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Pensando familias

versión impresa ISSN 1679-494X

Pensando fam. vol.24 no.1 Porto Alegre ene./jun. 2020

 

ARTIGOS

 

Práticas parentais e associações com autoestima e depressão em adolescentes

 

Parental practices and associations with self-esteem and depression in adolescents

 

 

Guilherme Welter Wendt1, I ; Marli Appel-Silva2

I Universidade Estadual do Oeste do Paraná

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A presente investigação buscou avaliar as relações entre as práticas parentais (PP) com autoestima e sintomas de depressão em adolescentes, utilizando, especificamente, análises correlacionais e modelos de regressão linear Os resultados mostraram associações mais robustas entre PP com a depressão do que com autoestima. A nálises de regressão indicaram que sexo, intrusividade e apoio emocional explicar am cerca de um quarto da sintomatologia depressiva. Tomados em conjunto, os achados da investigação reforçam que os comportamentos emitidos pelos pais na educação dos seus filhos podem se associar tanto com desfechos negativos, como depressão, como com desfechos positivos (autoestima).

Palavras-chave: Práticas parentais, Adolescência, Autoestima, Depressão.


ABSTRACT

The present study analyzed the associations between parental practices (PP), self-esteem and depression in adolescents, using both correlational and regression analyses. The results showed that associations between PP were more robust for depression than for self-esteem. Regression analyzes indicated that gender, emotional support and intrusiveness might account for nearly 25% of depressive symptoms. Taken together, the findings of the research reinforce that the behaviors emitted by the parents in the education of their children can be associated with both negative outcomes, depression and positive outcomes (self-esteem).

Keywords: Parental practices, Adolescence, Self-esteem, Depression.


 

 

O objetivo do estudo foi de (i) avaliar as relações entre práticas parentais (PP) com autoestima e sintomas de depressão em adolescentes, bem como de (ii) explorar o papel preditivo das PP em modelos de regressão tomando autoestima e depressão como desfecho.  O manuscrito organiza-se da seguinte forma: inicialmente, será apresentada uma revisão teórica sobre conceitos utilizados no estudo, sobretudo no que tange à importância das PP no desenvolvimento socioemocional de crianças e adolescentes. Estudos prévios serão apresentados e discutidos, com foco em investigações empíricas sobre autoestima e depressão na população infanto-juvenil. Subsequentemente, serão apresentadas as hipóteses e métodos do estudo, seguidos de exposição e discussão dos resultados.

Minuchin, Lee e Simon (2008) reforçam a necessidade de compreender o sistema familiar em sua singularidade. Nesse sentindo, o conceito de práticas educativas parentais refere-se a um conjunto amplo de comportamentos, crenças e expectativas que, dentro de um sistema familiar e sociocultural, busca explicar como ocorre a dinâmica parental no que tange à educação dos filhos (Lind, Westerling, Sparrman, & Dannesboe, 2006). É necessário frisar que os papéis de pai e mãe não são, necessariamente, atrelados ao laço biológico/sanguíneo, sendo que, em determinadas situações, são outras pessoas que exercem as PP. Para Lind et al. (2006), um fator importante é que as PP não são vistas como unilaterais, emanando dos pais em direção a filhos receptores e passivos.

No contexto nacional, Teixeira, Oliveira e Wottrich (2006) desenvolveram as Escalas de Práticas Parentais (EPP; Teixeira et al., 2006) visando prover uma medida que pudesse aferir não somente práticas de responsividade e exigência (que dominaram, por muito tempo, a literatura acerca das PP), mas também outras dimensões importantes. Assim, através de refinamento teórico e metodológico, os autores propuseram as EPP contendo os seguintes componentes: Apoio Emocional (AE), Cobrança de Responsabilidade (CR), Controle Punitivo (CP), Incentivo à Autonomia (IA), Intrusividade (IN) e Supervisão do Comportamento (SC) (Teixeira et al., 2006). Uma das premissas apresentadas no estudo de validação das EPP foi de que uma visão mais detalhada dos diferentes componentes das PP pudesse ser de maior valia em estudos acerca de temas importantes ao desenvolvimento de crianças e adolescentes.

