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Pensando familias

versão impressa ISSN 1679-494X

Pensando fam. vol.23 no.1 Porto Alegre jan./jun. 2019

 

ARTIGOS

 

O divórcio e o recasamento dos pais na percepção dos filhos adolescentes

 

Divorce and remarriage of their parentes according to adolescents perception

 

 

Luciane Vieira1, I ; Angélica Paula Neumann2, II; Eliana Piccoli Zordan3, III

I Olfar Alimentos e Energia
II Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões – Campus de Erechim
III Associação Gaúcha de Terapia de Família

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este estudo objetivou compreender a percepção de cinco adolescentes, com 13 a 19 anos, sobre o divórcio e o recasamento dos seus pais. Foram realizadas entrevistas semiestruturadas, submetidas posteriormente à Análise de Conteúdo. Identificaram-se cinco categorias. Encontrou-se que tanto a vivência do divórcio quanto do recasamento dos pais traz aos filhos a possibilidade de uma nova vivência familiar, que pode ser mais afetiva e segura do que a relação que havia entre a família primária. No entanto, não se pode subestimar o sofrimento que estes eventos podem gerar nos filhos, especialmente quando estes não se adaptam às novas mudanças e papeis familiares. Observou-se um distanciamento entre os participantes e a figura paterna, ficando a mãe responsável não apenas pelos cuidados básicos e afetivos próprios da relação mãe-filhos, mas também por intermediar as relações que se estabelecem entre os filhos e os padrastos e entre os filhos e os pais.

Palavras-chave: Divórcio, Adolescência, Relações familiares.


ABSTRACT

This study aimed to understand the perception of five adolescents, aged 13 to 19 years, about the divorce and remarriage of their parents. Semi-structured interviews were realized and submitted to Content Analysis. Five categories were identified. The experiences of divorce and remarriage of the parents brings to the adolescents a possibility of a new family experience, which can be more affective and secure than the relationship of their primary family. However, these experiences can also generate suffering, especially when the adolescents do not adapt to the new changes and familiar roles. It was observed a distant relationship between the participants and their fathers, while the mothers were responsible not only for the health and affective care, but also for intermediate the relations between the children and the stepfathers and between the children and their fathers.

Keywords: Divorce, Adolescents, Family relations.


 

 

O divórcio para todas as famílias é um processo complexo. Ocorre em quaisquer níveis socioeconômicos e culturais, em qualquer etapa do ciclo vital individual, do casal e família, com cônjuges que tenham filhos ou não, sendo assim considerado uma crise vital (Zordan, Wagner, & Mosmann, 2012). Como tal, traz desafios e possibilidades, amplamente estudados pela literatura (Dantas, Jablonski, & Féres-Carneiro, 2004, Juras, & Costa, 2017, Neumann, & Zordan, 2013, Souza, Smeha, & Arend, 2012, Warpechowski, & Mosmann, 2012). Um dos desafios deste processo é o exercício da coparentalidade, termo introduzido por Bohannan nos anos 70 e definido no início deste século por Madden-Derdich e Leonard como o nível de interação que os ex-cônjuges relatam ter um com o outro, bem como a forma com que decidem questões relacionadas à vida dos filhos (Grzybowski, & Wagner, 2010a).

A qualidade do exercício coparental é influenciado diretamente pela relação estabelecida entre os ex-cônjuges no momento da ruptura, havendo um impacto negativo quando predominam relações conflituosas entre os ex-cônjuges (Oliveira, & Crepaldi, 2018). Alguns estudos apontam que o estabelecimento de um novo relacionamento por parte do pai ou da mãe também pode se configurar como um obstáculo para o exercício das funções paterna e materna, devido à inserção de uma terceira pessoa na relação dos mesmos com os seus filhos (Alves, Arpini, & Cúnico, 2014).

Apesar disso, a vivência de novas relações amorosas e, consequentemente, de recasamentos e famílias reconstituídas tem se tornado cada vez mais frequentes. Segundo as Estatísticas do Registro Civil do IBGE, mais de 70% dos casais que se se divorciaram em 2016 tinham filhos, sendo 47% deles menores de idade (IBGE, 2016). Estes mesmos dados demonstram uma grande variabilidade na idade dos casais no momento da separação, sendo a idade média de 43 anos para os homens e de 40 anos para as mulheres. Considerando essa faixa etária, é de se esperar que grande parte destes indivíduos inicie novos relacionamentos.

Famílias reconstituídas existem há muito tempo e têm sido objeto de estudo já há muitos anos (ex. Wagner, & Féres-Carneiro, 2000), porém, recentemente, observa-se um movimento de expansão nas investigações sobre o tema (ex. Alves, & Arpini, 2017, Bernardi, Dias, Machado, & Féres-Carneiro, 2016, Magalhães, Féres-Carneiro, Henriques, & Travassos-Rodriguez, 2013, Pasley, & Garneau, 2016, Saraiva, Levy, & Magalhães, 2014). As facilidades legais para o divórcio, a busca por relações mais satisfatórias e a aceitação social das diferentes configurações familiares são fatores que contribuem para o aumento no número de famílias reconstituídas. Sendo assim, é essencial compreender as vicissitudes dessas famílias em todos os seus matizes.

