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Vínculo

Print version ISSN 1806-2490

Vínculo vol.1 no.1 São Paulo Dec. 2004

 

ARTIGOS

 

Grupo e corpo, no enfoque do modelo de Cambridge

 

Group and body, in the perspective of the Cambridge model

 

Grupo e cuerpo, desde la perspectiva del modelo de Cambridge

 

 

Lazslo Antonio Ávila1

Núcleo de Estudo em Saúde Mental e Psicanálise das Configurações Vinculares - NESME
Sociedade de Psicoterapias Analíticas Grupais do Estado de São Paulo - SPAGESP

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Neste trabalho apresentamos o modelo de construção dos sintomas (modelo de Cambridge), adaptado para a análise dos sintomas psicossomáticos, e fazemos um breve retrospecto das teorias grupais psicanalíticas e das pesquisas psicossomáticas. Apresentamos a seguir uma proposta conceitual para representar os fenômenos da “mente grupal” que emergem em grupos terapêuticos com pacientes psicossomáticos.

Palavras-chave: Corpo, Psicossomática, Modelo de Cambridge, “Mente Grupal”.


ABSTRACT

In this paper we present the symptom’s construction model (the Cambridge model), adapted for the analysis of the psychosomatic symptoms, bringing a small retrospect of the psychoanalytical theories on Group and of the psychosomatic research. Then we present a conceptual proposition to describe the “group mind” phenomena that arise in therapeutic groups with psychosomatic patients.

Keywords: Body, Psychosomatics, Cambridge model, “Group mind”.


RESUMEN

En ese artículo presentamos el modelo de construcción de síntomas (modelo de Cambridge), que fue adaptado para el análisis de los síntomas psicosomáticos, y hacemos un breve recorrido de las teorías grupales psicoanalíticas e de las investigaciones psicosomáticas. Presentamos entonces una proposición conceptual para la representación de los fenómenos de la “mente grupal” que emergen en grupos psicoterapéuticos col pacientes psicosomáticos.

Palabras clave: Cuerpo, Psicosomática, Modelo de Cambridge, “Mente grupal”.


 

 

O presente trabalho é uma primeira aproximação no sentido da busca de um modelo de representação da “mente grupal”, especialmente quando o grupo em referência é um grupo terapêutico constituído por pacientes psicossomáticos. Buscaremos caracterizar aqui as possibilidades de investigação e de intervenção que a adoção de um modelo de representação da construção dos sintomas, desenvolvido na Universidade de Cambridge, Inglaterra, e adaptado para a análise da produção psicossomática, oferece.

Três diferentes vertentes conceituais e práticas convergem aqui. A primeira é o trabalho com grupos, a partir de referenciais psicanalíticos. A segunda é a das pesquisas investigativas em Psicossomática, tanto as de caráter empírico quanto aquelas também orientadas pela psicanálise. E a terceira é o modelo de construção dos sintomas, já trabalhado para a descrição dos sintomas psicossomáticos e que será objeto de uma análise quanto às suas condições de representação dos fenômenos da “mente grupal”.

Quanto ao primeiro item, faremos aqui um breve resumo do desenvolvimento das concepções psicanalíticas aplicadas à teoria e à técnica do manejo dos grupos. Sabe-se que devemos a Freud a primeira descrição da aplicabilidade da psicanálise para o estudo dos fenômenos grupais. Já desde antes de seu célebre “Psicologia das Massas e Análise do Ego” (FREUD, 1921), o criador da psicanálise já havia empreendido análises de dinâmicas psíquicas, onde a dimensão grupal se apresentava. Assim, por exemplo, os ensaios que Freud dedicou ao estudo do chiste (1905), suas análises das produções literárias e culturais (A Gradiva, FREUD, 1907; Leonardo da Vinci, FREUD, 1910; O Moisés de Michelangelo, FREUD, 1914, etc.) e, especialmente, o seu grande estudo sobre as origens míticas da horda humana (Totem e Tabu, FREUD, 1912), já demonstravam o quanto Freud era sensível e arguto para o reconhecimento das interações dos psiquismos em produções conjuntas, interpsíquicas. Do mesmo, retrospectivamente, podemos apreciar como no Caso Dora (FREUD, 1905), o fenômeno histérico aparece superdeterminado pelas complexas relações familiares. Poderíamos ainda mencionar seus estudos sobre as neuroses infantis (Romances familiares, FREUD, 1909). Mas, é no extraordinário trabalho de 1921 que Freud demonstra o quanto suas descrições do aparelho psíquico pressuponham sempre e inevitavelmente as relações do indivíduo com seus semelhantes. Freud é muito explícito quanto a este ponto, e deste trabalho vamos resgatar o seu esquema, apresentado ao final do capítulo 8, tal como se segue:

