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Pensando familias

versão impressa ISSN 1679-494X

Pensando fam. vol.23 no.2 Porto Alegre jul./dez. 2019

 

ARTIGOS

 

O luto materno no desenvolvimento familiar: mães que perderam seus filhos em acidentes rodoviários

 

Maternal grief in family development: mothers who lost their children in road accidents

 

 

Antônia Fernanda Alves Araújo1 ; André de Carvalho-Barreto2, I

I Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, CE, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O presente estudo objetivou analisar a produção de significados de mães do Município de Banabuiú, Ceará, Brasil, as quais um filho ou filha faleceu em acidente rodoviário. Adotou-se o modelo multimetodológico, com estudo de casos múltiplos. Três mães que perderam filhos ou filhas em acidentes rodoviários participaram desta investigação. Três instrumentos foram aplicados: modelo de História de Vida, Diagrama da Escolta e questionário sociodemográfico. Os dados qualitativos foram analisados por análise de conteúdo e os quantitativos por análise descritiva. As categorias que emergiram foram: “Sentimento de perda”, “Transição do curso de vida com a morte do filho” e “Relação familiar e social”. Diante dos resultados obtidos, percebeu-se que as mães significam a perda de seus filhos como uma transição marcante no curso do seu desenvolvimento familiar. O apoio familiar e social emergiu como fundamental no processo de adequação à perda.

Palavras-chave: Luto, Parentalidade, Rede de apoio.


ABSTRACT

The present study aimed to analyze the production of meanings of mothers from the municipality of Banabuiú, Ceará, Brazil, in which a son or daughter died in a road accident. The multi-method approach with multiple case study was adopted. Three mothers who lost children or daughters in road accidents participated in this research. Three instruments were applied: Life history approach, The Convoy of Social Support, sociodemographic questionnaire. Qualitative data were analyzed through content analysis and the quantitative data by descriptive analysis. The categories that emerged were: “Feeling of loss”, “Life course transition with the death of son” and “Family and social relationship”. In light of the results, it was realized that mothers mean the loss of their children as a transition marked in the course of their family development. Family and support social emerged as fundamental in the process of adaptation to loss.

Keywords: Bereavement, Parenthood, Social support.


 

 

Introdução

A presente pesquisa objetivou analisar a produção de significados de mães do Município de Banabuiú, sertão central cearense, as quais um filho ou filha faleceu em acidente rodoviário. O desenvolvimento humano e familiar investiga aspectos da bidirecionalidade e de interdependência que ocorrem ao longo do curso de vida da pessoa e da família ao longo do tempo e entre gerações (Carvalho-Barreto, 2016; Dessen, 1997). Ao longo do desenvolvimento humano e familiar a morte faz parte do curso de vida de todas as pessoas e famílias. No desenvolvimento da família, ela ocorre na perda de algum membro da primeira, segunda ou terceira geração.

A rede de apoio social e afetiva no desenvolvimento famíliar para Bronfenbrener (2011) refere-se ao exossistema no qual o sistema familiar ou microssistema do qual a pessoa em desenvolvimento faz parte. A rede de apoio consiste nos relacionamentos originados por pessoas significativas que são recebidos e percebidos pelo desenvolvente, não sendo essas pessoas, necessariamente, sua família nuclear ou extensa, mas todas que fazem parte dos seus sistemas de relações interpessoais (Brito, Nascimento & Rosa, 2018, Brito & Koller, 1999).

O microssistema familiar é a primeira rede de apoio do infante por atender às suas necessidades vitais básicas (Alexandre & Vieira, 2004). Com o desenvolvimento da criança, gradualmente sua rede vai se alargando e incorporando novos sistemas. Os contatos que eram apenas restritos ao microssistema familiar passam a abranger os(as) amigos(as) da escola, da igreja, da rua, da família extensa e de outros sistemas significativos do seu meio ambiente imediato (Bronfenbrener, 2011).

Somado a isto, o conceito de apoio social abrange aspectos estruturais, funcionais e contextuais. Os aspectos estruturais envolvem o tamanho e a composição das redes sociais que oferecem apoio. Os aspectos funcionais referem-se às funções que o apoio exerce na vida do indivíduo que recebe e que fornece apoio social. Os aspectos contextuais referem-se à adequabilidade do apoio social à situação em que o indivíduo está vivendo (Rodrigues & Silva, 2013).

O apoio oferecido pela rede está diretamente relacionado ao aparecimento de sintomas psíquicos em pessoas que passaram por algum evento estressor. Este atua indiretamente na redução ou na eliminação das consequências negativas desse evento (e.g., como a morte inesperada de um filho ou filha), ou fornecendo a solução para o problema, ou facilitando comportamentos saudáveis à pessoa, ou reduzindo a importância do evento estressor (Sluzki, 1997).

