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Pensando familias

versão impressa ISSN 1679-494X

Pensando fam. vol.23 no.1 Porto Alegre jan./jun. 2019

 

ARTIGOS

 

Sentimentos maternos frente ao desenvolvimento do bebê aos oito meses

 

Maternal feelings concerning child development at eight months old

 

 

Tatiane Cristine Froelich1, I ; Amanda Schöffel Sehn2, I

I Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS)

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este estudo teve como objetivo investigar os sentimentos maternos frente ao desenvolvimento infantil aos oito meses do bebê. Participaram 28 mães primíparas, no momento em que seus bebês estavam com oito meses. As mães responderam uma entrevista sobre a maternidade e sobre o desenvolvimento do bebê. Análise de conteúdo qualitativa evidenciou aquisições motoras, intelectuais/cognitivas, de linguagem e socioemocionais. Houve relato materno de surpresa e admiração diante das conquistas dos filhos, assim como estiveram presentes sentimentos de cansaço. Também foi referida maior autonomia do bebê, o que permitia movimentos de afastamento e aproximação da mãe, suscitando novas exigências de cuidado. Em síntese, os dados sugerem a intensidade dos sentimentos vividos pelas mães diante das novas conquistas do bebê. Ainda, identificou-se a necessidade de espaços de escuta às mães, para que tais sentimentos possam ser compartilhados e reconhecidos como parte da maternidade.

Palavras-chave: Desenvolvimento infantil, Maternidade, Relação mãe-criança.


ABSTRACT

This study aimed to investigate maternal feelings concerning child development at eight months of the baby. Twenty-eight primiparous mothers participated, at a time when their babies were eight months old. The mothers answered an interview about motherhood and about child development. Qualitative content analysis evidenced motor, intellectual/cognitive, language and socioemotional achievements. Mothers reported surprise and admiration about the achievements of the baby. In addition, feelings of tiredness were present. It was also mentioned a greater autonomy of the baby, which allowed movements of separation and approach of the mother, provoking new demands of care. In summary, the data suggest the intensity of the feelings experienced by the mothers in the face of the new baby´s achievements. To offer spaces for listening to mothers could be an important strategy to help mothers, because those feelings may be shared and recognized as part of the motherhood.

Keywords: Childhood development, Motherhood, Mother-child relation.


 

 

Introdução

O cuidado de um bebê ao longo do primeiro ano de vida é tarefa exigente, tendo em vista as diversas conquistas do desenvolvimento que ocorrem em um período pequeno de tempo (Laney, Hall, Anderson, & Willingham, 2015; Zanatta, Pereira, & Alves 2017). Tais mudanças podem despertar nos cuidadores, em especial na mãe, sentimentos tanto positivos, quanto negativos e/ou ambivalentes, os quais nem sempre são compartilhados devido à idealização da maternidade (Zanatta & Pereira, 2015).

Nos primeiros meses de vida do bebê, inicia-se o processo de amadurecimento do indivíduo, o qual é marcado pela dependência absoluta, que avança gradualmente em direção à dependência relativa e à independência (Winnicott, 1949/2000). Essa caminhada do bebê é permitida devido às conquistas emocionais e cognitivas que ocorrem aproximadamente nos primeiros oito meses, bem como às diferentes aquisições relacionadas à locomoção, linguagem e habilidades para interação com outras pessoas e objetos (Brazelton, 2002).

O início do desenvolvimento da locomoção permite ao bebê maior autonomia para explorar o ambiente (Miller, 1999). Nesse sentido, o rastejar e o engatinhar surgem como as primeiras tentativas de movimentação intencional, sendo seguidos pela capacidade de sentar-se sozinho sem qualquer suporte (Papalia, Olds, & Feldman, 2013). As primeiras tentativas de ficar em pé com apoio também são registradas neste período do desenvolvimento (Brazelton, 2002).

As conquistas motoras permitem tentativas do bebê de se separar da mãe (Mahler, Pine, & Bergmann, 1975/2002). Inicialmente, ao engatinhar, o bebê passa a ser capaz de se afastar e retornar quando sentir a necessidade de ter a figura real da mãe aos olhos. Tal comportamento só finaliza quando o bebê se sente seguro de que a mãe continua existindo, mesmo que ele não seja capaz de vê-la, e se torna capaz de ficar algum tempo sem a sua presença (Mahler et al., 1975/2002). Esses movimentos do bebê dão início ao processo de individuação, o qual só se completará por volta dos três anos. Tais aquisições permitem ao bebê uma maior exploração do ambiente, em que estará mais curioso e tenderá a descobrir e a mexer em objetos que podem envolver perigo, demandando uma postura mais ativa dos cuidadores em relação ao estabelecimento de limites, por exemplo (Brazelton, 2002).

