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Vínculo

Print version ISSN 1806-2490

Vínculo vol.2 no.2 São Paulo Dec. 2005

 

ARTIGOS

 

Sobre: teoria da mente - mente do grupo - grupo da mente1

 

About: the theory of the mind - the mind of the group - the group in the mind

 

Sobre: teoria de la mente - la mente del grupo - el grupo en la mente

 

 

Waldemar José Fernandes2

Núcleo de Estudos em Saúde Mental e Psicanálise das Configurações Vinculares
Sociedade de Psicoterapias Analíticas Grupais do Estado de São Paulo
Associação Brasileira de Psicoterapia

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O trabalho psicanalítico, seja na perspectiva individual, seja vincular, envolve sempre algumas questões: os grupos internos de clientes e terapeutas, os modelos empregados por cada parte, o quanto são respeitadas as individualidades no grupo, como o grupo e os indivíduos lidam com os aspectos mais primitivos, sempre presentes na vida, etc. Poderíamos dizer então que o desenvolvimento do trabalho psicanalítico de grupo depende das mentes individuais e da mente grupal, sendo oportuno estudar o que tem sido chamado de teoria da mente, relacionando esses conhecimentos com o dispositivo grupal. Serão vistos os conceitos de Teoria da Mente, Teoria dos Modelos e aspectos primitivos da mente e do grupo. Conclui-se que o trabalho grupal será mais eficiente se forem respeitas as teorias que habitam as mentes dos participantes, que não sofrerão assim de exclusão, por serem "resistentes".

Palavras-chave: Grupo, Mente, Teoria da mente, Mente grupal.


ABSTRACT

The psychoanalytical work, either from a linking perspective or from an individual one, always involves some questions: the internal groups of clients and therapists, some models used by each part, amount of respect individualities get from the group, the way the group and individuals manage most primitive aspects, always present in life, etc. Then, we could affirm that, development of psychoanalytical work of the group depends upon both; individual minds and the mind of the group, and that at this point we find convenient to study what has been called the theory of the mind, establishing a relationship between this knowledge and group's dispositions. Concepts like the theory of the Mind, Theory of Models and primitive aspects of the mind and the group will be considered. Finally we conclude that group's work will be far more efficient if theories that inhabit in the mind of the participants will be respected and for that reason they will not suffer from exclusion for being "resistant".

Keywords: Group, Mind, Theory of the mind, The mind of the group.


RESUMEN

El trabajo psicoanalítico, ya se lo mire desde una perspectiva vincular, ya lo sea de una individual, involucra siempre algunas preguntas sobre los grupos internos de clientes y terapeutas, los modelos usados por cada parte, en cuanto son respetadas las individualidades dentro del grupo y cómo el grupo y los individuos se las arreglan cuando enfrentan los aspectos más primitivos, siempre presentes en la vida, etc. Podríamos decir, por lo tanto, que el desarrollo del trabajo psicoanalítico del grupo depende de las mentes individuales y de la mente grupal, siendo oportuno estudiar lo que viene siendo llamada teoría de la mente, relacionando estos conocimientos con el dispositivo grupal. Serán vistos conceptos de la Teoría de la Mente, Teoría de los Modelos y aspectos primitivos de la mente y del grupo. Se concluye que el trabajo grupal será más eficiente si se respetan las teorías que habitan las mentes de los participantes que, no sufrirán así de exclusión, por ser "resistentes".

Palabras clave: Grupo, Mente, Teoría de la mente, Mente grupal.


 

 

"...possivelmente, em breve, poder-se-á citar uma convergência entre os psicanalistas: todo o paciente tem o direito de apresentar a sua teoria da mente, e defendê-la, sem que isso o transforme em uma pessoa não analisável.
Mabilde (2004) - Psicanalista Didata da SPPA

 

Introdução

O trabalho psicanalítico na perspectiva vincular envolve sempre algumas questões: os grupos internos de clientes e terapeutas, os modelos empregados por cada parte, o quanto são respeitadas as individualidades no grupo, como o grupo e os indivíduos lidam com os aspectos mais primitivos, sempre presentes na vida, etc.

Poderíamos dizer então que o desenvolvimento do trabalho psicanalítico de grupo depende das mentes individuais e da mente grupal, sendo oportuno estudar o que tem sido chamado de teoria da mente, relacionando esses conhecimentos com o dispositivo grupal.