Práticas parentais e o desenvolvimento socioemocional de crianças e adolescentes

Evidências de que o contexto familiar modula o desenvolvimento socioemocional de crianças e adolescentes são robustas, indicando que indivíduos deprimidos e com baixa autoestima tendem a perceber seus progenitores como possuindo dificuldades afetivas, sendo pouco suportivos, autoritários  e indutores de culpa (Garber, Robinson, & Valentiner, 1997). Em um estudo nacional, 32 mães de crianças com problemas internalizantes e 32 mães de crianças sem tais problemas foram entrevistadas em relação ao uso de práticas educativas parentais. O objetivo era de comparar e correlacionar o uso de práticas educativas em relação à presença de sintomas nos filhos, que possuíam idade média de seis anos (Bolsoni-Silva, Loureiro, & Marturano, 2016). Os resultados mostraram que depressão e ansiedade foram os problemas internalizantes mais comuns nas crianças (66%), indicando, ainda, que uma correlação moderada e positiva (r = 0,41, p < 0,05) existe entre o número de problemas internalizantes relatado pelas mães e o uso de práticas educativas negativas (e.g., violência física, gritos e insultos, entre outras; Bolsoni-Silva et al., 2016).

Para além das dificuldades emocionais internalizantes, estudos também indicam que PP de cunho negativo impactam o comportamento dos filhos. Outra investigação brasileira indicou que dimensões como monitoria negativa, disciplina relaxada e punições inconsistentes foram moderadamente associadas com um maior número tanto de problemas internalizantes como externalizantes em adolescentes (Mello-Sabbag & Bolsoni-Silva, 2011). Ainda, práticas maternas positivas, de acordo com o Roteiro de Entrevista de Habilidades Sociais Educativas Parentais (RE-HSE-P; Bolsoni-Silva, 2009), relacionaram-se de modo significativo com um menor número de problemas internalizantes (r = -0,49) e externalizantes (r = -0,51). No tocante aos resultados obtidos pelo Inventário de Estilo Parental (IEP; Gomide, 2006), houve relação significativa entre negligência materna – dimensão negativa, que denota pouco AE – com maior número de problemas externalizantes (r = 0,50) (Mello-Sabbag & Bolsoni-Silva, 2011).

O uso de PP relacionadas ao controle, especialmente ao controle punitivo, vem sendo estudado há várias décadas por pesquisadores de diversas áreas, como a Psicologia das Relações Familiares e a Psicologia do Desenvolvimento, dentre outras (Grolnick, 2003; Morawska, Dittman, & Rusby, 2019). Normalmente, práticas de controle são conceitualizadas ao longo de um continuum que varia desde controle psicológico versus autonomia psicológica (Barber, 1996; Grolnick & Ryan, 1989), práticas parentais mais democráticas versus práticas autocráticas (Baldwin, 1948) e autoritarismo versus autoritativismo (Steinberg, Elmen, & Mounts, 1989). O exercício da parentalidade de forma intrusiva e a imposição de normas e comportamentos sem que haja diálogo são um método que pode não favorecer a autonomia necessária ao desenvolvimento sadio dos filhos (Mosmann, Costa, Silva, & Luz, 2018). A título de exemplificação, a prática parental de IN foi preditora (β = 0,200) significativa de sintomas externalizantes, mensurados pelo Child Behavior Checklist (CBCL; Achenbach, 1991) em uma recente investigação nacional (Mosmann et al., 2017). Já em relação aos comportamentos dos pais sobre a SC dos filhos , bem como no que tange à CR , poucos estudos foram localizados no contexto nacional . Mosmann et al. (2017) mostraram que as práticas de SC foram significativas em modelos de regressão que buscaram explicar o número de problemas externalizantes (β = 0,172). Evidências são ainda mais escassas acerca do papel das práticas de SC e CR na explicação de problemas internalizantes, como baixa autoestima e elevada sintomatologia depressiva.