O brincar também merece destaque nesse momento do desenvolvimento, haja vista que o bebê consegue manipular os brinquedos devido à gradual aquisição da motricidade fina (Harris & Liebert, 1991). Os objetos geralmente são examinados pelo bebê com atenção e levados à boca; por conseguinte, o incremento dessas habilidades permite a descoberta e exploração de novas situações (Brazelton, 2002). Somado a isso, são comuns brincadeiras de “esconde-esconde”, as quais estão relacionadas à permanência do objeto e, consequentemente, da imagem interna da mãe (Brazelton, 2002). Nesse sentido, o brincar é a maneira encontrada pelo bebê para manifestar agressão, controlar ansiedades, estabelecer contato social e adquirir experiências, para se expressar no mundo e comunicar a sua realidade interna (Winnicott, 1967/1971). Além disso, na comunicação do bebê com os adultos são frequentes trocas que envolvem imitação, seja dos sons produzidos pelos adultos ou de suas ações e expressões (Brazelton, 2002). O bebê também começa a emitir diversos sons, fazendo uso de sílabas, o que pode ser utilizado como um recurso para chamar a atenção dos cuidadores (Brazelton, 2002).

As conquistas dos bebês podem despertar diversos sentimentos nos cuidadores, bem como podem ser encontradas dificuldades para lidar com tal período (Lopes et al., 2007; Lopes et al., 2009; Lopes et al., 2012). Essas situações também podem ser permeadas por dúvidas da mãe sobre qual a melhor maneira de agir diante do comportamento do filho. Desse modo, as aquisições do bebê, de acordo com a faixa etária, demandam do cuidador um novo posicionamento, pois a cada etapa são exigidas diferentes tarefas de cuidado e educação.

Nesse sentido, uma série de estudos investigou os sentimentos maternos frente ao desenvolvimento da criança aos 12, aos 18-20 e aos 24-28 meses (Lopes et al., 2007; Lopes et al., 2009; Lopes et al., 2012). Aos 12 meses, análise de conteúdo qualitativa realizada com base em entrevistas de 28 mães primíparas, apontou que eram frequentes sentimentos tanto de realização e gratidão quanto de cansaço, devido às exigências desse período de novas aquisições do bebê (Lopes et al., 2007). Aos 18-20 meses, a análise qualitativa dos dados de 14 mães primíparas apontou sentimentos maternos positivos, negativos e ambivalentes, sinalizando a importância de as mães compreenderem os movimentos de dependência e independência de seus filhos, característicos desta fase. Aos 24-28 meses, os sentimentos de 16 mães em relação às aquisições de desenvolvimento da criança foram analisados por análise de conteúdo. As mães relataram, de um lado, sentimentos de prazer, admiração e gratificação e, de outro, sentimentos de irritação, cansaço e estresse. Em conjunto, esses estudos parecem indicar que as crianças estão em um processo constante de desenvolvimento, tornando-se mais ativas e caminhando em direção à independência, de acordo com as particularidades de cada faixa etária. Tais conquistas, por sua vez, são emocionalmente exigentes (Caron & Lopes, 2014) e produzem diversos sentimentos, que nem sempre são considerados na experiência materna (Zanatta & Pereira, 2015).

Assim, é preciso atentar para os sentimentos maternos frente a essas conquistas do desenvolvimento nos primeiros meses do bebê, por se tratar de um período com intensas mudanças (Zanatta & Pereira, 2015; Zanatta et al., 2017). As mães podem encontrar dificuldades ao se depararem com a experiência real da maternidade, a qual, muitas vezes, acaba diferindo da expectativa e daquilo que é postulado pelo saber dos especialistas (Lima & Vicente, 2016). Tais questões acabam por suscitar angústias e sentimentos diversos nas mães, tornando relevante compreendê-los para que possam compartilhar suas experiências. Para tanto, o presente estudo teve como objetivo investigar os sentimentos maternos frente ao desenvolvimento infantil aos oito meses do bebê.

 

Método

Participantes

Participaram deste estudo 28 mães primíparas, com idade entre 20 e 37 anos (M: 27.93 anos; DP: 5.12 anos), cujos filhos tinham oito meses de idade no momento da coleta de dados (M: 8.73 meses; DP: 1.20 meses). Os bebês, 14 meninas e 14 meninos, não apresentavam nenhum problema de saúde na ocasião da entrevista.

As participantes foram selecionadas de um estudo mais abrangente, intitulado (nome do projeto omitido) (referência omitida). Anteriormente aos oito meses, as mães já haviam participado da coleta de dados durante a gestação e aos três meses do bebê. Para fins desse estudo, foram selecionadas as mães que se declararam casadas ou em união estável, sendo que o bebê era o primeiro filho do casal. Além disso, privilegiou-se os casos em que os dados estavam completos. O (referência omitida) foi aprovado pelo Comitê de Ética (nome da instituição e número do processo omitidos) e atende aos preceitos éticos que regulamentam as condições da pesquisa envolvendo seres humanos.

Procedimentos e instrumentos

As famílias vinham sendo acompanhadas pelo projeto (referência omitida) desde a gestação e aos oito meses do bebê as mães foram novamente contatadas e convidadas para participar da coleta de dados. Nesse momento, as participantes responderam a Entrevista sobre a experiência de maternidade e o desenvolvimento do bebê aos oito meses, dentre outros instrumentos que não foram considerados nesse estudo. Essa entrevista estruturada é composta de temas sobre desenvolvimento infantil, experiência da maternidade, percepções maternas sobre os cuidados paternos com relação ao bebê e à participação de outros cuidadores. Para este estudo, foram analisados em profundidade os blocos referentes ao desenvolvimento infantil e à experiência da maternidade.