O recasamento acarreta várias mudanças nas concepções de relacionamento familiar, fazendo com que os envolvidos necessitem se habituar a um novo sistema, a uma nova rotina de vida familiar e ao exercício de novos papeis (Pereira, 2015, Rocha, 2015). Ao assumir esses novos papeis, tais como padrastos, madrastas, enteados, meio-irmãos, entre outros, inevitavelmente, os sujeitos trazem as marcas deixadas pela relação conjugal e familiar anterior (Alves, Arpini, & Cúnico, 2015).

Os filhos precisam compreender e se encaixar na sua nova configuração familiar, o que exige um investimento emocional intenso (Costa, & Dias, 2012). Dentre os desafios vivenciados pelos jovens de famílias recasadas, Junqueira (2016) evidencia a dificuldade em definir quem faz parte da sua família, e assinala o pouco tempo de convivência familiar, decorrente da necessidade de conciliar as jornadas de trabalho da mãe e do padrasto com as atividades extracurriculares do mesmo, sua vida social e o trânsito entre múltiplas casas, considerando a casa da mãe, do pai e das famílias extensas maternas, paternas e muitas vezes dos padrastos e madrastas. Além disso, podem ocorrer dificuldades relacionadas à forma de se referir aos novos parceiros do pai e da mãe, à organização do espaço doméstico e às fronteiras a serem estabelecidos entre os que fazem parte da nova família (Sousa, & Dias, 2014). Apesar disso, há unanimidade nas pesquisas no que diz respeito às possibilidades de desenvolvimento, autonomia e maturidade proporcionadas pela vivência em famílias recasadas, quando as dificuldades são superadas e abrem espaço para um ambiente familiar seguro e afetuoso (Junqueira, 2016, Sousa, & Dias, 2014).

Um estudo realizado em São Paulo, que investigou preditores de habilidades sociais, problemas de comportamento e competência acadêmica de crianças na transição para o primeiro ano do ensino fundamental identificou que as práticas parentais e a qualidade da relação da criança com o pai biológico foram os melhores preditores dos comportamentos e da competência acadêmica das crianças, sendo que a configuração familiar não foi associada aos indicadores de ajustamento infantil focalizados no estudo (Leme & Marturano, 2014). Há décadas, pesquisas mostram que uma família original intacta conflituada e tensa possui menos possibilidades de oferecer e propiciar saúde a seus filhos que outro seio familiar mais continente e estável, independentemente de sua configuração (Wagner, Ribeiro, Arteche, & Bornholdt, 1999).

Em alguns casos, o divórcio pode oportunizar benefícios, tais como o afastamento de uma condição familiar difícil e desagradável e a possibilidade de desenvolvimento pessoal e de relacionamentos mais satisfatórios (Greene, Anderson, Forgatch, DeGarmo, & Hetherington, 2016). Nessa perspectiva, os conflitos vivenciados pelas famílias reconstituídas não devem ser compreendidos como definitivos, mas como atravessamentos transitórios que carecem de flexibilidade, de modo que todos os membros encontrem satisfação dentro desse novo arranjo familiar (Alves, & Arpini, 2017). Oliveira e Crepaldi (2018) simbolizam este processo como uma teia de relações, na qual interatuam recursivamente aspectos pessoais dos diferentes membros da família, aspectos relacionais e contextuais.

Tendo em vista a complexidade dessas transições, é de fundamental importância que se tenha um olhar diferenciado para as demandas que a família recasada apresenta. Nesse estudo, serão investigados os impactos que essa mudança no ciclo de vida familiar pode acarretar para os filhos, na perspectiva de adolescentes que vivenciaram esta transição em algum momento de suas vidas. A escolha pelo público adolescente se deu pelo reduzido número de publicações encontradas na literatura brasileira que focalizam a sua percepção frente ao recasamento do pai ou da mãe, especialmente na região sul do Brasil. O estudo de Junqueira (2016) avaliou a percepção de jovens cariocas sobre as relações com seu padrasto. Já o estudo de Sousa e Dias (2014) retratou as vivências de jovens que vivem no Nordeste do país diante das mudanças ocorridas especificamente no âmbito da convivência familiar, devido ao recasamento de um ou de ambos os genitores. Assim, este estudo tem como objetivo compreender a percepção de adolescentes gaúchos sobre o divórcio dos seus pais e o recasamento do genitor com o qual coabitam, levando em conta as mudanças ocorridas em sua vida após estas transições. Acredita-se que a ampliação do conhecimento teórico-prático relativo às características específicas das famílias recasadas, sob o olhar dos filhos adolescentes, contribuirá para a compreensão do funcionamento dessas famílias e de seus membros, como também fornecerá subsídios aos profissionais que trabalham com elas.

