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Vínculo

versão impressa ISSN 1806-2490

Vínculo v.2 n.2 São Paulo dez. 2005

 

ARTIGOS

 

"Nós na fita": terapia de casal na abordagem sistêmica sob o enfoque construcionista social1

 

"We're been taped": social constructionist approach to systemic couple therapy

 

"Nosotros em la cinta": terapia de pareja en el abordaje sistémico bajo un enfoque construccionista social

 

 

Manoel Antônio dos Santos2

Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo
Sociedade de Psicoterapias Analíticas Grupais do Estado de São Paulo

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Neste trabalho apresentamos os pressupostos teóricos que sustentam uma intervenção com casais fundamentada na abordagem sistêmica, orientada por um enfoque construcionista social. Nessa proposta de intervenção a escuta dos cônjuges é orientada para a busca de ferramentas facilitadoras de conversações dialógicas que podem gerar uma reconstrução de significados e, portanto, a criação de um contexto de mudança. O formato do atendimento prevê a atuação de uma dupla de terapeutas de campo, assessorada por uma equipe reflexiva, constituída de profissionais que não interagem diretamente com o casal e a dupla de terapeutas. A proposta conversacional contribui para ajudar os cônjuges a construir novas narrativas, que possam gerar realidades alternativas àquelas que são instauradas pelas histórias de desencontro, sofrimento e dor.

Palavras-chave: Construcionismo social, Terapia de casal, Reconstrução de significado.


ABSTRACT

We present in this work the theoretical assumptions that sustain interventions in systemic couple therapy orientated by a social constructionist approach. According to this proposal couples are challenged to develop better strategies of dialogical conversations that may onset meaning reconstructions and thus, the creation of a changing context. The attendance setting is composed by two therapists and a supporting reflexive team formed by professionals that don't directly interact with the couple and the therapists. The conversational proposal contributes to help the spouses to build new narratives that may foster realities different from those ones marked by mismatches, incomprehension, suffering and pain.

Keywords: Social constructionism, Couple therapy, Meaning reconstruction.


RESUMEN

En este trabajo presentamos los presupuestos teóricos que sostienen una intervención con parejas fundamentadas en el abordaje sistémico, orientada por un enfoque construccionista social. En esa propuesta de intervención la escucha de las parejas está orientada hacia la búsqueda de herramientas que faciliten las conversaciones “dialógicas” que pueden generar una reconstrucción de significado y, por tanto, la creacción de un contexto de cambio. El formato del atendimiento predice la actuación de una dupla de terapéutas de campo, acesorada por un equipo reflexivo, constituída de profesionales que no intervienen directamente en la pareja, y de la dupla de terapéutas. La propuesta conversacional contribuye para ayudar a las parejas a construir nuevas narrativas, que pueden generar realidades alternativas aquellas que son instauradas por histórias de desencuentro, sufrimiento y dolor.

Palabras clave: Construccionismo social, Terapia de casal, Reconstrucción de significado.


 

 

Neste trabalho apresentamos os pressupostos teóricos que norteiam e sustentam uma intervenção com casais fundamentada na abordagem sistêmica, orientada por um enfoque construcionista social. Nossa proposta de intervenção consiste em uma escuta dos cônjuges orientada para a busca de recursos terapêuticos que possam ser utilizados como ferramentas para a construção e reconstrução de significados.

Nessa perspectiva teórica ganha corpo o pressuposto de que o profissional deve estar empenhado em um esforço de co-construção de contextos dialógicos fecundos, que possam inspirar a descoberta de ferramentas úteis para diversos contextos – pessoais, familiares, grupais, comunitários, educativos e de resolução de conflitos. No que concerne especificamente à psicoterapia de casal, o profissional é uma pessoa interessada em aprender a escutar o casal, a manejar conversações por vezes muito difíceis, buscando facilitar um contexto auspicioso para construir boas conversações entre os parceiros, possibilitando a descrição de histórias melhores e identidades mais criativas e positivas. Mas isso sem esquecer de que falar de um trabalho de terapia ou de uma conversação bem sucedida é falar de alguém que se percebe adequadamente escutado pelo terapeuta ou interlocutor.

Nesse sentido, discutiremos alguns dos recursos de que lançamos mão durante o processo terapêutico e que nos parecem ser facilitadores de conversações dialógicas que podem gerar uma reconstrução de significados e, portanto, a criação de um contexto de mudança.

 

De onde falamos?

Cuidar de um casal implica em assumir a ética do desvelo como um guia que pauta nossas ações. Poder assumir uma postura de quem acredita que é possível descortinar novos horizontes e tornar possível o que, até então, não era visto ou concebido como tal.