Além das entrevistas com a mãe, foram considerados para o presente estudo dados oriundos da Ficha de Dados Demográficos, cujas informações permitiram conhecer o nível socioeconômico, idade, escolaridade, ocupação, dentre outras características das participantes. Todos os dados estão digitalizados, sendo que as entrevistas foram gravadas e posteriormente transcritas.

 

Análise dos dados

Os dados foram analisados com base na análise de conteúdo qualitativa (Bardin, 2016), com o objetivo de investigar a percepção e os sentimentos maternos frente ao desenvolvimento infantil aos oito meses do bebê. A partir da leitura exaustiva das entrevistas, os relatos maternos foram classificados separadamente pelas duas autoras e, em caso de discordância, o material foi discutido para se obter consenso. Após a leitura, o texto foi desmembrado em categorias, as quais foram definidas a priori, com base na literatura, visto que refletiam as principais aquisições de desenvolvimento infantil nessa faixa etária (Lopes et al., 2007; Lopes et al., 2009; Lopes et al., 2012). As categorias foram: 1) Aquisições de linguagem; 2) Aquisições motoras; 3) Aquisições intelectuais/cognitivas; e 4) Aquisições socioemocionais. Para facilitar a exposição dos achados foi utilizada a seguinte descrição, quanto ao número de participantes que fizeram relatos classificados em cada categoria: uma/algumas mães: 1 a 7; muitas mães: 8 a 14; a maioria das mães: 15 a 21; a grande maioria/todas as mães: 22 a 28. Tal classificação foi adaptada com base em Hill et al. (2005). Já a autoria das vinhetas foi identificada pela letra “C”, para se referir às participantes da pesquisa, seguida do número do caso.

 

Resultados

Aquisições de linguagem

Esta categoria trata da percepção e dos sentimentos maternos frente as aquisições de linguagem do bebê aos oito meses. De modo geral, a maioria das mães (n=17) afirmou que seu filho estava iniciando o processo de fala e/ou já estava falando algumas palavras:“Ele já emite bastante sons e fala mamama, papá”(C27). Inclusive, a maioria das mães (n=16) mencionou reconhecer as tentativas do bebê de se comunicar: “Ela faz uma força para falar, ela faz chiiiitaaaaaa.... Fica meia hora, demora para sair” (C21). Quanto àqueles bebês que ainda não falavam, existia grande expectativa em muitas mães (n=8) em relação ao início da fala: “Ah, eu tô louca pra ver como vai ser a voz dele, como ele vai falar” (C25).

A maioria das mães (n=20) demonstrou estar atenta a aquisição de linguagem do filho, mencionando a pronúncia de diferentes sons, bem como o incremento do vocabulário ao longo do tempo: “Eu noto assim que ela já tem sons diferentes, tem o guiguéga, o gugu... E fica assim brincando com a voz”(C06). Além disso, a aquisição da linguagem foi descrita por algumas mães (n=5) como um processo não linear, em que havia o aprendizado de algumas palavras, mas após um tempo, elas deixavam de ser pronunciadas: “Cada dia tem uma novidade. [...] Ela passou umas duas semanas falando ´não´. Dizia não, tu dizia, ´na boca não´, ‘não, não, não’. E daí agora ela não faz mais tanto, daí faz outras coisas”(C18).

Ainda em relação à comunicação, a maioria das mães (n=18) relatou que o bebê se manifestava tanto de forma verbal, quanto não-verbal, por meio de gestos e expressões corporais, possibilitando a compreensão de suas necessidades e desejos: “Coloco na caminha e ela fica gritando e gosta de apontar, ela faz: `Ah, ah´ e aponta, ou se não fica gritando que quer colo, chora” (C01). Nesse sentido, sentimentos de alegria ao acompanhar as conquistas referentes à linguagem do filho foram mencionados por algumas mães (n=4): “Eu adoro quando ela conversa comigo” (C23).

Com o incremento da fala, o bebê estava estabelecendo uma nova relação com as pessoas e com o meio, conforme apontado por muitas mães (n=11): “É uma mudança, é um linguajar né, é a forma como ele resolve as coisas também, eu acho tão bom, aí vai mexendo nas coisas, vai descobrindo”(C10). Além disso, muitas mães (n=13) referiram que estabeleciam um diálogo com o filho, em que a compreensão era mútua, o que parecia produzir um sentimento de alívio em algumas mães (n=5). Isso ocorria, em parte, pois com o incremento da fala não era mais necessário à mãe fazer a leitura e interpretação das necessidades do filho na mesma intensidade com que ela fazia anteriormente, já que ele conseguia manifestar seus interesses: “A gente sempre consegue identificar as coisas que ele quer, porque eu achava que como é que eu ia saber o que é que ele queria, mas eu acho que ele consegue se comunicar bem, a gente tem conseguido entender” (C08).

Sentimentos de preocupação em relação ao desenvolvimento da linguagem foram evidentes no relato de algumas mães (n=5): “Ela tá se desenvolvendo certo, já fala algumas coisinhas, ela me chama de papapa, de mana, porque é Mariana3, né, ela quer dizer mãe, mas sabe que pode ser Mariana, não sei é uma confusão” (C02). Ainda, identificou-se que três mães comparavam o desenvolvimento da linguagem do filho com outros bebês de faixa etária semelhante: “Eu acho que ele vai falar logo, até porque nós conversamos bastante com ele, eu observo em relação até um sobrinho que eu tenho, que já tá com quase 2 anos e fala muito pouco, né?” (C27).

