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Pensando familias

versão impressa ISSN 1679-494X

Pensando fam. vol.23 no.2 Porto Alegre jul./dez. 2019

 

ARTIGOS

 

“Desconhecido perigoso”: a relação entre o adolescente ofensor sexual e sua mãe

 

“Dangerous uknown”: the relationship between the adolescent sexual offender and his mother

 

 

Matheus De Costa Farage Fonseca1, I ; Liana Fortunato Costa2, II

I Secretaria de Políticas para Crianças, Adolescentes e Juventude – DF. Brasília, DF
II Universidade de Brasília, Brasília, DF - Campus Universitário Darcy Ribeiro, ICC Sul

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este texto tem objetivo descritivo e exploratório sobre a relação entre o adolescente ofensor sexual e sua mãe, visto que o funcionamento familiar tem grande importância no comportamento ofensivo e deve ser foco de avaliação e intervenção. A partir do referencial teórico sistêmico, foi realizado um estudo de caso qualitativo por meio de análise documental, tendo como base os registros e materiais produzidos em um atendimento terapêutico familiar. Foram observadas dinâmicas familiares transgeracionais, vinculação afetiva distante e de rejeição entre a mãe e filho, inexistência da figura paterna, experiências traumáticas vividas pelo adolescente e uma estrutura familiar rígida e desmembrada. Os resultados apresentaram relação com a produção científica e corroboram a necessidade de intervenção tanto com o adolescente que comete abuso sexual, como com sua família.

Palavras-chave: Adolescente ofensor sexual, Estudo de caso, Relação familiar.


ABSTRACT

This text has a descriptive and exploratory objective on the relationship between the adolescent sexual offender and his mother, since the familiar functioning is very important in the offensive behavior and should be focus of evaluation and intervention. From the systemic theoretical framework, a qualitative case study was carried out based on the records and materials produced in a family therapy service. Transgenerational family dynamics, distant affective attachment and rejection between mother and child, lack of paternal figure, traumatic experiences experienced by the adolescent and a rigid and dismembered family structure were observed. The results show the relationship with the scientific production and corroborate the need for intervention both with the adolescent who commits sexual abuse, and with his family.

Keywords: Adolescent sexual offender, Case study, Family relationship.


 

 

Introdução

A produção nacional sobre o autor de violência sexual, adolescente ou adulto, é escassa (Costa, Costa, & Conceição, 2014), o que impacta na efetivação da proteção integral de crianças e adolescentes (Brasil, 1990), e no circuito protetivo das vítimas de violência sexual (Secretaria de Direitos Humanos, 2013). Assim, esse texto tem objetivo de contribuir na descrição e análise da dinâmica familiar de adolescentes que cometem abuso sexual, área central na compreensão do fenômeno da violência sexual e na intervenção com esses adolescentes (Worling & Langton, 2017).

A adolescência é um período complexo do ciclo de vida marcado por mudanças biopsicossociais (Andolfi & Mascellani, 2012). É entendida, inclusive legalmente, como uma fase peculiar do desenvolvimento, devendo receber atenção diferenciada e específica (Brasil, 1990). Entende-se que há três tarefas principais na adolescência: formar e solidificar a identidade a partir da individualização; estabelecer a própria autonomia com a individuação; e passar pelas mudanças biológicas e sociais, sendo que a família está envolvida em todos estes aspectos (Silva, Melo, & Mota, 2016).

O período da adolescência é conhecido como um tempo de experimentações e descobertas (Carreteiro, 2010). Para apropriar-se de um novo eu, um novo corpo em construção e de capacidades cada vez maiores, o adolescente experimenta novos papéis sociais, a relação com o próprio corpo muda e surgem outras formas de intimidade (Ponciano & Féres-Carneiro, 2014; Carreteiro, 2010).

Para a família lidar com esta fase, é preciso que haja flexibilidade. As regras que funcionavam na infância já não se adequam na adolescência, exigindo readaptações da dinâmica familiar (Patias, Gabriel, & Dias, 2013). Normalmente os pais sentem dificuldade neste período, pois precisam modular a autoridade para encorajar a independência (Ponciano & Féres-Carneiro, 2014; Reichert, 2011). Porém, deve-se entender a adolescência inserida em um contexto social, histórico e econômico. Viver a adolescência é diferente em cada etnia, cultura, faixa social e momento histórico (Ponciano & Féres-Carneiro, 2014; Ozella & Aguiar, 2008). Por isso se pode utilizar o termo “adolescências”, pois são múltiplas as formas de vivenciar esse período (Carreteiro, 2010).

Ofensa sexual contra crianças e adolescentes pode ser definida como qualquer interação de uma criança ou adolescente com alguém em estágio mais avançado do desenvolvimento, com o objetivo de estimulação sexual do perpetrador. A interação sexual pode incluir toques, sexo oral ou relações com penetração (digital, genital ou anal). Também é considerado abuso sexual situações sem contato físico, tais como assédio, exposição à pornografia e exibicionismo. Estas interações sexuais são impostas pela violência física, ameaças ou indução de vontade (Habigzang et al., 2008). Destaca-se que os termos “abuso sexual” e “ofensa sexual” são análogos e serão utilizados neste trabalho com o mesmo sentido.