Por outro lado, as PP positivas, que incentivam a autonomia, podem ser definidas como aquelas que propiciam ao indivíduo experimentar as ações como se fossem genuinamente suas, ocorrendo “de dentro pra fora” (Grolnick, 2003, p. 15). Na perspectiva de que tais práticas se situam em um espectro (ou um continuum de maior a menor autonomia), práticas de IA diferenciaram-se das práticas de CP, uma vez que estas implicam um lócus de causalidade externa, como se a conduta tivesse sido exteriormente imposta. Em uma investigação realizada com pais de crianças com e sem problemas clínicos, Mosmann et al. (2018) notaram que o uso de PP de IA foram estatisticamente capazes de diferenciar filhos com e sem presença de dificuldades inter- e externalizantes. Um estudo americano, realizado com 240 participantes com idade média de 11,86 anos e suas respectivas mães, também forneceu indícios importantes de que práticas de IA estão associadas com desfechos relevantes ao desenvolvimento socioemocional de crianças e adolescentes (Garber et al., 1997). Assim, condutas maternas voltadas ao desenvolvimento de autonomia foram relacionadas com menor sintomatologia depressiva (r = -0,32, p < 0,05) e maior autoestima (r = 0,30, p < 0,05) (Garber et al., 1997).

É preciso considerar que existe expressiva sobreposição de influências hereditárias nos problemas psicológicos, incluindo sintomatologia depressiva e dificuldades associadas com à autoestima (Neiss, Stevenson, Sedikides, Kumashiro, Finkel, & Rusbult, 2005; Neiss, Stevenson, Legrand, Iacono, & Sedikides, 2009) . Os estudos sobre influência hereditária consideram tanto as “influências ambientais compartilhadas” quanto as “influências ambientais não-compartilhadas ”. Dentre tais influências, certamente o papel dos pais e/ou das figuras responsáveis pela condução das PP é de grande destaque para o surgimento de problemas relativos à depressão e autoestima (Garber et al., 1997).  Assim, dada a escassa produção científica sobre o tema das PP, aliada com a necessidade de prover informações cientificamente válidas aos profissionais que atuam com grupos familiares – seja para a prevenção ou intervenção diante de dificuldades emocionais – adquire relevância o estudo de preditores de desfechos emocionais, incluindo depressão e autoestima.

O presente estudo

No âmbito da produção científica nacional e internacional, constata-se um interesse modesto no exame do papel das PP em relação a desfechos socioemocionais de crianças e adolescentes (Bolsoni-Silva et al., 2016; Macarini, Martins, Minetto, & Vieira, 2010; Mello-Sabbag & Turini Bolsoni-Silva, 2011). Por conseguinte, o objetivo do estudo foi de (i) avaliar as relações entre PP com autoestima e sintomas de depressão em adolescentes, bem como de (ii) explorar o papel preditivo das PP em modelos de regressão tomando autoestima e depressão como desfechos. Em sintonia com investigações prévias, espera-se que práticas do tipo CP e IN estarão positivamente associadas com depressão e negativamente associadas com autoestima (Bolsoni-Silva et al., 2016). Acerca das práticas de AE e IA, esperam-se associações com menor sintomatologia depressiva e níveis mais elevados de autoestima (Garber et al., 1997; Mello-Sabbag & Turini Bolsoni-Silva, 2011). No tocante a CR e SC não foram estabelecidas hipóteses prévias.

 

Método

Delineamento e participantes

Participaram desde estudo quantitativo e correlacional 454 adolescentes (53,5% meninas), com idades variando entre 11 a 17 anos (M=14,49, DP=1,49) , estudantes de escolas públicas e privadas localizadas na região metropolitana de Porto Alegre, RS. O tamanho amostral foi calculado no programa G*Power e garantiu poder de 95% e um nível de significância igual ou inferior a 0, 05 (Faul, Erdfelder, Lang, & Buchner, 2007).

