SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.3 número3Preconceito em grupanálisis: considerações a propósito do terminus de uma grupanáliseO desenho como recurso auxiliar em psicoterapia de grupo com crianças índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Vínculo

versão impressa ISSN 1806-2490

Vínculo v.3 n.3 São Paulo dez. 2006

 

ARTIGOS

 

 O grupo como lugar de aprendizagem

 

The group as a learning place

 

El grupo como local de aprendizaje

 

 

Amaury Tadeu Rufatto1

CAPSi CRIA Santo Amaro

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este trabalho se propõe a discutir os diferentes graus de vivência que um grupo psicoterápico de base psicanalítica pode oferecer: o setting, a figura do terapeuta/coordenador, a desconstrução dos rótulos sociais, a vivência emocional intensa, a percepção do lugar do outro e da necessidade deste como meio para se perceber. Utilizarei para tanto da analogia entre “Ouvir” e “Escutar”. É na presença do outro, este igual e ao mesmo tempo diferente, que podemos nos defrontar com toda a gama de aspectos emocionais. Haveria apenas um estranho dentro do grupo? Ou haveria também um estranho dentro do grupo que habita em cada um de nós? O grupo terapêutico de base psicanalítica possibilita a explicitação dos processos de transferências e contratransferências envolvidos nas relações humanas, assim como dos aspectos intra, inter e transubjetivos. Imersos no espesso caldo que o grupo produz, seus participantes, sem exceção, são colocados frente a diferentes necessidades emocionais. Aprender, aqui, diz respeito a uma experiência. A descobrir. A desvelar algo que contém a chave para novas perspectivas.

Palavras-chave: Grupos, Aprendizagem, Cuidar.


ABSTRACT

The propose of this work is to discuss different experience degrees that a psychoanalytic base psychotherapeutic group can offer: the setting, the psychotherapist/coordinator character, social labels’ deconstruction, the intense emotional existence, the perception of the other’s place and the need of his/her as way to self-perception. Therefore, I will use metaphors of Hear and Listen. It’s in the other’s presence, as an equal and at the same time different, that we can confront ourselves with the whole range of emotional aspects. Would there be just one stranger inside of the group? Or would there also be one stranger inside of the group that inhabits each one of us? The psychoanalytic base therapeutic group makes possible the explanation of transfers and counter-transfers’ processes involved in the human relationships, as well as the intra-subjective, inter-subjective, and trans-subjective aspects involved in the relationships. Immersed in the thick broth that the group produces, their participants, without exception, are placed towards different emotional needs. To learn here concerns to an experience. To uncover. To reveal something that contains the key for new perspectives.

Keywords: Groups, Learning, To take care.


RESUMEN

En este trabajo se propone discutir los diferentes grados de experiencia que un grupo psicoterápico con embasamiento psicoanalítico puede ofrecer: la escena, la figura del terapeuta/coordinador, las desconstrucciones de los rótulos sociales, la intensa vivencia emocional, la percepción de la posición del otro y la necesidad del otro como medio para percibirse. Por consiguiente, yo utilizaré las metáforas de el Oír y Escuchar. Es en la presencia del otro, como un igual y al mismo tiempo diferente, que podemos enfrentarnos con toda la gama de aspectos emocionales. ¿Habría simplemente un extraño dentro del grupo? ¿O también habría un extraño dentro del grupo que habita cada uno de nosotros? El grupo terapéutico embasado en psicoanálisis posibilita la explicación de los procesos transferencias y de contra-transferencias involucrados en las relaciones humanas, así como los aspectos intra, inter y transubjetivos. Sumergido en el caldo espeso que el grupo produce, sus participantes son colocados, sin excepción, hace diferentes necesidades emocionales. Aprender aquí concierne a una experiencia. Para descubrir. Para revelar algo que contiene la llave para las nuevas perspectivas.

Palabras clave: Grupos, Aprendizaje, Cuidar.