As estatísticas de violência sexual não espelham a realidade do que acontece no país devido a sua subnotificação (Pincolini & Hutz, 2014; Said, 2017; Soares et al., 2016). Segundo dados do Disque 100, apenas no ano de 2017, mais de 22% das denúncias de violação de direitos de crianças e adolescentes recebidas pelo serviço eram relativas à violência sexual no Brasil, o que corresponde a 9.138 denúncias, sendo 81% dos casos por abuso sexual (Ministério dos Direitos Humanos, 2017).

Porém, a quantidade de ofensas cometidas por adolescentes não é um dado preciso, sobre o qual pesquisas apontam que um terço das ofensas sexuais contra crianças são praticadas por eles (Costa, Junqueira, Meneses, Stroher, & Moura, 2012; Pincolini & Hutz, 2014). Em pesquisa com as fichas de notificação sobre a violência sexual praticada contra meninos no Distrito Federal, Said (2017) estimou que 55% da amostra de violência sexual analisada tenha sido praticada por adolescentes. Porém, é um dado estimado porque na ficha de notificação estudada não havia o campo “idade” no preenchimento do autor da violência.

Em pesquisa realizada no município de Teresina – PI com os prontuários do Serviço de Assistência à Mulher Vítima de Violência Sexual (Soares et al., 2016), encontrou-se 3.353 casos de abuso sexual entre os anos de 2004 a 2014. Nesta pesquisa, 16,3% dos agressores tinham entre nove e 21 anos e a média de idade das vítimas era de 11 anos. Em Porto Alegre – RS, uma pesquisa com processos judiciais entre 2003 e 2007 encontrou 57 processos de abusos sexuais cometidos por adolescentes, o que correspondeu a 25% da amostra (Pincolini & Hutz, 2014).

Os adolescentes ofensores sexuais formam um grupo heterogêneo, o que inclui indivíduos com diferentes características (Grant et al., 2009; Worling & Langton, 2017; Veneziano & Veneziano, 2002; Thibaut et al., 2016). Por ser um fenômeno complexo e multideterminado, há diversas motivações e arranjos para que o adolescente engaje no comportamento ofensivo e na dinâmica da violência. Tal heterogeneidade possibilita diversas classificações, sendo cada classificação composta por um perfil diferente de autor. Exemplos de classificação incluem: ofensores sexuais intrafamiliares e extrafamiliares (Costa & Costa, 2014; Veneziano & Veneziano, 2002); as diferenças de idade entre vítima e agressor (mais novos que o agressor, idade igual ou mais velhos que agressor) (Benedicto, Roncero, & González, 2017); os que cometem somente ofensas sexuais (sex only) e os que cometem violências de diferentes tipos (sex plus) (Seto, 2009); e a divisão entre antissocial, ansioso e narcísico (Grant et al., 2009).

No Brasil, a responsabilização do adolescente que comete uma ofensa sexual, ou qualquer tipo de ato infracional (ato considerado crime pela lei), é feita por meio das medidas socioeducativas (MSE). Há dois tipos de MSE, aquelas sem restrição de liberdade (advertência, obrigação de reparo ao dano e Liberdade Assistida) e aquelas com restrição parcial ou total da liberdade (semiliberdade e internação em ambiente educacional) (Brasil, 1990, 2012). Durante o cumprimento de sua MSE, o adolescente é acompanhado por uma equipe técnica de referência composta por psicólogos, assistentes sociais e pedagogos. Esta equipe é responsável por intervenções, encaminhamentos e/ou inserção do jovem em programas ou instituições que promovam a sua ressocialização (Brasil 1990, 2012).

É consenso na literatura que o adolescente que comete ofensa sexual deve passar por uma intervenção e tratamento personalizado e adequado às suas características (Worling & Langton, 2017; Marshall et al., 2005). Para isso é necessário que haja uma avaliação abrangente e embasada nos principais fatores de risco e de proteção. Dentre os fatores que devem ser avaliados podem-se citar os interesses, atitudes e experiências sexuais, as habilidades psicossociais e as experiências traumáticas do desenvolvimento. Outro fator que deve ser avaliado é o funcionamento familiar do adolescente. A dinâmica familiar tem grande importância no comportamento ofensivo e segundo a literatura deve ser foco de avaliação e intervenção (Coll, Juhnke, Thobro, Haas, & Robinson, 2008; Costa & Costa, 2014; Grant et al., 2009; Worling & Langton, 2017; Zankman & Bonomo, 2004).

