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Vínculo

Print version ISSN 1806-2490

Vínculo vol.1 no.1 São Paulo Dec. 2004

 

ARTIGOS

 

Um facilitador, (do), (no), (o) grupo

 

A facilitator (of the), (in the), (the) group

 

Uno facilitator, (del), (en lo), (el) grupo

 

 

Amaury Tadeu Rufatto1

Centro de Atenção Psicossocial de Santo Amaro
Prefeitura Municipal de São Paulo. Coordenadoria de Saúde de Santo Amaro
Núcleo de Estudos em Saúde Mental e Psicanálise da Configurações Vinculares

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Uma nova tendência na medicina, a promoção de ações de cunho preventivo, tem demandado a criação trabalhos de orientação voltados para pessoas com doenças crônicas. Neste universo é comum a opção por trabalhos desenvolvidos em grupos e a participação do psicólogo como detentor do saber das dinâmicas grupais. Cabe-nos perguntar: Qual o papel do psicólogo neste universo? Como ocupar este lugar sem ter que reeditar manuais de auto-ajuda?

Palavras-chave: Grupos de orientação, Coordenação de grupos de orientação em equipe multiprofissional, Qualidade de vida.


ABSTRACT

A new trend in the medicine, the promotion of preventive actions, has demanded the creation of orientation works directed toward people with chronic illnesses. In this universe, it’s common the option for works developed in groups and the psychologist participating as knowledge detainer of the group dynamic. It fits to us ask: Which the role of the psychologist in this universe? How to occupy this place without having that to reedit auto-aid manuals?

Keywords: Groups of orientation, Multiprofissional staff – coordenation of grups, Life’quality.


RESUMEN

Una nueva tendencia en la medicina, la promoción de acciones preventivas, tiene demandado la creación de trabajos de orientación mirando a las personas enfermas crónicas. En este universo es común la opción de trabajos desarrollados en grupos e la participación del psicólogo por tener o saber de las dinámicas grupales. Cábenos preguntar: ¿Cuál es lo papel del psicólogo en este universo? ¿Cómo es ocupar este lugar sien reeditar los manuales de auto-ayuda?

Palabras clave: Grupos de orientación, Coordinación de grupos de orientación en equipe multiprofesionales, Cualidad de vida.


 

 

O CENÁRIO

Um segundo título para este trabalho poderia ser “Promoção da qualidade de vida”. Em pouco mais de um século, 1900 a 2000, passamos de uma expectativa de vida em São Paulo de 40/50 anos para 75/80 anos. Se houve um avanço tecnológico tanto na área de saúde em medicações, exames, saneamento, e condições gerais de vida, a adequação do homem a longevidade ainda está por ser consolidada.

Vários são os fatores de conflito e des-adaptação. A aposentadoria, por exemplo, tão almejada, mas que para os homens principalmente, implica na imediata perda de função social. Assim como a própria resistência do corpo humano para agüentar a sobrecarga de esforço, neste prolongar da vida.

Ao ganharmos a guerra contra as doenças infecto-contagiosas, e as parasitárias, prolongando a expectativa de vida do ser humano, nos deparamos com outras questões, anteriormente de menor importância.

A medicina supletiva (convênio) tem despertado para o fato de que é preciso promover ações preventivas de saúde com seus associados. Prevenção, neste caso, significa evitar complicações de doenças já existentes. Assim seria mais correto falarmos de medicina remediativa.

Quer seja dentro de um modelo de saúde pública, quer seja na saúde supletiva, quando se pensa em ações preventivas, e educativas, duas premissas são de imediato levantada. Promover trabalhos em grupo, pois isto agiliza o processo e minimiza custos, (atende-se mais pessoas em menos tempo) , e a segunda vamos chamar um psicólogo.

E aqui está a minha questão para esta mesa.

Qual o papel do psicólogo em um grupo temático de orientação, por exemplo para diabéticos?

Uma colega psicóloga foi convidada para trabalhar em uma clínica particular para pessoas obesas, onde lhe caberia acompanhar, semanalmente em grupo, os pacientes que estavam em processo de emagrecimento, - mas notem, com a seguinte orientação. - “Nestes grupos não é para se falar de problemas, as pessoas nos procuram para serem felizes.”

 

UM FACILITADOR DO GRUPO

Fui contratado, por uma empresa de medicina supletiva, em meados de 1999 para montar um serviço de orientação para pacientes com doenças crônicas. A empresa havia criado um setor de Medicina Preventiva que era composto por uma equipe multiprofissional com: 4 médicos, 4 enfermeiras, 4 assistentes sociais, 1 nutricionista, 1 psicólogo, para acompanhamento de pacientes idosos com quadros de diabetes, hipertensão arterial, etc... O serviço tinha como objetivo a melhoria da qualidade de vida dos usuários, tendo como meta última evitar os agravos da doença bem como as internações hospitalares.

