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Pensando familias

versão impressa ISSN 1679-494X

Pensando fam. vol.24 no.1 Porto Alegre jan./jun. 2020

 

ARTIGOS

 

Paternidade na adolescência e as relações familiares

 

Paternity in adolescence and family relations

 

 

Paula Orchiucci Miura1, I ; Kedma Augusto Martiniano Santos2, I, II ; Estefane Firmino de Oliveira Lima3, I, III

I Instituto de Psicologia da Universidade Federal de Alagoas
II Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica - PIBIC/UFAL
III Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O conceito de paternidade vem sendo modificado nas últimas décadas. O objetivo deste estudo foi compreender e analisar o desenvolvimento da paternidade na adolescência, bem como as relações familiares engendradas nesse processo. Para coleta dos dados, dois adolescentes pais participaram da pesquisa, e foram aplicados os seguintes instrumentos durante o pré-natal: formulário de caracterização do perfil socioeconômico e de produção e reprodução social; entrevistas semiestruturada e; desenho da família com estória. Pôde-se observar que os pais se autodeclararam pardo e negro, possuem renda familiar baixa, diferentes níveis de escolaridade, estavam em relação estável com as adolescentes mães e relataram que o apoio das famílias no momento da gravidez era muito importante. Os pais demonstraram mudanças na relação conjugal durante a gravidez, participação na escolha dos nomes dos bebês e constituição do bebê imaginário. Conclui-se a importância das relações familiares no momento da gravidez e a relação com o próprio pai para o desenvolvimento da paternidade na adolescência.

Palavras-chave: Paternidade na adolescência, Maternidade na adolescência, Relações familiares.


ABSTRACT

The concept of paternity has been modified in recent decades. The aim of this study was to understand and analyze the development of paternity in adolescence, as well as family relationships engendered in this process. For data collection, two adolescents fathers participated in the research, and the following instruments were applied during prenatal care: socioeconomic profile characterization form and social production and reproduction; semi-structured interviews and; Family drawing with story. It was observed that the fathers declared themselves brown and black, have low family income, different levels of education, were in stable relationship with teenage mothers and reported that the support of families during pregnancy was very important. Fathers demonstrated changes in marital relationship during pregnancy, participation in choosing baby names and constitution of imaginary baby. It concludes the importance of family relationships at the time of pregnancy and the relationship with one's own father for the development of paternity in adolescence.

Keywords: Paternity in adolescence, Maternity in adolescence, Family relations.


 

 

Introdução

O conceito de paternidade tem se modificado ao longo das décadas. Pesquisa realizada por Visentin e Lhullier (2019) observou que o homem torna-se pai e realiza essa função de maneira satisfatória quando lhe possibilitam o exercício da paternidade. Desta forma, as autoras (2019) puderam perceber a transformação social, histórica e cultural deste exercício, bem como novos desafios que se vislumbram para as famílias e sociedade.

Nos últimos anos, diversos estudos têm investigado o fenômeno da paternidade, suas repercussões na vida do homem, bem como a relação pai-bebê (Cherer, Ferrari & Piccinini, 2016; Polli, Gabriel, Piccinini & Lopes, 2016; Medeiros & Piccinini, 2015). O novo contexto cultural e social parece demandar um novo modelo de pai com maior responsabilização pela criação dos filhos. Mas segundo, Nancuante, Barea, Adonis, Bratz e Ramírez (2020), ainda há muito que se avançar, principalmente, no que diz respeito a equidade de gênero na distribuição do cuidado com os filhos, pois percebe-se ainda essa atividade de cuidado mais atrelada ao papel da mãe do que ao do pai. Nesta direção, Bustamante (2019) identificou escassa contribuição dos pais no cuidado cotidiano dos fillhos e trabalho doméstico.

A paternidade também pode acontecer na adolescência. Essa fase, período entre a infância e a vida adulta, é caracterizada pelas mudanças corporais da puberdade, impulsos do desenvolvimento físico, mental, emocional, sexual e social (Eisenstein, 2005). Para Winnicott (1961/2005, p. 115), “[...] Essa é uma fase que precisa ser efetivamente vivida e é essencialmente uma fase de descoberta pessoal. Cada indivíduo vê-se engajado numa experiência viva, num problema de existir”. Este estudo considerará adolescente na faixa etária entre 10 a 19 anos, segundo a Organização Mundial da Saúde.

Dados acerca da gravidez na adolescência são vistos em diversas pesquisas. No entanto, percebe-se uma lacuna quanto as informaçoes sobre adolescentes pais nesses estudos. Por meio de uma pesquisa nacional feita com estudantes pelo Instituto Brasileiro de Geografia (IBGE) em 2015, foi identificado que no grupo etário de 13 a 15 anos o percentual de iniciação sexual foi de 27,0%, enquanto no grupo etário de 16 a 17 anos, mais da metade dos alunos relatou já ter tido relação sexual (54,7%). Os resultados apontaram ainda que, 34,5% dos escolares, do sexo masculino, de 13 a 15 anos de idade já tiveram relação sexual alguma vez, enquanto que, entre as meninas deste grupo etário, o percentual foi de apenas 19,3% (IBGE, 2016).

