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Pensando familias

Print version ISSN 1679-494X

Pensando fam. vol.23 no.2 Porto Alegre July/Dec. 2019

 

ARTIGOS

 

Terapia familiar com equipe reflexiva: contribuições e desafios1

 

Family therapy with reflecting team: contributions and challenges

 

 

Amanda Guedes Bueno2; Isabela Machado da Silva3, I, II

I Domus – Centro de Terapia de Casal e Família
II Universidade de Brasília

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Por meio de um estudo de casos múltiplos, buscou-se descrever o uso de equipe reflexiva em terapia familiar. Os membros de três famílias que se encontravam em atendimento familiar com equipe reflexiva, em um serviço-escola, responderam a entrevistas individuais semiestruturadas. Procedeu-se a uma análise temática e construíram-se os temas (1) Contribuições do uso da equipe reflexiva e (2) Desafios no uso da equipe reflexiva. Os participantes relacionaram a contribuição da equipe à multiplicidade de perspectivas oferecidas e à sensação de apoio no processo psicoterápico. Entre os desafios no uso da equipe, citaram-se o contato inicial com a equipe, bem como a rotatividade de seus integrantes. Por fim, discutiu-se a necessidade de flexibilização do uso da equipe diante da complexidade de questões que as famílias trazem à terapia.

Palavras-chave: Equipe reflexiva, Processos reflexivos, Terapia familiar.


ABSTRACT

Through a case study, we sought to describe the use of reflecting team in family therapy. The members of three families that were in family therapy with reflecting team, in a university clinic, responded to individual interviews. We conducted a thematic analysis and built the themes (1) Contributions of the use of reflecting team and (2) Challenges in the use of reflecting team. The participants related the contributions of the reflecting team to the multiplicity of perspectives and to the support offered by it. Among the challenges in the use of the reflecting team, the participants have cited their initial contact, as well as the changes in the team composition. Finally, we discussed the need for flexibility in the use of the reflecting team given the complexity of the issues brought by families to therapy.

Keywords: Reflecting team, Reflecting processes, Family therapy.


 

 

O trabalho em equipe é uma característica essencial da terapia familiar. Ele tem sido usado como técnica de intervenção e como ferramenta de supervisão e ensino (Clarke & Rowan, 2009; Willott, Hatton, & Oyebode, 2012). Um exemplo de trabalho em equipe que vem adquirindo popularidade e visibilidade é a equipe reflexiva proposta por Tom Andersen (1991) (Barbosa & Guanaes-Lorenzi, 2015; Pender & Stinchfield, 2012).

Os Processos Reflexivos foram desenvolvidos por Tom Andersen e aplicados em um atendimento familiar pela primeira vez em 1985, na Noruega. Andersen (1991) acreditava que algumas famílias se mostravam “paralisadas” durante o processo terapêutico, ou seja, possuíam dificuldade para encontrar alternativas para mudar a situação na qual se encontravam. Com isso, ele passou a questionar se seria útil a elas observarem a maneira como os terapeutas e a equipe trabalhavam tentando encontrar contribuições e alternativas para o processo terapêutico. A partir dessa ideia, desenvolveu a prática da Equipe Reflexiva (Andersen, 1991).

Um pensamento que influenciou o trabalho de Andersen (1991) foi que, apesar de as pessoas experienciarem “o mesmo mundo”, cada uma desenvolverá uma imagem diferente sobre ele. A realidade é, assim, compreendida como múltipla e polivocal, em oposição a uma realidade universal e única. Qualquer descrição ou explicação é dependente do observador, sendo possíveis diferentes versões de uma “mesma situação”. Dessa forma, as ideias de Andersen partem de pressupostos pós-modernos, da Cibernética de Segunda Ordem.

De acordo com essa perspectiva, o terapeuta se baseia na compreensão de diversas pessoas – sua, dos clientes e da equipe – sobre a realidade. Desenvolve-se, assim, uma psicoterapia não mais marcada pela hierarquia unidirecional, mas por uma relação de igualdade, em que novas possibilidades são codesenvolvidas (Andersen, 1991; Barbosa & Guanaes-Lorenzi, 2015; Pender & Stinchfield, 2012).

Os Processos Reflexivos, segundo o próprio Andersen (1991), não devem ser considerados um método ou até mesmo uma abordagem, mas uma maneira de pensar. Não há uma única maneira de organizar a equipe reflexiva. Existem vários formatos, dependendo do ambiente e das famílias. No entanto, existem duas formas mais tradicionais de como a equipe pode se apresentar: (a) ela pode estar presente na mesma sala que a família e os terapeutas ou (b) podem estar separados da família e dos terapeutas pelo espelho unidirecional (Andersen, 1991; Rasera & Japur, 2004).

Em ambas as formas, enquanto o atendimento é conduzido pelos terapeutas, a equipe reflexiva o acompanha em silêncio. A equipe se encontra, então, na chamada posição reflexiva: observando, escutando e refletindo sobre a interação família-terapeutas. Em dado momento, os terapeutas, ou a própria família, convidam a equipe a se manifestar. As posições se invertem e os terapeutas e a família passam a ocupar a posição reflexiva, enquanto a equipe apresenta novas perguntas, descrições e entendimentos. Os Processos Reflexivos são baseados na colaboração entre a família e a equipe de profissionais, construindo novos significados a partir dessa relação. A partir dessa troca de posições e de diálogos que valorizam diversos pontos de vista, estimula-se a construção de novas descrições dos problemas e, consequentemente, de novas possibilidades para os desafios enfrentados pelas famílias que buscam a terapia (Andersen, 1991; Barbosa & Guanaes-Lorenzi, 2015; Rasera & Japur, 2004).