Aquisições motoras

Esta categoria se refere a percepção e aos sentimentos maternos frente as aquisições motoras do bebê aos oito meses. Na referida faixa etária é comum uma série de conquistas motoras, dentre elas o engatinhar. Nesse sentido, a maioria das mães (n=15) relatou que o bebê fazia tentativas para engatinhar ou já estava engatinhando: “Ele engatinha um pouco, mais se atira, mas ele tá engatinhando já, assim, legal” (C26). Essas tentativas do bebê também foram descritas por muitas mães (n=13) como uma possibilidade de proporcionar maior autonomia ao filho, deixando-o mais livre durante o brincar: “Quanto a engatinhar, eu achei ótimo, eu acho que a criança precisa ter o seu espaço [...] Eu respeito assim, que ela fique solta, né, [...] então ela fica ali brincando, né”(C28). 

Por outro lado, três mães consideravam o bebê preguiçoso por não estar engatinhando: “Ele não vai [engatinhar], porque não quer, porque ele é muito preguiçoso, ele só quer ficar jogado no chão. Ele não quer engatinhar” (C25). Ademais, muitas mães (n=12) relataram estimular o filho para engatinhar, considerando esta etapa como importante ao desenvolvimento motor: “Eu quero que ele engatinhe, não quero que ele passe a caminhar direto, então a gente tem puxado ele bastante no chão assim, em cima da cama, eu acho super legal assim”(C17). Mesmo diante do desejo de que o bebê avançasse nas conquistas do desenvolvimento, muitas mães (n=10) ressaltaram a importância de respeitar o tempo e o ritmo do filho: “Eu me flagrei que ela vai passar pelas etapas que tem que passar e eu não preciso estar forçando a barra, né?”(C14).

Quanto a esse aspecto, as mães apresentaram opiniões diferentes em relação ao processo de aquisição da marcha. Algumas (n=5) entendiam que ao caminhar o bebê teria novas possibilidades, enquanto outras (n=8) imaginavam que a nova aquisição geraria maior dificuldade de “controle” sobre o filho, ao mesmo tempo em que evidenciavam que se tratava de uma etapa passageira do desenvolvimento: “Eu noto assim, é um tranco, né? É puxado, mas eu também vejo que não é para sempre né? Então é um período que tu deve oferecer um pouquinho mais” (C11).

Além do engatinhar, conquistas como sentar sem apoio, ficar em pé e caminhar com apoio estiveram presentes no relato materno. Esses aspectos foram percebidos pela maioria das mães (n=17) como uma fase em que o filho estava mais ativo, demonstrando novas habilidades, bem como explorando com maior intensidade seu próprio corpo, os objetos e ambientes: “A cada dia ele apresenta uma coisa nova né? Agora, o que eu acho um barato é que ele tá sentando mais, ele fica sentadinho, bate palminha, tá aprendendo a dar tchau, dá um esboço de tchau”(C11). Ademais, de acordo com muitas mães (n=9), as aquisições motoras do bebê possibilitaram a reorganização da rotina: “Antes ele só queria colo, as coisas, não dava pra fazer. Agora tá melhor, porque se eu largo um monte de brinquedos assim, ele fica mexendo, daqui a pouquinho ele quer outras coisas” (C05).

As novas conquistas do bebê, quando comparadas aos meses anteriores, despertaram um sentimento de surpresa e admiração em muitas mães (n=14): “Ela [bebê] cresceu bastante e ela aprendeu um monte de coisas já, diferente do que ela fazia antes, ela sabe bater palminhas, ela sabe segurar a mamadeira e tomar o leite sozinha” (C14). Nesse sentido, muitas mães (n=13) demonstraram um misto de ansiedade e expectativas quanto às habilidades que o filho ainda precisava conquistar: “Só precisa engatinhar e caminhar, só isso que a mãe quer, só isso”(C25). Ainda, sentimentos de ambivalência, caracterizados por alegria diante das conquistas e cansaço diante das exigências dessa faixa etária, foram mencionados por muitas mães (n=8): “Eu tô me sentindo bem feliz, por mais que eu digo que eu tô cansada, [...] mas eu gosto, eu fico orgulhosa, quando ela me vê ela fica agitada, bate palma” (C02). Sentimentos de preocupação com o fato de proporcionar segurança ao bebê ao longo de seu processo de novas descobertas também foram referidos por algumas mães (n=5): “Desse período pra cá ela tá começando as descobertas [...]. Eu acho que pra ela é tudo muito novo, e que se não trabalhar bem, cuidar pra evitar quedas e bater, pra ela perder o medo, dar segurança pra ela” (C28).