 

Com este esquema (FREUD, 1921 [1983], p. 147) temos uma descrição muito efetiva dos processos identificatórios, essenciais ao funcionamento psíquico dos grupos. Um mesmo objeto externo, por exemplo um líder, só pode funcionar de uma maneira efetiva como catalisador grupal, se entre os diversos “egos”, for estabelecida uma mesma operação de idealização, que possibilite a indivíduos diversos em sua estrutura psíquica, passarem a compartilhar de um mesmo “objeto interno”, introjetando na instância psíquica do Ideal do Ego, o líder, enquanto objeto comum de representações. A partir do interior, ou seja, de um Ideal de Ego compartilhado, é que se desenvolverão as relações recíprocas dos membros do grupo, que se identificam uns aos outros, após terem todos já se assemelhado na escolha do ideal.

Freud não chegou a desenvolver uma técnica de trabalho grupal. Limitou-se a demonstrar que a psicanálise era uma descrição ampla e abrangente do psiquismo humano, e que não havia numa barreira especial que impedisse a extrapolação de suas concepções do psiquismo individual para os fenômenos inter- e transubjetivos. Dedicou-se a um trabalho onde o inconsciente e a transferência podiam ser melhor investigados, ou seja, a relação dual da sessão individual. Porém, Freud sabia que nesta situação de dois corpos, havia muitas outras pessoas em interação, e que no Inconsciente repousavam gerações e gerações humanas.

Coube aos pós-freudianos o trabalho de desenvolver as aplicações da Psicanálise aos grupos. Várias correntes de investigação emergiram, principalmente na década de 50, com diversos autores trabalhando a partir das concepções freudianas, e integrando conhecimentos de outras áreas, como a Sociologia, a Psicologia e a Dinâmica dos Grupos, criada por Kurt Lewin. Homenagem seja feita a J.L. Moreno, criador do Psicodrama, que propôs, já na década de 30, o termo “psicoterapia de grupo”, e desenvolveu rica abordagem terapêutica e investigativa com os grupos. Na Inglaterra do pós-guerra, vieram Foulkes & Anthony e W. R. Bion. Os primeiros estabeleceram as bases práticas da psicoterapia grupal, com um conjunto de indicações técnicas e metodológicas. O segundo, Bion, com apenas um livro, “Experiências com grupos” (BION, 1976), deixou um enorme legado para a teorização dos processos grupais. Na França, também a partir dos anos 50, diversos pesquisadores dos grupos, estudaram, desenvolveram técnicas, e realizaram contribuições muito importantes. Dentre os franceses destacam-se Anzieu e, mais recentemente, R. Kaës. Muito outro autor vem trabalhando na esfera dos grupos na América Latina, onde significativas pesquisas, aplicações e teorizações se desenvolvem.

Passemos agora ao segundo item, a Psicossomática. Esta área de estudos, cuja origem se confunde com os primórdios das técnicas terapêuticas mais remotas, teve um grande desenvolvimento nos últimos oitenta anos. Seus pioneiros foram autores com formação psicanalítica, como Georg Groddeck e Franz Alexander. Mas, por razões históricas, foi nos Estados Unidos da América que a Psicossomática mais se desenvolveu e por isso, sua orientação metodológica tendeu a se dirigir para as pesquisas empíricas, com critérios positivistas e uma forte preferência pela Medicina organicista. Devido a isso, a assim chamada Psicossomática Psicanalítica manteve um desenvolvimento paralelo, e suas contribuições mais importantes não têm alcançado a divulgação merecida. Um fato que comprova esta divergência é o grande número de pesquisas empíricas atuais sobre a somatização. Em meu livro, “O Eu e o Corpo” (ÁVILA, 2004), procuro apontar como o tema das Somatizações é um divisor de águas, onde a pesquisa empírica se vê as voltas com as limitações do modelo organicista e positivista, sem poder integrar os fenômenos onde a mente e o corpo confluem e se produzem mutuamente.