As famílias dos adolescentes que cometem ofensa sexual apresentam algumas peculiaridades próprias. As pesquisas internacionais afirmam que essas famílias apresentam maiores distúrbios e disfunções, violência e exposição à violência, abusos sexuais, físicos e emocionais, negligência, rejeição parental, e transgeracionalidade dos abusos (DeLisi, Kosloski, Vaughn, Caudill, & Trulson, 2014; Fix, Fix, Totura, & Burkhart, 2016; Grant et al., 2009; McCuish, Cale, & Corrado, 2017; Seto, Babchishin, Pullman, & McPhail, 2015; Thibaut et al., 2016; Zankman & Bonomo, 2004). Em concordância, as pesquisas brasileiras têm encontrado famílias chefiadas pelas mães, com interações escassas e vinculações pobres, com práticas parentais violentas e dinâmicas de interação rígidas e conflituosas (Costa, Junqueira, Meneses & Stroher, 2013; Costa & Costa, 2014; Penso, Costa, Conceição & Carreteiro, 2013). Essas especificidades não determinam que aconteça uma ofensa sexual, mas promovem um ambiente propício para sua ocorrência.

Mais especificamente, as mães de adolescentes que cometem abuso sexual costumam ter vivenciado fortes desamparos afetivos, sociais e materiais (Penso et al., 2013). Na pesquisa de Penso et al. (2013) foi possível observar mães controladoras, que não aceitam a sexualidade dos filhos e não costumam demonstrar ternura. Apesar da escassez de pesquisas específicas sobre essa relação, as pesquisas internacionais mostram que a ofensa sexual está relacionada a vínculos e fronteiras inadequadas com os pais, problemas de vinculação com a mãe e problemas gerais com os pais (Fix et al., 2016; McCuish et al., 2017; Seto et al., 2015; Veneziano & Veneziano, 2002; Yoder, Leibowitz, & Peterson, 2016; Zankman & Bonomo, 2004). Assim, torna-se necessário compreender a dinâmica familiar do adolescente ofensor sexual para que se possa intervir com a família de forma mais efetiva.

 

Método

Trata-se de pesquisa qualitativa exploratória realizada através de um estudo de caso a partir de análise documental. O objetivo principal é descrever a relação familiar do adolescente ofensor sexual. O contexto de coleta das informações foi um processo terapêutico de enfoque familiar com um adolescente que cometeu ofensa sexual e sua mãe. O recorte priorizado neste texto enfocou as informações a respeito da relação mãe e filho. A opção pela relação com a mãe se deu também pelo fato do paradeiro do pai ser desconhecido pela família e a genitora ser a principal relação do adolescente. Para tanto, optou-se por realizar uma análise documental, sendo que todo material registrado nos atendimentos da clínica escolas e constitui em material de interesse de pesquisa (Flick, 2009). A relação entre mãe e filho foi analisada a partir da Teoria Sistêmica, especificamente com os pressupostos da Escola Estrutural de Minuchin (1990) e da Teoria da Comunicação de Watzlawick, Beavin e Jackson (1967).

Contexto

O processo terapêutico ocorreu em uma clínica escola de uma Universidade. Os atendimentos são abertos à comunidade e realizados por estagiários e psicólogos voluntários sob orientação de professores da instituição.

Participantes

O adolescente, aqui chamado de Marcelo, tinha 17 anos quando iniciou os atendimentos. Ele cumpria medida socioeducativa de liberdade assistida (LA), e foi encaminhado pelos profissionais que acompanhavam o cumprimento da medida para atendimento terapêutico. O jovem respondeu a um primeiro processo aos 14 anos quando ofendeu sexualmente um vizinho de 11 anos, sendo determinado o cumprimento da medida socioeducativa de LA por tempo indeterminado, com prazo mínimo de 06 meses e máximo de 03 anos (Brasil, 1990; 2012). Ele respondia um segundo processo pelo mesmo ato infracional, quando tinha 17 anos ofendeu o primo de dez anos. Dois meses após o início dos atendimentos, Marcelo foi apreendido por furto, recebendo remissão por parte da promotoria de justiça, situação na qual o processo não é aberto, mas há decretação de medida socioeducativa (Brasil, 1990; 2012), na qual o jovem concordou em cumprir medida de LA e de prestação de serviço à comunidade. Ele cursava o oitavo ano pelo programa de Educação de Jovens e Adultos (EJA) e não trabalhava. A genitora Glória tinha 46 anos no início dos atendimentos e também não trabalhava regularmente, pois vivia com uma ajuda financeira do companheiro que mora fora do país. Quando Marcelo tinha dois anos, ela foi para o exterior para trabalhar, mantendo contatos esporádicos por telefone, e retornando após dez anos. Neste período, Marcelo ficou sob os cuidados da avó materna, que morava com a tia e o primo do adolescente. A família morava em uma região administrativa do (ocultado), e durante o período dos atendimentos se mudaram para outra uma região mais distante. Os nomes foram alterados para preservar o anonimato dos participantes.