Aquisições intelectuais/cognitivas

Esta categoria aborda as conquistas intelectuais/cognitivas do bebê aos oito meses. Nesta etapa, muitas mães (n=10) descreveram os bebês como mais atentos, espertos e inteligentes: “A gente notou assim que ela ficou bem mais esperta, tu já não controla mais tanto como quando era bebê” (C07). A inteligência também foi relacionada por três mães à capacidade do bebê em observar e se adaptar a diferentes lugares e pessoas: “Ele é muito observador, se ele tá na rua ele observa tudo, ele entra num ambiente também, então com as pessoas a mesma coisa” (C27). Sentimentos de admiração e surpresa foram relatados por três mães em situações que o bebê demonstrava vontade própria e conseguia agir com maior autonomia: “Eu imaginava ela mais bebezinho, e não tão esperta, sabendo o que ela quer [...] isso me espanta. Imaginei que ela seria uma criança bobinha, podia enganar com qualquer coisa. Mas não é fácil. Quando ela quer, ela quer...” (C21).

A facilidade e a capacidade de aprendizagem do bebê foram mencionadas com surpresa por algumas mães (n=7): “Já conhece também o olho, que a gente fala, bota o dedo no olho do neném, numa boneca, ela bota o dedo no olho” (C01). Ainda, as iniciativas do bebê foram relatadas com orgulho por duas mães: “Admirar ela, quando ela tá brincando, quando ela tá comendo [...] quando ela dá o sorriso dela, quando ela me puxa para ficar me beijando, faz carinho em mim” (C21). Outra capacidade do bebê referida por algumas mães (n=6) foi a imitação: “Ela procura imitar, eu já notei. Tem uma coisa que eu faço assim, eu falo, boto um balão na boca falo `ah´ [som de sopro], aí encosto na boca dela, ela faz igual” (C13).

O fato de o bebê ter maior mobilidade e autonomia trouxe para muitas mães (n=11) um sentimento de preocupação quanto à educação e aos limites estabelecidos ao filho: “Eu já fico dando os meus limites assim [...] eu seguro firme na mãozinha dele e digo: ´Não é pra fazer, Pedro4, não quero que jogue´, eu falo assim com ele” (C24). Algumas mães (n=6) se questionaram se eram muito permissivas ou rígidas quanto à educação do bebê: “Achei que eu ia ser mais permissiva, mas às vezes tenho que me controlar, eu sou rígida demais [...] Ele é muito curioso, vai experimentando as coisas, vai pegando, e eu já sou muito ´não faz, cuidado com isso’”(C10).

Dificuldades para lidar com a reação de frustração do bebê frente ao limite também foram relatadas por algumas mães (n=4): “Porque ele é briguento, ele é furioso” (C24). Ademais, comportamentos do bebê, como birra e teimosia, foram apontados (n=4) como situações desgastantes: “O choro, as manhas, que ele se joga... isso me tira do sério” (C25).

Aquisições socioemocionais

Nesta categoria serão apresentadas as principais conquistas socioemocionais do bebê aos oito meses. A maioria das participantes (n=15) fez referência ao temperamento do bebê, em que muitas mães (n=8) reconheceram o filho como calmo e alegre: “Eu acho que ele é calmo, tranquilo... [...] Ele é faceiro, dá risada com todo mundo, abana e conversa” (C20). Duas mães destacaram que o bebê tinha personalidade forte: “Ele tem uma personalidade bem forte eu acho, ele teima, o que ele quer ele resmunga, ele tem uma força de vontade tremenda, ele até me espanta, eu não achei que fosse assim” (C04).

As mudanças de temperamento foram citadas por três mães como mais frequentes nessa idade: “Ela emocionalmente ela tem as duas coisas, não decidiu ainda bem o que ela vai ser, ela tá ainda nas duas respostas, tanto a explosão quanto a calma” (C02). Ainda, algumas mães (n=4) compararam o temperamento do bebê com o seu: “A Clara5 é mais ou menos como eu, temperamental. Essa coisa de estar super bem, daqui a pouco explode”(C06). A semelhança de temperamento entre mãe e filho gerou sentimentos ambivalentes em algumas mães (n=4): “Por um lado, tu fica meio vaidosa, ´ai, é parecida comigo´, e por outro lado, penso, ´tomara que ela não pegue coisas que não são legais´” (C15).

Nesta fase, os bebês passaram a estabelecer diferentes relações com o ambiente e manifestações de (in)dependência foram percebidas pelas mães. Muitas participantes (n=8) destacaram a relação de dependência do bebê em relação à figura materna. Algumas (n=6) fizeram referência ao movimento do bebê de procurar pela mãe, reflexo da necessidade que o filho tinha de estar próximo a ela, demandando atenção e dificultando que esta realizasse outras atividades: “Ele [bebê] tá sempre em volta, né, ele vai lá, sobe no sofá e não sei o que, daqui a pouco a gente volta e ele se gruda na gente”(C08). Os sentimentos em relação à dependência do bebê foram diversos, sendo que três mães relataram se sentir bem com a exigência do bebê de proximidade: “Ah, eu me sinto bem, muito bem. [...] Ela mostra assim que precisa da gente, então bem legal, bah, dá uma emoção” (C13). Em contrapartida, algumas mães (n=7) referiram que desejavam que a fase da dependência acabasse, por se sentirem cansadas e sem paciência: “Ai, cansa, ele só quer eu, só eu. Quando o meu marido chega eu ´ó, é teu! ´, mas não adianta, vai com o pai dele um pouquinho e já tá lá comigo de novo” (C20).