A estratégia de que lançamos mão no curso de formação em terapia familiar e de casal é de duração limitada a oito encontros. Portanto, é uma intervenção familiar breve. Esses encontros ocorrem dentro de um enquadre institucional e de formação de psicoterapeutas pelo Instituto Familae de Ribeirão Preto.

Nesse atendimento, uma dupla de terapeutas de campo se empenha para constituir um ambiente acolhedor para as fantasias, angústias e desconfortos do casal. Há também uma equipe (equipe reflexiva), constituída de cinco profissionais (três terapeutas em formação e duas supervisoras), que não interagem diretamente com o casal e a dupla de terapeutas.

A idéia é oferecer um setting com poder multiplicador de gerar enquadres inovadores, ampliando narrativas. As sessões são gravadas em vídeo para fins didáticos, mediante consentimento prévio do casal.

 

A partir de que visão de homem e de mundo intervimos?

A perspectiva teórica que informa nossa prática é o construcionismo social. Trata-se de uma perspectiva epistemológica que norteia nosso fazer de psicoterapeutas. Não se trata de uma técnica (mera aplicação de técnicas e métodos), mas de uma postura filosófica, um olhar epistemológico que inclui algumas dimensões teóricas. O construcionismo social diz que é essencial que explicitemos o olhar epistemológico que fundamenta nosso trabalho. Estamos a todo momento fazendo perguntas: quem está falando, como, desde que lugar e para quem? Que visão de homem e de mundo sustenta nossas ações?

Vejamos alguns dos pressupostos que orientam nossa ação no enfoque construcionista social (Gergen, 1985). Essa proposta desafia os pressupostos da ciência moderna, ou seja: (1) a idéia de que o homem é um ser racional, (2) a centralidade do conhecimento científico e o (3) pressuposto da verdade única com seu caráter universal e transcendental. Cai por terra a concepção de que o profissional detém o saber. No CS consideramos o cliente como especialista.

O casal, ao se encontrar com o terapeuta/equipe, constitui um grupo. Os indivíduos, no grupo, estão permanentemente refletindo, agindo e construindo suas realidades. A psicoterapia é um contexto/celeiro de produção de sentidos e, como tal, fomenta possibilidades de ressignificação que podem animar os processos de mudança, ativando as forças criativas e inovadoras do casal.

 

Com quem falamos?

Ao praticarmos a psicoterapia de casal, vamos tentar criar um contexto que favoreça possibilidades de construção e reconstrução dos significados das experiências do casal. Estamos, assim, buscando a compreensão do processo de construção compartilhada de sentidos, atentando para as diferentes vozes, pensamentos, sentimentos e interpretações que os cônjuges constróem e que dão sentido às suas experiências no mundo, levando-os a se posicionarem de diversas maneiras em relação ao outro (Harré e Gillet, 1999).

Segundo Grandesso (2000), o homem é um ser “imerso em uma trama de significados que ele próprio constrói no convívio e no diálogo com os outros” (p. 31). Cada ser humano é um gerador potencial de significados, que constrói seu mundo nas trocas estabelecidas com os demais. Os significados nascem dos intercâmbios dialógicos produzidos nos espaços comuns de convívio das pessoas.

A psicoterapia é um contexto de produção de sentidos e, como tal, fomenta possibilidades de ressignificação que podem animar os processos de mudança, ativando as forças criativas e inovadoras do casal. Os indivíduos, no grupo, estão permanentemente refletindo, agindo e construindo suas realidades.

A interanimação dialógica pode contribuir para ajudá-los a construir novas autonarrativas (Gergen, 1996; Spink & Medrado, 1999), que possam gerar realidades alternativas àquelas que são instauradas pelas narrativas de dor e sofrimento humano.

Segundo Gergen (1996, apud Campos-Brustelo, 2003), as autonarrativas são produtos do intercâmbio social, o que implica em ser um “eu” com um passado e com um possível futuro imerso na interdependência das relações. Que possam perceber um “eu” passado de forma diferente do “eu” presente e do “eu” futuro. Neste contexto, as narrativas de self e do casal construídas permitem elaborar as contradições e dissonâncias da vivência experiencial.3

Vamos atrás de outras possibilidades de contar e recontar a história desse casal, outras histórias que possam estar em gestação dentro deles.

 

MATERIAL CLÍNICO

Osvaldo e Amanda (nomes fictícios) formam um casal jovem, por volta de 30 anos, dois filhos (de 7 e 2 anos). Casados há 9 anos, namoraram por 5 anos. Ele tem 30 anos, é vidraceiro e trabalha para uma firma com venda e colocação de box. Ela tem a mesma idade e é dona de casa.