Tal pesquisa mostra que os adolescentes do sexo masculino apresentam maior percentual na iniciação da vida sexual, entretanto, dados que apontam números acerca da paternidade na adolescência mostram-se carentes, e necessários. Estudos acerca do adolescente pai têm evidenciado as potencialidades desse fenômeno na vida dos jovens quanto à promoção de avanços no desenvolvimento pessoal e do apoio e suporte para a gestação de suas companheiras (Miura, Guimarães, Lima, Santos & Ferro, 2019; Venturini & Piccinini, 2014; Levandowski, Piccinini & Lopes, 2009). No entanto, alguns estudos apontam preocupação e resistência no meio social diante da paternidade nessa fase (Paulino, Patias & Dias, 2013).

Winnicott (1961/2005) aponta que os adolescentes são imaturos e os adultos além de necessitar reconhecer a “imaturidade” dos adolescentes terão de acreditar e atuar sua maturidade como nunca. Para esse autor, a adolescência é um momento em que os estágios das fases desse amadurecimento são revividos, acrescidos de outras dinâmicas, visando a alcançar a maturidade.

Nesse sentido, as relações familiares são apontadas por Winnicott (1958/2005) como de fundamental importância para proporcionar os cuidados da provisão ambiental. O autor afirma: “A tarefa consiste em fazer face às necessidades mutantes do indivíduo que cresce, não apenas no sentido de satisfazer a impulsos instintivos, mas também de estar presente para receber as contribuições que são características essenciais da vida humana” (Winnicott,1958/2005, p. 131).

A própria relação do casal e o sentido da relação amadurecem diante da maternidade e paternidade, parceria nos cuidados com os filhos, bem como ao se adquirir um novo status mais amplo na sociedade (Dias, 2017). Para essa autora, “Nos bons casos, a família tem seu próprio crescimento não só porque seus membros, centralmente o pai e a mãe, amadurecem como pessoas individuais [...]” (Dias, 2017, p.147).

Frente ao exposto, destaca-se a necessidade de estudos que ofereçam uma contribuição à literatura sobre a paternidade na adolescência, ao descrever aspectos desse processo antes e durante a gestação, bem como focalizem aspectos da tríade pai-mãe-bebê, e as relações familiares com as famílias naturais desses adolescentes. Assim, o objetivo deste estudo foi compreender e analisar o desenvolvimento da paternidade na adolescência, bem como as relações familiares engendradas nesse processo.

 

Método

Tipo de Pesquisa

Trata-se de uma pesquisa qualitativa, descritiva e exploratória. Considerando ser este um estudo em que o processo de construção do conhecimento é constantemente re(construído); que pretende compreender e aprofundar o conhecimento sobre determinado assunto e; admitindo que a realidade pode ser compreendida por diversas óticas, este trabalho utiliza como método o estudo de caso (Sanches & Santos, 2005).

Participantes

Participaram do estudo dois adolescentes do sexo masculino, com 18 anos de idade, residentes em Maceió, AL, de nível socioeconômico baixo e suas companheiras também eram adolescentes grávidas com 16 e 17 anos no momento da pesquisa.

Procedimentos e instrumentos

Este trabalho se insere em um projeto maior intitulado, “Potencializando profissionais, crianças e adolescentes de uma comunidade litorânea de Maceió”, o qual foi autorizado pela Secretaria Municipal de Saúde de Maceió para realização da pesquisa nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) e pelo Hospital Universitário da Universidade Federal de Alagoas, bem como aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da instituição responsável (Parecer: 1.541.569 CAAE: 55022916.0.0000.5013).

O contato inicial para participar do estudo foi realizado com as adolescentes gestantes que estavam realizando pré-natal em UBS, do município de Maceió ou no hospital universitário. Nesse momento, elas e seus companheiros eram convidados a participar da pesquisa. Como este artigo foca a paternidade na adolescência, explicar-se-á o procedimento com esse público.

As pesquisadoras explicavam aos participantes a finalidade da pesquisa e os procedimentos que seriam realizados. Aos adolescentes que aceitavam participar do estudo, solicitava-se o preenchimento e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) pelos próprios jovens participantes que já possuíam 18 anos completos.

Foi realizado um encontro com os participantes, no qual foram aplicados individualmente os seguintes instrumentos: o formulário de caracterização do perfil socioeconômico e de produção e reprodução social, o desenho da família com estória (Trinca, 1986) e uma entrevista semiestruturada que abordou temas como: a experiência da gravidez; as relações entre o casal e suas relações familiares antes e durante a gestação e as relações pai-bebê. As entrevistas foram gravadas e transcritas para análise dos dados coletados, tendo duração de aproximadamente 40 minutos cada.

Procedimento de desenhos da família com estórias

Esse procedimento, desenvolvida por Trinca (1986), é destinado a populações diversificadas, de qualquer faixa etária, e utiliza-se de recursos gráficos e verbais, para possibilitar uma investigação ampla e compreensiva de aspectos inconscientes do indivíduo, relacionados às fantasias, angústias e defesas, com enfoque na dinâmica familiar experienciada, percebida e imaginada pelo mesmo. “(...) Consiste na aplicação e na interpretação de uma série de quatro consignas determinadas: ‘desenhe uma família qualquer, desenhe uma família ideal, desenhe uma família em que alguém não está bem e desenhe a própria família (...)” (Trinca, 2013, p. 211).