 

Método

Delineamento e Participantes

Realizou-se um estudo exploratório, transversal e descritivo. Participaram cinco adolescentes que residiam em uma cidade do interior do estado do Rio Grande do Sul, com idades entre 13 e 19 anos, sendo quatro do sexo feminino e um do sexo masculino, conforme Tabela 1. Todos os adolescentes estavam inseridos em uma família recasada, isto é, seus pais haviam se divorciado e o genitor que detinha a sua guarda passou a coabitar com um novo companheiro. Em todas as famílias, era a mãe quem detinha a guarda dos filhos. Em nenhum dos casos o padrasto tinha filhos de relações anteriores. Os participantes foram contatados segundo o critério de conveniência, a partir da rede de contato das pesquisadoras. A partir dos primeiros contatos, os participantes indicaram outras pessoas vivendo em configurações familiares parecidas com as suas, configurando o uso da técnica de amostragem não probabilística denominada, ainda nos anos oitenta, bola de neve (Biernacki, & Waldorf, 1981).

 

 

Instrumentos

Utilizou-se uma entrevista semiestruturada contendo dados sociodemográficos sobre os componentes da família e um roteiro com seis questões abertas. As questões avaliaram a percepção que os adolescentes tinham sobre as mudanças ocorridas em sua rotina a partir do divórcio dos pais e do recasamento do genitor com o qual eles viviam. Também se buscou compreender como é o relacionamento atual do adolescente com a sua mãe, com o seu pai e com o seu padrasto.

Procedimentos éticos

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da [informação suprimida para não identificar o(s) autor(es)] sob o número CAAE 61514016.7.0000.5351. Todos os adolescentes participantes assinaram ao Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, sendo que os menores de 18 anos tiveram este termo assinado também pelos seus pais.

Procedimento de coleta dos dados

A entrevista foi realizada em dia, local e horário agendados antecipadamente com os participantes e/ou seus responsáveis legais. Todos os participantes optaram por realizá-la em sua residência e, com todos eles, esta foi realizada em um local privativo que garantisse o sigilo e a confidencialidade das informações obtidas. No dia da realização da entrevista, foi feita a leitura e coleta das assinaturas do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, deixando os participantes cientes de como se daria a sua participação no estudo, riscos e benefícios que poderiam ocorrer. Também foram explicadas as questões referentes ao sigilo e arquivamento dos materiais referentes à pesquisa. Em seguida, realizou-se a entrevista privativamente com os adolescentes, as quais foram audiogravadas e posteriormente transcritas na íntegra.

Procedimento de análise dos dados

Os dados coletados foram analisados por meio da Análise de Conteúdo, modalidade categorial (Bardin, 2011). Esse método caracteriza-se pelo desmembramento do texto em unidades de sentidos, através de reagrupamentos em categorias que expressem os diferentes significados identificados no texto. Foram realizadas as três fases propostas por Bardin (2011): a pré-análise, que é a fase de organização na qual, a partir da leitura flutuante, se derivam os indicadores iniciais que guiarão o trabalho posterior; a exploração do material, que é o momento onde se codifica e se explora os resultados obtidos a partir da pré-análise; e o tratamento dos resultados obtidos e a interpretação dos mesmos, que é a etapa onde os resultados brutos são interpretados e analisados teoricamente.

 

Resultados e discussão

Por meio da Análise de Conteúdo foram identificadas cinco categorias que descrevem a percepção dos adolescentes sobre o divórcio dos seus pais, sobre o recasamento do genitor com o qual residem e sobre as relações com seus genitores e com o padrasto.

Categoria 1 – Mudanças após a separação dos pais

Esta categoria diz respeito às percepções dos adolescentes sobre o momento que se seguiu à ruptura da relação conjugal dos seus pais, antes do recasamento. Cabe ressaltar que alguns participantes referiram não lembrar dessa fase, visto que o divórcio ocorreu quando ainda eram crianças.

O rompimento conjugal gera muitas mudanças no contexto familiar. Uma dessas mudanças é referente à decisão de quem fica com a guarda dos filhos. Ainda nos dias de hoje, na maioria dos casos, é a mãe quem permanece coabitando com os filhos e com a principal responsabilidade quanto ao desenvolvimento e educação dos mesmos. Este tipo de configuração familiar é resultado de uma convergência de fatores sociais, culturais e históricos, que condicionavam a estrutura familiar a assumir papeis rígidos da mulher como cuidadora dos filhos e do homem como provedor da família (Franco, Magalhães, & Féres-Carneiro, 2018, Souza, et al., 2012).

Apesar da mudança gradativa que vem ocorrendo em nossa sociedade, nas quais pai e mãe mesclam os seus papeis e se tornam igualmente responsáveis pelos cuidados, bem-estar e provisão de questões materiais dos filhos (Dantas, et al., 2004), todos os participantes desta pesquisa passaram a morar com a mãe após a dissolução da união conjugal, reforçando tanto na definição da guarda, quanto nas relações diárias de cuidado, tais papeis tradicionais. Neste contexto de mudanças, no final de 2014 foi sancionada no Brasil a Lei 13.058/2014 que estabeleceu o significado da expressão "guarda compartilhada" e dispôs sobre sua aplicação como regra geral nos casos de ruptura conjugal (Domingues, 2015). No entanto, esta medida é muito recente, não se refletindo significativamente ainda nas famílias, pois conforme dados do IBGE (2016), na maioria dos casos de divórcio nos dias de hoje, os filhos ficam sob a custódia da mãe (74,4%). Em 2015, 12,9% das famílias divorciadas acordaram guarda compartilhada. No ano de 2016, este índice aumentou para 16,9% (IBGE, 2015, 2016). Contudo, é necessário salientar que esta mudança na legislação não significa, necessariamente, uma mudança prática na vida das famílias com guarda compartilhada. Estudos mostram que, mesmo com esse acordo homologado judicialmente, alguns pais abdicam da convivência com os filhos (Alves, et al., 2015). Nesse sentido, mais do que a definição do tipo de guarda, é necessário o estabelecimento de uma relação de coparentalidade verdadeira, isto é, que envolva responsabilidade conjunta pelo bem-estar dos filhos e proteja o vínculo destes com ambos os pais.