Em relação às manifestações de independência do bebê, algumas participantes (n=5) relataram surpresa frente à esse movimento: “Agora ela já fica sozinha, é que antes ela era muito dependente assim, tinha que estar sempre no colo ou no carrinho, [...] brinca, até um certo momento, daí ela não aguenta mais, daí eu tenho que pegar no colo” (C14). Além disso, uma mãe relatou sentimento de tristeza, apesar de reconhecer a importância das conquistas de independência do bebê: “A criança já tá se independizando, tá tomando noção de eu como ser individualizado. A gente fica um pouquinho triste, ah tá se afastando, tá crescendo, dá aquele sentimento ´vou ficar de lado´, não tá me solicitando mais” (C10).

As aquisições emocionais ainda estiveram associadas aos momentos de interação e brincadeiras entre mãe e bebê, os quais foram descritos como agradáveis por muitas mães (n=8): “Ele retribui as brincadeiras, ele ri, ele brinca, se tu dá um brinquedo ele pega, ele puxa pra ele, praticamente tudo ele quer pegar, ele quer mexer” (C27). Algumas mães (n=5) relataram estimular o bebê ofertando diferentes brinquedos, pois o filho parecia estar mais ativo durante a interação: “Tem que dar sempre bastante atividades pra ele, porque ele não é muito calmo, não gosta de ficar muito parado, nem no colo, nem sentado, ele não fica muito tempo parado” (C26).

Nesse sentido, algumas mães (n=7) mencionaram sentimentos de satisfação ao interagir com o bebê e perceber que este respondia aos estímulos: “Eu gosto, e ele corresponde, quanto mais eu dou risada, brinco, ele ri, ele quer fazer também, então isso é satisfatório” (C04). Essas trocas de carinho e demonstrações de afeto foram referidas por muitas mães (n=10) com sentimentos de alegria e gratificação: “A parte do dia que eu mais gosto é de noite, que daí ele fica bem carinhoso, fica dormindo e rindo, aí as vezes ele dá uma acordadinha e puxa os cabelos da mãe, ele gosta de ficar bem juntinho” (C08).

O estranhamento do bebê diante de outras pessoas também foi apontado por muitas mães (n=10): “Geralmente acham ela linda, vão brincar com ela e ela já chora... eu pensei que ela ia ser mais sorridente. [...] Aí eu sempre digo: ´ah, ela estranha!´” (C23). Por outro lado, três mães mencionaram que seu bebê não estranhava as pessoas e era bastante simpático: “Ela é uma criança simpática, ela não é daquelas que tu vai pegar e ela fica chorando sabe, ela é bem dadinha” (C14).

Ao passo que avançavam as conquistas emocionais do desenvolvimento do bebê, a maioria das mães (n=12) relatou um maior sentimento de segurança, apesar da presença de ambivalência. Esses sentimentos foram acompanhados de questionamentos, como o fato de estar sendo uma boa mãe para o seu bebê: “Eu tô me sentindo bem mais segura, eu tava sempre com aquela interrogação: ´Será que eu estou sendo boa mãe?´, aí eu parei de me preocupar se eu tenho que fazer eu vou fazer, não vou ficar me preocupando” (C04).

Apesar dos momentos prazerosos, o cansaço pela exigência de cuidados do bebê e pelo envolvimento materno em diferentes atividades foi enfatizado por algumas mães (n=4): “Filho dá trabalho mesmo, é muito trabalhoso, tem que estar muito atenta [...] mas também eu nunca pensei que fosse tão prazeroso, e realmente, é um amor assim... É uma coisa louca, é uma coisa que não dá pra descrever” (C06).

 

Discussão

Os resultados do presente estudo ilustram diferentes sentimentos maternos frente as conquistas do desenvolvimento do bebê aos oito meses. Nesta faixa etária, destacam-se as aquisições de linguagem, motoras, intelectuais/cognitivas e socioemocionais, as quais ocorrem concomitantemente conforme o ritmo do bebê.

Em relação às aquisições de linguagem, observou-se que aos oito meses a maioria dos bebês iniciava o processo de fala, com a pronúncia de sons, o que é apontado como um aspecto esperado para esse momento do desenvolvimento (Brazelton, 2002). Nesse sentido, o relato das mães foi acompanhado de grande expectativa para as conquistas relacionadas ao incremento da fala, bem como de sentimentos de alívio e alegria. Isso parece estar associado à menor dependência do bebê que passa a conseguir se expressar com maior facilidade, sinalizando à mãe aquilo que necessita, o que também foi verificado em outros estudos ao investigar os sentimentos maternos em momentos posteriores do desenvolvimento (Lopes et al., 2007; Lopes et al., 2009; Lopes et al., 2012). Por conseguinte, as mães relataram que os bebês passaram a estabelecer uma nova relação com os objetos e com as pessoas devido as novas habilidades de comunicação. O uso da linguagem, verbal ou não verbal, também possibilitava ao bebê chamar a atenção dos adultos (Brazelton, 2002), permitindo que as mães identificassem uma intenção comunicativa em suas expressões faciais, conforme destacado por Nunes, Aquino e Villachan-Lyra (2015).