A morte na perspectiva do desenvolvimento familiar é um evento próprio na construção da vida humana (Carvalho-Barreto, 2016). Todavia, a intepretação deste evento pelas pessoas ocorre de formas diferentes, dentro da subjetividade da pessoa e do sistema familiar (Carter & McGoldrick, 1995). Assim, este evento pode apresentar impacto positivo ou negativo para a pessoa e/ou para família dependendo de como a pessoa ou o sistema familiar o perceba e interprete; existindo, portanto, a necessidade da pessoa e da família ter a capacidade de os ressignificar e enfrentar (Walsh & McGoldrick, 1998).

Entre os fenômenos naturais do desenvolvimento humano e familiar, o sentimento de perda é também um dos fenômenos da existência humana, pois acomete todas as pessoas no decorrer da vida (Brito, Santos, Brito, & Coelho, 2018; Moura, 2006). A perda pode estar relacionada a um objeto, a uma pessoa ou a algo simbólico, como a perda da juventude. Em todas estas situações, a pessoa ou o grupo depara-se com a angústia da perda, muitas vezes, tendo dificuldades de aceitar a ausência daquilo que foi perdido.

Neste contexto, o luto é percebido como uma reação natural diante da perda de um ente querido. Este pode ser vivido tanto individualmente quanto no sistema familiar. Assim, uma perda pode influenciar o funcionamento e a dinâmica de uma família, uma vez que o sistema é alterado para sempre e seus membros são obrigados a se reorganizar (Walsh & McGoldrick, 1998). Somado a isto, a vivência do luto é vinculada ao tipo de relação que havia com o(a) falecido(a) e da forma como este(a) chegou ao óbito (Freitas & Michel, 2014). Assim, quanto mais a pessoa é importante para a família e quanto mais central é seu papel no seu funcionamento, maior poderá ser o sentimento de perda (Walsh & McGoldrick, 1998).

Estudos destacam que existem fatores que influenciam o impacto de uma morte, sua natureza e a duração de respostas da família (Walsh & McGoldrick, 1998). Há perdas que podem ser devastadoras e que podem complicar na adaptação da pessoa e sua família, como em caso de morte repentina ou inesperada (e.g., acidente rodoviário). Um dos fatores significativos da vivência do luto é a forma como a morte ocorreu (Moura, 2006). Walsh e McGoldrick (1998) asseveram ainda que ocorrendo falecimento inesperado, o sistema familiar, muitas vezes, tem tempo curto para poder se antecipar e se preparar para a perda, para lidar com assuntos inconclusos e/ou para haver a devida e adequada despedida da pessoa que faleceu.

Neste contexto, a morte inesperada (e.g., acidente em veículos) apresenta um fator complicador para o luto em relação a uma morte esperada (e.g., doença em fase terminal). A morte inesperada surge como elemento surpresa para a família. Isto é, a morte é algo que não se imagina, tornando impactante às pessoas que recebem a notícia, dificultando, algumas vezes, no processo de elaboração do luto. Em casos nos quais os enlutados perderam entes queridos em acidentes rodoviários, os familiares costumam querer ver o veículo que causou a morte, ir até o local do acidente e conversar com alguém que presenciou a fatalidade. Estas ações são uma busca do enlutado de se ter respostas e compreender como a morte ocorreu. Neste contexto, compreender a morte do ente querido é importante no processo de enlutamento para que diminua aspectos relacionados a ansiedade e sofrimento psiquico do enlutado (Moura, 2006).

Entre aqueles que perderam um filho ou filha em acidente de trânsito, as mães reagem pior do que os pais. A morte de filhos e/ou filhas jovens, solteiros, que ainda moravam com os pais, ou de jovens que morreram em acidentes automobilísticos quando estavam sozinhos no carro ou que tinham problemas de abuso de álcool ou problemas de relacionamento foram considerados preditores de problemas na elaboração do luto (Parkes, 1998).

Estudo de Walsh e McGoldrick (1998) destaca que a morte de um filho ou filha envolve a perda dos sonhos e das esperanças dos pais. Somado a isto, as autoras asseveram ainda que o falecimento do filho ou filha é considerada a perda mais trágica que alguém possa ter quando esta é inesperada. Isto ocoasiona um sofrimento nas expectativas geracionais da família. Para ilustrar este sofrimento, as autoras destacam o aforismo chinês que “o cabelo branco nunca deve ir depois do cabelo preto”. Neste contexto, o curso de vida acaba sendo experienciado como fora de ordem por o filho ou filha morrer antes dos pais. Um processo de transição do curso de vida é estabelecido (Bronfenbrenner, 2011).

Portanto, a experiência das mães com a morte do filho ou filha é um fenômeno causador de forte sofrimento, as quais muitas mães não se sentem preparadas para esse enfrentamento. Como resultado no desenvolvimento destas mães de filhos ou filhas mortos, elas podem desenvolver sentimentos de fortes angústias, impotência, tristeza, depressão, necessitando de maior apoio social e afetivo da família, amigos, vizinhos e, quando necessário, de profissionais de saúde.

Bowlby (2004) ilustra que os seres humanos tendem a estabelecer laços afetivos e explica a forte reação emocional quando estes laços são rompidos. Em um processo de luto, o estabelecimento dos laços afetivos são rompidos, a pessoa sofre um forte abalo emocional em relação à perda de um ente querido. Porquanto, o primeiro desses laços afetivos costuma ser estabelecido com a mãe e o filho/filha, sendo a perda de um filho ou filha de qualquer idade a forma de luto mais duradouro e ocasionador de maior sofrimento que alguém possa ter ao longo do seu curso de vida (Parkes, 1998).