Instrumentos

As informações foram acessadas a partir dos registros sistemáticos das sessões no prontuário da instituição, realizados após cada atendimento. Os registros nos prontuários foram acrescidos de um diário de campo, que consistiu em anotações realizadas pelo terapeuta durante as sessões. Também foi considerado o laudo da avaliação psicológica realizada com Marcelo. Utilizou-se ainda o Genograma, a linha da vida, a foto da família e o desenho da família feito pelo adolescente e sua mãe. Genograma é a representação gráfica dos membros da família que permite mapear a estrutura familiar e observar os padrões de relações e funcionamentos (McGoldrick, Gerson, & Petry, 2012). A Linha da Vida é a apresentação gráfica ou concreta dos acontecimentos marcantes da vida em uma ordem cronológica. A foto da família é a adaptação da técnica da Escultura Familiar, na qual os membros da família se posicionam como se fossem tirar uma foto que representa a família, clarificando questões de estrutura, distâncias e proximidades relacionais (Andolfi, 1989). O Desenho da Família é uma técnica de avaliação e intervenção, na qual se foca no fator lúdico da atividade e na interação dos membros durante sua construção. Todos esses instrumentos têm sido utilizados no acesso da dinâmica familiar (Costa, Penso, Conceição, & Carreteiro, 2017), em uma perspectiva de multifocalidade (Flick, 2009).

Procedimentos

Os atendimentos tiveram início em maio de 2016, estendendo-se até abril de 2017, totalizando 26 sessões. Todas as sessões foram realizadas por psicólogo voluntário na instituição, sob supervisão de uma professora doutora da instituição, ambos com experiência em terapia familiar e na temática do adolescente que comete ofensa sexual. Participaram ainda, dois estagiários de prática clínica em psicologia que observaram parte dos atendimentos.

Antes de iniciar os atendimentos, foi feita uma reunião com representantes da Vara da Infância e da Juventude (ocultado) e a Vara de Execução de Medidas Socioeducativas (ocultado) e contato com a equipe da Unidade de Atendimento em Meio Aberto para conhecimento do caso e compreensão dos motivos do encaminhamento. O processo terapêutico consistiu em um total de 18 sessões com a presença somente do adolescente, quatro sessões somente com a mãe e quatro com ambos. Após cada atendimento a compreensão da sessão era explorada em supervisão, e eram dadas as orientações para o próximo encontro, que tinham como base o referencial teórico da terapia sistêmica familiar (Andolfi & Mascellani, 2012; Minuchin, 1992).

Paralelo ao processo terapêutico, foi realizada uma avaliação psicológica entre os meses de outubro e dezembro de 2016. Esta avaliação ficou a cargo de outro professor da clínica escola, especialista em avaliação psicológica. Foram oito encontros com o adolescente e também foram ouvidas sua mãe e sua avó materna. Os encontros foram realizados em horários distintos dos atendimentos clínicos. Nessa avaliação foram realizadas entrevistas e aplicação de bateria de testes (Escalas Weschler de Inteligência para Adultos – WAIS-III, Teste de Atenção Concentrada d2, Teste de Memória Episódica e Aprendizagem, Inventário de Habilidades Sociais – IHS, Bateria Fatorial de Personalidade – BFP e Rorschach – Sistema Compreensivo – RSC).

Na primeira sessão do processo terapêutico, após as apresentações iniciais, foi solicitado que mãe e filho desenhassem a família, entregando-lhes uma caixa de lápis de cor e uma folha de papel. Após o término da atividade, eles explicaram seus desenhos. Ainda na primeira sessão foi solicitado que mãe e filho se posicionassem para uma foto da família, esclarecendo que poderiam adicionar outros membros se assim o desejassem. Para isso poderiam utilizar o próprio terapeuta, os observadores ou objetos para representar estes outros membros. Após o registro fotográfico, os participantes foram questionados se teriam interesse em alterar a foto, modificando posições ou inserindo outras pessoas. Ao total, foram registradas três fotos.

Na segunda sessão foi construído um Genograma em conjunto com mãe e filho. Primeiramente se falou da família nuclear de Marcelo: sua mãe e seu pai e o relacionamento dos genitores. Em seguida, explorou-se a família de origem de Glória: seus irmãos, seus pais, seus tios e avós. Por fim, foi explorada a qualidade das relações conjugais, parentais, fraternais e das interações entre os membros da família.

Na 13ª sessão foi construída a Linha da Vida somente com o adolescente. Marcelo dividiu sua vida em quatro fases. Cada fase era simbolizada por uma cadeira da sala de atendimento, na qual Marcelo se sentava e falava sobre o período respectivo. Aprofundou-se sobre como tinha sido aquela fase da vida, acontecimentos marcantes, como eram as relações familiares e sociais e quais foram os desafios enfrentados.

Cuidados éticos

Antes de iniciar os atendimentos na instituição, os pacientes assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido, o qual explicava, dentre outras coisas, que os atendimentos podiam vir a se tornar pesquisas posteriormente. A pesquisa foi realizada após a finalização dos atendimentos, não influenciando no andamento do processo psicoterapêutico, estando em consonância com a resolução 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde que não exige avaliação de comitê de ética do sistema CEP/CONEP nessas situações (Conselho Nacional de Saúde, 2016). Os nomes foram alterados e as informações selecionadas para preservar o anonimato dos participantes e a confidencialidade dos atendimentos.