Isso se mostra essencial uma vez que, no presente estudo, a ruptura da conjugalidade parece ter provocado ou potencializado um afastamento físico e emocional entre o pai e os filhos. Dos cinco adolescentes entrevistados, quatro referiram que o pai passou a residir em outra cidade após a separação, e três indicaram que o distanciamento do pai foi um dos pontos mais difíceis neste processo:

Eu sofri bastante assim, fiquei anos só chorando por causa da saudade do meu pai, a gente se dava muito bem [sic]P2.
A minha relação com o meu pai mudou bastante, a gente se afastou bastante, mas eu não me aproximei mais da minha mãe [sic]P3.
(As mudanças após o divórcio) foram assim um pouco drásticas por que foi um momento assim que a gente teve que se separar. ... A gente teve que se separar e a gente era bem apegado, se dava bem, sabe? [sic]P5.

Estas mudanças na relação com o pai serão discutidas com mais profundidade na Categoria 4 – Relação com o pai, uma vez que os reflexos deste afastamento entre o pai e os filhos no momento do divórcio parece ter deixado consequências que perduram até hoje na vida destes adolescentes.

Apesar disso, enquanto alguns participantes assinalaram o momento do divórcio como doloroso em decorrência do distanciamento da figura paterna, outros demarcaram este fato como um aspecto positivo para si e para a sua família:

Foi melhor pra mim por que a relação deles não era muito boa [sic] P1.
Tipo a gente teve mais contato com a mãe (após o divórcio), questão de conversar, coisa que quando eles eram casados a gente não tinha. A gente começou a sair bem mais com a separação dos dois, tanto com um quanto com outro (genitor), e conversar (com ambos os genitores). ... digamos que tiramos uma barreira que tinha [sic]P4.

Estes relatos ilustram um aspecto central nos estudos sobre divórcio, que é a relação entre conjugalidade e parentalidade. De acordo com a hipótese spillover, o clima do subsistema conjugal tende a transbordar para o subsistema parental, impactando diretamente no exercício das funções parentais (Erel, & Burman, 1995, Buehler, & Gerard, 2002, Hameister, Barbosa, & Wagner, 2015). Por sua vez, os filhos são extremamente sensíveis aos conflitos entre o pai e a mãe. Identificam quando os mesmos brigam, quais os motivos, sabem da intensidade das discussões, e empregam esforços cognitivos e emocionais para lidar com a situação de conflito (Goulart, & Wagner, 2013, Goulart, Wagner, Barbosa, & Mosmann, 2015).  Assim, a ocorrência do divórcio pode oportunizar aos filhos um ambiente mais seguro e harmonioso, isso quando os conflitos são resolvidos e não se estendem para as relações coparentais pós-divórcio.

Categoria 2 – Mudanças na rotina depois do recasamento do genitor residente

Essa categoria aborda todas as mudanças percebidas pelos adolescentes em sua rotina após o recasamento de suas mães. Levando em consideração os relatos dos participantes deste estudo, por um lado foi possível constatar mudanças classificadas como perdas em suas rotinas:

A gente sempre saía junto, a gente sempre viajava e agora não [sic]P2.
Tipo eu, meu pai e minha mãe, a gente costumava ir tomar sorvete lá na Avenida e com o meu padrasto não mais, coisa assim [sic]P3.

Por outro lado, alguns participantes afirmaram que o recasamento do genitor residente, neste caso, da mãe, trouxe ganhos para sua rotina, como sair e viajar com mais frequência, conhecer novos lugares e também novas pessoas:

Eu acho que melhorou por que ele (o padrasto) assumiu esse papel de pai pra mim (...) A gente (a família) passou mais a frequentar lugares dos familiares, dos amigos dele (padrasto) P1.
A gente conheceu bastante gente, mas mesmo assim a gente não se distanciou das que a gente já conhecia [sic]P5.

Muitas vezes, as perdas e ganhos foram equalizadas pelos mesmos participantes, como P4, que afirma que “Amigos, alguns ficaram pra trás por causa da vizinhança, porque a gente era criança, tinha muito amigo, daí a gente veio morar em outro bairro, daí digamos deu uma boa mudança” e depois complementa dizendo que “depois da separação deles a gente viajou mais, a gente conheceu novos lugares então foi uma mudança em questão de sair” [sic]. Esta equalização entre aspectos positivos e negativos também foi feita por P2, ao refletir que aspectos que lhe fizeram falta tiveram como consequência o desenvolvimento de maior independência:

Eu tive que ser muito independente, mais sozinha assim por que se antes eu tinha um pai que me buscava e me levava nos lugares, o meu padrasto não ia, ah... se eu podia pedir dinheiro pro meu pai, pro meu padrasto não [sic]P2.