As vantagens identificadas pelos clientes no uso desse modelo estão relacionadas, em sua maioria, à natureza colaborativa dessa intervenção – que permite que clientes se sintam compreendidos e não patologizados –, às múltiplas perspectivas oferecidas sobre um problema e à utilização de linguagem e conotações positivas sobre as situações relatadas – o que permite que o cliente se sinta empoderado pela equipe terapêutica (Brownlee, Vis, & McKenna, 2009; Pender & Stinchfield, 2012; Smith, Yoshioka, & Winton, 1993). No entanto, estudos como o de Brownlee et al. (2009) também destacam os desafios presentes no uso da equipe reflexiva. Esses desafios tendem a se mostrar presentes quando os terapeutas e/ou a equipe não adotam uma postura eminentemente colaborativa. Isso ocorre quando os profissionais realizam interpretações ou tomam decisões sobre o processo terapêutico sem considerar a perspectiva dos clientes, o que causa um desequilíbrio na relação, tornando as reflexões intrusivas.

A equipe reflexiva vem sendo usada como técnica de intervenção e ferramenta de supervisão e ensino, tanto no contexto clínico, como em contextos psicossociais (Martins, 2015) e educacionais (Rezende, Oliveira, & Gomes, 2013). No contexto clínico, essa modalidade é caracterizada por seu amplo uso em cursos de graduação e formação em terapia familiar (Pender & Stinchfield, 2012). No Brasil, porém, são poucas as pesquisas que abordam o uso da equipe reflexiva (Barbosa & Guanaes-Lorenzi, 2015; Fiorini, Guisso, & Crepaldi, 2017; Labs & Grandesso, 2017), de forma que são necessários novos estudos sobre esse tema na realidade brasileira (Fiorini et al., 2017). Esses estudos possibilitarão uma melhor compreensão desse modelo, permitindo que seu uso seja aperfeiçoado de acordo com as especificidades socioculturais da população brasileira e com os desafios presentes nos serviços-escola das instituições de ensino nacionais, que representam os principais locais em que esse modelo costuma ser utilizado. Dessa forma, o objetivo deste estudo é descrever, com base na fala de clientes, as vantagens e desvantagens do uso de equipe reflexiva em terapia familiar, em um serviços-escola, com estagiários de Psicologia e psicólogos como seus integrantes.

 

Método

Contexto de realização do estudo

No segundo semestre de 2015, foi implementado Centro de Atendimento e Estudos Psicológicos da Universidade de Brasília (CAEP - UnB), o projeto do Núcleo de Estudos e Atendimentos a Famílias em sua Diversidade (DIVERFAM), que oferece terapia individual, conjugal e familiar sistêmica. Esse projeto é coordenado pela segunda autora deste artigo e conta com a participação de psicólogos membros do quadro do CAEP -UnB, psicólogos voluntários e estagiários do curso de Psicologia da UnB, todos atuando como terapeutas e/ou integrantes da equipe reflexiva.

Nesse projeto, os atendimentos são realizados em frequência quinzenal e têm a duração de uma hora, o que pode ser alterado de acordo com a avaliação da coordenação do projeto, considerando as necessidades específicas das famílias. Os atendimentos são conduzidos por uma dupla de coterapeutas e acompanhados por uma equipe composta por três a cinco integrantes, que permanecem na sala de atendimento durante toda a sua duração4. A equipe é chamada a intervir pelos coterapeutas, sendo esse momento informado verbalmente à família. Geralmente, a fala da equipe ocorre nos trinta minutos finais do atendimento e dura, no máximo, dez minutos. No entanto, a quantidade de intervenções da equipe, quando ocorrem e sua duração variam de acordo com as necessidades identificadas na sessão. Apesar de seus integrantes serem orientados a não interagir, olhar e/ou falar diretamente com os familiares, pode haver exceções. Por exemplo, em casos em que os clientes precisem de acolhimento ou se encontrem em situação de risco, a equipe pode optar por se dirigir diretamente a eles para dar maior intensidade à mensagem a ser transmitida.

Além de participarem de reuniões de supervisão semanal com a coordenação do projeto, os terapeutas e a equipe de cada caso se reúnem por trinta minutos antes e após o encerramento da sessão, para a discussão do caso e seu planejamento. Embora o modelo proposto por Tom Andersen (1991) não preveja a discussão das intervenções da equipe em supervisão ou a realização de pré e pós-sessão, essa estrutura é utilizada para adequar o modelo à realidade de um serviço-escola, visando potencializar espaços de aprendizagem aos estagiários terapeutas e proporcionar aos clientes o melhor atendimento possível.

Cada família é acompanhada por uma dupla de coterapeutas e uma equipe específica, ao longo do semestre. Mudanças de integrantes tendem a ocorrer a cada semestre devido à conclusão do curso pelos alunos ou por necessidades particulares. Os coterapeutas são preferencialmente substituídos por integrantes da equipe que já acompanhavam a família no semestre anterior. Os terapeutas são orientados a informar às famílias sobre qualquer alteração no grupo terapêutico ou sobre a ocorrência de faltas, que devem ser avisadas e justificadas aos clientes.

Participantes e delineamento do estudo

Todas as famílias que já haviam sido atendidas pelo projeto ou que se encontravam em atendimento no primeiro semestre de 2017 foram convidadas a participar de uma pesquisa que tinha como objetivo investigar o processo terapêutico de famílias em atendimento com coterapia e equipe reflexiva no XXXX. Como parte dessa pesquisa, derivou-se este estudo de casos múltiplos (Yin, 2009), que contou com a participação de três dessas famílias. Elas foram selecionadas a partir do critério de heterogeneidade definido por Patton (2002) e tinham por experiência comum compartilhada estarem em atendimento no XXXX, na modalidade de Terapia Familiar Sistêmica com coterapia e equipe reflexiva, no momento da coleta de dados. Todos os membros participantes eram adultos ou adolescentes e, consequentemente, segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), tinham idade acima de doze anos (Lei nº. 8069, 1990). No que se refere à heterogeneidade entre elas, buscaram-se famílias em diferentes etapas do ciclo de vida familiar (Carter & McGoldrick, 1995) e em diferentes momentos do processo terapêutico. Na Tabela 1 são apresentadas informações de cada caso.

