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Vínculo

Print version ISSN 1806-2490

Vínculo vol.3 no.3 São Paulo Dec. 2006

 

ARTIGOS

 

A grupanálise precisa das neurociências?

 

Does group analysis need the neurosciences?

 

¿El grupoanálisis necesita de las neurociencias?

 

 

João Carlos Melo1

Hospital de Dia do Serviço de Psiquiatria do Hospital Fernando Fonseca e Grupanalista
Sociedade Portuguesa de Grupanálise

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O autor apresenta, neste trabalho, uma hipótese especulativa, considerando o funcionamento dos "mirror neurons" como uma parte do correlato neurofisiológico do fenómeno de ressonância em Grupanálise. A partir desta hipótese, reflecte sobre o papel que os conhecimentos oriundos das neurociências poderá desempenhar na Grupanálise, nomeadamente na sua identidade e no lugar que esta pode ocupar na compreensão do funcionamento psíquico.

Palavras-chave: Grupanálise, Ressonância,"Mirror neurons".


ABSTRACT

In this paper, the author presents a speculative hypothesis, which considers the functioning of the "mirror neurons" as part of the neurophysiologic correlate of the Resonance phenomenon in Group analysis. Based on this hypothesis, he reflects on the role, that the knowledge drawn from the neurosciences, may have in Group analysis, namely in its identity and in the place that it may occupy in the comprehension of psychic functioning.

Keywords: Group analysis, Resonance,"Mirror neurons".


RESUMEN

El autor presenta, en este trabajo, una hipótesis especulativa, considerando el funcionamiento de los "mirror neurons" como una parte del correlato neurofisiológico del fenómeno de resonancia en Grupoanálisis. A partir de esta hipótesis, piensa sobre el papel de los conocimientos oriundos de las neurociencias podrá desempeñar en el Grupoanálisis, específicamente en su identidad y en el lugar que ésta puede ocupar en la comprensión del funcionamiento psíquico.

Palabras clave: Grupoanálisis, Resonancia,"Mirror neurons".


 

 

A Grupanálise Precisa Das Neurociências?

Na Universidade de Parma, na Itália, trabalha uma Equipa de neurocientistas liderada por Giacomo Rizzolatti, um neurologista Russo que aí se radicou.

Esta equipa foi responsável por uma descoberta extraordinária e que teve tal impacto na comunidade científica que levou Ramachandran a afirmar que se tratava da mais importante descoberta no campo das neurociências na última década.

Vejamos como é interessante a história desta descoberta (ROTHSCHILD, 2004).

No início dos anos 90, os investigadores da equipa davam continuidade aos estudos que, então, estavam a desenvolver no Departamento de Fisiologia e que consistiam em, através da implantação de eléctrodos no córtex cerebral de macacos, cartografar as regiões corticais que eram activadas quando os animais agarravam um objecto.

Os procedimentos iam decorrendo de forma prevista, quando um extraordinário acontecimento deixou perplexa toda a equipa. Quando dum pequeno intervalo, um dos investigadores manteve-se atento ao monitor, observando aquilo que pareciam acontecimentos rotineiros: a activação das áreas corticais já conhecidas quando um macaco agarrava um objecto. Mas num dado momento, qual não foi o seu espanto quando observou que o macaco em questão não estava a agarrar nenhum objecto. E aquilo que se lhe deparou foi deveras insólito: o macaco não estava a agarrar nenhum objecto, mas sim a observar outro macaco a fazê-lo. A área cortical activada, confirmaram depois, era precisamente a mesma que era activada quando o macaco agarrava o objecto: o córtex pré-motor. Mais tarde, neurónios com propriedades similares viriam a ser descobertos noutra áreas, nomeadamente o córtex parietal posterior (GALLESE, 2004).

Este feliz acontecimento introduziu, assim, uma nova perspectiva, que veio a revolucionar a investigação daquela equipa e abrir novos horizontes para as neurociências e para o conhecimento do funcionamento mental.

A estes neurónios que eram assim activados, passaram a chamar “mirror neurons” (“neurónios-espelho”), por reflectirem, por assim dizer, a actividade de neurónios de outros cérebros.

Esta investigação é ainda recente, mas já muito se descobriu, e as potencialidades desta descoberta ainda estão no seu começo.

Vejamos agora alguns exemplos do que é já conhecido:

— Estes neurónios são também activados quando a parte final da acção observada é ocultada do observador, sugerindo que é possível prever as consequências de determinadas acções.

— Um subtipo destes neurónios é activado não só pela execução e observação, mas também pelo som produzido pela mesma acção. São os “neurónio-espelho áudio-visuais”

— Um outro subtipo, os “neurónios-espelho comunicativos”, é activado quando se estabelece uma comunicação baseada nas expressões faciais.