Estes achados vão ao encontro de Magalhães et al. (2013), quando pontuam que há uma complexidade maior na constituição da família recasada e, portanto, essa precisa de muita flexibilidade e originalidade para lidar com as demandas coletivas e da individualidade de cada um dos seus membros. Todavia, é importante não interpretar a complexidade das relações que se estabelecem nessas famílias como disfuncionalidade, já que várias pesquisas constatam que não há diferenças significativas quanto à promoção de saúde em famílias casadas e recasadas.

Isso remete à compreensão de que é fundamental, na criação dos filhos em um segundo casamento, ainda mais paciência, respeito, flexibilidade e muita maturidade do casal, caso contrário, poderá haver prejuízos tanto na relação conjugal, quanto nas relações entre o pai ou a mãe e seus filhos, e entre padrastos ou madrastas e enteados. É preciso ter a compreensão de que cada membro dessa nova família irá se adaptando de acordo com seu próprio ritmo.

Somente após algum tempo dessa nova união, a família formada em torno do recasamento alcança o estágio de desenvolvimento familiar no qual as relações entre os membros desse novo grupo são autênticas e mais próximas (Pasley, & Garneau, 2016). Pode-se dizer que o contexto do recasamento em si é uma mudança extremamente significativa, pois é o momento onde os filhos precisarão se adaptar a conviver com alguém que, até então, não fazia parte da família. Nesse contexto, todos os envolvidos nessa transição necessitarão se doar na busca do desenvolvimento de um relacionamento familiar saudável.

Categoria 3 – Relação com a mãe

Esta categoria busca discutir o modo como se manteve a relação dos adolescentes com o genitor residente após o divórcio e o recasamento. Falaremos, em especifico do recasamento da mãe, pois todos os participantes passaram a residir com a mesma após a ruptura conjugal.

A maioria dos participantes afirmou que a relação continuou a mesma, pois a mãe sempre deu prioridade aos filhos. Referem que mantinham um laço de amizade, o qual até se intensificou após o divórcio de seus pais, pois desenvolveram uma relação de mais união:

Continua a mesma, assim, mas a gente é bem amigas [sic] (P1).
A gente sempre foi muito próxima, depois da separação a gente se uniu digamos muito assim em questão de confiança, a gente se aproximou mais [sic](P4).
Praticamente como era antes (quando ela estava casada) com o meu pai, não teve mudança nenhuma [sic](P5).

Duas participantes referiram que a relação com a mãe se tornou mais difícil após o recasamento, uma vez que a mãe passou a defender mais a opinião do padrasto diante das situações de conflito, como exemplificado pela fala de P3: “Ela defende sempre a opinião dele” [sic]. Para P2, houve um momento conflituoso com a mãe, que se atenuou com o passar do tempo e com a mudança na relação entre a tríade mãe-filha-padrasto:

Por um tempo se manteve a mesma e aí decaiu um pouco por que eu via que ela defendia mais o lado dele e não o meu às vezes, mesmo ela sabendo que ela teria que ficar do meu lado por ser minha mãe. Depois a gente voltou a ser mais amigas, mais próximas digamos ... ela parou de se meter digamos quando meu padrasto quer dar alguma opinião ou falar sobre alguma coisa de mim, mas antes ela sempre tomava o lado dele, agora ela fica neutra digamos [sic] (P2).

Algumas oscilações na relação entre mãe e filha são normativas da fase da adolescência. Porém, no caso de famílias recasadas, fica visível o quanto esta relação é perpassada pelo lugar que o padrasto ocupa na família. A figura parental que recasa ocupa um lugar delicado e central na dinâmica das famílias recasadas, pois precisa equilibrar as demandas parentais e conjugais. Muitas vezes, na constituição de uma nova relação, observa-se um movimento de valorização do conjugal sobre o parental, que pode acarretar prejuízo aos filhos (Alves, & Arpini, 2017). Nesse sentido, é imprescindível aos filhos que se sintam seguros na nova relação familiar que se estabelece a partir do recasamento, como exemplificado pela fala de P4:

Eles (a mãe e o padrasto) se uniram muito rápido após a separação, (mas na relação) com a minha mãe não interferiu nada, ela sempre deu prioridade pra mim e pro meu irmão, ela sempre fala até hoje que se for pra escolher alguma coisa vai ser eu e o meu irmão [sic] (P4).

Enquanto genitora que reside no dia a dia com os filhos, a mãe parece exercer um papel importante também na regulação das relações que se estabelecem tanto entre seus filhos e seu ex-marido quanto entre seus filhos e o padrasto:

Ela sempre me explicou que o meu pai, ele, apesar de tudo, que eu tenho que respeitar, que ele é meu pai. E que eu tenho que também levar o meu padrasto como pai, por que ele me ajuda bastante [sic](P1).
A minha mãe sempre fez questão que o meu pai se fizesse presente, mesmo ela estando casada com outro e o meu pai também [sic] (P4).