Apresentação dos resultados

Os resultados dessa pesquisa foram construídos a partir da leitura sistemática de todo o material, destacando-se as sessões, as falas e os materiais que evidenciavam a relação entre mãe e filho. Foi possível registrar dados na interação propriamente dita entre os dois durante todas as sessões nas quais estiveram presentes conjuntamente, nas falas sobre a relação quando cada um estava em sessões individuais e nos seguintes materiais produzidos: Genograma, Linha de vVida, Desenho da Família e Escultura Familiar.

Na confecção do Genograma buscou-se conhecer a estrutura familiar e os padrões repetitivos geracionais de relação. Na Linha da Vida buscou-se explicitar as temáticas conflituosas de cada fase da vida individual de Marcelo. Na Escultura Familiar buscou-se representar distâncias e aproximações relacionais, além dos papéis assumidos pela mãe e pelo filho. No Desenho da Família se buscou compreender o posicionamento afetivo, os papéis relativos à mãe e ao filho e a interação deles em situações do cotidiano.

Por fim, foi realizada uma análise de conteúdo temática, dividindo as informações recolhidas em temas de análise segundo a literatura especializada na leitura sistêmica (Andolfi, 1989; Minuchin, 1992; Andolfi, Angelo & De Nichilo, 1989; Watzlawick et al., 1967) e no tema do adolescente ofensor sexual (Worling & Langton, 2017; Ward & Beech, 2016). Desse modo, foram formuladas quatro categorias de análise: (a) transgeracionalidade e dinâmica familiar; (b) vinculação afetiva; (c) comunicação; e (d) papéis.

A seguir, são apresentados os resultados observados nos instrumentos utilizados neste estudo:

Observações realizadas durante os atendimentos – Foi observado que a interação entre mãe e filho se mostrava pobre em quantidade e qualidade (Zankman & Bonomo, 2004), marcada por distanciamento afetivo e conflitos frequentes. A comunicação entre eles era escassa e a mãe desqualificava frequentemente o filho. No início do processo terapêutico, Marcelo trouxe a relação com a mãe como uma demanda para a terapia. No decorrer dos atendimentos, além dos conflitos (brigas frequentes e discordâncias), a distância afetiva e comunicacional entre os dois também ficou evidente, não demonstravam afeto positivo, não interagiam e pouco se falavam. A mãe reclamava da indiferença do filho frente à família e a tudo, enquanto ele questionava a forma que era tratado por ela, somente por cobranças, acusações e reclamações.

Com relação à comunicação verbal entre eles, o adolescente se queixava de ser sempre o suspeito das desconfianças da mãe e de nunca conseguir agradá-la. A mãe repetia que tinha voltado ao país por causa dele e tinha pretensões de sair do Brasil o quanto antes, porém não conseguia por causa dos problemas judiciais de Marcelo. Ao final dos atendimentos ela resumiu o filho como “imaturo, irresponsável e duvidoso” e um “desconhecido perigoso”.

Genograma – O Genograma é apresentado na Figura 1 e sua legenda na Figura 2.

 

Figura 1. Genograma da família de Marcelo.

 

Figura 2. Legenda do Genograma da Família de Marcelo.

 

Marcelo é filho único de Glória e nunca teve contato com o pai. Glória é a segunda filha do primeiro casamento de sua mãe, e seu irmão mais velho foi morto assim que foi preso. A mãe de Glória se casou novamente tendo uma terceira filha, também separada, a qual é mãe de um menino, vítima de Marcelo. Observou-se a transmissão geracional de padrões violentos de relacionamentos conjugais, de relações distantes ou inexistentes com a figura paterna, da dependência de álcool e da separação conjugal. A dinâmica da família estudada é marcada pela distância na interação entre os membros e a delegação dos cuidados dos filhos à avó.

Desenho da Família – Marcelo não quis fazer a atividade juntamente com a mãe, assim, cada um fez seu desenho em separado. No desenho de Glória, ela se encontra entre a própria mãe e a irmã, em seguida desenhou Marcelo e o sobrinho, ou seja, mãe e filho não foram desenhados próximos. Já Marcelo desenhou lado a lado uma casa, a avó, a tia, o primo, e por fim ele e a mãe em um plano mais alto no desenho, parecendo estarem “flutuando”.

Fotos da Família – As fotos da família estão representadas pela Figura 3.

 

Figura 3. Apresentação espacial dos membros da família na foto

 

Na primeira foto, mãe e filho posicionaram os membros horizontalmente, ou seja, um ao lado do outro, sendo que somente o primo de Marcelo ficou em um plano abaixo dos demais. Marcelo e Glória ficaram nos polos opostos da foto. Quando questionados se queriam alterar alguma coisa, Marcelo mudou de lugar e se posicionou entre a tia e a avó e uma nova foto foi registrada. Questionados se queriam inserir mais algum membro da família, Glória adicionou seu irmão e seu padrasto falecidos. A fotografia ficou dividida em dois planos, com os membros lado a lado. Glória se posicionou abraçada ao irmão e Marcelo ao centro inferior da foto, ligado a mãe pelo tio falecido que o abraçava.