— Novas evidências empíricas sugeriram que a experiência subjectiva de se ser tocado, activa as mesmas redes neuronais que são activadas pela observação de outra pessoa estar a ser tocada (KEYSERS et al., 2004).

 

E do macaco ao Homem foi um passo

De facto, evidências crescentes têm demonstrado a existência destes neurónios também em humanos, como têm atestado estudos neurofisiológicos e imagiológicos, nomeadamente o Electroencefalograma, a Magnetoencefalografia, a Estimulação Magnética Transcraniana, os Potenciais Evocados e a Ressonância Magnética Funcional (RIZZOLATTI e CRAIGHERO, 2004).

Trata-se, em suma, duma importante descoberta, a qual tem contribuído para uma melhor compreensão de fenómenos como a evolução da linguagem, a imitação, a empatia, a intersubjectividade e a teoria da mente.

Até aqui tenho-me referido, basicamente, a actos motores, mas a verdade é que também as experiências subjectivas de emoções e sensações envolvem a activação de circuitos neuronais que são os mesmos que são activados quando emoções e sensações do mesmo tipo são observadas nos outros (GALLESE, 2004).

 

Comportamentos Ressonantes

E é aqui que entra a Grupanálise. A propósito do conceito de Ressonância.

Ao sistematizar a "fenomenologia da situação grupal", a ressonância foi, justamente, um dos mecanismos específicos grupais que Foulkes (1957,1964) descreveu.

É claro que quando Rizzolatti e colegas fizeram menção à ressonância, não estavam a referir-se ao conceito de Foulkes. Mas, precisamente, a questão que pretendo salientar tem a ver com o que têm em comum as duas idéias.

Áreas diferentes do conhecimento, como as teorias analíticas e os modelos das neurociências, acabam por referir-se às mesmas coisas, pois é de pessoas e do seu funcionamento mental que estamos a falar. Aliás, uma idéia semelhante tinha já sido mencionada por Theodor Reik no longínquo ano de 1949, como referiu Ana Sofia Nava no seu excelente trabalho sobre a empatia (NAVA, 2005). Reik referia-se ao que chamou "reverberação", ou seja, o vivenciar a experiência do outro e concomitantemente contemplar as nossas próprias associações cognitivas e afectivas em relação a essa experiência.

Vejamos, então, o que diz a Grupanálise acerca da ressonância.

A compreensão deste mecanismo pressupõe que tenhamos em conta dois factores que ocorrem no processo grupanalítico: a regressão; e a comunicação inconsciente entre os indivíduos.

A regressão, como se sabe, caracteriza-se, basicamente, pelo ressurgimento de modos de funcionamento mental que caracterizam a actividade psíquica do indivíduo em fases precoces do seu desenvolvimento, ainda que este ressurgimento, como é bom de entender, não se manifeste na sua forma original, mas como que "filtrado" pelo corpo e mente adultos.

Como se poderá facilmente compreender, a regressão reveste-se de algumas especificidades no processo grupanalítico. Com efeito, num grupo de análise, a regressão toma formas e níveis diferentes de profundidade em cada analisando. Encontrando-se vários indivíduos em interacção, o que se verifica é que, em dado momento, cada um se encontra a funcionar num nível regressivo próprio e diferente do dos outros.

No que diz respeito à regressão, é este o aspecto central que devemos ter em conta para a compreensão do conceito de ressonância.

O outro factor a considerar, como já vimos, é o que se refere à comunicação inconsciente entre os indivíduos.

Este modo de comunicação é generalizadamente intuído e foi frequentemente referido por Freud, por Foulkes e por muitos outros. Foulkes (1964), por exemplo, afirmou claramente que "quando um indivíduo é posto na presença de outro indivíduo e das suas comunicações, comportamentos e palavras, parece responder-lhes, instintivamente e inconscientemente, no mesmo comprimento de onda, por assim dizer".

Vejamos agora como é que os dois factores referidos, a regressão e a comunicação inconsciente, se articulam de modo a dar corpo ao conceito de ressonância.

O ponto importante a salientar é que uma determinada comunicação dum dos elementos do grupo não atinge cada um dos outros da mesma forma, se assim se pode dizer.

Ela reverbera - utilizando a expressão de Foulkes (FOULKES e ANTHONY, 1957) - diferentemente em cada um conforme o nível regressivo em que se encontram. É esta a idéia subjacente ao conceito de ressonância. Os pensamentos e sentimentos, bem como as fantasias e comunicações (conscientes e inconscientes) de cada um são diferentes e específicos, pois cada um se encontra a funcionar num nível regressivo próprio. A comunicação inicial reverberou, teve ressonância diferente em cada um dos outros.

Ora bem, qual o alcance deste conceito?

Penso que, levando-o em conta, poderemos vislumbrar implicações quer teóricas quer técnicas para a Grupanálise.

Consideremos a seguinte questão. Como é que uma comunicação (uma interpretação, por exemplo) de um dos membros do grupo ou do analista chega a todos os outros?