Desde os 16 anos estão juntos! Assim, eles têm o mesmo tempo de convívio com a família atual do que tiveram com suas respectivas famílias de origem. Ele tem muito mais esse sentimento de que a família dele é a atual. Ela está ainda muito ligada à família de origem dela. Tem na família de origem o modelo de família ideal: eu mamei até tantos anos, meu filho também tem de mamar... meu pai conversa, dialoga com os filhos, o Osvaldo também deveria ser assim...

1ª sessão:

Contam que estavam brigando muito e que, durante as discussões, ofendem-se “com palavras de baixo calão que é até chato de dizer...” (...) “Ela coloca diversos codinomes em mim...” (Osvaldo)

Osvaldo se queixa da falta de atenção por parte da esposa:

Osvaldo: “Eu chego em casa, a Amanda está dando de mamar para o Paulo Daniel (filho de dois anos e meio), na hora do almoço também, no final da tarde... às vezes dorme no sofá dando de mamar.” Ela alega que não consegue desmamar porque se ele ficar doente vai sentir-se culpada.

Osvaldo também denuncia uma falta de lealdade:

Osvaldo: “A gente não tem privacidade, ela conta tudo para o pai. Ela tem conta-corrente com o pai, eu pedi um cheque emprestado para ela, ela contou pro pai o valor do cheque e para que ia usar e tudo.”

Tanto ele quanto ela descrevem a estagnação que tomou conta da vida do casal, e a falta de criatividade na vida de um modo geral:

Amanda: “Quando a gente sai de carro para ir à lanchonete ele faz sempre o mesmo caminho.”

Além disso, constróem narrativas que explicitam a tirania do filho caçula, que apesar da pouca idade parece dominar os pais. Osvaldo conta de sua insatisfação por Amanda não conseguir desmamá-lo.

Amanda: “Me ensinaram a passar bolso no peito. Ele mamou e começou a vomitar. Aí eu não agüentei... (...) Ele acorda à noite só pra mamar... Ele não pára de chorar enquanto eu não dou.”

Notamos também diversos aspectos positivos nesse casal. O sentimento amoroso parece perdurar. Ambos dizem que se amam e que querem melhorar seu relacionamento. No final da sessão, Amanda diz, sorrindo: “Ele acha que gosta de mim mais do que eu dele, mas eu é que gosto mais dele do que ele de mim.”

2ª sessão:

Tão logo tem início a sessão Amanda diz: “Depois que saímos daqui nós saímos bem, até namoramos. Mas agora começaram as brigas tudo de novo.”

Osvaldo parece estar de cara amarrada, visivelmente incomodado.

Volta ao tema do uso que Amanda faz de “codinomes” (adjetivos pejorativos que utiliza para desqualificá-lo):

Osvaldo: “Eu já não tenho nome, ela me chama de vários codinomes. Você é um animal. Você é um alcoólatra.”

Aparece pela primeira vez o problema de Osvaldo com bebida.

Amanda: “No outro dia ele esquece o que falou.” (e a briga que tiveram)

Amanda conta que marcou consulta com um psiquiatra. Ele “esqueceu”, não a acompanhou à consulta e por isso estão brigados. Ela se queixa de sentir-se muito irritada. O psiquiatra prescreveu fluoxetina para ela, ela quer usar e ele é contra, acha que por si só não resolve, que ela tinha que fazer algo por ela mesma, senão, depois no dia em que tirar o remédio vai voltar tudo de novo. Ela tem receio de utilizar porque ainda está amamentando. Revela desejo de desmamar o filho caçula, mas tem receio de que ele fique fraquinho e contraia uma doença, deixando-a arrependida depois.

Impulsiva, Amanda dispara a falar como um papagaio. Osvaldo espera ela acabar e depois retoma do ponto exato em que havia parado devido à interrupção da esposa.

3ª sessão:

Chegam em alto astral. Contam com alegria que “desde aquele dia [última sessão] nós não brigamos”. Estão conversando mais e se entendendo melhor. Não estão se envolvendo com a briga de outros casais (amigos, pais dela). “Eu saio”, ele diz, “e falo pra Amanda: ‘Vamos comigo no posto comprar uma cerveja?”

Ou seja, ele tem procurado se preservar e também a convida a se retirar da situação de conflito.

Pergunto se conversaram sobre o atendimento passado, dizem que não, não conseguem falar sobre o que falam ali na terapia. Osvaldo: “Vocês viram a fita?” Respondo que é como se perguntassem: vocês conversaram sobre nós?, mantiveram suas mentes ocupados conosco, se lembraram, cuidaram de nós?