Luiz Carlos Mabilde (2004, p.1), referindo-se ao texto freudiano Um Esboço de Psicanálise, de 1938, diz que "o paciente não se satisfaz em ter o analista como auxiliar na recuperação de seu ego enfraquecido,.... Não, o paciente vai adiante e vê no analista o retorno, a reencarnação, de figuras primitivas de seu passado..." reportando-se evidentemente à transferência.

Quando um psicanalista utiliza uma interpretação transferencial tem como objetivos principais: atualizar os conflitos infantis; transformar as resistências transferenciais em insight e elaboração, além de tentar um esboço dos traços de caráter. "Essa é basicamente a teoria que habita a mente do analista/psicoterapeuta ao usar o modelo analítico da interpretação transferencial" (MABILDE, 2004, p.1).

É freqüente que descrições de sessões analíticas sejam feitas pelo vértice do analista, traduzindo unicamente sua visão, sem considerar a perspectiva do paciente. Pior ainda, até pouco tempo atrás, sempre que apresentada a visão do paciente, caso fosse diferente daquela estabelecida pelo terapeuta, era vista como algum tipo de resistência, assinalando, assim, uma lacuna conceitual, caracterizada pela falta de uma verdadeira teoria da mente do paciente e confirmando o que estudamos em trabalho anterior, sobre o narcisismo do psicoterapeuta (FERNANDES, 1993, p.3).

Após algumas contribuições de Dahl (1978), Gill (1979), Renik (1991), e mais ainda, a partir de Astington (1988) Hobson (1991) e Moses (1992) passamos a contar com o reconhecimento da existência e importância de outras mentes, o que pôde ser incluído no trabalho psicanalítico, ao invés do processo de exclusão anteriormente descrito.

 

Conceito de Teoria da Mente

Podemos refletir sobre esse conceito a partir da lembrança de um cliente que participou de um grupo psicoterápico. Ele fora criado por pais intelectuais, exigentes quanto a seu comportamento, leituras, e tão severos que ele não podia ser criativo nem espontâneo, levando a vida de forma um tanto "bitolada".

No transcorrer das sessões, a rigidez desse cliente - que tinha uma teoria da mente intolerante a diferenças de idéias, comportamentos e à associação livre - o impedia de acompanhar o processo tranqüilamente, o que só era possível com um enorme sofrimento.

Devido à teoria de sua mente ele acreditava que o processo analítico grupal também tivesse características de intolerância e de exigência, tão preso estava transferencialmente. No caso em particular, só um ano depois é que começou a se arriscar, tentando expor mais livremente suas idéias e sentimentos, o que considerei um sucesso, pois em tais casos, dificilmente há a persistência necessária para ultrapassar tantas dificuldades, desistindo nas primeiras sessões.

"A mente do analista age como um andaime" (VIGOTSKY, 1966, apud FONAGY & TARGET, 1996, p.67) com a função de fortalecer o desenvolvimento da representação da realidade psíquica do paciente/da criança, estando constantemente um passo adiante da experiência do indivíduo, sendo fundamental a ancoragem do andaime que lhe é fornecido, para que possa entender a própria mente.

As pessoas se relacionam a partir de modelos de vínculos - as matrizes vinculares (FERNANDES, 2003, p.44): "O bebê introjeta as estruturas vinculares a partir do mundo externo, começando pelos pais, e passa a conservá-las como padrão, sendo que a matriz vincular básica é a matriz edípica".

Acreditamos que a teoria da mente vá se desenvolvendo a partir da interação pais - bebê, com a internalização dessas matrizes vinculares.

O desenvolvimento da percepção da criança em relação aos próprios estados mentais e aos dos outros depende, então, de sua apreensão da realidade psíquica da pessoa que cuida dela. Entender a natureza do mundo real é algo que não se pode fazer sozinho, requer a descoberta e o reconhecimento de si mesmo (self) no olhar do outro" (TARGET, M & FONAGY, P., 1996, p.67).

De maneira inconsciente e contínua, os pais ou cuidadores, com seu comportamento, atribuem um estado emocional à criança, que vai sendo gradualmente internalizado, "alicerçando o núcleo de um sentimento de existir mentalmente" (TARGET, M & FONAGY, P., 1996, p.67).