Linha da Vida – Ao construir sua linha da vida, Marcelo separou sua história em quatro grandes momentos, da infância à adolescência, traduzidos da seguinte forma: (a) o primeiro abandono, ao ser deixado pela mãe quando tinha dois anos; (b) o baú da infância, que continha os momentos difíceis da infância; (c) a decepção com a volta da mãe, que se manteve distante afetivamente, surgindo os primeiros conflitos entre eles; e (d) o segundo abandono com a descoberta dos abusos e início dos processos, pois a reação da família a estes eventos o fizeram se sentir sozinho e desamparado por eles. Esses momentos são marcados pelos eventos negativos vivenciados por Marcelo e como eles o impactaram.

Avaliação Psicológica – O relatório apresentou que Marcelo era um jovem introvertido, mas com suas funções cognitivas preservadas. Apresentava comportamentos de reserva e desconfianças, além de medo do abandono e rejeição. No período da avaliação, ele estava experimentando uma sobrecarga de pensamentos e sentimentos desagradáveis, somados a inibição de comportamentos hostis. Por fim, a conclusão foi que os comportamentos disruptivos poderiam ser uma forma de externalização dos conflitos vividos. Foi relatado nas entrevistas com Glória e a avó que a gravidez de Marcelo não foi planejada e a mãe induziu dois abortos. Durante o período em que a mãe esteve no exterior, Marcelo apresentou comportamentos de isolamento, tristeza, indiferença e agressividade, em casa e na escola. A criação da avó era baseada em regras rígidas dentro de casa. Quando Marcelo tinha oito anos, surgiu uma suspeita de que tivesse sofrido um abuso sexual, o que foi confirmado em perícia médica. Ao entrar na adolescência, a família relatou o início dos diversos comportamentos sexualizados de Marcelo, eclodindo aos 14 anos com o primeiro processo na justiça.

 

Discussão

Transgeracionalidade e dinâmica familiar

Transgeracionalidade é o termo referente à transmissão de conflitos, dinâmicas familiares e padrões de convivência através das gerações (McGoldrick et al., 2012). Foi possível observar esse fenômeno mais objetivamente através do Genograma. A distância da figura paterna se destaca, pois é um padrão comum em famílias de adolescentes em conflito com a lei do contexto brasileiro, tanto para atos infracionais de natureza social como de natureza sexual (Silva, Costa, & Costa, 2013; Penso et al., 2013). A distância ou ausência de uma figura paterna, ou alguém que auxilie nos cuidados com os filhos, impacta na dinâmica relacional de toda a família, podendo sobrecarregar a mãe com os cuidados do filho, obrigando-a a assumir papéis contraditórios na relação (Costa et al., 2013). No caso estudado, os problemas de Marcelo no início da adolescência obrigaram a mãe a mudar toda sua vida no exterior e retornar ao país. Isto pode ter impactado negativamente na sua forma de se aproximar e se vincular ao filho, mantendo-se rígida e distante.

Tanto Glória como sua irmã delegaram a avó os cuidados dos filhos, o que também é observado nas famílias pesquisadas no contexto brasileiro (Costa et al., 2013), visto que os avós integram a rede de apoio dessas famílias como fonte de ajuda financeira e afetiva, permitindo que os pais possam trabalhar para conseguir contribuir com o sustento da família. No caso estudado, a mãe deixou o filho com a avó para trabalhar no exterior. Porém, a saída da mãe foi vivenciada como um abandono por Marcelo, como foi visto em sua linha da vida.

O padrão de distanciamento entre os membros os caracterizam como uma família de estrutura desmembrada, com fronteiras não permeáveis e rígidas entre mãe e filho (Minuchin, 1990). Esse tipo de estrutura é caracterizado pela pouca interação entre os membros da família. Somada a fronteira rígida, mãe e filho pareciam viver de forma independente.

A violência intrafamiliar também é encontrada em mais de uma geração, sendo observada pela literatura nas famílias de adolescente que cometem abuso sexual (Costa et al., 2013; Costa & Costa, 2014; Fix et al., 2016; McCuish et al., 2017; Penso et al. 2013; Seto et al., 2015). Já o uso de álcool ou drogas, observado em mais de um membro, apesar de não estar diretamente relacionado a famílias com adolescentes ofensores sexuais, é visto como capaz de impactar na dinâmica familiar, sendo fator de risco para diversos tipos de violência, principalmente violência doméstica.

Vinculação afetiva

Foi observado que mãe e filho mantinham-se afetivamente distantes. A distância que apresentaram no Desenho da Família da mãe e na Escultura Familiar sugeriu esse aspecto da vinculação ainda no início dos atendimentos. Com o decorrer do processo terapêutico foi possível observar a pouca interação e a presença de afeto negativo entre eles. Essa é uma característica das famílias desmembradas (Minuchin, 1992).