Osvaldo: “Agora estou indo sozinho para o trabalho e no caminho vou refletindo sobre o dia anterior, eu consigo lembrar das coisas que aconteceram.” Menciona que agora está mais reflexivo e fazendo questão de recordar os momentos gratificantes do dia anterior.

Diz também que tem feito carinho nos filhos e na esposa, quando estão dormindo.

Osvaldo: “Agora estou percebendo que não dava atenção, carinho, não tinha paciência nem com ela nem com os meus filhos.”

Amanda reforça: “Eles (filhos) nem podiam conversar nada com ele. Nem eu. Eu chamava ele pra assistir uma fita (de vídeo) e ele dormia, aí eu xingava, dizia que ele não dava atenção pra mim nem pra assistir um filme junto, nunca tinha tempo pra mim.”

Mesmo que ela esteja dando de mamar para o filho, ele agora consegue se aproximar dela e fazer um carinho. Conta de um dia em que ela estava dormindo e ele ficou um longo tempo acariciando suas costas.

Sobre essa questão do carinho, constrói uma bela metáfora: “Se a gente não joga água na planta todo dia, ela não cresce.” Osvaldo demonstra sua gratidão: “Vocês têm sabedoria.”

Amanda: “Agora eu estou tentando ouvir. Estou tendo consciência de que antes queria chamar a atenção dele nem que fosse brigando, ofendendo, xingando, pegando no pé, que era o único jeito de ele me olhar, me dar atenção...”

Em um outro momento, acrescenta:

Amanda: “Ele não é de falar. Eu estou até espantada do jeito que ele tá conversando aqui. [Quando ela estava irritada com ele, falava muito e ele a ignorava, parecia não ouvir.] Eu me surpreendi na última vez que estivemos aqui, e que ele falou que me ouvia quando eu brigava com ele. Eu achava que ele não ouvia e por isso falava mais, xingava ele, ficava mais irritada ainda.”

Osvaldo: “Eu olhava pra você, eu via sim, ouvia mas ficava quieto, fazia que não ouvia para não provocar briga.”

Amanda: “Eu descobri isso aqui, que ele me ouve. (...) Aqui que eu fui perceber que ele fala também, e que ele me escutava. ”

Começam a ressignificar aquele ciclo: bebida-briga-esquecimento.

No final da sessão, quando a terapeuta tenta falar, Amanda a atropela por várias vezes seguidas, dizendo que “não consegue ouvir o que o outro fala”, até que Osvaldo observa: “Então escuta ela!”

Amanda: “É verdade! Eu falo muito e atropelo as pessoas!”

Podemos perguntar-lhe então: “O que te fez pensar isso? Como construiu isso em sua história?”

Amanda: “Eu já estou melhorando, mas tem por onde melhorar mais.” (...) “Agora eu estou vendo que é bom falar pra a outra pessoa saber o que se passa na minha cabeça. E que é bom o outro falar também pra eu saber e poder ouvir, porque antes eu não estava podendo ouvir.” (...) “A gente nunca conhece como a pessoa é, tem que dizer pra gente saber.” (...)

Osvaldo menciona que já está indo para o clube com Amanda e com as crianças no domingo, e que agora mudou de caminho. “Antes eu via só aquele caminho, como se tivesse um tapa-olho” (viseira).

No final da 3ª sessão:

Osvaldo: “Vocês são nossos verdadeiros amigos.”

Amanda: “Tá faltando alguém aqui hoje.”

Osvaldo (já em pé, se despendindo): “Manda um abraço para minha amiga.”

Osvaldo: “Deve demorar uns dois anos para terminar a terapia, né? Porque depois os filhos crescem... e a adolescência deles, como que fica?”

Nas descrições (de si e do outro) que marido e mulher ofereceram ao longo dessas sessões iniciais podemos identificar alguns temas recorrentes, que marcaram cada encontro de maneira especial. Vejamos, a partir de um olhar retrospectivo, o que se pode depreender das três primeiras sessões:

1ª sessão: tempo da queixa: falam que brigam
2ª sessão: tempo da ação: brigam (entram “brigados”)
3ª sessão: tempo da reconciliação e gratidão à equipe (do “brigado” para o “obrigado”, fazendo questão de se mostrarem agradecidos por termos facilitado aberturas)

1ª sessão: O casal nos convida a endossar uma descrição de que o pivô das desavenças conjugais é a relação com os filhos. Osvaldo alega que as brigas e o mal-estar do casal se devem ao fato de Amanda não conseguir desmamar o filho caçula. Nota-se que Osvaldo se sente insatisfeito, excluído da relação Amanda-Paulo Daniel.