Apesar dos estudos de Bowlby (2004) em sua teoria não ter investigado o luto de mães que perderam seus filhos e filhas, o autor afirma que é possível identificar semelhanças entre este tipo de perda com a morte inesperada de cônjuges. Este tipo de luto passa a ser dividido em quatro fases: (a) fase de entorpecimento; (b) fase de anseio e busca da figura perdida; (c) fase de desorganização e desespero; (d) fase de maior ou menor grau de reorganização.

Fase de entorpecimento. Geralmente dura de algumas horas a uma semana. Esta pode ser interrompida por explosões de aflição e/ou raiva extremamente intensas. Esta fase abrange reações que ocorrem imediatamente após o falecimento. Nesse momento, o enlutado, frequentemente, fica em choque e tem dificuldades em acreditar que a perda aconteceu. A reação da viúva após a morte do marido, por exemplo, muda de pessoa para pessoa e de período para período que ele ocorre. A viúva, na maioria das vezes, expressa sentimentos de choque e, a depender dos aspectos individuais e temporais, incapacidade de aceitar a notícia da perda do marido, como “eu simplesmente não podia acreditar”, “não podia aceitar”, “parecia um sonho”, “não parecia ser real”, entre outras falas são frequentes nesta situação (Bowlby, 2004).

Assim, a viúva, por exemplo, pode continuar seu curso de vida normalmente, quase automaticamente. Tensões e apreensões podem emergir ao longo do seu curso de vida a qualquer momento, expressada por explosões intensas. Ataques esmagadores de pânico, crises de raiva, súbita experiência de exaltação, entre outras atitudes podem emergir na viúva. Bowlby (2004) assevera que os amigos muitas vezes surgem como refúgio desta viúva durante estes comportamentos.

Fase de anseio e busca da figura perdida. Marcada pelo desejo de reaver o ente querido, trazê-lo de volta, esta fase dura alguns meses e por vezes anos. Este comportamento no desenvolvimento da pessoa pode começar a ocorrer algumas horas ou dias após a perda. Crises de desânimo intenso, espasmos de aflição e soluços lacrimosos ocorrem como formas de registrar a realidade da perda (Bowlby, 2004).

Além disso, comportamentos como inquietação, insônia, preocupação com as lembranças da pessoa falecida são entrelaçadas com sentimentos que esta pessoa ainda encontra-se presente. Somando a isto, a pessoa pode tender ainda a interpretar sinais ou sons como indícios de que a pessoa possa não ter morrido e que tudo foi um equivoco ou um pesadelo (Bowlby, 2004).

Outra característica desta segunda fase apresentada por Bowlby (2004) é o sentimento de raiva. Esta característica pode ocorrer especialmente durante a fase inicial do luto. Somado a isto, paralelamente a crença de que a pessoa morreu, com seus resultados de dor e desespero para o enlutado, existe a descrença por esta pessoa que a morte de fato tenha ocorrido. Assim, a pessoa vivencia sentimentos antagônicos de perda com a esperança de que tudo esteja bem e que a pessoa perdida possa ser recuperada ou nunca tenha morrido. Assim, a raiva, afirma Bowlby (2004), pode ser provada por estes sentimentos antagônicos e pelas frustrações ocorridas durante a busca sem resultados de reencontrar a pessoa morta.

“Nas pessoas enlutadas cujo luto tem um curso sadio a premência de buscar e recuperar, muitas vezes intensa nas primeiras semanas e meses, diminui gradualmente com o tempo, e a maneira como é experimentada varia muito de pessoa para pessoa” (Bowlby, 2004, p. 94). Muitos dos aspectos característicos das formas patológicas de luto podem ser compreendidos como resultantes da persistência ativa dessa premência, que tende a expressar-se de maneiras disfarçadas e distorcidas.

Fase de desorganização e desespero. Sentimentos de raivas, tristezas, desânimo, são encontrados nessa fase. Estas ocilações de sentimentos para Bowlby (2004) são essenciais para que o luto tenha um resultado favorável no resultado do curso do desenvolvimento humano da pessoa enlutada. Assim, a aceitação e reconhecimento da perda ocorrem gradualmente.

A pessoa vai refazer o curso do seu desenvolvimento sem a pessoa, conseguindo superar, dentro do possível, o abatimento causado pela perda. Além disso, a pessoa irá buscar de forma total ou parcialmente consciente estratégias para compreender como e por quê a perda ocorreu. Assim, a raiva em relação a qualquer pessoa (mesmo o próprio falecido) que possa ter sido para a pessoa enlutada responsável – direta ou indiretamente – pelo falecimento da pessoa importante vai reduzindo. Neste contexto, o enlutado compreende que seus antigos padrões tornaram-se redundante e precisam ser modificados (Bowlby, 2004).