Pode-se dizer também que havia uma rejeição da mãe frente ao filho. As tentativas de abortar somadas às consequências vividas após o nascimento de Marcelo sugerem a rejeição. O fato de se desfazer do filho precocemente e, com o seu retorno, permanecer distante e pouco afetiva corroboram essa compreensão. Pode-se dizer, inclusive, que seu retorno ao país foi uma decepção não só para o filho, mas para si mesma também, que não encontrou o filho que havia idealizado. Esses tipos de vinculação afetiva, de distanciamento e rejeição, têm sido encontrados nas famílias de adolescentes que cometem abuso sexual pesquisadas no contexto nacional (Penso et al., 2014) e internacional (Fix et al., 2016; Seto et al., 2015; Zankman & Bonomo, 2004).

As vivências de abandono de Marcelo somada a experiência de abuso sexual sofrida por ele, tiveram impactos negativos no adolescente. Porém, por não haver ambiente familiar propício para um diálogo empático e acolhedor, acabaram sendo guardadas somente com o adolescente. A literatura assinala a necessidade de se tratar as experiências traumáticas vividas por adolescentes que cometem ofensa sexual (Worling & Langton, 2017). Como observado na avaliação psicológica de Marcelo, a vivência de uma sobrecarga de pensamentos e sentimentos desagradáveis e conflitos emocionais pode ser externalizada por meio de comportamentos disruptivos, por exemplo, o abuso sexual (Costa et al. 2014; McCuish et al., 2017).

As pesquisas nacionais observaram que as mães de adolescentes que cometeram abuso sexual eram mulheres desamparadas, sobrecarregadas, cansadas e focadas em garantir a sobrevivência da família (Costa et al., 2013; Penso et al., 2014). Essas características impactam no distanciamento afetivo com os filhos ofensores. Esses aspectos podem ser observados em Glória, que era responsável pelo cuidado do filho e também da mãe, que precisava de atenção especial à saúde, assim, sem a ajuda da irmã, era a responsável principal pelo sustento de toda a família.

Comunicação

Foi observado que a comunicação da mãe com o filho era em boa parte baseada em desqualificação e desconfiança. Ressalta-se que toda comunicação é composta por um conteúdo e uma relação, ou seja, o conteúdo do que se fala e o comando a quem se fala (Watzlawick et al., 1967). Quando esta mãe critica o adolescente ao invés de seus comportamentos, isso dá outro significado a sua comunicação. Diz também sobre como ela enxerga este jovem, ou seja, o comando de não ser quem ele, de fato, é. Assim, apesar de Glória se autodenominar “disponível e compreensiva”, não é vista da mesma forma por Marcelo. Isso impede que mãe e filho desenvolvam um diálogo que os aproxime, o que somado ao distanciamento afetivo e a falta de comunicação, são fatores de risco para a reincidência da ofensa sexual e devem ser alvo de intervenção no tratamento do adolescente que comete ofensas sexuais (Worling & Curwen, 2012; Worling & Langton, 2014, 2017)

Outro padrão de comunicação recorrente nos atendimentos era a comunicação paradoxal (Watzlawick et al., 1967). A pessoa mais valorizada por Glória era seu irmão mais velho, que foi morto logo após ser preso. Porém, quando Marcelo teve problemas com a justiça, ou seja, comportou-se próximo a uma das características marcantes do tio, a mãe e a família se afastaram dele. Esse tipo de comunicação, segundo Watzalwick et al. (1967), não permite uma resposta satisfatória, gerando confusão, retraimento e desesperança em quem recebe esse tipo de mensagem. Não há confirmação da percepção de quem recebe a comunicação.

Papéis

Entende-se que parte dos problemas entre mãe e filho era o conflito de papéis que surgiu com o reencontro dos dois. Marcelo não desenvolveu seu papel de filho devido à ausência da mãe durante sua infância, mas viu a possibilidade de enfim ser filho com a volta dela (Minuchin, 1992). Por outro lado, Glória, que também não desenvolveu seu papel de mãe, é obrigada a largar sua vida no exterior para cuidar deste filho. Ao perceber que levar o filho junto com ela para fora do país seria muito difícil, começa a exigir que ele assuma o quanto antes seu papel de homem adulto e independente. Assim, surge um conflito entre o papel de filho, desejado pelo adolescente, e o papel de homem, desejado pela mãe. Em outras palavras, a mãe exigia que o adolescente se tornasse adulto e independente, porém isso significava para Marcelo perder novamente a mãe. Então, ele se mantinha “criança” criando problemas e preocupações. Nota-se que Marcelo só ganhava visibilidade na família quando cometia alguma violência, o que tem impacto na formação de sua identidade (Andolfi & Mascellani, 2012; Costa et al., 2017; Silva, Melo & Mota, 2016).

Pesquisas nacionais, sobre organização familiar de adolescentes que cometem abuso sexual, em famílias de baixa renda (Costa et al., 2013; Penso et al., 2013; Pincolini & Hutz, 2014), compreendem que há uma organização familiar específica que costuma colocar o adolescente no papel de cuidador doméstico com responsabilidade de servir aos membros mais novos da família. Esse tipo de arranjo familiar impede a formação da intimidade, da vinculação fraternal, e colabora para a construção de um ambiente propício à ocorrência dos abusos sexuais.