Em um estudo de caso realizado por Costa (2012) em Portugal, uma realidade similar foi identificada. O autor constatou a centralidade do papel da mãe na introdução do padrasto na nova família, na construção da relação com o padrasto e na construção do papel do padrasto. Segundo o autor, todas as relações e dinâmicas familiares passam pela mãe, novamente reiterando o lugar da mulher como responsável pelas relações afetivas no ambiente familiar.

Sabe-se que fatores de ordem sociocultural contribuem diretamente nesses aspectos. Apesar da mudança gradativa no papel desempenhado pelos pais nos últimos anos, caracterizada por maior participação e envolvimento com os filhos, estudos recentes ainda evidenciam maior sobrecarga das mães com os cuidados parentais e domésticos no momento de transição para a parentalidade (Pasinato, & Mosmann, 2016).

Um estudo de representações sociais desenvolvido no Espírito Santo com uma amostra de pais e mães em diferentes situações conjugais, realizado na vigência da lei anterior à Guarda Compartilhada, Lei 11.968/2008, indicou que, para a maioria dos entrevistados, a guarda dos filhos deve ser unilateral e materna, em sobreposição à proposta da guarda compartilhada. Isso foi justificado pela ideia de que a mãe é a pessoa mais preparada para cuidar dos filhos (Schneebeli & Menandro, 2014). Nesta perspectiva, o estudo de Junqueira (2016) com famílias recasadas que viviam no Rio de Janeiro, encontrou que são as mães que desempenham a maior parte das tarefas domésticas e dos cuidados com os filhos. Para esta autora estes achados demonstram a permanência dos papéis de gênero tradicionais, mesmo em uma configuração familiar não-tradicional.

Categoria 4 - Relação com o pai

Esta categoria diz respeito à relação dos adolescentes com o genitor não residente, neste caso, o pai. De acordo com Diamond (2008), a presença do pai, até algum tempo atrás, era vista como simbólica, como se a figura paterna não exercesse tanta influência para o desenvolvimento dos filhos. Fato esse que, hoje, ganha uma nova face, pois cada vez mais se reconhece o papel fundamental que o pai exerce, não como um apêndice da mãe, mas como alguém que complementa suas funções.

No presente estudo, todos os participantes afirmaram que, apesar de manterem contato com o pai, este se tornou mais esporádico, levando ao distanciamento progressivo de ambos. Isso pode ser visto de forma bastante clara na fala dos participantes:

Ele não é muito presente pra mim [sic](P1).
Com o meu pai não sei, ficou mais afastada (a relação) [sic](P2).
Eu não falo muito com ele assim, mas tipo não muda mais a proximidade, por mais que eu fique vários dias sem falar com ele é a mesma coisa [sic](P3).

Mesmo no caso da participante P4, a qual refere que a mãe sempre insistiu para que o pai se fizesse presente, o relato é de uma relação de pouca proximidade:

Com meu pai a gente tem uma relação também bem, digamos, natural, por que a mãe sempre recebeu ele aqui em casa, nunca excluiu ele digamos de aniversário, essas coisas, não tem isso de excluir, então a mãe sempre faz com que ele esteja presente. E ele eu acho que em virtude de morar em outra cidade também, tipo ele não tem muito tempo digamos pra nós assim, não faz muita questão de estar (...) não é uma relação tão próxima, mas também nem tão distante. [sic](P4)

Percebe-se no relato dos participantes que o distanciamento dos pais é tratado, de certa maneira, como naturalizada na vivência dos adolescentes. Apesar de todos manterem contato com os pais, esta relação aparenta ser de pouca intimidade. No estudo de Damiani e Colossi (2015), as autoras não observaram diferenças no sentimento dos filhos acerca dos seus pais quando a ausência paterna era apenas afetiva, ou quando era física e afetiva. Nesse sentido, evidencia-se a necessidade de atentar para a qualidade do tempo passado entre os pais e seus filhos, pois passar tempo juntos sem envolvimento afetivo nem sempre reverbera em sentimentos de proximidade.

Apenas um participante mencionou não haver prejuízos na relação com o pai:

A gente não se vê tanto, mas a gente continua próximo, a gente se liga né, manda mensagem um pro outro, mas super tranquilo [sic](P5).

Este é o único participante que refere ver o pai semanalmente. Greene et al., (2016), ao analisarem vários estudos sobre o efeito do divórcio nas relações familiares, encontraram que é mais provável que o contato seja mantido quando o filho é um menino, aspecto corroborado no presente estudo.

Dentre os demais, uma participante referiu ver o pai a cada duas semanas, outra participante disse ver o pai uma vez por mês e outras duas relataram que essa frequência varia de duas a três vezes ao ano. Em pesquisa sobre o envolvimento parental após a separação/divórcio realizada com pais e com mães separados/divorciados residentes em Porto Alegre e região metropolitana, Grzybowski & Wagner (2010b) encontraram que o fato de os pais não morarem com os filhos influencia significativamente em um menor envolvimento com eles. Segundo as autoras, os pais alegaram que a experiência educativa após o divórcio é marcada por perdas, pois a função parental perdeu força e lugar, sendo que a distância gerada pelo afastamento do lar é como uma ruptura no papel parental.