Depende do tipo de interpretação. É relevante para a técnica (e também para a teoria) grupanalítica a forma como se interpreta.

Fazer interpretações para o grupo como um todo ou fazer interpretações a cada elemento considerando-o no contexto do grupo, constituem procedimentos diferentes e com implicações técnicas e terapêuticas também diferentes.

A este propósito, Didier Anzieu (1975) considera que a interpretação centrada sobre o grupo não atinge todos os seus participantes no seu inconsciente individual, mas apenas aqueles de entre eles cujos fantasmas, angústias e conflitos se acordem mais com a tensão comum.

Se a interpretação é dirigida a um membro, mas integrada no grupo e nas suas circunstâncias, essa interpretação pode atingir todos os outros, embora reverberando em cada um conforme o nível regressivo em que se encontre.

Ainda que em muitas alturas se possa identificar uma tensão ou uma fantasia comum, pode acontecer que nem todos os elementos estejam a vivenciá-la da mesma forma.

Interpretar que o grupo está angustiado pelas férias que se avizinham, por exemplo, pode corresponder ao ambiente geral que está a ser vivido, mas não faz juz à experiência pessoal, íntima e particular de cada um.

As férias do grupo podem desencadear fantasias, emoções apreensões diferentes em cada um, conforme uma variedade de factores: a duração da sua grupanálise, a fase que está a viver no momento, a forma como se sente e lida com as separações, o nível de angústia que estas fazem emergir, o seu momento regressivo.

As comunicações (verbais e não verbais) relativas a determinadas experiências provocam, como vimos, impacto em cada um dos elementos do grupo e isto acontece, provavelmente, pela activação de neurónios-espelho.

Cada um vivência, em si próprio, a experiência do outro, sentindo "o mesmo" que ele. "O mesmo", naturalmente, é uma força de expressão, na medida em que o crivo da subjectividade confere uma tonalidade específica à experiência agora vivida para quem capta a comunicação.

Mas penso que se passa algo mais que isso neste processo. Os neurónios-espelho não são meros reflexos passivos daquilo que lhes chega. Os neurónios activados comunicam, por sua vez, com outros neurónios que constituem o substracto do reportório de experiência e memórias correlacionadas, fazendo com que o indivíduo vivencie não o mesmo que o outro mas aquilo que dele próprio com isso se relaciona, e é esta vivência que reverbera à comunicação do outro.

A hipótese que aqui exponho não passa duma especulação e não tem outro intuito senão o de ilustrar como um corpo de conhecimentos baseados na experimentação científica pode constituir um correlato neurofisiológico dum fenómeno observado na clínica.

Este correlato - ou outro que se revele mais adequado - pode ter a função de permitir uma melhor compreensão destes fenómenos que ocorrem entre os indivíduos.

Mas não só uma melhor compreensão. Também uma confirmação. E confirmação porquê? E para quê?

Não seria suficiente contentarmo-nos com a descrição dos fenómenos e a construção de conceitos abstractos que os suportassem?

Até certo ponto, penso que sim. Mas, tentando ir mais além na fundamentação dos conceitos, considero que será no suporte dos processos biológicos que lhes subjazem que eles se tornarão mais consistentes, aceitáveis e válidos no rigoroso e exigente campo do conhecimento científico.

A comunicação inconsciente entre os indivíduos a que atrás me referi, é disso exemplo. Ainda que constitua uma evidência empírica, ela não corresponde a nenhuma forma de telepatia, de adivinhação ou de algo ainda mais etéreo. Na verdade, ela constitui a manifestação de fenómenos biológicos progressivamente mais e melhor estudados, e de entre estes fenómenos relevo, em particular, aqueles que resultam do funcionamento dos neurónios-espelho.

A Grupanálise, na minha opinião, enriquecer-se-á e será melhor aceite se se abrir a outros ramos do conhecimento e se integrar no seu corpo e na sua fundamentação os aportes provenientes dessas áreas, designadamente das neurociências.

 

Referências Bibliográficas

ANZIEU, D.(1975).O trabalho psicanalítico nos grupos. Lisboa: Moraes Editores, 1978.        [ Links ]

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ROTHSCHILD, B. (2004). Mirror, mirror: our brains are hardwired for empathy. Disponível em:http://home.webuniverse.net/babette/mirror.htm.        [ Links ]

 

Endereço para correspondência
E-mail: jcmelo@netcabo.pt

 


Recebido em 04/12/2005
Aceito em 16/03/2006

 

 

1 Médico Psiquiatra; coordenador do Hospital de Dia do Serviço de Psiquiatria do Hospital Fernando Fonseca e Grupanalista (Membro Efectivo da Sociedade Portuguesa de Grupanálise). Autor de: "As faces do inconsciente - perspectivas da psicanálise e da Grupanálise" - Climepsi Editores, Lisboa.

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