A partir da análise dos casos acompanhados, priorizou-se um trabalho com os diabéticos.

Para o funcionamento de um grupo operativo, precisamos de um grupo disposto a trabalhar, uma tarefa definida e um coordenador.

Nos grupos temáticos, como o de Diabéticos, os profissionais que participam do trabalho, em sua grande maioria têm um amplo conhecimento sobre o assunto, e emprenham-se em transmiti-lo.

Os pacientes na grande maioria estão ávidos de informações, sobre a sua nova condição.

Estes grupos reuniriam todos os elementos que possibilitam um trabalho de sucesso.

Propus então a formação de grupos de orientação com a seguinte proposta de trabalho: 6 encontros quinzenais de 1h30min de duração. Cada encontro tinha um tema pré-definido, e que era apresentado por um os profissionais da equipe multiprofissional.

1. - Apresentação do esquema de grupo
- Generalidades sobre diabetes (tipos de diabetes 1 e 2, mecanismo da liberação de glicose/insulina)
2. - Hiperglicemia e Hipoglicemia
- Medicamentos para diabetes e insulinização
3. - Alimentação e o tratamento do diabetes
4. - Complicações macro e microvasculares
5. - Cuidados com os pés
- Atividade física e diabetes
6. - Alimentos dietéticos e adoçantes.

Nos encontros, o tempo era dividido em 3 partes:

- Recepção dos pacientes pelo serviço de enfermagem, que fazia a dosagem da glicemia, verificava a pressão arterial, e o peso.
- Apresentação de um tema, por um dos profissionais da equipe.(Assistente Social, Enfermeira, Nutricionista ou Médico).
- Discussão sobre o tema e questões trazidas pelo grupo.

Propositalmente que não havia um tema para a fala do psicólogo.

Outro ponto importante era a periodicidade com que os encontros foram programados. Propor encontros quinzenais, tinha como objetivo acompanhar o paciente por um período maior de tempo. Este sempre foi um item de discussão, principalmente com as chefias, pois o que poderia ser feito em um mês e meio, levava três. Dentro de uma lógica empresarial, quanto mais rápido estas pessoas adquirissem as informações necessárias para se cuidarem, mais rápido deixariam de ter agravos de suas doenças, e por conseguinte de procurar o Pronto Socorro, etc..

A proposta apresentada considera fundamental prolongar o período de trabalho, de modo a propiciar que os pacientes pudessem ouvir, pensar e ter dúvidas. Que pudessem nos ver como pessoas confiáveis, estabelecendo assim vínculos. Que pudessem ter confiança na permanência do “objeto” (grupo de orientação). Aí sim, poderiam trazer seus verdadeiros anseio, medos e credos em relação a sua doença.

 

A EQUIPE TÉCNICA

Definida a população alvo e proposto um formato, um próximo passo era o de juntamente com a equipe multiprofissional formatar os encontros.

A equipe de coordenação, psicólogo e nutricionista, era fixa nos grupos, as enfermeiras, assistentes sociais, e médicos, se revezavam.

De início o trabalho era entendido pelos técnicos como uma seqüência de aulas, e com uma grande expectativa de verem seus conteúdos assimilados. Havia também, mas de forma velada, a necessidade de demonstrarem aos demais colegas seu grau de conhecimento. Neste contexto, meu papel, enquanto psicólogo, e responsável pela montagem dos grupos, era bastante delicado. Se de um lado estava em uma relação de iguais, compondo uma equipe multiprofissional, de outro, detinha conhecimentos técnicos que me permitiam tanto identificar os conflitos internos da equipe, como as resistências em desenvolver um trabalho novo (não era para dar aula). Neste contexto, e como membro do grupo, cabia a mim também a função de facilitador.

 

O FACILITADOR NO GRUPO

Como já havia enunciado não havia um espaço para a fala do psicólogo. Mas havia um lugar.

Com o grupo de técnicos, ajudando a perceberem, por exemplo, que a informação por si só não seria suficiente para que o paciente pudesse mudar de atitude frente a sua doença; que explicações técnicas com nomes complicados de mecanismo fisiológico, poderia mais atrapalhar do que facilitar; como também ajudar na seleção e no modo de apresentação dos conteúdos que eram de vital importância. Era também preciso pré-selecionar os técnicos que demonstravam melhor habilidade para lidar com grupos. A promoção de reuniões da equipe para discussão e avaliação sobre o desenvolvimento do trabalho.

