionalizadas. De um modo específico, possibilitou-se uma investigação que ajudou a entender como uma mãe e uma avó, que têm, respectivamente, seu filho e neto em acolhimento, enxergam as suas redes de apoio social e como percebem a sua interferência na dinâmica dos membros familiares.

A percepção das participantes sob sua rede de apoio social teve algumas contrariedades entre os dados da entrevista e do mapa. Dentre os contatos que elas apontaram, foi relatado precariedades no cuidado e no fornecimento de apoio, porém, mesmo assim, no mapa essas relações são apontadas como satisfatórias. Percebe-se então, que a classificação de satisfação em uma relação é pertinente a subjetividade dos sujeitos e aos modelos de relação que conhece. Se não há figuras de referência e nem um modelo de relação de amparo e apoio e trocas positivas, outros modelos de cuidado e de relação social são reconhecidos e os critérios para se considerar a relação satisfatória acabam sendo menos rígidos. Uma relação satisfatória acaba não sendo medida pelo fornecimento de apoio, mas sim pela existência ou não de conflitos, e/ou outras considerações.

Nesta pesquisa, as participantes em suas redes, apresentaram as mais fortes relações dentro de suas redes com as crianças que estavam institucionalizadas, porém obtinham pouco contato com elas devido a essa situação. Isso é um dado importante para repensar algumas políticas de acolhimento de nosso país, que muitas vezes ao invés de proteger a criança, fragiliza sua rede de apoio social, por privar em demasiado alguns contatos que mesmo com as adversidades se fazem importantes, como foi visto nos dois casos.

De maneira geral foi possível observar na estrutura das redes de apoio social, tanto estrutural quanto funcional, das participantes, os seus poucos e frágeis contatos, sem alguma figura de referência. Isto também está relacionado com o risco social que foi percebido e é presente de maneira histórica na situação de vida dessas famílias. Há muitas privações de apoio (instrumental, informacional, emocional) que acompanham historicamente as relações sociais dessas pessoas que vivem diariamente a vulnerabilidade social, seguindo uma cadeia de gerações que tiveram semelhantes privações. Destaca-se que o risco social que as participantes da pesquisa viviam tinha grande influência sob a construção fragilizada de suas redes de apoio social. Dessa forma, foi possível concluir que a vulnerabilidade causada pelo risco social e econômico é um grande fator para a situação de acolhimento institucional, o que corrobora com dados da literatura.

Porém, para se compreender melhor as formas de cuidar e as múltiplas influências envolvidas na construção de redes de apoio social, principalmente nas situações estudadas, é necessária uma investigação mais profunda e ampla. Assim, se possibilita uma maior discussão em torno desse tema, pensando em uma transformação de subjetividades, e problematiza-se as questões socioeconômicas envolvidas na investigação e caracterização das famílias com crianças em acolhimento institucional, sendo necessário repensar as já instaladas crenças negativas relacionadas a estas.

De acordo com o que foi observado no estudo, ficou perceptível a importância da presença e qualidade da rede de apoio social na vida de famílias em situação de vulnerabilidade social. Diante disso, é recomendável mais estudos e pesquisas com essa temática, portanto, sugere-se que em investigações futuras seja investigada questões como: a percepção dos profissionais da área do acolhimento infantil sobre a rede de apoio social das crianças institucionalizadas e de suas famílias, qual a estrutura das redes de apoio social das crianças institucionalizadas e de suas famílias antes e após a institucionalização e como o espaço de acolhimento pode favorecer o fortalecimento e a qualidade da rede de apoio social na vida de seus usuários.

 

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Endereço para correspondência
Paula Oliveira Barroso
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Edson Júnior Silva da Cruz
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Enviado em: 22/02/2017
1ª revisão em: 12/01/2018
2ª revisão em: 11/10/2018
Aceito em: 13/12/2018

 

 

1 Psicóloga pela Universidade Federal do Pará (UFPA).
2 Doutor, Psicólogo. Professor dos Programas de Pós-Graduação em Psicologia e Pós-Graduação em Teoria e Pesquisa do Comportamento. Universidade Federal do Pará. Bolsista Produtividade CNPq.
3 Doutor em Psicologia. Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Universidade Federal do Pará.

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