Para a realização deste estudo, foram dados ao examinando, folha de papel em branco na posição horizontal, sem pauta, de tamanho ofício, com lápis preto (grafite) e doze lápis de cor espalhados (Trinca, 2013). Após a aplicação de cada desenho descrito, e o estabelecimento de vínculo e confiabilidade necessários entre examinador e examinando, seguiu-se com um protocolo, solicitando que o jovem contasse uma história que se associasse com sua produção e respondesse a um “inquérito”, para esclarecer questões e possibilitar novas associações. No final das elucidações, era solicitado um título para as consignas. Para Trinca (2013), ao estimular o examinando a contar histórias, há a oportunidade de expressão indireta de conflitos, a partir de enredos, personagens, temas, traços e dramas, o que possibilita o contato com conteúdos latentes, relacionados às fantasias inconscientes, angústias e defesas, com o enfoque nas relações familiares.

Análise dos dados

Foram realizadas repetidas leituras das entrevistas, buscando identificar informações que permitissem a compreensão e análise do desenvolvimento da paternidade no adolescente, bem como as relações familiares engendradas nesse processo. Com base nas quatro consignas produzida pelos participantes (uma família qualquer; uma família que gostaria de ter; uma família em que alguém não está bem; sua família) foram analisados os seguintes aspectos: a família natural e a constituição da nova família. A análise das consignas foram feitas com base nos pontos das narrativas nas histórias, e nos desenhos, articulando-os com a entrevista realizada com cada jovem. A teoria psicanalítica de Winnicott, assim como as recomendações de Trinca e Tardivo (2000) embasaram a análise do material coletado.

 

Resultados e discussões

Perfil socioeconômico dos adolescentes pais

 

 

Análise das entrevistas e dos desenhos da família com estória

Pai Carlos

Carlos, 18 anos, natural de Arapiraca-AL, se declarou negro. Interrompeu os estudos no segundo ano do Ensino Médio (repetiu uma vez o oitavo e o nono ano). O jovem trabalha quatro horas por dia como auxiliar de produção; afirma ter os direitos trabalhistas garantidos, e a remuneração é: R470,00 mensal, sendo a renda familiar de R&2.031.00.

Carlos está em um relacionamento com Diana há dois anos. Após um ano de namoro, ele a convidou para morar com ele na casa dos pais, juntamente com um irmão e uma irmã. Depois de sete meses, Diana engravidou, sendo esta uma gravidez não planejada. O pré-natal teve início no primeiro trimestre da gestação. Carlos iniciou a atividade sexual com 15 anos, e teve uma parceira no último ano, fazia uso de métodos contraceptivos, no caso, camisinha. Essa é sua primeira gestação. A família do jovem, a princípio, não reagiu muito bem com a notícia da gestação, contudo, depois foram assimilando melhor a situação.

O jovem relata que a relação com sua mãe, passou por algumas dificuldades, pois ela (mãe) mostrava-se preocupada com as saídas do filho, que afirma que antes saia mais: “Porque quando era mais novo eu saia muito. Hoje eu não saio mais. Fico mais em casa. Escuto ela mais” [sic]. O jovem pontua que hoje entende a preocupação da mãe para com ele. E sobre a relação com seu pai, o jovem afirma ser esta uma boa relação: “É boa também! Igual minha mãe” [sic]. Sobre as relações com os irmãos (um irmão mais velho e uma irmã adolescente mais nova), Carlos informa que é boa, afirmando que os três são parecidos: “Iguais! O jeito que pensa”[sic].

E referente à relação de Carlos com os avós, este comenta que os avós maternos e paternos já faleceram. E sobre como é para o jovem lidar com esta perda, ele afirma ser ruim, e principalmente, por ter convivido mais com a avó paterna, visto que esta residia na residência do filho, junto com a nora e os netos. Carlos ainda comenta sobre a avó materna: a avó materna morava mais longe. Em outra cidade. Aí eu não via muito ela” [sic]. Carlos afirma que a união é algo característico de sua família, e não convive em meio a brigas familiares: “Porque a minha família é unida. A gente num vive brigando igual eu vejo muita gente por ai. Num tem muita discussão” [sic].

A família natural de Carlos aparece em mais de um desenho do procedimento Desenho da Família com Estória, sendo representada na segunda (família que gostaria de ter) e na quarta consigna (própria família). Na segunda consigna Carlos desenha seu pai, sua mãe, sua irmã, irmão, ele mesmo, sua esposa e seu filho. E na estória, o jovem diz: “Desenhei minha família” [sic].E por meio do inquérito ele afirma que os componentes da família estão juntos, unidos, no intuito de superar qualquer problema.

Na quarta consigna, o jovem desenha seu pai, mãe, irmão, irmã, a si mesmo e sua esposa. E quanto à história contada, Carlos diz: “Uma história... Começar pelos meus pais. Meu pai casou com minha mãe, e acho que ele tinha 20 e ela 16. Num sei. Aí com um ano, minha mãe engravidou do meu irmão. Aí foi morar em São Paulo. Aí passou um tempo lá, ela voltou. Aí meu pai foi de novo. E ela ficou com meu irmão. Passou um bom tempo com ele. Aí meu pai voltou pra cá, e comprou essa casa. Com cinco anos depois eu nasci. Aí foi crescendo, a casa foi crescendo. E começou a trabalhar de novo. E depois de um tempo veio minha irmã, em 2004. Já tinha cinco anos. Hoje minha irmã já tem 12. A casa não era desse tamanho, era menor. A gente já morou lá no centro” [sic]. Pôde-se observar nesta história que seus pais começaram a constituição da família ainda jovens, sua mãe era adolescente.