 

Gostaria de dividir com vocês algumas reflexões sobre a possibilidade de aprendizagem que um grupo psicoterapêutico nos oferece. As reflexões são frutos da experiência vivida como coordenador de um grupo psicoterapêutico em funcionamento há mais de cinco anos. Neste período, o grupo passou por diferentes formações; na essência, sempre foi composto por cinco participantes, com um número maior de mulheres, mas também com a presença constante de pelo menos um homem, além do terapeuta. Seus participantes estão na faixa dos quarenta aos sessenta anos de idade, e os quadros emocionais que os levaram a procurar o grupo estão ligados à depressão.

 

Ouvir e Escutar

Ouvir é uma função fisiológica do corpo. Vibrações são captadas pelo tímpano e conduzidas até um determinado local do cérebro onde são codificadas. A recepção das ondas sonoras, a identificação e seu envio às regiões apropriadas do cérebro, podem ser medidas por testes como o BERA (audiometria de tronco). Porém, se o estímulo sonoro não sofrer algum tipo de processamento teremos um receptor passivo. Quando o estímulo é codificado, abre-se a possibilidade deste sofrer uma transformação e adquirir um sentido. Desta maneira, podemos diferenciar o ouvir do escutar. Escutar pressupõe uma codificação, decodificação e elaboração do que está sendo ouvido. Passamos, assim, de um ato fisiológico para um processo elaborativo e subjetivo, visto que a representação do som terá um correlato nas experiências vividas pelo indivíduo. Alguém que more em uma metrópole poderá não se incomodar com os sons da sirene de uma ambulância, porém, alguém que vive no campo e não está acostumado com tais ruídos certamente ficará aflito.

Um outro exemplo da subjetividade envolvida na questão da escuta. Alguém faz um comentário, ouvimos e não sabemos o sentido - “eu ouvi, mas não escutei”. Mesmo diante de uma explanação, uma conferência, uma aula, num determinado momento as pessoas poderão estar ouvindo, mas não mais escutando. Basta uma lembrança ou uma preocupação vir à mente e a “atenção” é desviada. Estamos, assim, frente a um processo de extrema complexidade e que normalmente passa despercebido no dia a dia. Escutar implica em um ato fisiológico de captura de determinados estímulos sonoros, sua decodificação e a atribuição de significados a estes estímulos que terão como parâmetro as experiências pregressas do indivíduo.

Outra forma de apresentar a questão, que me ocorre, é pensarmos em um jogo de boliche. Se ao lançarmos a bola ela seguir um tempo pela pista e cair na canaleta lateral, nenhum efeito terá sobre os pinos. Porém, se ao ser lançada e percorrer toda a pista, tocar um pino em determinado ponto, este poderá ser derrubado e derrubar mais alguns; ou, ainda, ao acertar o pino central, executar um strike - objetivo maior do jogo. Assim, podemos pensar em situações em que o estímulo sonoro perde-se na canaleta ou acerta alguns pinos ou provoca um strike.

 

Para ser ouvido e escutado

Para uma primeira aproximação da proposta deste trabalho, que é a aprendizagem nos grupos (e não perdendo de vista a questão do ouvir e do escutar) tomarei como exemplo o primeiro grupo a que pertencemos, a família, e a primeira tentativa de contato com ela, o choro do bebê.

Um dos primeiros desafios que a vida em grupo nos coloca é o escutar. Porém, a primeira necessidade que a vida nos impõe é a de ser escutado. E aqui está o foco da nossa questão. O conflito entre a necessidade de ser escutado e a indisponibilidade para escutar. Não precisamos exemplos complexos. Basta observar o escândalo de um bebê por horas/dias quando se sente desconfortável. Ao chorar, o bebê espera ser ouvido e escutado por alguém que decodificará seu choro. Neste processo, ao escutar o choro, a mãe pode distinguir as diferentes necessidades do bebê, enquanto que, para um estranho, poderia ser difícil atribuir um significado especial àquela manifestação. Este ato marca nossa inserção na vida grupal, imprimindo no bebê uma marca precoce de acolhimento e compreensão que o acompanhará por toda a vida. Isto só é possível pelo vínculo que se estabelece nesta relação mãe/bebê. Porém para quem não está neste processo vincular, a vivência pode ser de exclusão. Por exemplo, “o pai” pode sentir-se excluído; por não ser possuidor de um determinado saber, pode viver a situação como uma falta, por não possuir a chave para a decodificação de um determinado sinal.