Instrumentos

Escala de Autoestima de Rosenberg.Formada por dez itens que avaliam o autoconceito e a autoestima, dispostos em uma escala de quatro pontos, variando de zero (discordo totalmente) a quatro pontos (concordo totalmente) (Rosenberg, 1979). A versão utilizada neste estudo foi adaptada para o uso no Brasil por Hutz (2000). Um exemplo de item é “Sinto que sou uma pessoa de valor, no mínimo tanto quanto as outras”. Escores mais elevados indicam maior autoestima, sendo 40 o escore total possível. O instrumento mostrou consistência interna aceitável (α = 0,72).

Escalas de Práticas Parentais. As EPP são formadas por 27 itens, com opções de resposta variando de um (quase nunca ou bem pouco) a cinco (geralmente ou bastante), sendo que podem ser utilizadas as versões focando na mãe, no pai, ou em ambos (escore combinado). Um exemplo de item é “Me aplica algum castigo se não concorda com o meu comportamento”. Na presente investigação, foi utilizado o escore combinado. O instrumento mostrou consistência interna aceitável, tanto em sua escala global (α = 0.91) como em relação às subescalas de AE, CR, CP, IA, IN e SC (α’s= 0,90, 0,76, 0,76, 0,74, 0,69 e 0,81 respectivamente).

Inventário de Depressão Infantil (CDI). O instrumento, composto por 27 itens, mensura sintomas relacionados com a depressão na população infanto-juvenil. Os participantes são instruídos a responder o grau de concordância com cada item em uma escala de três pontos, variando de zero (de vez em quando) a dois (sempre/quase sempre). Um exemplo de item é “Eu fico triste de vez em quando, às vezes, ou eu estou sempre triste”. No Brasil, o CDI foi validado para populações de sete a 17 anos por Hutz e Giacomoni (2000). Quanto mais elevado o escore, maior é a severidade dos sintomas de depressão, sendo que o escore máximo possível é 54 (Kovacs, 1992). O instrumento mostrou adequação em termos de consistência interna (α = 0,82).

Procedimentos

Este estudo seguiu todos os cuidados éticos necessários. O anonimato no tratamento dos dados e na divulgação dos achados da pesquisa foi garantido, bem como se atentou para os princípios de bem-estar e da não-maleficência (American Psychological Association, 2012). O estudo foi encaminhado para apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade, sendo aprovado (Res. nº 181). A possibilidade de recusar a participação foi assegurada e, na hipótese de qualquer desconforto em decorrência do estudo, instruções foram fornecidas aos pesquisadores para a realização de orientações e encaminhamentos. Sete escolas foram contatadas, sendo que quatro aceitaram participar e assinaram a carta de anuência. Na sequência, foram entregues os Termos de Consentimento Livre e Esclarecido, requerendo a assinatura dos pais/responsáveis e também dos próprios participantes. Os instrumentos foram respondidos de maneira coletiva, em sala de aula, em sessão única (duração média: 40 minutos).

Estratégia de análise dos dados

Os dados foram analisados utilizando os programas Rstudio (versão 1.1.456) e SPSS (versão 22). Inicialmente, foi aferida a distribuição dos dados e inspeção de casos faltantes e/ou anômalos. Para o exame da associação entre as variáveis, foi utilizada a técnica de correlação bivariada acompanhada dos intervalos de confiança (IC 95%). Em decorrência do número de variáveis incluídas nos procedimentos correlacionais, utilizou-se o método proposto por Benjamini e Hochberg (1995) para o controle de erro do tipo I (descoberta falsa [DF]) através do uso de uma aplicação online (SDM Project Web, 2018). Ainda, correlações parciais entre as PP com sintomas de depressão foram realizadas controlando os níveis de autoestima; igualmente, correlações entre as PP com autoestima também foram calculadas controlando os sintomas de depressão. Em ambos os casos, foi utilizado bootstrapping com 1.000 amostras. Tais procedimentos visam apresentar uma visão da contribuição individual da depressão e da autoestima, considerando que ambas possuem fatores etiológicos comuns (Neiss et al., 2005, 2009). Em relação aos procedimentos de regressão, utilizou-se o método Stepwise hierárquico (incluindo o gênero do participante no bloco 1), após a checagem de uma série de requisitos para a condução de tais análises. Os preditores seriam elegíveis para inclusão em modelos de predição caso o resultado do método da DF permanecesse significante.