Para Warpechowski e Mosmann (2012), existe uma contradição no discurso dos pais que não detêm a guarda dos filhos, pois ao mesmo tempo em que desejam estar mais presentes em suas vidas, não encontram formas de efetivar este desejo. De acordo com as autoras, muitos pais declaram sentir-se vítimas das mães que detêm a guarda dos filhos, mas ao criticá-las, expressam uma retroalimentação destas interações familiares. As autoras abordam um ponto fundamental dos estudos sob um viés sistêmico, ao apontar a necessidade de se atentar para os padrões interacionais que se reforçam mutuamente e acabam por colocar a mãe como responsável e o pai em um papel de visitante dos próprios filhos.

Segundo Souza et. al (2012) é relevante considerar que muitos homens ainda não se sentem autorizados pela sociedade a protagonizar o papel de pai. Sendo assim, é possível dizer que, quando os pais não se reconhecem como importantes, em decorrência, há um fortalecimento da concepção de que a mãe é a figura principal e insubstituível na tarefa de cuidar dos filhos.

Categoria 5 – Relação com o padrasto

Esta categoria envolve a discussão sobre o relacionamento dos adolescentes com o parceiro do genitor residente, no caso, o padrasto. Dois participantes afirmaram que o relacionamento com o padrasto atualmente é bom:

Melhor do que com o meu pai por que eu convivo todo dia com ele e a gente se dá bem [sic](P1).
A gente é bem próximo também, a gente é parceiro como se diz né, a gente tem uma amizade [sic] (P5).

Entretanto, os outros três participantes relataram dificuldades no relacionamento com o padrasto e em lidar com essa figura nova que está inserida no seu dia a dia:

É ruim assim, a gente nunca se deu bem, nunca mesmo. Ah eu acho que ele nunca me aceitou e eu nunca aceitei ele, por que acho que o tipo de homem que eu acho que alguém tem que ser pra minha mãe ou o tipo de marido que eu quero pra mim é totalmente o oposto dele, então a gente não se fecha assim... a gente se suporta... [sic](P2).
Sinceramente eu não falo muito com ele por que não sei, às vezes algumas coisas que ele fala me irrita muito [sic](P3).
No começo eu aceitei por que eu era criança então tipo ele me enchia de presentes e então digamos foi bem normal, daí depois que eu passei assim no início da adolescência se tornou bem complicado por divergências tipo de ideias, de não bater a mesma ideia, então foi uma coisa bem complicada, e agora digamos que tá natural, tá neutro. ... tipo “bom dia, boa tarde”, a gente se respeita, se atura se for o caso (ri) em relação de convívio [sic] (P4).

Estes resultados indicam a necessidade de atenção para a singularidade de cada família recasada, que tanto pode se organizar de maneira funcional e saudável, promovendo o desenvolvimento de todos os seus membros, como pode vivenciar dificuldades que, se não resolvidas, se cronificam com o passar do tempo. Os cônjuges não podem esperar que seus filhos aceitem imediatamente o novo parceiro, bem como os filhos deste, quando é o caso. Na fase inicial do recasamento, o papel parental deve ser desenvolvido pela figura parental biológica, e o padrasto ou a madrasta deve estar preparado para ser um auxiliar. Não obstante, com o passar do tempo, com o amadurecimento dos enteados, e também com base no posicionamento dos pais biológicos, esse papel pode se tornar mais ativo (Costa, & Dias, 2012, Pereira, 2015).

Os trabalhos da produção acadêmica brasileira sobre o tema padrasto analisados por Rocha (2015) preconizam que o padrasto pode contribuir de fato com a vida familiar ocupando um lugar parental próprio, ao lado da mãe e do pai dos seus enteados. A autora acrescenta que a delimitação de suas funções a partir deste lugar está sendo construída a partir das experiências vinculadas às especificidades e necessidades de cada família. Estes achados foram verificados no estudo de Junqueira (2016), onde evidenciou-se que uma relação respeitosa e afetiva entre padrasto e enteados é possível. Para os jovens deste estudo, pai e padrasto tinham igual nível de autoridade. Contudo, esta autoridade por parte do padrasto foi se constituindo gradualmente, e só se efetivou devido ao estabelecimento de uma relação de qualidade.

Quando a relação com o pai ou mãe biológicos não é boa, as crianças e adolescentes podem buscar uma figura substituta que possa suprir suas necessidades de afeto (Damiani, & Colossi, 2015). A fala do participante P1 denota que o padrasto pode ocupar esse espaço quando a figura paterna biológica é ausente. Contudo, o sentimento de lealdade com o pai ou com a mãe podem impedir a criação de laços com o padrasto ou madrasta. Nesse caso, o comportamento e o acesso aos genitores não guardiões se tornam fundamentais, na medida em que são fontes de segurança para que os filhos sintam que podem amar outra pessoa (padrasto/madrasta) sem sentir culpa por essa afeição (Sousa, & Dias, 2014).