 

 

Procedimentos de coleta e análise de dados

Após a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa em Ciências Humanas e Sociais da UnB (Parecer 2.193.612, aprovado em 31 de Julho de 2017), os terapeutas informaram às famílias em atendimento sobre a realização da pesquisa e solicitaram sua autorização para que as pesquisadoras entrassem em contato. Iniciou-se, então, a realização de contato telefônico com os responsáveis pelos atendimentos, indicados nos prontuários, e apresentou-se o convite formal para participação na pesquisa. No contato telefônico, foram agendados dias e horários com cada membro das famílias que se dispuseram a participar. Após assinatura dos termos de consentimento livre e esclarecido, realizaram-se entrevistas individuais semiestruturadas, conduzidas por pesquisadoras que não atuavam como terapeutas ou integrantes da equipe da família. O roteiro foi elaborado a partir da revisão da literatura sobre o tema, em especial do artigo de Smith et al. (1993), bem como da experiência das pesquisadoras com o uso da equipe reflexiva. As entrevistas ocorreram no XXXX ou na residência dos participantes, conforme lhes foi mais conveniente, sendo gravadas em áudio e posteriormente transcritas para análise.

Os dados foram submetidos a uma análise temática, definida por Braun e Clarke (2006) como um método para identificar, analisar e descrever padrões (temas) presentes em um conjunto de dados, em detalhes e complexidade. O presente estudo se configura como uma análise predominantemente teórica, já que os temas foram definidos e guiados pelo roteiro de entrevista utilizado. As etapas de análise foram as seguintes: (1) familiarização com as entrevistas, por meio de sua leitura repetida e cuidadosa; (2) agrupamento das entrevistas individuais em casos referentes a cada uma das três famílias; (3) agrupamento das respostas dos participantes de acordo com as perguntas de interesse a essa pesquisa; (4) estabelecimento de temas e reorganização dos conteúdos; (5) comparação entre as três famílias e seus membros, considerando-se suas semelhanças e particularidades no que se refere ao objetivo do estudo.

Considerações Éticas

Buscou-se atender aos princípios éticos postulados na Resolução CNS 516/16 (CONEP, 2016), que dispõe sobre as pesquisas em Ciências Humanas e Sociais. Esta pesquisa tem como foco a relação terapêutica, que é distinta das relações observadas em outros contextos por se caracterizar por diferenças de poder e especialização entre clientes e terapeutas. Portanto, deve-se atentar para que qualquer pesquisa realizada nesse contexto não potencialize a vulnerabilidade do cliente diante de seu terapeuta (Silverstein, Auerbach, & Levant, 2006). Dessa forma, os terapeutas comunicaram às famílias que atendiam sobre a realização da pesquisa e sobre o iminente contato das pesquisadoras, mas não formalizaram o convite. Assim, buscou-se evitar que as famílias se sentissem constrangidas a aceitarem. Além disso, os terapeutas foram orientados a esclarecer aos familiares que a participação na pesquisa era livre e que recusas ou interrupções na participação não trariam qualquer prejuízo a seu atendimento psicoterápico na instituição. As pesquisadoras não entrevistaram famílias das quais fossem terapeutas ou membros da equipe, também como forma de evitar constrangimentos às famílias.

 

Resultados e discussão

Contribuições do uso da equipe reflexiva

As famílias participantes, ao falarem sobre as contribuições da equipe reflexiva para o seu atendimento, destacaram (a) a multiplicidade de olhares e percepções; (b) a fala de conotação positiva; (c) a função de suporte; (d) momentos de maior relevância e (e) a equipe como uma nova forma de olhar para si e para a família.

Multiplicidade de olhares e perspectivas. Quando indagados sobre as contribuições do uso da equipe reflexiva nos atendimentos familiares, os participantes ressaltaram a multiplicidade de olhares e perspectivas trazidas por seus integrantes. Segundo seus relatos, suas falas ampliam e diversificam o olhar sobre uma mesma questão, por meio de novas e diversas perspectivas: “elas [equipe] dão alguma percepção assim do que elas observaram (...) Eu entendo que seria basicamente isso, de estar com outras visões, de percepções, diferentemente se tivesse uma terapeuta só, né, e que pudesse agregar mais elementos” (Alberto – Família Infante).

Essa contribuição do uso da equipe foi amplamente discutida por diversos estudos sobre o tema (Barbosa & Guanaes-Lorenzi, 2015; Brownlee et al., 2009; Chang, 2010; Fiorini et al., 2017; Garrido-Fernández, Marcos-Sierra, López-Jiménez, & Alda, 2017; Parker & O’Reilly, 2013; Pender & Stinchfield, 2012; Smith et al., 1993; Willott et al., 2012). A multiplicidade de ideias tem o propósito de oferecer às famílias diferentes perspectivas sobre suas questões, o que estimula um olhar que se afasta de uma visão dualística de certo e errado. Dessa forma, os clientes encontram-se menos propensos a se sentirem julgados e desmoralizados, podendo mostrar-se mais abertos a alternativas (Brownlee et al., 2009; Smith et al., 1993; Willott et al., 2012): “... a gente vê que são pessoas que estão preocupadas com a gente, elas não estão ali só para assistir. (...) acaba que vai se criando uma empatia entre o grupo da família e o grupo dos terapeutas” (Inês – Família Vieira).

Além disso, a multiplicidade de olhares e perspectivas tende a contribuir para que os diferentes membros da família se sintam contemplados pelas reflexões apresentadas pela equipe, o que foi relatado pelos participantes: “Então eu acho que é justamente isso a coisa bacana da equipe, né? Como elas dizem as percepções delas, muitas vezes as percepções delas são exatamente aquilo que você está pensando, o que você está querendo expressar” (Amália – Família Vieira). É importante que a equipe crie um equilíbrio em suas reflexões, para que todos os familiares sejam contemplados. Para isso, é necessário validar suas diferentes perspectivas, reconhecendo suas dificuldades e ressaltando suas qualidades (Egeli, Brar, Larsen, & Yohani, 2014b).

O casal Fontes e a mãe da Família Infante relacionaram essa multiplicidade de olhares e perspectivas ao número de pessoas presentes na sessão: “mais cabeças pensam melhor que uma” (Helena – Família Infante). No entanto, o uso da equipe permite o desenvolvimento de reflexões variadas não apenas pela quantidade de profissionais, mas também por sua diversidade, já que cada integrante traz sua história de vida, experiências e expectativas (Smith et al., 1993).