Assim, é inevitável que a pessoa enlutada sinta-se, em certos momentos, desesperada, e consequentemente torne-se deprimida. No entanto, se tudo correr bem, essa fase se alterna com uma fase em que a pessoa começa a avaliar a nova situação em que se encontra e a examinar maneiras de enfrentá-la (Bowlby, 2004).

Fase de maior ou menor grau de reorganização. O enlutado aceita que a perda é permanente e pode reconhecer alguns de seus padrões de pensamentos e comportamentos como inadequados. Esta fase dura, aproximadamente, um ano. Percebe, por exemplo, que os barulhos que ouve não foram feitos pelo falecido e não significa que ele está voltando. Este é um momento, além de doloroso, essencial, pois é quando o indivíduo desiste da expectativa de reaver o morto, estabelecendo uma nova situação de vida.

Portanto, a partir das quatro fases da Teoria do Apego de Bowlby (2004), o entorpecimento, que caracteriza a primeira fase do processo do luto, dá lugar a uma saudade e procura pelo outro, e na sequência surge uma desorganização e desespero, sendo que após passar por esses momentos que causam sofrimento é possível alcançar um processo de recuperação diante da perda, ou seja, a fase de reorganização. Vale ressaltar, de acordo com Bowlby (2004), que essas fases do luto não são bem delineadas e qualquer pessoa pode oscilar, durante algum tempo, entre elas.

 

Método

Delineamento

Optou-se nesta pesquisa pelo modelo multimetodológico. O delineamento de Estudo de Casos Múltiplos é ideal quando a pesquisadora objetiva entender fenômenos sociais complexos, investigando os acontecimentos na vida real. O número de três estudos de caso é proposto para que os resultados da pesquisa possam convergir dando suporte à replicabilidade e generalização dos resultados (Laville & Dionne, 1999; Yin, 2001).

Procedimentos e participantes

O Comitê de Ética em Pesquisa do Centro Universitário Católica de Quixadá aprovou esta pesquisa com o número de parecer 2.121.352 em acordo com as normas éticas na condução de pesquisas com seres humanos regulamentadas pelas diretrizes da resolução de numero 466 de 2012 do Conselho Nacional de Saúde (CNS), que preserva a segurança e a privacidade dos participantes da pesquisa.

A coleta de dados ocorreu com o método de Snow Boll (Hunderson, 1994). A pesquisadora buscou em sua comunidade e ciclos de contatos a indicação de três mães que tivessem perdido um filho ou filha por acidente rodoviário, pelo menos, há cinco anos. O primeiro contato com as participantes foi feito pessoalmente, os objetivos da pesquisa foram apresentados, e posteriormente foi assinado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, acordando datas e horários favoráveis às mães que aceitaram a participação nesta pesquisa.

Participaram desta pesquisa, três mães da cidade de Banabuiú, sertão central cearense, às quais um filho ou filha faleceu em acidente rodoviário. As entrevistadas foram identificadas neste estudo como Mãe 1, Mãe 2 e Mãe 3, afim de manter sigilo ético na pesquisa. A Mãe 1, faz 14 anos que perdeu seu filho que tinha 16 anos de idade; a Mãe 2, faz 13 anos que perdeu sua filha que tinha 21 anos; e a Mãe 3, faz oito anos que perdeu seu filho que tinha 23 anos de idade.

No ano de 2003, ocorreu um acidente automobilístico envolvendo transportes populares em Banauiu/CE que ocasionou repercursão na região do sertão central cearense. Algumas das mães que perderam seus parentes neste evento ficaram conhecidas na cidade. Assim, teve-se a indicação por populares da Mãe 1. A história do falecimento da filha da Mãe 2 ocorreu quando ela viajava em um carro que se chocou em um trêm. O filho da terceira Mãe faleceu quando ele, ao sair do trabalho em sua moto, colidiu com um caminhão que estava saindo de ré do estacionamento. O motorista não o viu.

No primeiro contato com as Mães, elas se mostraram receptivas e dispostas a serem entrevistadas. As três primeiras Mães convidadas aceitaram imediatamente, sem apresentar nenhuma dificuldade em participar desta pesquisa. A Mãe 1 optou por ser entrevistada na residência da cunhada e as outras nas próprias residências. Todas as entrevistas ocorreram em local reservado para preservar o sigilo das informações. A três mães eram separadas. Durante o período desta pesquisa, duas moravam com os netos e uma morava com a mãe, irmãs, filha e neto. As três trabalhavam e ganham até um salário mínimo. Elas têm de quatro a seis filhos.

Instrumentos

Três instrumentos foram aplicados nesta investigação. O primeiro foi a realização da entrevista aberta seguindo o modelo de História de vida (Bertaux, 1981). Neste momento a pesquisadora deixou as participantes contarem suas histórias de vida da forma que desejassem. A entrevista aberta, no contexto da História de vida, possibilitou um excelente material para análise da lógica do discurso e da construção de enunciação, tendo acesso a uma história biográfica que possibilitou conhecer as participantes de forma holística (Bertaux, 1981). Após a realização da entrevista aberta, o segundo instrumento foi a aplicação de um questionário sociodemográfico para obter informações sobre etnia, renda familiar, dentre outros aspectos das participantes. O terceiro procedimento foi a aplicação do Diagrama da Escolta. No Diagrama da Escolta, os aspectos estruturais e funcionais são avaliados fornecendo dados capazes de descrever de modo integrado as redes sociais (Paula-Couto, Koller, Novo & Sanchez-Soares, 2008).