Desta forma, observa-se na sua representação de família, uma família que se constituiu com pais jovens e que foi crescendo e unida. Carlos até frisa sobre como é sua família no título da segunda consigna, e a intitula como: “A melhor família do mundo” [sic].Referente a entrevista de Carlos, pôde ser visto que sua família o acolhe neste momento de gravidez na adolescência, e dá-lhe suporte físico, financeiro, afetivo e emocional, que vai para além de uma moradia que acolha sua companheira e seu filho.

Referente a constituição de sua nova família, Carlos a desenha na primeira (família qualquer), na segunda (família que gostaria de ter) e na quarta consigna (própria família) do procedimento Desenho da Família com Estória. Na primeira consigna, Carlos desenha a si mesmo, sua esposa e o filho. E referente a história: “Fiz uma família. Três pessoas e num sei ... foi a primeira coisa que veio na minha cabeça” [sic]. E no inquérito frisa que eles poderiam estar passeando em uma praia ou praça. A respeito da segunda e a quarta consigna Carlos desenhou todos os seus familiares naturais unidos com sua nova família pontuando o acolhimento e o suporte de sua família natural. Além disso, relaciona o seu conceito de família a vários componentes.

O filho de Carlos só não aparece na quarta consigna. Observa-se que a nova família que está se constituindo está inclusa na sua representação de família e nos planos do jovem. O jovem ainda traz elementos da constituição da nova família a qual está a constituir junto com Diana (esposa) e o filho. Carlos representa o bebê imaginado, que ora tem características do sexo masculino, ora características do sexo feminino, remetendo ao desconhecimento de Carlos quanto ao sexo da criança, relatado em entrevista.

O jovem mostra um cuidado com a mãe da bebê (Diana). Pode-se observar este cuidado com a companheira quando planeja uma casa para o casal e o filho; quando se preocupa com o sustento financeiro da família e em estar presente nos momentos de necessidade; quando se preocupa com os estudos dela, e planeja meios para que a filha não a impeça de voltar à escola.

O jovem também mostra-se satisfeito com o pré-natal de Diana. Carlos acompanha Diana quando pode, pois seu trabalho dificulta que se faça presente: “Porque eu trabalho, ai vai depender do horário que ela vai. Se for a tarde eu posso. Se num for, não posso ir” [sic]. Para o jovem, não ter sempre a garantia de fazer-se presente nas consultas da companheira é visto como algo estranho, por este momento da gestação ser algo único: “É estranho, porque provavelmente só vai ter uma vez. Ninguém sabe... pode ser que tenha mais, pode ser que seja outra vez. Aí, é a primeira, ai seria melhor se tivesse junto” [sic]. Estudo de Santos e Kreutz (2014) também mostrou a participação do pai de primeira viagem no cuidado com sua companheira na gestação e nos preparativos para chegada do bebê.

Pai João

João, 18 anos, natural de Maceió-AL, se autodeclarou pardo. Interrompeu os estudos no sétimo ano (repetiu quatro vezes este ano), em virtude do trabalho. O jovem trabalha oito horas por dia em uma oficina; afirma ter os direitos trabalhistas garantidos, e a remuneração é de R& 150,00 semanal, sendo a renda familiar de R& 600,00.

João está em um relacionamento há três anos com Raquel (17 anos), que está gestante. O pré-natal teve início no primeiro trimestre da gestação. Segundo o jovem, a gravidez foi planejada. João iniciou a atividade sexual com 15 anos, e teve uma parceira no último ano, às vezes fazia uso de métodos contraceptivos, no caso, camisinha. Essa é sua primeira gestação. O casal vive de aluguel em uma residência com quatro cômodos, enquanto a casa própria está em construção.

João não relata muito sobre suas relações familiares. Sobre sua relação com o pai, o jovem afirma que é boa, mas não residem próximos. De acordo com Freitas, Coelho e Silva (2007), a forma como um pai experiencia a paternidade tem implicações de como foi a relação vivenciada entre pai e filho em tempos anteriores, que ainda assim, tendem a influenciar na forma como o homem, no caso, esse novo pai, posiciona-se frente à sua masculinidade. Para sua realização como pai, ele busca referências em seu próprio pai encontrando, na maioria das vezes, o modelo de pai distante e pouco envolvido afetivamente, referencial de masculinidade ainda hegemônico” (Freitas, Coelho & Silva, 2007, p. 143).

João justifica a não proximidade com o pai por este não residir perto. E a comunicação entre eles está comprometida, pois segundo o jovem está sem aparelho celular para comunicar-se com o genitor. Vale frisar que, tais referências são relevantes para o seu novo papel – papel de pai. Segundo Gabriel e Dias (2011), o homem, por meio do seu próprio pai, busca constituir sua forma de ser um pai. Deste modo, esta criação para si de um novo pai possui características do pai que este teve, como da maneira de ser deste. Mesmo que estes novos pais demarquem as distinções que possuem quanto ao pai que tiveram, e aquilo que anseiam fazer diferente. De acordo com a pesquisa sobre ausência paterna de Damiani e Colossi (2015), os filhos percebem cada qual a sua maneira o distanciamento do pai e o enfrentamento dessa ausência dependerá de inúmeros aspectos como os próprios recursos individuais dos filhos; sua rede de apoio familiar e social; os recursos emocionais da mãe, entre outros.