Já pai e filho da Família Vieira e Alberto (Família Infante) relataram acreditar que a multiplicidade de olhares e perspectivas advém de a equipe não precisar interagir com a família durante o atendimento:

como elas [equipe] estão muito tempo observando, não estão interagindo muito, elas se guardam ali e, muitas vezes, acontece isso de elas falarem alguma coisa, até mudar um pouco o foco da situação (...) o que eu vejo é isso, dá uma outra visão da situação, te faz pensar de outra forma. (Alberto)

A posição de escuta, ou posição reflexiva, permite que seus integrantes estejam atentos e livres para refletir sobre questões trazidas, sem que existam demandas ou restrições advindas da interação com a família (Andersen, 1991; Barbosa & Guanaes-Lorenzi, 2015; Rasera & Japur, 2004; Williams & Auburn, 2016).

Participantes descreveram as intervenções da equipe como contextualizadas com suas sessões, as famílias e seus membros. Esses relatos estão de acordo com o proposto por Andersen (1991), que aponta a necessidade de a equipe refletir assuntos referentes ao que ocorre e é discutido durante a sessão. Refletir sobre questões não relacionadas ao atual atendimento faz com que os familiares se sintam ignorados pela equipe (Brownlee et al.,2009; Willott et al., 2012). Além disso, sobrecarregam clientes com informações descontextualizadas, ao invés de gerar uma discussão de perspectivas múltiplas.

Amália (Família Vieira) e Helena (Família Infante) destacaram o valor das colocações trazidas pela equipe mesmo quando discordam do que é dito: “Meu feedback é sempre muito bom, mesmo quando ele não é legal, mesmo quando eu não concordo, quando eu sou contrária. (...) Mas eu acho que é isso, é bem importante, é uma novidade, às vezes, eu não sei lidar com aquilo, mas eu acho bacana” (Helena). As falas das duas participantes retratam a ideia de que o atendimento nessa abordagem permite a introdução ou discussão de tópicos, sem que haja uma exigência de que os clientes aceitem as perspectivas apresentadas (Garrido-Fernández et al., 2017; Mitchell, Rhodes, Wallis, & Wilson, 2014; Parker & O’Reilly, 2013; Smith et al., 1993; Sparks, Ariel, Coffey, & Tabachnik, 2011). Diante das diferentes alternativas apresentadas pelos integrantes da equipe, os clientes desenvolvem sua capacidade de refletir e escolher perspectivas que melhor se adaptem à sua própria visão de mundo (Garrido-Fernández et al., 2017; Smith et al., 1993).

Assim como no estudo de Barbosa e Guanaes-Lorenzi (2015), os participantes do presente estudo relacionaram a multiplicidade de olhares trazida pela equipe não apenas à função de introduzir novas perspectivas sobre uma questão. Eles também a relacionaram à função de melhorar a identificação de detalhes e particularidades da sessão que não foram percebidos nem pelos terapeutas e nem pelos familiares: “Eu vejo que, muitas vezes, elas [equipe] falam coisas que a gente não percebe enquanto a gente fala, pontos que a gente nem está percebendo e elas trazem, às vezes, mais reflexões que os psicólogos que estão na frente [coterapeutas]” (Inês – Família Vieira).

Barbosa e Guanaes-Lorenzi (2015) denominaram essas funções como equipe colaboradora e equipe especialista, respectivamente. A visão colaboradora da equipe se aproxima do proposto por Andersen (1991). Segundo ele, o que se busca são as diversas descrições e distinções geradas por um diálogo entre os integrantes, ou seja, busca-se uma multiplicidade de ideias, não um consenso fechado para orientar a família ou impor algum sentido específico. Já a chamada equipe especialista se aproxima dos pressupostos modernos: de uma realidade única capaz de ser descrita objetivamente. Aqui, seus integrantes teriam a função de analisar os comportamentos verbais e não-verbais dos familiares para melhor identificar a real situação a ser resolvida na terapia (Barbosa & Guanaes-Lorenzi, 2015). Faz-se importante discutir a necessidade de a equipe transitar entre esses dois modelos. A flexibilidade da equipe reflexiva proposta por Tom Andersen (1991) permite que ela se adapte para momentos em que pode ser importante adotar uma postura psicoeducativa ou diretiva, especialmente em situações em que algum dos membros da família encontre-se em situação de vulnerabilidade e precise ser protegido.

Fala de conotação positiva. Outra contribuição do uso da equipe reflexiva assinalada foi sua fala de conotação positiva e o incentivo recebido de seus integrantes, corroborando estudos internacionais sobre o tema (Andersen, 1991; Brownlee et al., 2009; Chang, 2010; Egeli, Brar, Larsen, & Yohani, 2014a; Pender & Stinchfiel, 2012; Smith et al., 1993; Williams & Auburn, 2016): “Várias vezes que me entenderam e, sempre quando eu conto uma coisa que eu procurei passar por cima e eu venci aquele obstáculo, sempre eles [equipe] (...) elogiam, eles são bem bacanas” (Francine – Família Fontes).

A equipe deve sempre fazer reflexões que construam e reforcem perspectivas positivas sobre a situação familiar, ressaltando e estimulando as potencialidades da família e seu desenvolvimento na terapia. É importante não interpretar negativamente os conteúdos ou comportamentos apresentados, de forma que a fala esteja livre de julgamentos (Andersen, 1991; Egeli et al., 2014a; Pender & Stinchfiel, 2012; Williams & Auburn, 2016). Essa forma de elaborar as reflexões facilita a vinculação entre os clientes e os integrantes da equipe, evitando que estes sejam vistos como juízes que estão ali para avaliá-los. Uma linguagem positiva e voltada para as potencialidades possibilita que os clientes se sintam empoderados e estejam mais abertos e atentos às reflexões (Brownlee et al., 2009; Smith et al., 1993), além de se sentirem mais esperançosos (Chang, 2010; Egeli et al., 2014a; Williams & Auburn, 2016).