 

Uma escuta psicanalítica

No trabalho psicoterapêutico de base psicanalítica, a função de escutar, está identificada como sendo do terapeuta e é reforçada pelo pressuposto da “neutralidade psicanalítica”, em que o terapeuta estaria disponível para esta função assim como a mãe para o bebê. Ao paciente cabe falar livremente, associar idéias... Nas sessões de terapia individual é comum observar a produção de tantos relatos e tantas associações que às vezes me questiono: “Ele percebe que eu estou aqui, ou é apenas um solilóquio? - Ele escutou o que acabou de dizer? - Seria possível alguém escutar tudo o que ele está dizendo?” E quando faço alguma intervenção surgem outras perguntas como: “Ele escutou o que eu disse?”

O que escuta o psicoterapeuta? Escuta uma necessidade, uma falta inscrita na forma de angústia e revestida de queixas; ao escutar, não deve responder a estas últimas, mas suportar a angústia e buscar o seu sentido, nas lacunas que se formaram na constituição deste sujeito.

 

A escuta do grupo e no grupo

Para melhor contextualização vou apresentar mais alguns breves detalhes do grupo em que me baseio: reúne-se semanalmente, com sessões de noventa minutos, e é aberto, o que significa dizer que pode haver, como já houve, a entrada e saída de pacientes, ficando a critério do coordenador a admissão, ou não, de novos membros. Conta no momento com quatro participantes, duas mulheres e dois homens, na faixa etária entre quarenta e cinco e sessenta anos, sendo um remanescente dos primórdios da configuração grupal.

O escutar é uma ferramenta importantíssima, mas que precisa ser desenvolvida, e esta é uma das primeiras questões que o enquadre grupal nos confronta, já não mais como uma prerrogativa exclusiva do psicoterapeuta. É preciso escutar os outros. É preciso escutar o que dizemos. É preciso escutar o que repercute em cada um do que foi vivido nas sessões.

Tomando o grupo descrito, gostaria de refletir a respeito do impacto da entrada de um novo paciente.

A entrada de um novo elemento evidencia que esta escolha cabe somente ao coordenador. Uma escolha “inquestionável”. Isto não garante um lugar efetivo do novo elemento no grupo, como também, naquele momento, o coloca como o diferente, o escolhido. O que poderia ser um complicador ao trabalho grupal, a entrada e saída de pacientes, mostra-se como uma nova oportunidade para o grupo se haver com estes diferentes momentos. Vale ressaltar que estes movimentos podem aguçar sentimentos de competitividade e rivalidade, entre outros.

Que lugar vai ocupar o novo elemento? Que lugar cada um ocupava no grupo? Estamos aqui falando não só dos lugares físicos, que são os evidentes, mas principalmente dos afetivos.

É importante observar o movimento que o grupo faz com a presença de um novo elemento. Em um determinado episódio, frente à entrada de uma mulher negra, alta, bonita, e de roupas extravagantes, o grupo ignorou sua presença durante uma grande parte da sessão, até o momento em que aponto a negação da presença de um novo elemento. A resposta do grupo à constatação variou de “como eu havia faltado na anterior pensei que só eu não a conhecia”; “é chato ficar perguntando quem é você o que faz aqui”; “eu fiquei esperando que você (coordenador) a apresentasse”.

Após a sessão em que fala da idéia de terminar o processo terapêutico e face à nossa anuência é invadida pelo desejo de adoecer fisicamente e ser cuidada, o que espontaneamente interpreta como o desejo de se instalar em situação regressiva.