A relação de João com sua família de uma forma geral é boa, moram todos no mesmo bairro. O jovem relatou que foi criado por uma tia e sua avó. Devido a isso, tem uma relação mais próxima com essa tia, que segundo ele, é praticamente sua segunda mãe: Minha mãe praticamente, né? Segunda mãe” [sic]. João residia na casa dessa tia, e com eles viviam sua avó e sua prima. João e a tia ainda hoje são próximos, costumam conversar, e o jovem a visita. Vale frisar que sua tia, e a mãe do jovem pedem seu filho para criar, contudo, o jovem afirma: “Oxe. Deixo nada. Vai ser minha alegria. Eu vou deixar ele pra lá nada” [sic].

João não fala muito de sua mãe, contudo, ela a envolve no processo da gravidez, pois o jovem a inclui como integrante da família que o apoia, juntamente com a Raquel, e busca inteira-se de como está à gravidez. Vale frisar, que a casa que João está construindo, para sair do aluguel, fica no andar de cima da casa de sua genitora. E sobre a avó de João, o jovem só cita que residiu na mesma casa que ela, sua tia e uma prima. Sobre esta prima, o jovem mostra uma admiração, e enfatiza que ela é a parente que seguiu os estudos, e é discente de uma instituição de ensino federal.

E quanto à relação do jovem com o padrasto, na história contada no procedimento Desenho da Família com Estória, João aborda ter tido uma desavença com o padrasto, que foi resolvida. E afirma gostar do meio irmão. Deste modo, nota-se que a família do jovem apareceu de forma mais marcante no procedimento aplicado, como relatar um padrasto, que João não referenciou na entrevista.

João desenhou sua família natural na primeira (família qualquer) e segunda consigna (família que gostaria de ter) deste procedimento. Na primeira consigna João desenha seu pai, mãe e uma prima. Na história ele conta: “Que é no tempo que minha mãe tava junto com meu pai. E minha prima foi porque ela num gosta não quando eu desenho ela, ela fica brava” [sic].João afirma que o desenho tem semelhanças com a prima. E o jovem enfatiza que neste tempo eram só alegrias, pois estavam todos juntos e sem brigas. E quando inquerido, o jovem fala sobre sua mãe que não frequenta muito a casa de sua avó, e comenta que antes eram mais unidos. Observa-se neste desenho e na história uma experiência mais alegre e unida na época que seus pais estavam juntos.

Na segunda consigna, o jovem desenha o padrasto, o irmão, a mãe, ele mesmo e a esposa. E a história que conta é: “Rapaz, tenho muito que contar não, rum. É ...é só nós mesmo, né? Mais da minha parte mesmo é só nós assim mesmo. ...Meu padrasto, a gente teve uma desavença com ele, mas, tranquilo hoje em dia. Meu irmão, eu gosto muito dele também. Filho dele com ela (mãe). Minha mãe gosta muito da Raquel. ... E eu gosto de todos eles (sorri). Tenho muito que falar não” [sic]. Por meio do inquérito o jovem assegura que os personagens do desenho estão sorrindo em detrimento da chegada de seu filho. Observa-se neste desenho e história que o conflito com o padrasto foi superado, e o interessante é que ele não coloca seu pai nesta consigna, talvez retratando o afastamento deste de sua vida como apontou na entrevista.

Ainda quanto a segunda consigna o jovem afirma não ter uma família que possa almejar, pois mostra-se satisfeito com a família que tem. O jovem assegura que sua família é boa e composta por muitas pessoas. Pontua que sua família está feliz com a chegada de seu filho. Os familiares buscam inteirar-se sobre como está o desenvolvimento do bebê, se preocupando com a chegada deste, com João e com a adolescente gestante.

Quanto a constituição da sua nova família o pai João a representa na segunda consigna (família que gostaria de ter) e na quarta consigna (própria família). A segunda consigna já foi descrita anteriormente, e quanto a quarta consiga, João desenha-se juntamente com a esposa e o filho e próximo deles uma casa. A história diz:“Rapaz... tenho não muita coisa pra contar não, oia. A história que aconteceu foi boa demais” [sic]. E no inquérito afirma que eles estão indo para a nova residência, casa esta que está sendo construída. Nesta consigna traz de forma mais marcante sua companheira (Raquel), conta no inquérito a ansiedade para o dia que poderá sair da casa de aluguel e ir residir em um local próprio. Esta situação faz parte dos projetos de vida do jovem, relatados em entrevista. Deste modo, nota-se que a família que o jovem está constituindo faz parte de seus projetos de vida.

Com relação à companheira, João atribui a ela o fato dele hoje estar trabalhando, seguindo sua rotina e não mais roubando e vendendo produtos ilegais. Ele entrega a ela seu salário, a qual é a responsável pela administração financeira da casa, bem como pelos afazeres domésticos. Observam-se grandes mudanças na vida de João advindas pela relação conjugal e pela paternidade. Jager e Dias (2015) identificaram em um estudo com adolescentes pais que a paternidade foi percebida como uma experiência que trouxe amadurecimento, crescimento pessoal, maior responsabilidade em prover financeiramente a família e os cuidados com o bebê.

As mudanças vistas na vida de João, até mesmo em seu proceder, dialogam com um estudo desenvolvido por Souza, Silva, Mata e Amara (2016): “A parentalidade na adolescência requer responsabilidades e estas, por sua vez, impulsionam os envolvidos a um processo de maturidade precoce, estimulando-os a meditarem sobre seu comportamento e a tomada de novas atitudes” (p. 311). Ainda segundo Souza et al. (2016), os adolescentes enfatizam que saíram de uma vida social ativa e buscam agora, com a paternidade, a construção de uma outra identidade, sendo esta a adulta. E assim, terem uma vida mais reclusa ao lar, permanecendo do lado da companheira e do seu filho.