Segundo Mabilde (2004, p.1) a teoria da mente se desenvolve em etapas: "Dos 2 aos 5 anos de idade: desenvolve-se a distinção entre aparência e realidade, entre desejo e diferença; Dos 6 aos 12 anos de idade: passa-se do suposto "um para um" para "um para muitos"; Da puberdade em diante: percepção de que os fatos, grosso modo, quase nunca são o que parecem".

Portanto, a teoria da mente afeta o processo comunicativo, o desenvolvimento, a capacidade de abstração e a de resolver problemas, a aliança terapêutica, a associação livre, etc.

É importante para o psicoterapeuta perceber os aspectos arcaicos da teoria da mente do paciente, pois suas crenças poderão comprometer a relação analítica, como podemos estudar também na Teoria dos Modelos (BION, 1962, p.65) e na dimensão transubjetiva-mítica de todos nós (FERNANDES, 2003, p.116-7).

 

A teoria dos modelos

O tema dos modelos, de Bion, foi proposto inicialmente em "Aprendendo com a experiência" (1962), seguindo em "Elementos de psicanálise" (1963). O modelo é a abstração da experiência emocional, ou a concretização de uma abstração. Os modelos podem ser biológicos (digestivos: engolir mal, ficar atravessado na garganta, digerir a idéia, o assunto me causou náusea, etc.; respiratórios/olfativos: isso me cheira mal, essa idéia me sufoca) e outros.

O vínculo entre analista e analisandos é uma forma de modelar as abstrações existentes e facilitar a comunicação. O sucesso do trabalho, em grande parte dependerá de ambos os extremos do vínculo utilizarem bem seus modelos.

Há algum tempo, eu disse para um grupo que se analisava comigo: parece que hoje estamos fazendo uma lista negra dos "inimigos", os "verdadeiros culpados" pelas nossas desgraças. Podíamos dizer que usei um modelo, como hipótese para pensar. Esse modelo não se mostrou eficiente, nem verdadeiro, sendo retificado mais tarde (FERNANDES, 2003, p.130). De fato, naquele dia, eles estavam tentando me mostrar, como, apesar de realmente existirem diversas situações desfavoráveis em suas vidas, estavam conseguindo crescer, agindo de modo bem mais adequado às circunstâncias - na verdade em um modelo de sucesso, o que pude, finalmente perceber e reconhecer junto a eles.

 

Vértices

Como podemos ver no Vocabulário contemporâneo de psicanálise (ZIMERMAN, 2001, p.427):

"Vértice é um termos cunhado por Bion para designar um ponto de vista, um ângulo ou uma perspectiva ... Assim, a relatividade da verdade está conectada com os distintos vértices pelos quais uma mesma verdade é percebida, o que está bem expressado nesse verso do poeta Campoamor: 'Nem tudo é verdade; nem tudo é mentira; tudo depende; do cristal com que se mira'".

Há uma íntima correlação entre modelos e vértices, sendo que ambos não são absolutos.

Se considerarmos que o vértice utilizado para o pensar do nosso paciente é falho e lhe causa distúrbios, precisamos de um modelo e de uma teoria de pensar nossos; um modelo nosso para o modo de pensar do paciente; daí pode-se deduzir o modelo de pensar dele, comparando então ambos os modelos.

 

Aspectos primitivos da mente e do grupo - a cesura

Na concepção bioniana, o crescimento mental ocorre por surtos, em níveis de mudança repentinos, que causam angústia, angústia essa que ressurge/emerge a cada vez que ocorre qualquer mudança criativa. Para Bléandonu (1990, p.225) "a originalidade de Bion estava em situar a origem deste processo infinito no corte biológico que o nascimento irremediavelmente efetua".

A cesura do nascimento é o equivalente psíquico ao corte biológico do cordão umbilical. Nesse sentido, Freud, em "Inibição, sintoma e angústia" (1926, p.162) disse que "há muito mais continuidade entre a vida intra-uterina e a primeira Infância, do que a impressionante cesura do nascimento permite acreditar".

Os aspectos pré-natais da personalidade, na cesura do nascimento, têm a tendência à cisão, ficando internalizado em todos nós algo de uma vida tribal, atávica, registro de nosso passado animal, em que se formavam clãs, famílias ou rebanhos.

É impossível entender alguns sintomas se pensarmos que se desenvolveram somente após o nascimento. É necessário considerar as emoções que não puderam se tornar conscientes, nem verbalizadas.