Mundialmente, o que se vem verificando, é que na prática clínica dos médicos clínicos gerais, e principalmente no nível primário de atenção à saúde, as somatizações representam um tema de imensa importância epidemiológica. MELMED (2001) afirma:

“Daqueles que buscam cuidados primários de saúde, mais de 50% tem problemas que não podem ser classificados como uma entidade nosológica formal. Um número estimado de 25% a 75% dos pacientes dos postos de saúde tem razões psicossociais ao invés de biomédicas para sua procura”.

As somatizações implicam em altíssimos custos sociais, pois os pacientes somatizadores, ao não encontrar soluções adequadas para seus problemas, submetem-se a inúmeros exames, e buscam continuamente por diversos especialistas e serviços de saúde (SERVAN-SCHREIBER et al, 2003). Os custos pessoais, familiares e o sofrimento do indivíduo são incalculáveis. Há um reconhecimento generalizado de que ainda não se desenvolveram estratégias adequadas para o manejo desse grave problema de saúde pública (REID; WHOOLEY; CRAYFORD; HOTOPF, 2001), e entre as técnicas propostas para o trabalho com estes pacientes, figura a psicoterapia de grupo (SERVAN-SCHREIBER et al, 2003).

Os sintomas da somatização, ou mais amplamente, os fenômenos psicossomáticos, embora extensamente estudados, ainda carecem de um modelo descritivo-explicativo para sua gênese e desenvolvimento. Na busca por tal modelo, propus que o modelo de Cambridge (BERRIOS; MARKOVÁ & GIRALA, 2000) fosse adaptado para esta finalidade. Apresentaremos aqui o referido modelo, e em seguida passaremos para essa nova aplicação, a da descrição do modo de funcionamento da “mente grupal” em grupo de pacientes psicossomáticos:

Neste modelo o que verificamos é que um sintoma psicossomático é um sintoma que evita a barreira da consciência, não consegue alcançar uma representação ou conceito, e por isso, emerge sintomaticamente.

 

Com o presente esquema, do qual não podemos fazer aqui uma descrição minuciosa, o que vemos é que os sintomas psicossomáticos podem vir a ser transformados em sintomas adequados a uma transformação terapêutica. Para isso é necessário que eles ganhem alguma forma de representação verbal. Através do modelo podemos verificar que ou o sintoma re-emerge na “sopa primordial” para aí poder vir a ser pré-conceituado, ou então, na via denominada como C(c2), ele ganha conceitos acessórios, suportes para alcançar representabilidade. É aqui exatamente que poderemos estabelecer uma comparação com os fenômenos grupais.

Nos grupos observamos muitos e complexos fenômenos. A comunicação entre os membros do grupo promove, freqüentemente, que processos que um indivíduo se encontrava inconsciente, possam vir à luz, e servirem como poderosos instrumentos de “insight”. Além da comunicação, a identificação inconsciente entre os membros do grupo é importantíssimo fator de aglutinação grupal, tanto no sentido negativo de promover as resistências, como no sentido positivo de instalar os mecanismos participativos que fazem do grupo uma unidade inter- e trans-subjetiva.

Os sintomas psicossomáticos, vividos a nível individual, são de difícil compreensão. O sujeito que os sofre, costuma assistir perplexo a emergência de seus sintomas, sem conseguir entender as vinculações entre o aparecimento dos mesmos e os fatos significativos de sua vida pessoal, tanto consciente quanto inconsciente. Por isso, no grupo, muitas vezes, é possível tomar um sintoma psicossomático, e fazer os membros do grupo associarem, produzindo uma circulação de idéias e afetos, que possibilita ao sujeito explorar as significações de seus sintomas.

Um rápido exemplo clínico: num grupo um paciente portador de hipertensão essencial se queixava que vivia sentindo “um troço”. Instado pelo grupo, diz que sente “um negócio”, “uma coisa”, e aos poucos, consegue traduzir seus sintomas de angústia corporalizada: a opressão que seus conflitos, completamente carentes de representação verbal, foram adquirindo enquanto sintomas de seu corpo.