 

Resultados

Conforme disposto na Tabela 1, a autoestima esteve moderada e negativamente correlacionada com sintomas de depressão e, em menor intensidade, com a PP de IN . Já os sintomas de depressão aumentaram na medida em que houve maior IN e diminuíram quando escores maiores de AE, IA, SC e de CR foram analisados.

 

 

Quando as correlações entre as PP com autoestima foram controladas pelos sintomas de depressão, as antes significativas associações com AE e IN possuem um novo valor de p = 0,80 e 0,27, respectivamente. Nenhuma outra associação, anteriormente acima de 0,05, tornou-se significante após tal controle (Tabela 2). Já quando a influência da autoestima é controlada nas associações entre depressão e as PP, as associações com IA e SC deixam de ser significativas (novos valores de p = 0,06 e 0,55) (Tabela 2). Como as análises de correlações parciais foram realizadas utilizadando bootstrapping, não foi necessário controle para DF. Assim, os resultados indicam que, na medida em que ocorrem práticas parentais de AE e CR em proporção elevada, diminui a sintomatologia depressiva; em contraste, quanto maior a intrusividade (IN), maior a sintomatologia depressiva reportada pelos participantes.

 

 

Preditores

Quando o método FD foi utilizado (SDM Project Web, 2018), constatou-se que as correlações significativas apresentadas na Tabela 1 mantiveram níveis inferiores à 0,05. Por conseguinte, modelos de regressão incluindo especificamente as práticas de AE e IN (Modelo Autoestima) e de AE, CR, IA, IN e SC (Modelo Depressão) foram submetidos ao exame dos seguintes requisitos: linearidade, homocedasticidade e multicolinearidade. Em relação à linearidade, os resultados obtidos por meio da curva de estimação foram favoráveis ao modelo linear (linear curve estimation [LCE]) em comparação com modelos logarítmico, inverso, quadrático, cúbico, potência, composto, S, logístico, crescimento e exponencial para ambos os modelos (Tabela 3). A homocedasticidade (variância constante dos erros) foi examinada por meio do teste de Harrison-McCabe (HM). Os resultados foram satisfatórios (HM = 0,53, p = 0,86 e HM = 0,48, p = 0,33 para os modelo tomando autoestima e depressão como desfechos, respectivamente). Em suma, os dados apresentados na Tabela 3 indicaram não haver problemas para o uso de procedimentos de regressão linear (Hair, Black, Babin, & Anderson, 2010; Moshagena & Erdfelderb, 2016).

 

 

Na Tabela 4, encontram-se sumarizados os resultados dos procedimentos de regressão hierárquica. Os achados correlacionais são corroborados, indicando-se fraca associação entre as PP e autoestima. Todavia, os preditores contidos no bloco 3 (Tabela 4) apontam que gênero (feminino), alta intrusividade e baixo apoio emocional explicam 21,10% da variância dos sintomas de depressão. Com efeito, somente as variáveis gênero e intrusividade foram capazes de explicar 0,8% dos sintomas depressivos; com a adição de apoio emocional, houve aumento do poder explicativo na ordem de 13,10%.