No que diz respeito às aquisições motoras, as mães mencionaram o início do engatinhar, bem como o sentar sem apoio e ficar em pé, conquistas esperadas para a referida faixa etária (Miller, 1999). Outras conquistas como bater palmas e dar tchau também foram relatadas e eram mencionadas com orgulho pelas mães. Essas aquisições, somadas aos aspectos emocionais, permitem que o bebê avance de um estágio de dependência absoluta para um estado em que começa a se diferenciar da mãe, explorando e interagindo de forma mais ativa com o meio e com as pessoas, caracterizado como dependência relativa (Winnicott, 1949/2000). As mães deste estudo também descreveram com surpresa e admiração as ações de exploração do bebê, como colocar objetos na boca, o que permitia compreender as possíveis maneiras do bebê descobrir o mundo (Brazelton, 2002; Papalia et al., 2013).

Além disso, as aquisições motoras e emocionais despertaram diversos sentimentos maternos, pois havia a percepção de que o bebê começava a conquistar uma maior independência. Ao mesmo tempo, era frequente o retorno à mãe durante a exploração, o que causava uma sensação de dependência, visto que o bebê não ficava muito tempo sozinho, o que pode estar associado ao início da permanência do objeto (Brazelton, 2002). Tais aspectos estão em consonância com o que Mahler et al. (1975/2002) denominou de reabastecimento emocional e se refere à necessidade de o bebê retornar ao cuidador para se certificar de sua presença, consistindo em uma etapa importante para o nascimento psicológico do indivíduo.

Quanto às aquisições intelectuais/cognitivas, as mães relataram que o bebê estava mais inteligente e esperto. Também descreveram os bebês como mais observadores, estando atentos às pessoas e aos objetos. Sentimentos de orgulho e surpresa acompanharam essas conquistas e estiveram relacionados ao fato de que as mães não esperavam tais capacidades nesse momento do desenvolvimento. Ainda, a imitação de sons e/ou expressões dos adultos foi descrita como uma nova habilidade do bebê. Essas manifestações evidenciam a facilidade que o bebê tem em aprender e responder aos estímulos do ambiente e das pessoas ao seu redor (Nunes et al., 2015).

A demonstração do bebê de suas necessidades, somada ao reconhecimento da mãe da capacidade do bebê sentir e expressar emoções são resultados semelhantes aos relatados por Nunes et al. (2015). Essas conquistas do bebê também remetiam as mães a sentimentos ambivalentes, em que havia alegria pelas conquistas, ao mesmo tempo em que eram referidos sentimentos de cansaço devido às novas exigências do bebê. Além disso, esses sentimentos parecem permear as dificuldades encontradas pela mãe no percurso da maternidade e do desenvolvimento do bebê (Zanatta & Pereira, 2015). Atualmente, a maternidade ainda é muito idealizada e, por vezes, as mães não encontram espaços para expressar esses sentimentos que não são carregados apenas de aspectos positivos (Caron & Lopes, 2014). Para além da idealização que perpassa o contexto social, a própria mãe também idealiza a sua experiência de maternidade, o que dificulta o encontro com a experiência real (Laney et al., 2015).

As novas aquisições do bebê exigiam das mães um posicionamento frente ao estabelecimento de limites. Percebe-se que esta exigência gerava sofrimento para as mães, por temerem frustrar o bebê, ao mesmo tempo que reconheciam a importância dos limites. Esses aspectos estavam relacionados à preocupação em ser muito permissiva ou rígida na educação do filho, aspecto também verificado pela literatura, mesmo que em momentos posteriores do desenvolvimento (Lopes et al., 2012; Patias et al., 2013).

Destaca-se que a preocupação materna diante dos limites do bebê é pouco discutida na literatura nessa faixa etária, em que as questões sobre a educação de crianças aparecem relacionadas apenas a crianças maiores. No entanto, para as mães essa é uma questão que se coloca desde cedo, justificando a importância de dar voz a tais sentimentos. Nesse sentido, Winnicott (1969/1993) aponta que primeiramente o limite é corporal e não-verbal e se coloca desde o início da vida, por meio dos cuidados ao bebê, e, posteriormente, envolve a linguagem e a moralidade. Sendo assim, entende-se que esses questionamentos maternos estejam associados à função de educar, a qual é exercida pelas mães desde os primeiros meses, assim como, parecem estar relacionados ao fato de o bebê estar mais ativo, demandando uma postura ativa também do cuidador.

No que tange o estabelecimento dos limites, verificou-se que apenas o recurso verbal não era suficiente para sinalizar ao bebê o que não era permitido, visto que as mães relatavam ter cuidados em relação ao ambiente para que o bebê não se machucasse, como se protegessem o filho dos perigos concretos, conforme apontado por Winnicott (1969/1993). Ademais, o não é um dos organizadores do psiquismo do bebê, pois a possibilidade de frustrar o bebê, decorrente de um tempo de espera entre a necessidade e a satisfação, oportuniza a percepção de que há algo para além da sua capacidade criativa, ou seja, um mundo externo (Winnicott, 1969/1993).