O Diagrama da Escolta foi desenvolvido com o intuito de avaliar a rede de apoio social e afetiva, sendo adaptado nesta investigação para identificar o apoio percebido pelas Mães participantes antes e depois dos acidentes que causaram a morte de seus filhos, tentando compreender a sua estrutura e funcionalidade, afim de perceber se houve mudanças nessa rede. A pertença de um indivíduo na rede de apoio social está condicionada ao quão importante, em termos afetivos e de apoio social, ele ou ela é (Paula-Couto, Koller, Novo & Sanchez-Soares, 2008).

Assim, o Diagrama da Escolta foi aplicado duas vezes. A primeira vez teve sua aplicação voltada ao passado das participantes. Pediu-se às participantes que pensassem nas pessoas que eram importantes para elas antes do acidente que ocasionou a morte de seus filhos. Foi solicitado que pensassem “naquelas pessoas de quem você se sentia tão próxima que seria difícil imaginar a vida sem elas”. Estas pessoas foram posicionadas no círculo mais interno do diagrama. Posteriormente solicitou-se: “aquelas pessoas de quem você não se sentia tão próxima, mas que ainda assim eram muito importantes para você”, estas foram posicionadas no diagrama intermediário. Por fim, foi solicitado que pensassem “naquelas pessoas que você ainda não mencionou, mas de quem você se sentia próxima e que acreditava que eram importantes o suficiente de modo que deveriam ser colocadas na sua rede”. Estas pessoas foram posicionadas no circulo mais distante.

Este procedimento foi repetido em um segundo momento. Esta outra aplicação, todavia, era voltado ao presente, o aqui e agora, ou seja, após o falecimento dos filhos. Os verbos das perguntas foram substituídos para o presente. Após o posicionamento das pessoas no Diagrama do Diagrama da Escolta, a pesquisadora explorou aspectos da estrutura da rede (e.g., características sóciodemográficas das pessoas mencionada, tipo de relacionamento com a participante, frequência de contato com estas pessoas antes e depois do acidente, etc.) e da funcionalidade da rede (e.g., confidenciava coisas importantes, era respeitada, era cuidada em situação de doença a pessoa indicada, etc.) de cada pessoa mencionada no Diagrama pelas participantes.

 

Análise dos dados

O método utilizado para a análise das entrevistas da História de vida (Bertaux, 1981) foi a análise de conteúdo (Bardin, 2006), que objetivou uma leitura atenta, indo além dos significados imediatos, buscando inferência de novas informações sobre o tema estudado. As entrevistas foram gravadas por aparelho digital e transcritas para que se pudesse realizar a análise.  As categorias surgidas através da análise foram: (a) “Sentimento de perda”; (b) “Transição do curso de vida com a morte do filho”; e (c) “Relação familiar e social”.

As respostas do questionário sóciodemográfico foram analisadas por uma análise descritiva, afim de caracterizar o perfil sóciodemográfico das mães participantes. Os resultados do Diagrama da Escolta (Paula-Couto, Koller, Novo & Sanchez-Soares, 2008) consideram a estrutura e funcionalidade da rede de apoio das Mães, antes e depois da perda do filho. Análise descritiva também foi realizada com os resultados das duas aplicações (i.e., passado e presente) e comparadas.

 

Resultados e discussão

Resultado e discussão sobre o diagrama da escolta

Estrutura da rede de apoio das Mães

As pessoas citadas nas redes das três Mães participantes no passado e no presente foram cônjuge, filhos, netos, irmãos, sobrinhos, genros e noras, madrinha, amigos, “compadres” e “comadres” (i.e., padinho e madrinha de um filho ou filha). Na aplicação voltada ao passado, as pessoas mencionadas na rede de apoio da Mãe 1 foram: mãe, um irmão, duas filhas, o filho falecido, sogra, marido; da Mãe 2 foram: os quatro filhos, três amigos, os cinco irmãos, dois sobrinhos; da Mãe 3 foram: os seis filhos, duas amigas, uma nora.

Já na aplicação voltada ao presente, as pessoas mencionadas na rede de apoio da Mãe 1 foram: mãe, os seis filhos, os cinco netos, uma amiga, madrinha; da Mãe 2 foram: os três filhos, os sete netos, uma nora, um genro, uma comadre, dois compadres, sete amigos; da Mãe 3 foram: os cinco filhos, os onze netos, uma nora, uma comadre, duas amigas.

Avaliando a estrutura da rede das três Mães participantes desta pesquisa, com as duas aplicações do instrumento, voltado ao passado (quando os filhos falecidos eram vivos) e ao presente (com os filhos mortos), pôde ser identificado um aumento de pessoas em suas redes após o falecimento dos filhos. Na aplicação voltada ao presente, a rede de apoio de duas Mães duplicou e autra teve também um aumento expressivo diferenciando da aplicação voltada ao passado. A Mãe 1 aumentou em sete pessoas para 14, a Mãe 2 de 14 para 22 pessoas e a Mãe 3 passou de sete pessoas para 20 pessoas.