Por fim, é interessante notar que nenhum dos membros da Família Infante citou esse benefício do uso da equipe reflexiva em seu atendimento familiar. Essa percepção pode estar relacionada ao fato de essa ser a família há menos tempo em acompanhamento nessa abordagem, de forma que tivera um período menor para desenvolver a relação terapêutica com a equipe. Outra hipótese é que as falas da equipe da Família Infante não estejam sendo elaboradas de forma suficientemente positiva, destacando as potencialidades dos clientes.

Função de suporte. As famílias Vieira e Fontes caracterizaram a equipe reflexiva como fonte de ajuda e suporte para os familiares. De acordo com Barbosa e Guanaes-Lorenzi (2015), a presença da equipe pode trazer um sentimento de segurança e conforto para os familiares. O desenvolvimento de um ambiente no qual as famílias sintam suas experiências validadas e suas necessidades reconhecidas tende a contribuir para esse sentimento (Egeli et al., 2014a).

As famílias participantes deste estudo narraram, de diferentes formas, a importância da equipe para a comunicação. De acordo com seus relatos, a equipe melhora o entendimento entre os familiares ao fazer perguntas e abrir espaço para que eles desenvolvam falas que não foram bem compreendidas. Quando os integrantes da equipe falam sobre como perceberam os clientes na sessão, ajudam-nos a ter discussões mais saudáveis e a expressar, verbalmente ou não, seus pensamentos e sentimentos. Nesse sentido, os participantes destacaram a atenção e o conhecimento que a equipe manifesta sobre os clientes, bem como o cuidado que demonstram com os familiares. Além disso, “se você tem alguma coisa que você acha que a sua família não vai concordar ou vai ficar contra, você vai ter seis pessoas [equipe] para ajudar” (Miguel – Família Vieira).

De acordo com membros da Família Vieira, a equipe pode, ainda, auxiliar a equilibrar as diversas interações e relações que se desenvolvem na sessão, compensando conflitos ou erros de entendimento entre a família e os terapeutas. Assim, mesmo que ocorram desentendimentos com um dos terapeutas ou integrantes da equipe, o vínculo e a relação desenvolvida com os demais podem equilibrar o atendimento. Além disso, “o poder que o terapeuta tem de me dizer na hora ‘Faça isso, faça aquilo, é a vez da sua filha falar, não é a sua’, é um poder muito grande né. E saber que eu tenho uma equipe ali atrás que eventualmente pode fazer uma crítica até a esse comportamento é muito legal” (Héctor).

A interação física é outra forma de ajuda oferecida pela equipe, segundo os relatos da Família Vieira. Ela contribui para tranquilizar e aliviar a tensão, por meio de abraços e cumprimentos no início da sessão ou de dinâmicas ao longo do atendimento, trazendo “aconchego familiar” (Héctor). Isso se destaca já que esses participantes não possuem família extensa na cidade. No entanto, é importante considerar que algumas famílias podem não se sentir confortáveis com esse tipo de proximidade.

É interessante notar que as três famílias citaram a influência da equipe na comunicação dos – e entre – os familiares. No entanto, apenas as famílias Vieira e Fontes descrevem a presença de seus integrantes como uma forma de ajuda e suporte, o que pode estar relacionado ao fato de essas famílias estarem há mais tempo em acompanhamento nessa abordagem.

Momentos de maior relevância. Os membros das famílias Vieira e Fontes afirmaram que a equipe reflexiva é importante para sua terapia. Os membros da Família Infante, por sua vez, definiram o uso da equipe como uma “experiência diferente” e uma “contribuição boa”, além de algo “legal” e “rico”. Alberto, por exemplo, diz não a ver como fundamental. Como hipotetizado anteriormente, essa resposta pode estar relacionada ao fato de essa ser a família que está há menos tempo em psicoterapia. Também pode estar relacionada a desafios iniciais encontrados no processo terapêutico, caracterizados pelo conflito com um dos coterapeutas, o que, segundo Helena, pode ter afetado sua compreensão sobre o uso e o funcionamento da equipe.

As famílias participantes relataram que a equipe se mostra relevante para eles não apenas quando seus integrantes apresentam suas colocações, mas também “nos momentos que eles [equipe] estão ali prestando atenção mesmo na nossa história, no contexto que a gente está ali para melhorar, pra contar, pra chorar, pra tudo!” (Francine – Família Fontes). Nesse sentido, o fato de a equipe permanecer na mesma sala em que se encontra a família, ao longo de todo o processo psicoterapêutico, é um aspecto a ser considerado. Os clientes tendem a se sentirem menos intimidados e mais abertos e dispostos ao conhecerem os integrantes da equipe (Pender & Stinchfield, 2012). Ter equipe e família presentes na mesma sala permite o desenvolvimento de sentimentos de intimidade e compromisso (Sparks et al., 2011).

A equipe foi também considerada importante em períodos difíceis, de conflito ou emotivos das sessões. É possível hipotetizar que, nessas situações, a relevância do uso da equipe fique mais evidente, visto que as famílias tendem a se mostrar mais paralisadas – como denominou Andersen (1991). Após diversas tentativas de mudanças e resolução, os clientes começam a ter dificuldade para encontrar outras alternativas para mudar a situação na qual se encontram. O uso da equipe reflexiva permite que os familiares observem o processo dos seus integrantes, tentando encontrar contribuições e alternativas, ao invés de apenas oferecer uma resolução para as questões (Chang, 2010;Mitchell et al., 2014).

Assim como no presente estudo, Smith et al. (1993) destacaram a utilidade do uso da equipe para sistemas que se encontram em um impasse ou que apresentam um alto nível de conflito. O uso de linguagem de conotação positiva e o fornecimento de múltiplas perspectivas contribui para que famílias denominadas paralisadas mudem. As reflexões criam diálogos que permitem que clientes pensem, sintam e entendam suas questões de formas diferentes, potencializando que encontrem novas soluções frente às dificuldades (Fiorini et al., 2017; Mitchell et al., 2014; Parker & O’Reilly, 2013; Smith et al., 1993; Williams & Auburn, 2016).