A paternidade durante a gestação pode ser observada de diversas formas, mas principalmente ao suporte que o pai oferece a gestante. João afirma estar satisfeito com o pré-natal de Raquel. O jovem não consegue acompanhar as consultas do pré-natal, pois o trabalho não lhe permite, e por ser novo no emprego, precisa acatar a decisão do superior, só tendo liberação se for necessário“Tem vez que ele libera, caso ele vê que é necessário, né? Mas quando num é ... num libera não” [sic].

A companheira (Raquel) de João quer sua companhia nas consultas, e costuma falar-lhe o que perdeu: “Tu nem foi. Num viu o coração do menino batendo”. E o jovem lamenta: “E eu sem tempo de ir. Aí, complica tudo, né?”. Entretanto, quanto ao nascimento do bebê, o jovem afirma que irá: “Eu acho que quando o menino for nascer nem em casa eu vou tá. Eu vou tá trabalhando. Ai eu vou ter que ir de todo jeito. Mas eu vou! ... Tem que ir” [sic].

Considerações sobre os casos

Carlos e João demonstraram estar vivenciando a paternidade na adolescência desde a gestação. Os dois jovens estão com 18 anos e, conforme Blos (1998), eles estariam na fase final da adolescência, momento de um maior amadurecimento emocional comparado ao início desta fase. Neste período o impulso cede espaço para a capacidade de planejar o futuro, de cuidar de um outro, de se engajar em relações mais estáveis, de trabalhar com intuito de alcançar sua independência financeira (Macedo, Azevedo & Castan, 2012).

Tanto Carlos quanto João demonstraram estar recebendo suporte de suas famílias naturais. Santos, Santos, Mota, Galhardo e Medeiros (2015) apontam que a maternidade/paternidade durante a adolescência tem sido considerada um fenômeno coletivo que pode provocar mudanças não apenas para os adolescentes, mas para todas as famílias envolvidas e até para a comunidade na qual os jovens estão inseridos.

Carlos relata conviver bem com seus pais e irmãos, e tem um modelo de constituição familiar onde seus pais eram jovens quando iniciaram a constituição da família, isso parece ser uma referência para o jovem. Essa referência familiar auxilia Carlos a criar a família que almeja. Cabe aos pais não abdicarem de suas responsabilidades para com seus filhos, frisando que ao confrontá-los, oportuniza a estes a contenção, sendo esta primordial para que estes possam se organizar tanto internamente quanto socialmente. “Estar em família” é um sentimento que propicia, frente a contendas, que os membros da família, sejam crianças, adolescentes e/ou adultos sobrevivam a estes possíveis entraves familiares (Winnicott, 1968/1996).

João relata algumas separações e distanciamentos, foi criado pela avó e tia e se queixa sutilmente da ausência materna, e com a gestação parece estar podendo retomar a relação de proximidade com a mãe, que demonstra interesse e preocupação com o filho e o neto, além dele estar construindo sua casa em cima da casa da mãe. Com o pai, o jovem diz estar distante física e emocionalmente, mas lembra de momentos bons quando seus pais estavam juntos. Com o padrasto também demonstrou desavenças que foram superadas, segundo João.

Considerando as relações familiares de Carlos e João, e suas configurações e mudanças, segundo Matos, Magalhães, Fères-Carneiro e Machado (2017) a paternidade é um período que implica em transformações, ajustamentos, e os pais neste processo passam por vivências de sentimentos contrastantes. “(...) para que os homens possam lidar com os sentimentos inerentes a essa etapa do ciclo vital e ultrapassar tal período de transição com menos dificuldades, é necessário que disponham de uma rede de apoio consistente” (Matos et al., 2017, p. 269).

A importância do suporte emocional, físico, financeiro da família para com os adolescentes foi identificado em diversas pesquisas, bem como nos casos aqui apresentados, porém outras questões familiares também devem ser refletidas: o fato do adolescente pai ainda depender dos pais pode afetar o exercício de sua parentalidade? Que configurações familiares se estabelecem, onde os filhos(as) adolescentes, netos(as) e noras(genros) acabam por residir na mesma casa ou no mesmo terreno, devido as dificuldades financeiras? Santos, Teston, Cecílio, Serafim e Marcon (2015) identificaram que a insegurança das adolescentes mães no cuidado com seus filhos, possibilitou que as avós assumissem o papel parental. Os dados da presente pesquisa demonstraram os adolescentes assumindo a paternidade no cuidado com a gestante e na identificação com seu filho durante a gestação, mas seria interessante a realização de pesquisas com esse público no exercício da paternidade após o nascimento do filho, para assim, aprofundar e compreender melhor estas questões.

Referente às relações com a constituição da nova família, os dois jovens pais abordam a relação com a companheira de forma positiva, como sendo uma boa relação, mesmo pontuando que durante a gravidez a relação mudou um pouco, em função da própria gestação. Conquanto, os dois pais acolheram suas companheiras, seja no cuidado, em buscar participar do pré-natal, dar atenção, e/ou estarem disponíveis para estas. Desta feita, João e Carlos “envolvem” a companheira em uma “capa protetora”. A “capa protetora” é um conceito que refere-se ao suporte afetivo que envolve a mãe. Esta “capa” exerce a função de oferecer suporte para esta mãe, para que assim, esta consiga ater-se a sua condição de mãe, e preocupar-se com seu filho (Winnicott, 1960/2005).