Bion se interessou pela criança autista e também pelos prematuros - que não estariam mentalmente prontos para nascer, permanecendo com algumas capacidades sensoriais animais. Acontece que nenhum de nós ultrapassa totalmente essa fase primeva. Assim, nas afecções psicossomáticas, podemos encontrar um aniquilamento do aspecto intelectual, com o ressurgimento do psicossomático, mais primitivo.

Bion observou que quando nós nos reunimos num grupo, criamos um fundo comum, onde emergem contribuições inconscientes. Tais contribuições constituem uma verdadeira mente de grupo, com unanimidade de pensamento e de vontade, o que impede qualquer possibilidade de vida privada e de satisfação individual.

Entre as importantes contribuições de Bion (1948) destaca-se a observação de que qualquer grupo se movimenta em dois planos: o primeiro, que ele denomina grupo de trabalho, opera no plano consciente e é um nível de funcionamento grupal que está voltado para a execução de tarefas, onde é fundamental a cooperação entre os indivíduos. Esse nível de funcionamento dos grupos tem características análogas às do ego e pressupõe um contato com a realidade, dentro do processo secundário; concomitantemente existe no plano inconsciente, outro nível de funcionamento grupal, outro clima emocional subjacente, o grupo de pressupostos básicos, que fica em estado latente e suas manifestações clínicas correspondem a um primitivo atavismo de pulsões e de fantasias inconscientes.

Tal coexistência do grupo de trabalho com o de suposto básico costuma causar um constante conflito no grupo: uma tendência progressiva, ao lado de uma regressiva.

Na visão de Bion, as duas mentalidades grupais estão presentes ao mesmo tempo e contrapostas, ou seja, a mentalidade primitiva ou do homem regredido e a mentalidade de grupo de trabalho ou de homem evoluído não representam uma seqüência. Ambas estão presentes tanto no habitante das cavernas, quanto no homem moderno.

Ressalta Odilon de Mello Franco Filho (in FERNANDES, 2003, p.23):

"...Para o autor (Bion), Grupo não era uma entidade, mas um ponto de vista. Com isso ele se alinhava a Freud, para quem não havia diferença entre grupo e indivíduo. Bion enfatizava que, o que chamamos de "fenômeno grupal" se trata da captação de algo que já faz parte da mente do homem, independente dele estar reunido, ou não, com outras pessoas. O "grupo" faria parte de um funcionamento protomental, numa área em que corpo e mente não se distinguiriam, com registros carentes de simbolização e que, com a cesura do nascimento, só voltaria a se manifestar em condições especiais. Essas manifestações, na vida pós-natal, se traduziriam em termos de doença psicossomática ou comportamento grupal."

Dessa forma, podemos relacionar o termo "grupo" com processos inconscientes muito primitivos, sendo que tais grupos internos fazem parte de cada indivíduo, e, no dispositivo grupal, emergem e podem ser captados e trabalhados.

Pacientes e analista não podem estar fundidos, "é somente através de uma distância adequada que será propiciada a possibilidade de ambos fazerem correlações e confrontações entre os recíprocos vértices, assim atingindo ao que Bion chama de visão binocular" (ZIMERMAN, 1995, p.178).

Na perspectiva reversível, binocular, há mais possibilidades de crescimento mental e de contato com o todo. Já quando ocorre o oposto, a reversão da perspectiva, a visão é unilateral e tendenciosa, o que torna estática uma situação dinâmica, impedindo o desenvolvimento psíquico e distorcendo a comunicação para o lado que tem a ver com sua teoria da mente.

 

Considerações finais

O dispositivo grupo, através do estudo das interações e das diferentes formas de comunicação, permite um acesso indireto e um estudo da experiência emocional, das fantasias inconscientes, dos grupos internos e teorias da mente de todos os participantes, inclusive do coordenador, assim como da mente grupal e dos movimentos coletivos.

Verificamos que o grupo é um dispositivo privilegiado para atender à necessidade de autoconhecimento, desenvolvimento, do emergir do potencial de cada um e de se decifrar os enigmas das próprias vidas. "A riqueza das diferenças que se apresentam fortalece os egos e fornece identificações possíveis como alternativas de vida mais saudável" (FERNANDES, 2004, p.230).

O que pode facilitar ou, até mesmo, possibilitar o trabalho no dispositivo vincular?