A equipe como uma nova forma de olhar para si e para a família. Os participantes afirmaram que a equipe colaborou para ampliar seu conhecimento sobre suas relações e interações familiares, destacando o aprendizado sobre si e os demais membros da família. Pai e filho da Família Vieira descreveram como a equipe ampliou e ajudou sua escuta, tanto os estimulando a prestar atenção às falas de seus familiares, como relembrando e ressaltando suas próprias. Por sua vez, Helena (Família Infante) contou que, por meio das reflexões da equipe, consegue refletir sobre seus comportamentos e sua forma de se comunicar, o que abre espaço para mudanças.

Dessa forma, assim como no estudo de Barbosa e Guanaes-Lorenzi (2015), o presente estudo evidenciou como o uso da equipe contribuiu para que a perspectiva dos clientes se alterasse de individual para relacional. Escutar os outros permitiu que os participantes observassem e repensassem seus próprios comportamentos e falas, bem como aqueles de seus familiares:

Tipo assim, eu falava: “Ah, mas eu peço uma coisa e a pessoa não faz!”. Aí, [a equipe]: “Mas precisa ser exatamente naquela hora você pediu?”. Então isso foi me ajudando muito, que aí eu fui pensando: realmente, eu tenho que deixar o tempo da pessoa também, como a pessoa também tem que deixar o meu tempo... (Francine – Família Fontes)

O uso da equipe estimula clientes a analisarem suas experiências e seus próprios processos de pensamento, levando em consideração diversos e diferentes pontos de vista (Fiorini et al., 2017; Garrido-Fernández et al., 2017; Labs & Grandesso, 2017). Isso permite que cada um veja a si mesmo e suas questões a partir de uma nova perspectiva. Nesse sentido, a equipe pode atuar como um catalisador de mudanças na dinâmica familiar, ampliando e evidenciando as diversas compreensões existentes, dentro da mesma família, sobre uma mesma questão (Barbosa & Guanaes-Lorenzi, 2015; Brownlee et al., (2009); Fiorini et al., 2017).

Ao abordarem as consequências do uso da equipe, as famílias Vieira e Fontes falaram sobre mudanças que abrangem tanto questões individuais como questões relacionais, especificamente familiares. No entanto, a Família Infante descreveu alterações de percepção e comportamentos individuais. Em nenhum momento Helena e Alberto citaram mudanças na sua relação. Uma hipótese é que, por ser a família a ter aderido mais recentemente à terapia nessa abordagem, assim como por terem enfrentado questões no início do seu processo psicoterapêutico, eles tiveram menos oportunidade para entrar em contato com as consequências e os benefícios do uso da equipe. Outra hipótese é que, devido ao tipo de atendimento prestado, uma terapia familiar de pais separados, e o seu histórico de conflitos judiciais, ambos tenham menor predisposição a perceber suas questões de forma relacional.

Desafios no uso da equipe reflexiva

As famílias participantes, ao falarem sobre os desafios no uso da equipe reflexiva, destacaram (a) as dificuldades específicas da equipe e (b) as dificuldades relacionadas ao atendimento em serviço-escola. 

Dificuldades específicas da equipe. Os clientes, quando indagados sobre os desafios no uso da equipe reflexiva nos atendimentos familiares, ressaltaram dificuldades iniciais de seu uso. Tais dificuldades foram relacionadas ao número de pessoas presentes na sala de psicoterapia e a preocupações quanto ao sigilo.

O impacto inicial causado pelo número de integrantes da equipe presentes na sala de atendimento foi compreendido como um aspecto a ser superado no início da psicoterapia, devido ao desconforto e à insegurança em falar para tantas pessoas. Segundo Miguel (Família Vieira), “as primeiras sessões você vai achar estranho porque, por exemplo, no caso, a minha família são quatro pessoas e são quatro contra seis [psicólogos e equipe reflexiva] (...) Parece que vai estar todo mundo contra você e você não se sente seguro...”. Inês (Família Vieira) e Alberto (Família Infante) relataram a sensação de estarem sendo julgados e avaliados. Já mãe e filho da Família Fontes narraram como, inicialmente, a presença da equipe foi um empecilho, devido à sua timidez.

O desconforto inicial dos clientes frente à equipe reflexiva é corroborado pela literatura (Barbosa & Guanaes-Lorenzi, 2015). A presença da equipe torna os familiares mais autoconscientes, por estarem sendo observados por um maior número de pessoas, o que pode levar ao sentimento de que estão sendo avaliados e julgados por seus integrantes (Barbosa & Guanaes-Lorenzi, 2015; Egeli et al., 2014b; Fiorini et al., 2017).

Outra dificuldade inicial destacada pelos participantes foi a preocupação quanto ao sigilo. Os irmãos Vieira e Alberto (Família Infante) relataram ter, no início, duvidado do sigilo do atendimento, devido à quantidade de pessoas presentes na sessão. Eles questionaram o que aconteceria com as informações partilhadas e se os temas tratados não se tornariam “conversa de bar” entre os integrantes da equipe. O casal Vieira também duvidou do sigilo, mas devido à pouca idade da equipe. Já Amália (Família Vieira) e Alberto (Família Infante) mencionaram a rotatividade de seus integrantes: “‘Cadê a pessoa?’. Sei lá, sumiu e veio outra e, daqui a pouco, tem tanta gente sabendo da situação” (Alberto).

Como apontado por Barbosa e Guanaes-Lorenzi (2015), é possível que essa reação inicial, apresentada pelos clientes, esteja relacionada à visão mais tradicional e difundida da Psicologia, relacionada principalmente ao atendimento individual e a visão do psicólogo como o especialista. Essa visão pode contribuir para que os familiares criem certas expectativas sobre o que encontrarão na sessão. A presença da equipe, ao invés de apenas um terapeuta, pode ter influenciado o desconforto e o questionamento do sigilo pelos participantes. Da mesma forma, suas possíveis expectativas de um atendimento baseado em uma hierarquia profissional-cliente podem ter contribuído para a sensação de estarem sendo julgados e avaliados por seus integrantes. Isso fica evidente na fala de Héctor (Família Vieira):

Eu acho que, dependendo de como a equipe reflexiva se apresenta, pode ser um problema (...) se você pintasse todo mundo que estava na sua frente de verde, você ia ter um medo danado, porque você ia pensar que estava dentro de um hospital. (...) Mas aí se você me pergunta assim: “Como você veria isso, se não fosse seu ambiente?”. Bom, eu não gostaria de ter as pessoas de jaleco na minha frente, né?.  Eu ia me sentir prisioneiro ou doente – que eu acho que não é legal para terapia nenhuma.