Isto é, a perda do filho parece ter gerado nas mães uma ampliação de sua rede de apoio social e afetiva. O luto vivido pelas Mães ocasionou aproximação de pessoas para darem apoio e das mães de buscarem apoio. Um dos resultados que chama atenção na comparação das redes é a ausência dos esposos/pai do filho falecido nas redes de apoio no passado e presente. Apenas uma Mãe mencionou o esposo/pai do filho falecido no passado, mas não o menciona no presente.

Funcionalidade da rede de apoio das mães

As características funcionais da rede de apoio no Diagrama da Escolta são avaliadas a partir de seis tipos de relação de suporte providos e recebidos pela pessoa em foco. Essas relações são: confidenciar coisas que são importantes; ser tranquilizado e estimulado em momentos de incerteza; ser respeitado; ser cuidado em situação de doença; conversar quando está triste, nervoso ou deprimido; e conversar sobre a própria saúde (Paula-Couto, Koller, Novo & Sanchez-Soares, 2008).

Avaliando a funcionalidade das redes de apoio das Mães, as três afirmam que receberam apoio em todos os itens das relações e recebem até o período desta pesquisa. A partir das falas das Mães ao longo da aplicação do Diagrama da Escolta no passado e no presente, que todas receberam e recebem um grande apoio das pessoas citadas, e que além disso, também oferecem apoio quando alguém necessita.

No momento tranquilizei ela agora, que ela perdeu o pai dela faz pouco tempo, aí conversei com ela do mesmo jeito que ela conversou no tempo que eu perdi meu filho [sic] (Mãe 1).

São pessoas que se envolveu muito na minha vida, na minha maior dificuldade em termo de, vamos dizer assim, de angústia. São pessoas que me faz feliz, que me faz bem, e que só faz coisa pra me proteger [sic] (Mãe 2).

Sempre contei com ela pra tudo, pro que der e vier (...) Sempre me apoiou em tudo que pode (...) Ajudo ele no que eu posso, e ele me ajuda também [sic] (Mãe 3).

Neste contexto, o apoio social e afetivo está relacionado à percepção que o indivíduo tem de seu mundo social, como se orienta nele, suas estratégias e competências para estabelecer vínculos, e com os recursos que esse lhe oferecem, como proteção e força, frente a situações de riscos que se apresentam (Brito & Koller, 1999).

Assim, ao avaliar a funcionalidade da rede de apoio das três Mães, com a aplicação do instrumento voltado ao presente, ficou perceptível que as mesmas procuraram e tiveram ajuda das pessoas mencionadas em suas redes diante a situação da morte de seus filhos, e de certa forma, essas pessoas lhe ajudaram no enfrentamento e numa possível adaptação da perda. Percebeu-se que não houve ausência de apoio social e afetivo para as Mães, tanto no passado quanto no presente.

A rede de apoio social e afetiva é definida como conjunto de sistemas e de pessoas significativas que compõem as ligações de relacionamentos recebidos e percebidos pelo indivíduo, consiste em relacionamentos gerados por pessoas significativas, não sendo as pessoas, necessariamente, sua família nuclear ou extensa, mas todas as pessoas que fazem parte dos sistemas de relações do indivíduo. Os autores também afirmam que, a existência de vínculos, de relações, e o desempenho de diferentes papéis permitem que o indivíduo se desenvolva emocional e socialmente e obtenha mais recursos para sua satisfação e saúde mental (Brito & Koller, 1999).

Resultado e discussão da análise da história de vida

Relação familiar e social

As três Mães ao longo das entrevistas relataram mudanças com outros filhos após o acidente. De acordo com Walsh e McGoldrick (1998), a comunicação entre a família é vital no curso do processo de perda. A partir das falas das mães ficou evidenciado que todas aproximaram-se mais dos filhos e com um maior sentimento afetivo.

Fiquei mais apegada com eles (filhos), por medo também né? De passar novamente por tudo que eu já passei. Fiquei mais ainda apegada com todos, porque na vida a gente não pode pensar só coisas boas né? Então, a minha melhor coisa que eu tenho, e a minha riqueza, são meus filhos. E eu amo eles todos [sic] (Mãe 1).

Walsh e McGoldrick (1998) asseveram ainda que o processo de recuperação familiar diante da morte de um membro da família é envolvido num realinhamento das relações do sistema familiar. Neste contexto, ocorre a redistribuição dos papeis necessários para compensar a perda e prosseguir com a vida familiar. As autoras também ressaltam que os padrões de organização e comunicação, e os sistemas de crenças familiares estão entre as variáveis mediadoras mais cruciais para uma adaptação à perda.