2ª sessão: O casal nos convida a uma outra descrição acerca das desavenças. Amanda explicita seu incômodo e insatisfação, apontando que Osvaldo bebe muito e se distancia dela e dos filhos (logo, não consegue se “desmamar” da cerveja). O sistema terapêutico procura mostrar os diferentes modos como cada um está vivenciando essa situação particular, explicitando suas especificidades. A maneira como cada um vivencia o problema do abuso da bebida por parte de Osvaldo e descreve seu relacionamento com e sem a bebida implica no seu modo particular de descrever sua relação com o outro.

3ª sessão: O casal nos conta que está bem. Elabora novas descrições sobre o viver a dois, incluindo a possibilidade de mudanças, apontando a terapia como indutora dessas transformações que têm possibilitado novas conversas e um melhor convívio conjugal durante as últimas semanas:

Osvaldo: “A gente sai fortalecido daqui.”

Nas descrições é digno de atenção a multiplicidade de sentidos atribuídos à função do diálogo entre marido e mulher.

A equipe reflexiva indaga: “O que dela desperta o melhor dele e o que dele favorece o melhor dela?” Pontua a importância de serem capazes de perceberem em que situações Amanda tira o pior dele, e vice-versa. E em que situações cada um pode tirar o melhor do outro.

Se o casal vem cheio de problemas, a gente se constrói de uma determinada maneira. Se o casal vem com coisas boas, nós nos construímos de outro jeito. Amanda e Osvaldo são “clientes competentes” – pessoas que estão olhando por outros ângulos (“outros caminhos”) e que vão podendo construir outras narrativas que podem ampliar as narrativas que trazem. Vemos assim como uma narrativa pode transformar um casal em atendimento.

Na 2ª sessão havíamos colocado a necessidade de eles acharem um espaço para usufruírem do amoroso – justamente quando estavam brigados. Nós valorizamos esse outro lado, não o fato de estarem se desentendendo. Foi importante termos apostado nisso porque deu abertura para eles darem uma trégua na briga deles e encontrarem um “novo caminho” no intervalo entre a 2ª e a 3ª sessão.

Os exercícios que fazemos ao assistirmos à fita de vídeo com as sessões gravadas nos permitem refletir sobre nossa atuação. Que perguntas poderíamos ter feito que possibilitariam abertura, facilitariam ampliação? Que aberturas poderíamos ter criado e não exploramos? O que nos deixa mais curiosos para estamos explorando mais? Como podemos transformar isso numa pergunta que possa ser útil nesse momento?

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CAMPOS-BRUSTELO, T. N. Participação religiosa e relacionamentos afetivo-sexuais de jovens evangélicos. Dissertação [Mestrado]. Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, USP, 2003, 255 p.        [ Links ]

GERGEN, K. J. The social constructionist movement in modern psychology. American Psychologist, v. 40, p. 266-275, 1985.        [ Links ]

GERGEN, K. J. La autonarración en la vida social. In: ___________ (Ed.) Realidade y relaciones: aproximaciones a la construcción social. Barcelona: Paidós Ibérica, p. 231-258, 1996.        [ Links ]

GRANDESSO, M. Reconstrução do significado. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2000.        [ Links ]

HARRÉ, R.; GILLET, G. A mente discursiva: os avanços na ciência cognitiva. Porto Alegre: Artes Médicas, 1999.        [ Links ]

MENDES, J. M. O. O desafio das identidades. In: B. S. SANTOS (Org.) A globalização e as ciências sociais. São Paulo: Cortez, p. 503-540, 2002.        [ Links ]

SPINK, M. J.; MEDRADO, B. Produção de sentidos no cotidiano: uma abordagem teórico-metodológica para a análise das práticas discursivas. In: M. J. SPINK (Org.) Práticas discursivas e produção de sentidos no cotidiano: aproximações teóricas e metodológicas. São Paulo: Cortez, p. 41-61, 1999.        [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
E-mail: masantos@ffclrp.usp.br

 

 

1 Trabalho apresentado no V Congresso do NESME
2 Doutor em Psicologia Clínica pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, bolsista de Produtividade e Pesquisa do CNPq, membro do corpo docente da SPAGESP, do curso de graduação e do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (USP).
3 Para Mendes (2002), não há uma identidade imutável, mas uma identidade diversificada e narrativamente construída, articulando as múltiplas experiências por meio da identidade narrativa em virtude da necessidade de preservar a coerência interna, o sentimento de permanência identitária.

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