Quando um grupo alcança um bom desenvolvimento terapêutico, ele tanto funciona pela via Cc(2) do esquema acima, ou seja, fornecendo ao indivíduo conceitos para suas vivências irrepresentadas, quanto, e este o ponto principal que vamos desenvolver, ele pode possibilitar a instauração de uma “sopa primordial” coletiva.

A “sopa primordial”, no entender de BERRIOS, MARKOVÁ & GIRALA, é o sedimento comum,. pré-linguístico, onde as experiências individuais e a multidão de elementos das experiências coletivas, se encontram, enquanto “tesouro de significantes”, ou seja, acervo comum para tornar pensáveis as experiências dos indivíduos. É a partir da sopa primordial que se formarão os conceitos, e onde as idéias tomarão sua forma reconhecível e comunicável. Sem representação, as experiências ficam informes, em estado de sensações ou “sentimentos sem nome”. Para que um sintoma psicossomático possa ser psicoterapeuticamente transformado, ele necessita poder ser representado, necessita de um mergulho na “sopa primordial”, para encontrar nela o “nome”, com o qual possa ser reconhecido e articulado com o restante da vida mental do sujeito.

O grupo compartilha dos elementos culturais comuns a uma coletividade. Por isso ele é o local privilegiado onde a experiência com a “sopa primordial” pode se realizar. Em um processo semelhante a um “sonho”, numa experiência onírica dominada pelo processo primário, os indivíduos de um grupo podem estabelecer trocas de conteúdos psíquicos, e então encontrar a “tradução” para aquelas vivências que, carentes de representação, poderiam se tornar sintomas psicossomáticos. É na “sopa primordial” que se realiza aquilo que os autores grupanalistas tem denominado como a mente grupal. A experiência emocional dos “supostos básicos” de BION, poderia ser comparada com uma vivência onde diferentes membros de um grupo passam a compartilhar de uma mesma conceituação para suas experiências e, semelhantemente ao que Freud representou com seu esquema, passam a adotar as mesmas categorias de representação e, então, a identificar-se.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ÁVILA, L.A. O Eu e o Corpo. São Paulo: Escuta, 2004 (no prelo).        [ Links ]

BERRIOS, G.E., MARKOVÁ, I.S. & GIRALA, N. Persistent memory complaints: Hypochondria and disorganization, in: BERRIOS, G.E. & HODGES, J. R. (Eds) Memory Disorders in psychiatric practice, Cambridge: Cambridge University Press, 2000.        [ Links ]

BION, W.R. (1948) Experiências com grupos. Rio de Janeiro: Imago, 1976.        [ Links ]

FREUD, S. (1921) Psicologia de Grupo e análise do ego , in: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas, Rio de Janeiro: Imago, Vol. XVIII, 1980.        [ Links ]

_________ (1907) Delírios e sonhos na Gradiva, de Jensen, in: Op. Cit., Vol. IX.        [ Links ]

_________ (1910) Leonardo da Vinci e uma lembrança de sua infância, in: Op. Cit., Vol. XI.        [ Links ]

_________ (1914) O Moisés de Michelangelo”, in: Op. Cit., Vol. XIII.        [ Links ]

__________ (1912) Totem e Tabu. In: Op. Cit., Vol. XIII.        [ Links ]

_________ (1905) Fragmento da análise de um caso de histeria. (O Caso Dora) (1905). In: Op. Cit., vol. VII.        [ Links ]

___________ (1909) Romances familiares. In: Op. cit., Vol. IX.        [ Links ]

MELMED, R. N. Mind, Body and Medicine, Oxford: Oxford University Press, 2001.        [ Links ]

REID, S; WHOOLEY, D; CRAYFORD, T; HOTOPF, M - Medically unexplained symptoms - GP’s attitudes towards their cause and management; Fam Pract 18(5): 519-23, 2001.        [ Links ]

SERVAN-SCHREIBER, KOLB & TABAS (2003) Somatização, Primeira Parte - diagnóstico prático, in: Neuropsiconews, Sociedade Brasileira de informações de Patologias Médicas, número 53, 2003.        [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Lazslo Antonio Ávila
E-mail: lazlo@terra.com.br

 

 


1 Psicólogo, grupalista, mestre e doutor (USP), membro da SPAGESP e NESME.

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