Para as três Mães,associar a perda de um filho em sua história de vida, dar sentido e encontrar novos significados a esse acontecimento, não se tornou algo fácil na maioria das vezes. A importância dos outros membros da família no que diz respeito ao apoio no processo de adaptação e enfrentamento diante a perda pode ser ilustrada no relato da Mãe 2:

Até hoje eu não tive problema nenhum com meus filhos e nem com meus netos, e espero que o Senhor conserve sempre assim, né? Porque é difícil você perder um filho, sabe? Mas a gente tem que conviver, a dor é grande, a cicatriz demora né? Mas só em você ter amor a eles pra mim é tudo sabe [sic] (Mãe 2).

Foi notório nas falas das Mães a importância também das relações sociais. No contexto do processo de enlutamento, foi comum o aparecimento de pessoas que tentaram dar apoio. Como pode ser identificado nas falas a seguir:

Tinha amigas que conversava comigo no tempo que perdi meu filho, tentando ajudar né? [sic] (Mãe 1).

Porque quando você tá fora é muito bom você consolar ou dar a palavra amiga, sempre é bom não resta dúvida, mas ninguém nunca sabe o que você passa né? [sic] (Mãe 2).

De acordo com Cassol e De Antoni (2006), a presença da rede de apoio social e afetiva é importante para a pessoa em desenvolvimento, principalmente em situações de estresse e desafios existentes, como é o caso das Mães da presente pesquisa. Desta forma, a rede de apoio social e afetiva de Mães que perderam seus filhos pode ser percebida como uma função primordial que contribui para que as Mães sintam-se acolhidas e apoiadas, diminuindo o sentimento de dor e contribuindo no processo de enfrentamento e adaptação diante a perda. Neste contexto, o próximo resultado a ser apresentado e discutido será as redes de apoio social e afetiva destas Mães.

Sentimento de perda

Diante do que foi dito nas entrevistas da história de vida das participantes, foi possível identificar nas três entrevistadas significados de perda relacionados a sentimentos. O sentimento e o sofrimento pela vivência da perda dos filhos são revividos a cada lembrança durante as falas. Para elas, foi doloroso relembrar que perderam um filho, o que ocasionou ao longo das entrevistas sentimentos repletos de dor.

Perdi meu filho com, foi 2003. Foi triste demais, armaria nam, gosto nem de imaginar, horrível [sic](Mãe 1).

Porque naquela noite que eu recebi aquela notícia, acabou! A minha vida pra mim tinha acabado naquele dia [sic] (Mãe 2).

Perder um filho é uma coisa. Você perde pai, perde mãe, perde avó, perde um irmão, mas nada no mundo se compara com a perca de um filho, nada, nada mesmo [sic] (Mãe 3).

De acordo com Moura (2006), a morte vem constituir a mais difícil das perdas. A morte remete ao sentimento de impossibilidade de reverter a perda. Isto é, reaver o ente querido. Esta realidade exige do enlutado experienciar uma dor quase insuportável.

Antigamente eu ia pra o velório e via aquelas mães dizer e gritar que era uma dor, uma dor. Eu sempre ficava perguntando a mim mesmo, mas que dor? Sabe, eu via aquilo alí, que dor é essa? Mas que dor é essa? Então você só sabe qual é o tamanho da dor quando você perde [sic] (Mãe 2).

É uma dor que você nunca se esquece. É aquela dor que nunca passa. Aquela dor que só dói, corrói o peito. Quanto mais dia você passa, mais a saudade aumenta [sic] (Mãe 3).

O sentimento de perda é essencial no processo de luto. As pessoas que vivenciam o luto sofrem, tendem a se isolar, choram, entre outros comportamentos. Isto é percebido como algo natural no processo de enlutamento. Assim, o enlutado experimenta um conjunto de respostas fisiológicas, psicológicas, sociais e comportamentais frente à perda (Moura, 2006).

Porque muitas e muitas noites eu acordava pensando que minha filha vinha bater naquele portão. Eu achava que ela chegava e eu tinha que abrir (...) Tinha uma canção que quando eu ouvia aí eu corria pra foto dela. Eu cantava a canção todinha olhando pra ela e achando graça sabe? É uma canção que fala em telefone, é tipo assim: liga pra mim pra ouvir pelo menos a sua voz, a canção fala nisso. Aí sempre eu corria e cantava, como eu tivesse pedindo a ela [sic] (Mãe 2).

Transição de vida com a morte do filho

Durante as entevistas com as participantes, foi relatada por todas uma boa relação com os filhos falecidos. A partir dos relatos das Mães, percebeu-se o inalterável estado de ligação do vínculo estabelecido com seus filhos falecidos.

A gente se dava muito bem, e ele era um filho muito querido e muito amado, e continua sendo, do mesmo jeito [sic] (Mãe 3).

Um dos aspectos que mais influenciam o processo do luto pessoal é a proximidade da relação e natureza dos sentimentos que existiam entre o falecido e o enlutado (Moura, 2006). Somado a isto, de acordo com Bowlby (2004), na fase de anseio e busca da figura perdida que caracteriza-se em sentimentos de uma presença concreta e uma tendência em interpretar sinais ou sons como um indício da presença do falecido.