 

 

Discussão

A presente investigação buscou avaliar as relações entre as PP com autoestima e sintomas de depressão em adolescentes, utilizando, especificamente, análises correlacionais e modelos de regressão linear. Em certa medida, o estudo deu continuidade a prévias publicações nacionais sobre a temática das PP e sintomas internalizantes em crianças e adolescentes (Bolsoni-Silva et al., 2016; Mello-Sabbag & Turini Bolsoni-Silva, 2011; Mosmann et al., 2017).

As hipóteses sobre a ocorrência de associações positivas entre CP, IN e depressão, e negativas entre CP, IN e autoestima foram parcialmente suportadas (Bolsoni-Silva et al., 2016). Houve relação positiva entre depressão e CP e IN, porém apenas IN atingiu nível de significância menor do que 0, 05. A magnitude foi, todavia, modesta. Em relação à autoestima, houve relação negativa com a dimensão IN e CP, mas, apenas a prática de intrusividade foi significativa ao nível de p < 0, 05. Bolsoni-Silva et al. (2016), ao coletarem dados com mães de crianças com e sem problemas internalizantes, indicaram haver uma associação entre práticas de controle punitivo - como gritos e xingamentos - e maior relato de sintomas depressivos. Um dos possíveis fatores explicativos para a não replicação de tal achado pode estar relacionado com o uso, nesse estudo, de medidas de autorrelato, sobretudo quando os instrumentos utilizados não são idênticos. Instrumentos de autorrelato, quando utilizados transversalmente, podem oferecer informações imprecisas acerca dos construtos em exame em uma dada população. Com efeito, desenhos transversais são apontados como importante limitantes em investigações no campo das relações familiares (Machado & Mosmann, 2020).

Em relação as práticas de AE e IA, o estudo previu associações com menor sintomatologia depressiva e elevada autoestima (Garber et al., 1997; Mello-Sabbag & Turini Bolsoni-Silva, 2011). Associações significativas ocorreram somente entre AE e depressão (relação negativa e moderada), entre IA e depressão (relação negativa e fraca) e entre autoestima e AE (relação positiva e fraca; ver Tabela 1). Tais achados se assemelham aos de Garber et al. (1997), que reportaram que condutas maternas de IA foram relacionadas com menor sintomatologia depressiva e maior autoestima, sendo a magnitude das correlações similar a detectada na presente investigação.

Análises subsequentes, apresentadas na Tabela 2, permitiram compreender que as correlações entre as PP com autoestima deixaram de ser estatisticamente significativas quando controlado o efeito da depressão. Por outro lado, ao controlar o efeito da autoestima na relação entre depressão e as PP, mantêm-se como significativas as associações com AE (negativa e moderada), IN (positiva e fraca) e CR (negativa e fraca). Nos modelos de regressão, hipotetizou-se que as práticas de AE e IA seriam preditores negativos da sintomatologia depressiva e positivos nos níveis de autoestima. Embora o modelo da autoestima tenha sido significativo, nota-se uma explicação baixa (e.g., R2Ajustado = 6%) quando comparado com o modelo da depressão (e.g., R2Ajustado = 21,10%). Embora AE tenha sido significativa em ambos os modelos testados, práticas de IA não foram mantidas pelo método Stepwise (que manteve as variáveis gênero, intrusividade e apoio emocional). Assim, as hipóteses acerca das PP em modelos de regressão explicando os níveis de depressão e autoestima foram também parcialmente suportadas.

No tocante aos comportamentos de CR e SC, não foram estabelecidas hipóteses prévias tanto para as análises correlacionais como nos procedimentos de regressão. Porém, notou-se que tais dimensões associaram-se apenas com sintomas de depressão, de modo negativo e com magnitude baixa. Dados reportados por Mosmann et al. (2017) mostraram que as práticas de SC foram significativas na predição de problemas externalizantes, indicando que uma maior prática de supervisão de comportamentos estaria associada com uma elevada frequência de dificuldades comportamentais. O que nosso estudo adiciona é que, por outro lado, as práticas de SC e CR podem se associar com um menor nível de sintomatologia depressiva. Uma explicação possível é que as práticas parentais que estimulem a regulação emocional dos filhos, como as relacionadas com SC e CR, podem contribuir com o fortalecimento de vínculos de confiança e segurança, exercendo, assim, efeitos protetivos diante da sintomatologia depressiva (Morawska et al., 2019). Em adição, estudo recente realizado no Brasil indicou a existência de relações diretas e indiretas entre PP, desregulação emocional dos filhos e problemas externalizantes (Machado & Mosmann, 2020).