 

Considerações finais

A complexidade do divórcio está em reconhecer que é um momento de instabilidade que impacta, sim, os indivíduos envolvidos; mas ao mesmo tempo saber que a sua ocorrência por si só não é determinante de saúde, adoecimento, funcionalidade ou disfuncionalidade na vida dos indivíduos. O modo como as relações se processam, sejam elas entre ex-marido e ex-mulher, entre pai e filhos, entre mãe e filhos, entre família nuclear e família ampliada, entre outras, e a qualidade dessas relações, é fundamental para a determinação dos impactos do divórcio a curto, médio e longo prazo.

É necessário considerar que as repercussões do divórcio são multifatoriais e envolvem o tipo de divórcio, se litigioso ou consensual, o período do ciclo vital dos filhos no momento em que ocorreu a ruptura conjugal, o suporte da rede familiar e social, entre outros. Assim, mesmo com a amplitude social do divórcio, ainda vale a máxima de que cada família o vive a seu próprio modo, sendo fundamental para pesquisadores e profissionais estarem atentos às idiossincrasias de cada grupo familiar.

O mesmo pode-se dizer do recasamento, analisado com maior profundidade no presente estudo. Percebe-se a partir dos dados que o recasamento traz a possibilidade de uma nova vivência familiar, que, para os filhos, pode ser mais afetiva e segura do que a relação que havia na família primária. No entanto, não se pode subestimar o sofrimento que o recasamento dos pais pode gerar nos filhos, quando estes não se adaptam às novas mudanças e papeis familiares e, especialmente, à inserção do padrasto ou madrasta na família. Se, por um lado, alguns adolescentes podem adotar atitudes de enfrentamento à autoridade exercida pelos padrastos, por outro, podem adotar uma atitude de resignação que é denunciada por frases como “nós nos aturamos”. Considera-se que ambos os extremos são geradores de sofrimento, havendo a necessidade de intervenções que promovam a saúde das relações familiares.

Outro aspecto importante verificado diz respeito ao papel do pai e da mãe nas famílias investigadas. Considera-se de grande relevância salientar o distanciamento que se estabeleceu entre pais e filhos após a separação conjugal, e observar a naturalização disto pelos adolescentes. Ao mesmo tempo, as mães são as pessoas que assumem o cuidado quase que integral dos filhos após a separação e o recasamento, sendo responsáveis não apenas pelos cuidados básicos e afetivos próprios da relação mãe-filhos, mas também por intermediar as relações que se estabelecem entre os filhos e os padrastos e entre os filhos e os pais. Este estudo não teve como objetivo investigar a percepção das mães, mas o quadro encontrado permite supor mães possivelmente sobrecarregadas pelas demandas familiares. Assim, identifica-se que o movimento social que prevê a flexibilização dos papeis de gênero no que diz respeito às funções parentais ainda carece de muitos avanços.

Considerando-se a importância da coparentalidade após a separação conjugal apontada por vários estudos, é necessário o empenho de ambos pais e mães no exercício da coparentalidade, visando a continuidade do vínculo com os filhos, bem como deles com suas famílias ampliadas. Este aspecto deveria ser destacado pelos operadores do Direito, com apoio da equipe interdisciplinar prevista na Lei nas questões que envolvem o divórcio e a guarda dos filhos.

No que diz respeito às limitações, é importante destacar que a pesquisa foi de natureza transversal e os participantes foram ouvidos em uma fase específica de suas vidas, a adolescência, etapa esta que se caracteriza por uma série de mudanças, transformações e conflitivas na relação parental. Além disso, considera-se que o número reduzido de participantes, especialmente do sexo masculino, se configura como uma das principais limitações deste estudo. As verbalizações deste participante corroboraram os achados da literatura que indicam maior proximidade do pai com filhos do sexo masculino do que do sexo feminino, mas por se tratar de um único participante, entende-se que são necessários mais estudos para compreender as relações de gênero envolvidas nesse processo.

Um número maior de participantes permitiria verificar a existência de outras percepções, além das relatadas, acerca do divórcio e do recasamento dos pais. Da mesma forma, a percepção de um único membro da família também limita uma compreensão mais abrangente do fenômeno. Assim, pesquisas futuras podem incorporar as percepções dos pais, filhos e padrastos ou madrastas para enriquecer o entendimento das relações sistêmicas frente às separações e recasamentos. Além disso, novas investigações poderiam verificar como os filhos percebem e convivem com as famílias resultantes do recasamento do genitor não guardião, o que inclui relações com mais uma figura parental, um padrasto ou uma madrasta, e os seus familiares.

 

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Endereço para correspondência
Angélica Paula Neumann
E-mail: angelicaneumann@gmail.com

Enviado em: 17/05/2018
1ª revisão em: 27/08/2018
2ª revisão em: 26/09/2018
Aceito em: 25/10/2018

 

 

1 Psicóloga pela Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões – Campus de Erechim. Psicóloga na empresa Olfar Alimentos e Energia.
2 Psicóloga. Mestre e Doutora em Psicologia pela UFRGS. Professora na Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões – Campus de Erechim.
3 Psicóloga. Mestre e Doutora em Psicologia pela PUC-RS. Membro da Associação Gaúcha de Terapia de Família.

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