Desta forma, a presença protetora e acolhedora destes pais para com suas companheiras grávidas é importante para o desenvolvimento da “preocupação materna primária”, um estado de sensibilidade exacerbada que inicia-se na gravidez e perdura alguns meses após o parto, a mãe neste estado adapta-se espontaneamente às necessidades do bebê (Winnicott, 1956/2000).

Quanto ao acompanhamento das consultas de pré-natal, este não é realizado regularmente tanto por Carlos como por João, justificando a ausência por terem que trabalhar. Deste modo, os jovens acabam tendo as informações de seus respectivos bebês por meio de suas companheiras (Raquel e Diana). Um dos principais objetivos da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem (PNAISH) é a ampliação, o acesso, o acolhimento dos homens aos serviços e programas de saúde, bem como a qualificação das práticas de cuidado no Sistema Único de Saúde (SUS). Essas práticas deveriam ser realizadas através de ações educativas que buscam a valorização da paternidade e sensibilização de toda a sociedade (Brasil, 2009).

Após essa política, surgiu em 2016 o Pré-Natal do Parceiro com o objetivo de transformar as construções de gênero que afastam os homens tanto dos compromissos e dos deveres à reprodução e aos cuidados das crianças, quanto dos prazeres e dos aprendizados que circundam estes processos (Brasil, 2016). Estudos apontam a importância do pai no pré-natal para: melhora na convivência familiar, na colaboração, nas expectativas, empatia, na compreensão e sentimentos de segurança e confiança das gestantes (Miura et al., 2019; Oliveira, Silva & Lopes, 2018; Ferreira et al., 2016; Souza & Gualda, 2016).

O envolvimento paterno na gestação, e consequentemente no período pré-natal, está além do acompanhamento de consultas e ultrassons, como aponta Piccinini, Carvalho, Ourique e Lopes (2012) se relaciona também ao desenvolvimento emocional. Pois o pai participa da gestação através do suporte que oferece a mãe, como o apoio emocional, preocupações e o cuidado com o bebê.

A relação dos pais com os bebês inicia-se durante o processo da gravidez. Esta relação pôde ser vista na participação destes pais na escolha dos nomes do bebê. Ambos os pais pontuaram imaginar seu bebê. Não obstante, segundo Piccinini, Levandowski, Gomes, Lindenmeyer e Lopes (2009) alguns pais não referirem a construção da imagem mental do bebê não significa obrigatoriamente que não a tenha construído internamente, pois pode ser que esta só não tenha sido verbalizada ou algum bloqueio, interno ou externo, tenha impedindo a manifestação dessa imagem pelos pais no momento da verbalização.

Diante disto, a referida literatura assegura que mesmo se um pai não afirmar constituir o bebê imaginado, não se pode garantir que uma relação entre este pai e filho não exista. Que não é o caso dos pais entrevistados, pois ambos imaginam seu bebê. Quanto a João, o jovem espera ansioso para ver seu filho. E ainda acredita que o bebê virá parecido com ele. Outra identificação é vista na relação pai-bebê no fato da escolha do nome da criança. João informa que o nome do filho foi escolhido por se assemelhar ao seu nome. E para o jovem, esta nomeação configura-se como um orgulho para ele. Segundo o estudo desenvolvido por Piccinini et al. (2009), em relação a definição do nome do bebê: “as expectativas e sentimentos da maioria dos futuros pais em relação ao nome do bebê apareceram ligados às características do próprio nome (37%)” (p .378). Diante disto, a maioria dos pais do estudo nomeou seus filhos de forma parecida com seus próprios nomes, assim como João.

A relação de Carlos com o bebê inicia-se no período da gestação. O jovem já pensava no bebê, no nome, e em como seria. O jovem sonhou com uma menina e se tornou pai de uma menina: “(...) tinha olhos castanhos ou era azul. Cabelo cachado...castanho também. E mais ou menos da cor da mãe dela” [sic]. Carlos ainda buscava fazer parte dos momentos do pré-natal, onde poderia saber sobre o desenvolvimento do bebê.

Para Meincke e Carraro (2009), a paternidade é vivenciada de diferentes maneiras que variam conforme a cultura e os valores construídos ao longo das gerações. O estudo de Bueno, Meincke, Schwartz, Soares e Correa (2012) ressalta que existe uma fragilidade na rede social dos jovens, sendo o apoio familiar fundamental para vivenciar a paternidade.

Carlos descreve a paternidade como ser responsável pelo cuidado da filha e tal cuidado pôde ser percebido durante a gestação: “Você saber cuidar do seu filho, da sua família. Tá sempre presente quando precisarem. E, você sempre se coloca no lugar da outra pessoa” [sic].Para João, paternidade também implica uma responsabilidade de arcar financeiramente com as demandas que o filho necessitar, na orientação e educação do filho, para que este não repita sua história (repetência, evasão escolar e prática de atos ilícitos – furtos e venda de produtos ilegais). Diante disto, João apresenta uma questão relevante e atual, onde a paternidade é vista não só como o sustento financeiro do filho, incluindo o cuidar e o educar. Segundo Arruda e Lima (2013), a paternidade não mais restringe-se aos parâmetros rigorosos da vida patriarcal, sendo o pai o único e exclusivo responsável pelo sustento financeiro familiar. É notório na atualidade mudanças de valores, e nas formas de vida, seja no contexto individual como no familiar.