Junto ao grupo de pacientes, cabia ao psicólogo acompanhar desde a recepção dos pacientes, a exposição do tema e a discussão do grupo. Atuando de forma pontual de modo a fazer emergir as questões de ordem não objetiva.

Contextualizando o que estou dizendo, durante a exposição sobre os cuidados que um diabético deve ter em relação aos sapatos que escolhe, ou a pequenos machucados no pé, era possível introduzir temas como - a dificuldade que temos de nos cuidar. Ou dependendo do grupo e de sua história, levantar questões como a da perda do lugar de cuidador da família para o de quem precisa ser cuidado.

Com o tema alimentação, era possível introduzir a questão do desejo, da autopunição, da negação etc...

Ao admitir que se abre a geladeira sem fome, admite-se também a existência de uma “angústia sem nome”.

Assim um grupo aparentemente informativo, podia se enriquecer dos aspectos emocionais, sem que isso implicasse em um processo psicoterápico.

Um ponto importante para a equipe multiprofissional, foi a percepção de que só se processaria alguma mudança no modo de se cuidar, do paciente e por parte dos pacientes, se houvesse uma somatória das “coisas” do saber de cada um, com as “coisas” do saber científico. Era preciso falar sobre o “chá de chuchu”, para se saber que aquela senhorinha que fazia tudo certinho como mandava o médico e não tinha a glicemia controlada, comia ½ melancia por dia, “eu não posso comer nada, melancia é só água né”. Água com açúcar, é claro.

Como dizer a seu Manuel português de Portugal para não tomar seu copinho de vinho às refeições e não comer umas batatas com bacalhau? Posto em grupo, despido do tecnocracismo médico, os profissionais foram obrigados, pelo grupo, a se humanizarem novamente. Na relação individual, o saber está depositado na “medicina” cabendo ao paciente o lugar do incapaz, e por tanto tutelado.

Vale aqui ressaltar os frutos desta vivência de um ano de grupos. A grande maioria, para não dizer todos, apresentaram melhora nos cuidados diários, com menor oscilação das taxas glicêmicas, medidas através de testes como o de hemoglobina glicosilada que mostra a média das glicemias nos últimos 3 meses; maior aderência aos tratamentos ambulatoriais, por conseqüências menores índice de internação em pronto socorro ou hospitais. Alguns pacientes procuraram orientação quanto a acompanhamento psicológico, outros pudemos orientar quanto à necessidade de acompanhamento psiquiátrico ou psicológico. Outro fato relevante é que da própria equipe técnica houveram pedidos de indicações para psicoterapia, ou demonstração de curiosidade quanto a estas questões.

 

E O PAPEL DO PSICÓLOGO

Fui convidado em seguida a participar de um outro projeto. Este era direcionada aos funcionários da empresa e pretendia trabalhar com a questão da obesidade. Era coordenado por um médico endocrinologista. Ele me pediu para fazer uma palestra sobre “ansiedade”,...

O enfoque que se espera do psicólogo nestes trabalhos é meramente cognitivista, comportamental. Obviamente, estou usando estes dois termos de maneira pejorativa. A informação é fundamental como elemento para o pensar, como orientações comportamentais também podem facilitar alguns processos. Alguém que leva um pacote de bolachas para a mesa de trabalho, tem maior chance de comer por ansiedade.

O psicólogo deve ter um papel ativo. Que facilita, tanto a equipe técnica, como o grupo de pacientes, a perceberem as implicações emocionais envolvidas em todos as fases da vida. Metaforicamente diria que exerce a função do maestro de uma orquestra sinfônica, que não toca nenhum instrumento, mas é habilitado em todos.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BLEGER, J. Psico-higiene e Psicologia Institucional. Ed. Artes Médicas, Porto Alegre.        [ Links ]

WINNICOTT, D.W. Fenômenos e objetos transicionais. In: WINNICOTT, D. W. Da pediatria à psicanálise: textos selecionados. Rio, Francisco Alves, 1978.        [ Links ]

ZIMERMAN D.E., Fundamentos Básicos das Grupoterapias. Ed. Artes Médicas, Porto Alegre 1993.        [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Rose Pompeu de Toledo
E-mail: rufatto@uol.com.br

 

 


1 Psicólogo, Especialista em Psicoterapia Psicanalítica, Chefe do CAPSi CRIA de Santo Amaro - Coordenador da área de Saúde Mental da Coordenadoria de Saúde de Santo Amaro - PMSP, Membro Efetivo do NESME, Presidente do NESME no biênio 2001 a 2003.

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