Em atendimento, Marcelo relatou que, dentre os papéis que sua mãe assumiu após a descoberta dos abusos, o mais marcante era o de “carcereira”, pois ela o trancava em casa e escondia a chave para ele não sair. A falta de liberdade incomodava Marcelo, mas era difícil para a mãe confiar no filho. Segundo Jones (2015), uma reação comum relatada por pais de adolescentes que cometem abuso sexual é a sobrecarga por se sentirem responsáveis em vigiar os filhos 24 horas por dia. Apesar de no contexto americano existir a determinação legal para que os pais supervisionem o filho por até dois anos após a sentença, esse sentimento pode surgir no contexto brasileiro quando os pais têm medo do filho reincidir com a violência, como foi visto em Glória.

Uma postura de controle, assumindo papel de juíza que julga e sentencia, é observada nas famílias pesquisadas por Penso et al. (2013). Se na compreensão sistêmica essa dinâmica familiar rígida e controladora é um dos fatores que favorecem a ocorrência e a reincidência das ofensas sexuais, deve-se focar também em flexibilizar essa qualidade da dinâmica familiar.

 

Considerações finais

O atendimento ao adolescente ofensor sexual é imprescindível no seu processo de responsabilização e prevenção de reincidência (Worling & Curwen, 2012; Worling & Langton, 2017). O estudo do caso de Marcelo é um exemplo da necessidade de se intervir também com a família destes adolescentes, a partir de um conhecimento aprofundado sobre sua realidade sociofamiliar.

Os resultados observados apresentaram relação com as pesquisas produzidas nacional e internacionalmente. Também corroborou a importância de se compreender e intervir com a família em situações de ofensa sexual. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) (Brasil, 1990), a partir da doutrina de proteção integral, determina que medidas socioeducativas sejam aplicadas aos adolescentes que ofendem sexualmente com objetivo da sua ressocialização (Brasil, 2012). Porém, deve-se entender que este processo precisa ser feito em conjunto com a família. Assim, a compreensão sobre a família de adolescentes que cometem ato infracional, seja sexual ou não, deve ser prioritária, enfocando-se as relações de interdependência e seus paradoxos.

Para entender as ofensas sexuais de Marcelo de forma sistêmica foi preciso construir sua história considerando-se o contexto e a temporalidade. Destacam-se vinculação afetiva distante e de rejeição entre mãe e filho, a inexistência da figura paterna, as experiências traumáticas vividas pelo adolescente durante seu desenvolvimento e a estrutura familiar rígida e desmembrada. Todos esses fatores convergem no comportamento de Marcelo, denunciando os conflitos e as limitações oferecidas pelo sistema familiar. É importante frisar que não se está aqui culpabilizando as mães pela violência praticada. É preciso compreender a dinâmica relacional e as dificuldades sociais, ambientais e materiais que cada família vivencia. Um julgamento negativo sobre a mãe, seja pelo sentimento de rejeição ou de distância afetiva, é improdutivo e não auxilia no processo de mudança.

A limitação desse texto diz respeito ao método escolhido para a realização da pesquisa. Embora a análise documental apresente dificuldades para se acessar as informações da forma como foram expressadas, esse método se disponibiliza como viável para que pesquisadores possam avançar no tema da violência sexual (Glass, Gajwani, & Turner-Halliday, 2016). Vítimas e/ou ofensores de violência sexual são portadores de verdadeiras histórias de horror, oferecendo inúmeras dificuldades para acesso tanto a essas histórias, como às suas histórias de vida.

Ressalta-se a importância de que se realizem mais estudos sobre o adolescente que comete abuso sexual no contexto brasileiro. Apesar de avanços isolados em práticas de intervenção, a grande quantidade de violências sexuais que ocorrem no país demanda maior capacidade de atuação das políticas públicas, tanto na área de prevenção como de intervenção.

 

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Endereço para correspondência
Matheus De Costa Farage Fonseca
E-mail: matheusfarage@gmail.com

Liana Fortunato Costa
E-mail: lianaf@terra.com.br

Enviado em: 08/04/2019
1ª revisão em: 03/05/2019
Aceito em: 20/07/2019

 

 

1 Psicólogo, Especialista em Terapia Conjugal e Familiar, Especialista Socioeducativo - Psicólogo na Secretaria de Políticas para Crianças, Adolescentes e Juventude – DF. Brasília, DF.
2 Psicóloga, Doutora em Psicologia Clínica, Docente Permanente do Programa de Pós-graduação em Psicologia Clínica e Cultura (PSICC/PCL/IP/UnB). Brasília, DF. Endereço: Programa de Pós-graduação em Psicologia Clínica e Cultura, Campus Universitário Darcy Ribeiro, ICC Sul, Universidade de Brasília, Brasília, DF, 70910-900.

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