Deste modo, é possível observar que o conceito de paternidade para estes adolescentes pais atravessam outras questões, como se circunscreve nas relações familiares, no referencial que tem do seu genitor, para sua própria construção de papel de pai, como a paternidade está envolvida nas relações da constituição da nova família, seja na relação com a companheira quanto na relação pai-bebê. A paternidade vista como responsabilidade para os participantes está para além do custeio financeiro da família, estendendo-se ao cuidado, ao estar presente, a educar, orientar. Esta responsabilidade é demarcada pelos dois pais com um arcar financeiramente com o sustento do filho, e também envolve um cuidado com a companheira. Diferentemente do estudo apresentado por Freitas et al. (2009), onde: “Os homens que restringiram a paternidade à responsabilidade assumiram-se como provedores materiais e guardiões da família, sob o modelo de pai tradicional” (p. 88), reforçando o conceito tradicional de paternidade.

De acordo com Meincke e Carraro (2009), os problemas e o peso da responsabilidade de ser pai parecem aumentar quando este pai escuta sobre as dificuldades do papel paterno. Para os autores, a paternidade é vivenciada de diferentes maneiras que variam conforme a cultura e os valores construídos ao longo das gerações. Diante disto, Carlos e João vivenciam a paternidade na adolescência de forma distinta e relacionam esse fenômeno a um exercício de maior responsabilidade como apontado por Souza, Silva, Mata e Amara (2016). Cherer et al. (2018) , onde os participantes do estudo expressaram certa ambivalência frente à experiência da paternidade com seu primeiro filho, e reconheceram a necessidade um reposicionamento frente à vida.

 

Considerações finais

Foi possível constatar com esta pesquisa o perfil sociodemográfico dos dois pais participantes da pesquisa, todos são alagoanos, adolescentes, se autodeclararam pardo e negro, possuem uma baixa renda familiar e interromperam os estudos em algum momento da vida. Todos os pais moram com suas companheiras com idade entre 15 e 17 anos e possuem empregos com direitos trabalhistas.

Quanto ao desenvolvimento da paternidade durante a gravidez, os pais abordaram que a paternidade implica em responsabilidade, bem como relacionaram esse conceito ao cuidado e amor para com o bebê, esposa e/ou família, e suprir as necessidades básicas do filho. Vale ressaltar que cada jovem demonstrou a constituição da nova família de maneira singular, demarcando esse momento e o desenvolvimento da paternidade de formas distintas.

Ao investigar esse momento tão intenso e complexo da vida do adolescente pai, o estudo também revelou que as experiências vividas com seus pais, avós, tios marcaram suas vidas (família natural) e afetaram suas relações no processo de constituição da nova família, por exemplo, a relação com o próprio pai se apresentou muito importante para a construção do papel de pai e sua vivência enquanto filho. Além disso, observou-se que as relações familiares são apoios importantes no momento da gravidez que é tão singular. Nesse estudo, as famílias destes dois jovens estavam envolvidas no processo gestacional, mostrou-se, assim, como um potencial para este momento da vida.

Sobre à relação pai-mãe antes do nascimento do bebê, todos os pais asseguraram que tal relação era boa, e que houve mudanças na gravidez devido às alterações de comportamento da gestante. A relação pai-bebê foi evidenciada na participação dos pais na escolha dos nomes dos bebês, descrição do bebê imaginado buscando semelhanças físicas paternas e na implicação pelo cuidado do bebê ainda durante a gestação.

Este estudo não esgota as discussões sobre paternidade na adolescência, uma vez que possui algumas limitações: número reduzido de participantes, que não permitiu uma comparação entre grupos de adolescentes com características diferentes; público com condições socioeconômica baixa; e não estudou as relações de paternidade após o nascimento do bebê. Entretanto, a utilização de um roteiro semiestruturado com a utilização do procedimento desenho da família com estória contribuiu para investigação pretendida.

Os achados do presente estudo oferecem uma contribuição à literatura sobre a paternidade na adolescência, ao descrever alguns aspectos desse processo que permitiu um espaço de valorização, escuta e sustentação da experiência emergente de paternidade para esses participantes falarem acerca de suas vivências da paternidade. Além disso, os resultados oferecem uma contribuição não apenas a respeito da díade pai-bebê, mas sobre aspectos da tríade pai-mãe-bebê, e as relações familiares podendo embasar intervenções que focalizem essas interações.

 

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Endereço para correspondência
Paula Orchiucci Miura
E-mail: paula.miura@ip.ufal.br

Kedma Augusto Martiniano Santos
E-mail: kedma.santos@ip.ufal.br

Estefane Firmino de Oliveira Lima
E-mail: estefane.lima@ip.ufal.br

Enviado em: 06/09/2019
1ª revisão em: 27/09/2019
2ª revisão em: 21/02/2020
Aceito em: 06/03/2020

 

 

1 Professora Adjunta do Instituto de Psicologia da Universidade Federal de Alagoas.
2 Graduanda de Psicologia pela Universidade Federal de Alagoas e Bolsista PIBIC/UFAL no período 2018-2019.
3 Graduanda de Psicologia pela Universidade Federal de Alagoas e Colaboradora PIBIC/CNPq no período 2018-2019.

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