Em relação às aquisições socioemocionais, foi possível identificar que as mães descreveram os filhos como calmos e alegres, já reconhecendo seus gostos e preferências em relação a brincadeiras, por exemplo. Mediante estas novas aquisições, algumas mães referiram uma atuação mais ativa do bebê também nos momentos de interação (Brazelton, 2002). Estes, por sua vez, foram descritos como mais prazerosos devido à maior participação e engajamento do bebê quando a mãe propunha alguma brincadeira. Ademais, eram comuns comparações entre o temperamento do bebê e da mãe, em que eram identificadas semelhanças e diferenças entre ambos. Nesse sentido, as mães pareciam, de alguma forma, identificar-se com a instabilidade emocional vivenciada pelo bebê nesse período do desenvolvimento. Isso pode estar associado ao fato de que a experiência das mães também oscilava entre sentimentos positivos, negativos e ambivalentes diante da maternidade, conforme destacado por outros estudos (Laney et al., 2015; Zanatta & Pereira, 2015; Zanatta et al., 2017).

As mães relataram movimentos de dependência e independência do bebê, exigindo constante readaptação nos cuidados. Estas manifestações parecem provocar nas mães o questionamento do quanto elas estão conseguindo adaptar-se as necessidades do bebê. De modo mais abrangente, esse questionamento também incluía se a mãe estava sendo uma “boa mãe”, o que pode reforçar a idealização da maternidade (Laney et al., 2015; Zanatta & Pereira, 2015), bem como sentimentos de competitividade entre as mães (Chae, 2015). Isso se deve, pois, a maternidade pode ser considerada, pela sociedade e pelas próprias mães, como uma conquista individual relacionada à um trabalho que precisa ser realizado com sucesso (Chae, 2015).

Ao mesmo tempo, os dados ilustram os movimentos ambivalentes do próprio bebê, que ora deseja a presença materna e ora se apresenta com maior independência (Winnicott, 1949/2000). Isso parecia refletir nos sentimentos das mães, do mesmo modo que as mudanças maternas interferiam nas manifestações do bebê. Preocupações maternas em relação à estimulação do bebê permearam as aquisições motoras, de linguagem e cognitivas. Frequentemente as mães relatavam a importância de estimular o desenvolvimento infantil, ao mesmo tempo em que comparavam o “desempenho” do seu filho com outros bebês de idade semelhante, aspecto também observado por Milkie et al. (2015). Parece que essa necessidade de saber se o bebê estava alcançando os marcos esperados para sua faixa etária confrontava o saber e a experiência materna com as orientações de diferentes especialistas (como médicos, psicólogos, entre outros) (Lima & Vicente, 2016), o que acabava gerando angústia e sofrimento (Milkie et al., 2015).

 

Considerações finais

Considerando o objetivo de investigar os sentimentos maternos frente ao desenvolvimento infantil aos oito meses do bebê, os dados do presente estudo sugerem a importância da adaptação materna frente as novas conquistas do bebê, bem como a presença de sentimentos positivos, negativos e ambivalentes no percurso do desenvolvimento. Destaca-se, ainda, a importância de atentar para as questões envolvendo os limites e a educação de bebês e crianças pequenas, tendo em vista a preocupação e as angústias maternas diante da melhor forma de agir. Interessa salientar que tais aspectos, apesar de pouco discutidos nesta etapa inicial da vida, parecem se constituir em fonte de sofrimento para as famílias, o qual é fundamental que seja acolhido na clínica com casais e famílias.

Nesse sentido, evidencia-se a necessidade de espaços de escuta às mães e às famílias, para que sentimentos e dúvidas frente ao desenvolvimento do bebê possam ser compartilhados e vividos como inerentes à experiência de maternidade. A clínica com casais e famílias pode oferecer tal acolhimento para as angústias maternas, sendo que a identificação do sofrimento materno pode contribuir para a elaboração de programas de intervenção para a promoção do desenvolvimento infantil (Alves, Rodrigues & Cardoso, 2018). Dito de outro modo, muitas vezes, as mães sentem-se inseguras em relação ao desenvolvimento dos filhos e à melhor forma de cuidar e educar, o que pode trazer inúmeros questionamentos e sentimento de culpa. Dessa forma, identifica-se a importância de os profissionais da psicologia que atendem famílias reconhecer as diferentes exigências e sentimentos que o desenvolvimento infantil pode produzir, contribuindo para a desconstrução da maternidade ideal.

Cabe ressaltar que os resultados apresentados se referem a um pequeno número de participantes, oriundos de uma realidade familiar e socioeconômica específicas, não sendo passíveis de generalização. Deste modo, sugere-se que estudos futuros examinem questões ligadas aos sentimentos de outros cuidadores frente ao desenvolvimento do bebê aos oito meses, bem como diferentes configurações familiares, utilizando-se de métodos de observação, por exemplo, além de entrevistas. Ampliar a discussão sobre esse tema permite dar voz a um sentimento comum às mães diante das inúmeras transformações do desenvolvimento do bebê em um curto espaço de tempo. Ainda, pode auxiliar os profissionais na compreensão das angústias maternas e na elaboração de propostas que auxiliem na adaptação da mãe e de cuidadores às novas aquisições infantis.

 

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Endereço para correspondência
Tatiane Cristine Froelich
E-mail: psicotatif@gmail.com

Amanda Schöffel Sehn
E-mail: amanda_sehn@hotmail.com

Enviado em: 06/06/2018
1ª revisão em: 19/06/2019
Aceito em: 26/06/2019

 

 

1 Psicóloga, mestranda em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica (PUCRS).
2 Psicóloga, mestra e doutoranda em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
3 Nome fictício.
4 Nome fictício.
5 Nome fictício.

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