Os membros da Família Infante, ao serem indagados sobre os principais desafios de um atendimento com equipe reflexiva, apontaram questões específicas e atuais de seu uso. Entre tais questões, foram destacadas a falta de tempo para a fala da equipe e dos clientes; as reações e olhares da equipe; intervenções baseadas em senso comum e uma organização “judiciária” dos temas trazidos durante a sessão.

Alberto destacou que “elas [equipe] ficam um pouco para o final e (...) falta muito pouco tempo, volta a palavra pra gente, paciente, aí fala um pouquinho, mas, logo em seguida, tem que encerrar, muitas vezes nem dá para abordar muito a forma como elas sugeriram ali”.Esse relato é paralelo aos achados de Parker e O’Reilly (2013), que destacaram que não permitir a discussão e o debate do que foi colocado pelos integrantes da equipe pode prejudicar e invalidar o valor das suas contribuições. Não oferecer esse espaço para os clientes também vai contra o pressuposto desse modelo de atendimento como um processo colaborativo, pois pode passar a ideia de que as colocações dos profissionais são mais importantes.

Outro desafio mencionado foi observar e ser observado por várias pessoas. Diferentemente de uma psicoterapia individual, a presença dos integrantes da equipe oferece uma multiplicidade de olhares e reações, sendo difícil captar tudo, o que pode ser incômodo mesmo quando a equipe se mostra cuidadosa ao reagir e se expressar. Nesse sentido, sua presença na sala foi questionada por Helena (Família Infante): “Atrás do vidro [unidirecional] é um pouco desconfortável, porque você não vê as pessoas [equipe] e elas estão te ouvindo, mas, por outro lado, tem a vantagem de não ter a questão de você observar a reação das pessoas”. Tal relato difere do descrito por Brown (1992). Em sua pesquisa, apesar de as famílias ficarem mais autoconscientes diante da equipe, elas preferiram tê-la no mesmo ambiente justamente pela possibilidade de observar as reações e comportamentos de seus integrantes. É possível que essa percepção negativa trazida por nossa participante esteja relacionada ao medo de ser julgada ou mal interpretada. Tais receios marcam os relatos sobre o início dos atendimentos nessa modalidade e, devido a experiências de vida prévias, podem ter se manter no processo terapêutico de alguns clientes.

Outro desafio do atendimento seria o uso de senso comum nas reflexões, algo que, segundo Helena, é favorecido pelo número de integrantes que compõem a equipe reflexiva. No início, segundo ela, as intervenções eram baseadas em opiniões pessoais, não fundamentadas em teoria. Ela relaciona essa impressão negativa a linhas de raciocínio como “Se eu estivesse no lugar desse casal, como eu faria?” e falas como “Eu acho que tem que ser isso...”.

Também se pontuou a necessidade de a equipe valorizar a vivência e o conhecimento dos clientes, já que a teoria ou a própria percepção do profissional pode ser muito diferente das experiências dos familiares. Duas hipóteses podem ser levantadas sobre o que poderia estar contribuindo para que os membros dessa família não sentissem suas opiniões sendo valorizadas. Primeiramente, é possível que, para eles, valorizar um posicionamento seja o mesmo que concordar com ele. Outra hipótese é que, como discutem Brownlee et al. (2009) e Chang (2010), os profissionais que compõem um atendimento com equipe, tanto integrantes como coterapeutas, podem não assumir uma postura tão colaborativa quanto eles desejam ou pensam efetivamente assumir. Segundo eles, os profissionais, por vezes, voltam à posição de experts, o que pode afetar a relação terapêutica.

A organização “judiciária” dos temas trazidos durante a sessão foi outra dificuldade citada por essa família. Segundo seus relatos, certos comentários e posicionamentos da equipe eram semelhantes a sentenças e decisões judiciais. Como exemplo desse comportamento, foi trazido um episódio em que um membro da equipe, em sua intervenção, sugeriu uma determinada organização na divisão de horários entre o filho, o pai e a mãe. Esse momento foi descrito como marcante e incômodo, sendo apresentado como exemplo de uma situação da terapia que marcou negativamente a família. É possível hipotetizar que a percepção sobre esse episódio e sua consequente contribuição para o desenvolvimento da relação com a equipe estejam relacionados ao processo de divórcio recentemente vivenciado pela família. Descrito como um momento difícil, talvez esse contexto não favoreça o uso da equipe. O número de pessoas presentes na sala assim como as diversas perspectivas trazidas podem soar, inicialmente, como julgamentos e sentenças. Embora o uso da equipe reflexiva seja, de modo geral, visto como uma contribuição para o atendimento, nem todas as famílias a experienciam de forma positiva (Brownlee et al., 2009).

Dificuldades relacionadas ao atendimento em serviço-escola. A rotatividade de estagiários-terapeutas é uma característica de qualquer tipo de atendimento desenvolvido em um serviço-escola. Essas mudanças tendem a ocorrer porque nem todos os tratamentos são concluídos no tempo de estágio do terapeuta em formação. Essa rotatividade, por ser alheia à vontade do cliente, muitas vezes, é relacionada ao abandono da psicoterapia em serviços-escola (Machado, Sattler, & Baginski, 2012).É possível hipotetizar que o uso da equipe reflexiva, no entanto, é um fator que tanto acentue quanto minimize essa característica.