Se a teoria da mente dos pacientes for dotada de alguma sofisticação, isso lhes permitirá níveis mais elaborados de comunicação e melhor recepção de certas intervenções. Por outro lado, um analista que possa abrir mão de certa dose de narcisismo, e que esteja atento aos pacientes e às teorias que habitam suas mentes, não irá ignorar as comunicações trazidas por eles, muito menos considerá-las regularmente como resistências ao processo analítico.

Resumindo, no vínculo psicoterapeuta-clientes, a possibilidade de evolução só existe quando a reação é compreensiva, isto é, tem o efeito de levar o paciente ao insight e elaboração. Ela corresponde ao fato das duas teorias da mente (a do analista/psicoterapeuta e a do paciente) coincidirem, conclusão também encontrada em Mabilde (2003).

Há outras situações, infelizmente muito comuns, em que as reações não permitem desenvolvimento do analisando. Por exemplo: resposta invasiva: a teoria do analista causa sofrimento, ansiedade e terror no paciente; resposta evitativa: a reação é de evitação, devido aos sentimentos de frustração em relação ao tratamento e de culpa em relação ao analista; resposta confusional: na busca de uma teoria intermediária, conciliatória, difícil de ser encontrada - a resposta desenvolvida no paciente é de confusão e desinteresse no tratamento; resposta acusatória: a reação do paciente à interpretação do psicoterapeuta dramatiza e "comprova" a exatidão da sua teoria da mente.

Se existir a reação compreensiva, fruto da superação de diferenças que pareciam instransponíveis, passa a ocorrer uma convivência respeitosa com as diferenças. Nesse caso, a principal resposta do paciente será o crescimento mental, coincidindo com aquilo que propõe Bion (1977). Isso implica certo grau de mudança psíquica , com efeitos no cotidiano de cada um.

Entretanto é bom sermos prudentes, não esquecendo da impotência humana e das limitações de pacientes e de terapeutas.

Freud, em "Análise Terminável e Interminável" (1937) mostrava-se um tanto cético em relação ao tema e ao poder terapêutico da análise, concluindo que os casos com melhores prognósticos para o método analítico são aqueles de origem traumática ao invés dos de origem constitucional.

Da mesma forma, dizia Winnicott que no centro de cada um de nós há sempre algum elemento não comunicável e digno de preservação. Por isso, embora as pessoas ditas normais se comuniquem e gostem de se comunicar, tendo em vista esse núcleo não comunicável, também "é igualmente verdadeiro, que cada indivíduo é isolado, permanentemente sem se comunicar, permanecendo desconhecido, e na realidade, nunca encontrado" (WINNICOTT, 1963, in WINNICOTT, 1983, p.170).

Tal como Freud, que dizia que o analista precisa, para iniciar bem uma análise, ouvir e não cometer erros muito grandes, freqüentemente temos de alterar nossa teoria da mente a partir das comunicações de nossos pacientes, evitando os grandes erros. Dessa forma, podemos tentar começar bem nossos atendimentos, e um dos fatores do começar bem implica dar a devida atenção à teoria da mente dos nossos pacientes, desde o início.

Pensamos que o papel do terapeuta de grupo é de estar presente, interpretar pouco e estar atento às possibilidades comunicativas do grupo. Observar as faltas, atrasos, os silêncios, ouvir o que é falado, como e quando foi dito e em que contexto; do mesmo modo os gestos, olhares e tom de voz dos participantes incluindo o terapeuta devem estar em nossa mira (FERNANDES, 2003, p.181).

Com tudo isso em mente, falar pouco é o mais difícil, mas essencial, o que é enfatizado por Winnicott (1966, apud GROLNICK, 1990): "não importa, na realidade, quanto o terapeuta saiba, desde que possa ocultar esse conhecimento, ou abster-se de anunciar o que sabe".

 

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Endereço para correspondência
E-mail: wbfernandes@terra.com.br

 

 

1 Apresentado no V Congresso do NESME - Serra Negra, 2005.
2 Psiquiatra clínico, psicoterapeuta, docente e supervisor, membro fundador do NESME - Núcleo de Estudos em Saúde Mental e Psicanálise das Configurações Vinculares, da SPAGESP - Sociedade de Psicoterapias Analíticas Grupais do Estado de São Paulo e da ABRAP - Associação Brasileira de Psicoterapia.

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