Eu sinto muita falta dela, porque geralmente, muitas vezes, eu tava sentada aqui costurando, eu sentia sabe? Aquele assopro, que era a maneira que ela, quando ela acordava de manhã. Eu sentada costurando, ela chegava e dava aquele assopro no meu ouvido sabe? Aí quer dizer, quer dizer que é ruim né? Porque você sabe que não ta mais alí, mas você sente a presença [sic](Mãe 2).

Parkes (1998, p. 93) assevera que “para as pessoas enlutadas, o tempo foge ao relógio”. Este aspecto destaca o momento de transição no curso de vida que as elutadas passaram (Bronfenbrenner, 2011). Isto ficou perceptível durante as entrevistas com as mães que após anos depois do acidente, os sentimentos se mostram presentes quando falam que “parece que foi ontem” [sic], como relata a Mãe 2: “vai fazer quatorze anos agora no dia 2 de dezembro, mas pra mim foi ontem” . Além disso, as três Mães, nas entrevistas, demonstram tristeza e se emocionam ao falar dos filhos. Isto pode ser identificado, por exemplo, na fala da Mãe 2: “Eu saber que nunca mais vou ver, que nunca mais vou dar um abraço ou, que nunca mais vou falar” [sic].

Em relação ao aqui e agora, a saudade e a dor da perda foi presente. Todas expressaram o mesmo sentido que a perda “é uma dor que nunca passa”. Contudo, indicando aspectos de transição do curso de vida, elas tentaram e continuam se reorganizar em suas vidas (Carvalho-Barreto, 2016). Neste processo de transição, o enfrentamento e a adaptação da situação de perda, algumas vezes relacionadas a espiritualidade como na crença em Deus foi identificado.

Hoje tá todo mundo na suas casas e eu tô aqui. Continuo trabalhando firme e forte através de remédio e com a força de Deus, que Ele é o maior de todos  né? Ele pode tudo. Então com a graça Dele que eu ainda continuo de pé [sic] (Mãe 3).

Nos estudos de Bowlby (2004) sobre as fases do luto, é destacada a fase de maior ou menor grau de reorganização. Esta fase foi identificada como aspecto da transição do curso de vida das mães. Este é um momento, além de doloroso, essencial, pois é quando o enlutado desiste da expectativa de reaver o morto, estabelecendo uma nova situação de vida. “Uma vez vencida essa etapa, a pessoa enlutada reconhece que é necessária uma tentativa para adotar papeis aos quais não está habituada e adquirir habilidades novas” (Bowlby, 2004, p. 102).

 

Considerações finais

Esta pesquisa surge como a primeira realizada no contexto do sertão central cearense e uma das poucas realizadas pela Psicologia brasileira. Isto torna seus resultados exploratórios, indicando a necessidade de investigações com um número maior de participantes e ainda incluindo mães de locais diferentes do Brasil para identificar possíveis diferenças regionais no processo de luto.

Assim, pode-se considerar que os estudos e discussões sobre a questão do luto e morte vem tendo uma trajetória de avanços; porém, é um estudo de grandes desafios, particularmente quando se investiga mães que perderam seus filhos de forma inesperada (acidente rodoviário) e analisar seu desevolvimento familiar diante a vivência da perda.

O Diagrama da Escolta adaptado para esta pesquisa mostrou-se um instrumento de fácil aplicação e útil para avaliar a rede de apoio social e afetiva das Mães no passado e presente. Visto que a rede de apoio vem sendo identificada como um fator de proteção a indivíduos em situações que causam sofrimentos. Assim, a adaptação do Diagrama da Escolta para Mães constitui-se em uma contribuição metodológica importante para ampliação de pesquisas ao apoio social e afetivo de Mães diante a perda de um filho e filha.

Pôde-se considerar ainda, durante as entrevistas, que as mães significam a perda de seus filhos como algo difícil e que a dor da perda é grande e inesquecível. A rede de apoio familiar e social foi importante no processo de adaptação da perda. Notou-se que as mães entrevistadas conseguiram se reorganizar devido a este apoio, mas as lembranças dos filhos são presentes e a dor da perda é inacabável.

Investigar os significados de mães que perderam seus filhos em acidentes rodoviários no desenvolvimento humano e familiar colabora para uma maior compreensão do sentimento de perda. Assim, espera-se que esta investigação possa auxiliar para intervenções profissionais, propiciando para um processo de superação da dor na expressão dos seus sentimentos e uma ressignificação em suas vidas.

 

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Endereço para correspondência
Antônia Fernanda Alves Araújo
E-mail: fernandaapsicologa@gmail.com

André de Carvalho-Barreto
E-mail: andrecarvalhobarreto@yahoo.com.br

Enviado em: 30/11/2018
1ª revisão em: 06/04/2019
Aceito em: 21/07/2019

 

 

1 Psicóloga graduada pelo Centro Universitário Católica de Quixadá, Quixadá, CE, Brasil. Centro Universitário Católica de Quixadá, Quixadá, CE, Brasil.
2 Psicólogo, Filósofo, Mestre em Psicologia, Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública da Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, CE, Brasil. Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, CE, Brasil.

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