O maior número de pessoas na sala, tanto equipe como coterapeutas, propicia que as mudanças sejam mais frequentes e, consequentemente, que sejam mais evidentes para os clientes. Isso pode ser observado nas respostas dos participantes, que destacaram essa como uma dificuldade no processo de terapia com equipe: “eu sei que eu trato numa escola e tem essa característica, mas eu acho que essas mudanças interferem na evolução do processo (...) assim, trocou a pessoa, você vai se readaptar àquela pessoa, àquela situação” (Amália – Família Vieira).Os participantes também questionaram o quanto os novos integrantes saberiam sobre suas famílias e se iriam compreendê-los. Para Helena (Família Infante), é fundamental para o desenvolvimento da terapia que todos os integrantes estejam a par dos acontecimentos para colaborar com suas perspectivas. Segundo Machado et al. (2012), a troca de terapeutas é considerada um desafio, pois é preciso romper o vínculo terapêutico com o membro que sairá e estabelecer outro com o que entrará. Ao mesmo tempo, é necessário dar continuidade a um processo já em andamento.

É interessante notar que, apesar das críticas às alterações, os participantes relataram uma sensação de continuidade no tratamento. Comentou-se de forma positiva que os coterapeutas são substituídos por pessoas que compunham a equipe reflexiva, bem como se valorizou a permanência de integrantes mais antigos. Há, assim, uma aliança que engloba o sistema terapêutico de forma mais ampla: “E eu notei que essa segurança é além da equipe, porque os membros trocam e, ainda assim, eu consigo me sentir seguro” (Héctor – Família Vieira).

Dessa forma, o uso da equipe também pode ser visto como um amenizador da rotatividade característica de um serviço-escola. Autores como Machado et al. (2012),apesar de não se referirem à equipe reflexiva em seus estudos, pontuaram a importância da preparação do cliente para a mudança de terapeuta, por meio de períodos de coterapia com o antigo e o novo psicólogo. Esse período é necessário para que tanto o cliente como o terapeuta se envolvam e se atualizem. É possível traçar um paralelo com os relatos dos participantes do presente estudo. O uso da equipe permite a sensação de continuidade do processo terapêutico. Mesmo que ocorram alterações, seja de coterapeutas ou de integrantes da equipe, sempre haverá aqueles que conhecem a história da família e com quem os familiares já desenvolveram um vínculo.

 

Considerações finais

O presente estudo teve por objetivo geral descrever, com base na fala de clientes, as contribuições e desafios do uso de equipe reflexiva em terapia familiar. As contribuições do uso da equipe, apontadas pelos participantes deste estudo, estão relacionadas à percepção de que a equipe proporciona múltiplos olhares e perspectivas sobre as questões trazidas para a terapia. A equipe parece oferecer não apenas novas percepções sobre as relações familiares, como também uma nova forma de perceber a si mesmo. Além disso, devido ao número e à diversidade de pessoas que geralmente compõem uma família, a equipe é percebida como uma forma de suporte para a comunicação dos familiares, justamente por ser também um grupo diversificado. Entre os desafios assinalados, destacam-se o impacto inicial do uso da equipe no atendimento e a rotatividade de seus integrantes. Nesse sentido, o uso da equipe reflexiva tanto torna mais visível a rotatividade característica de serviços-escola, como minimiza seus impactos. Nessa abordagem, o vínculo não se restringe àquele estabelecido entre clientes e terapeutas, englobando também os membros da equipe, que podem, preferencialmente, substituir os terapeutas quando estes se encontram impossibilitados de dar continuidade ao atendimento da família.

Esse estudo também discutiu a necessidade de flexibilidade no uso da equipe, diante da complexidade das questões que as famílias trazem à terapia. Apesar de a equipe reflexiva estar atrelada aos pressupostos pós-modernos, que defendem a colaboração e a ausência de hierarquia no relacionamento terapeutas-clientes, é necessário que seus integrantes e os coterapeutas se mostrem flexíveis para poderem se adequar às necessidades de cada família e ao estágio em que se encontram no processo terapêutico. Deve-se ser sensível às diferenças existentes entre as famílias e refletir que, por vezes, é preciso que a equipe adapte seu funcionamento, procedendo a intervenções psicoeducativas ou mais diretivas, podendo, até mesmo, flexibilizar a orientação de não se dirigir diretamente à família.

O método escolhido deve ser considerado. As limitações do presente estudo estão relacionadas ao fato de que os dados que embasaram este estudo foram obtidos exclusivamente a partir de entrevistas realizadas em um único encontro com cada participante. Acredita-se que o uso de diferentes fontes de dados – como prontuários e gravações em vídeo dos atendimentos – e o desenvolvimento de uma coleta de dados longitudinal poderiam oferecer um olhar mais complexo sobre o tema.

Compreende-se que a heterogeneidade de famílias participantes possa ter contribuído para a identificação de temas centrais ao uso de equipes reflexivas em serviços-escola brasileiros. Essa heterogeneidade também permitiu que se levantassem questões a serem aprofundadas em estudos posteriores, uma vez que os dados aqui apresentados sugerem que a relação desenvolvida com terapeutas e integrantes da equipe, o tempo transcorrido desde o início do processo e a vivência de estressores específicos, tais como o divórcio, podem contribuir para a forma como é vivenciada a experiência da equipe reflexiva. A compreensão sobre o tema também poderá ser beneficiada por pesquisas quantitativas e/ou que incluam as perspectivas de terapeutas e/ou integrantes da equipe reflexiva. Estudos que integrem teoria, prática e formação mostram-se necessários para o constante desenvolvimento da terapia familiar no Brasil.

 

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Endereço para correspondência
Amanda Guedes Bueno
E-mail: amanda.guedes.bueno@gmail.com

Enviado em: 21/01/2019
1ª revisão em: 29/06/2019
Aceito em: 22/11/2019

 

 

1 Artigo derivado da dissertação de mestrado da primeira autora, orientada pela segunda.
2 Psicóloga, mestra em Psicologia Clínica e Cultura pela Universidade de Brasília.
3 Psicóloga, mestra e doutora em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Terapeuta de Famílias e Casais pelo Domus – Centro de Terapia de Casal e Família. Professora do Departamento de Psicologia Clínica e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica e Cultura da Universidade de Brasília.
4 O modelo de equipe reflexiva aqui apresentado deriva-se do modelo utilizado pela Profa. Dra. Maria Aparecida Crepaldi no Serviço de Atenção Psicológica da Universidade Federal de Santa Catarina.

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