Em termos de implicações, os resultados aqui apresentados podem ser de importância no âmbito da psicoterapia familiar e individual, bem como poderão embasar programas de orientação aos pais e estratégias de educação socioemocional de modo mais amplo. Minuchin e Fishman (2007), por exemplo, reforçam a noção de que o desenvolvimento dos filhos implica em mudanças de necessidades, que por sua vez impactam no subsistema parental. Os autores salientam que as PP variam conforme a etapa do ciclo vital, sendo que na medida em que os filhos crescem, maiores são as oportunidades para o exercício da autonomia e da CR. O que os dados do estudo mostram é que promover práticas de AE e, por outro lado, desencorajar práticas de IN podem ter efeitos importantes na sintomatologia depressiva e, em menor escala, na autoestima dos filhos e filhas.

Existem ainda divergências teóricas que se encontram para além do escopo do presente estudo, das quais modelos competitivos acerca de “estilos” versus “práticas” educativas parentais merecem destaque. Em adição, a autoestima foi conceituada como causa (Roberts, Kassel, & Gotlib, 1995) e efeito (Kistner, Ziegert, Castro, & Robertson, 2001) da depressão em investigações prévias. Conforme dito, a autoestima e a depressão também se sobrepõem de modo significativo. Em outras palavras, pessoas com baixa autoestima ou deprimidas compartilham uma tendência a avaliações menos positivas em relação a si mesmas (Neiss et al., 2009; Sedikides & Gregg, 2003). Estudos futuros poderiam, por exemplo, investigar diferenças entre meninos e meninas no tocante aos achados aqui reportados. Em adição, talvez pudesse ser ainda interessante investigar diferenças acerca dos componentes das EPP em relação a diferentes práticas de pais e mães. Igualmente relevante, configurações familiares em que pais/mães biológicos não são os que efetivamente encarregam-se das PP poderiam fornecer subsídios adicionais sobre fatores de risco e proteção ligados ao desenvolvimento psicossocial de adolescentes brasileiros. Finalmente, a adoção de delineamentos longitudinais pode trazer dados mais robustos sobre estabilidade e mudanças no desenvolvimento, além de serem úteis na compreensão de fatores casuais. Por exemplo, conforme indicado por Grolnick (2003), as relações entre as PP e os comportamentos dos filhos são marcadas por interdependências. Assim, o fato de determinadas PP terem sido associadas com sintomas de depressão poderiam ser, hipoteticamente, influenciadas pela reação dos pais em razão do comportamento dos filhos. Ou, igualmente, poderia também ser verdade de que a sintomatologia depressiva possa ser um evento que ocorre em função da adoção de certas PP sobre outras. Claramente, existem inúmeras questões que poderiam ser abordadas em investigações futuras no intuito de trazer informações mais precisas - e, quem sabe, de grande valia - para que relações familiares sadias possam ser uma realidade viável a muitos.

 

Referências

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Endereço para correspondência
Guilherme Welter Wendt
E-mail: guilherme.wendt@unioeste.br

Marli Appel-Silva
E-mail: mappel@uol.com.br

Enviado em: 28/10/2019
1ª revisão em: 21/01/2020
2ª revisão em: 28/02/2020
Aceito em: 27/03/2020

 

 

1 Doutor em Psicologia pela Universidade de Londres. É professor de Psicologia e Criminologia na Universidade Estadual do Oeste do Paraná.
2 Doutora em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

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