Zimerman (1993) nos lembra que:

No processo grupal é importante que todos os componentes da grupoterapia desenvolvam a capacidade de reconhecimento dos próprios sentimentos contratransferenciais que os outros lhe despertam, assim como o que ele despertou nos outros. Isso tem dupla finalidade: uma, a de auxiliar a importante função do ego de cada indivíduo em discriminar entre o que é seu e o que é do outro; a segunda razão é a necessidade para o crescimento de cada pessoa, de que ela deve reconhecer, por mais penoso que isso seja, aquilo que ela desperta e “passa” para os outros.

Neste ponto nos aproximamos da possibilidade de examinar a questão do grupo como lugar de aprendizagem, considerando a questão do ouvir, do escutar e da pertença.

Ao vivenciar a negação do novo, o grupo tem a possibilidade de confrontar a realidade e os fantasmas que povoam aquele espaço. Bem como os recursos que podem lançar mão quando questionados em seus dogmas.

O fato de ocupar um espaço, antes vazio, já tem uma importância em si mesmo, pois no imaginário do grupo este lugar já está destinado. O novo elemento, para o grupo, ocupará um lugar pré-determinado. O lugar do desejo e/ou medo do grupo.

Retomando a questão da escuta, gostaria de lembrar que tão importante quanto escutar o que se diz é o escutar o que não se diz. O que não aparece. O inominável.

Quando proponho a escuta na sessão psicoterapêutica é evidente que estou me referindo a algo maior do que o uso da audição e da fala, pois esta pode ter diferentes finalidades. Comunicar algo, preencher um vazio, presentear o terapeuta, ocupar um espaço, etc. É preciso estar atento às diferentes utilizações que se faz do uso da fala para não se incorrer no erro de considerar que, por que o paciente fala, estaria colaborando.

O grupo terapêutico, antes de ser um lugar de depósito de angústias e ansiedades, é um espaço de troca e sustentação mútua dos sofrimentos, intermediado pela figura do psicoterapeuta. Ao falar de si e escutar o que os demais têm a dizer, do que foi dito, abre-se ao grupo a possibilidade de desenvolver uma escuta terapêutica, desvelando e suportando as inquietações dos seus membros bem como a do próprio grupo. Neste processo, podem reconhecer as angústias aterrorizantes que habitam as pessoas e a existência de recursos internos, quer no grupo quer nos indivíduos que o compõem.

Kaës (1997), no livro “O grupo e o sujeito do grupo”, ao retomar os conceitos de Foulkes, no que se refere à comunicação nos grupos diz: “todos os dados observáveis, conscientes ou inconscientes, verbais ou não verbais, são comunicações pertinentes, quer dos participantes, quer do grupo considerado como um todo”.

Para Foulkes (1964) apud Kaës (1997),

O grupo estabelece uma zona comum na qual os membros podem comunicar e aprender a se compreender uns aos outros. No interior deste processo, os membros do grupo começam a compreender a linguagem dos sintomas, dos símbolos e dos sonhos tanto quanto as comunicações verbais. Devem aprendê-lo pela experiência para que isso seja significativo e, conseqüentemente eficaz.

O simples fato de admitir a presença de um estranho pode permitir que o que é estranho a cada um, como também ao grupo, se manifeste – ao falar e perceber as diferentes escutas possíveis, ao perceber na fala do outro os mesmos problemas vividos, ao perceber a severidade dos julgamentos, entre outras coisas. São estas vivências (que a pertença ao grupo traz) que possibilitam a aprendizagem: “Devem aprendê-lo pela experiência para que isso seja significativo e, conseqüentemente eficaz” (KAËS, 1997) Aprende-se a alargar o campo de experimentações e de possibilidades frente a novas e velhas questões, produzindo mudanças significativas no modo de lidar com a realidade interna e externa.

 

O grupo como lugar de aprendizagem

O grupo como lugar de aprendizagem, conforme minha proposição inicial, nos coloca frente não a uma questão formal, escolar, mas nos conduz a uma viagem pelos caminhos da mente. É na presença do outro, este igual e ao mesmo tempo diferente (e os grupos terapêuticos têm esta prerrogativa) que podemos nos defrontar com toda a gama de aspectos emocionais, o que pode nos auxiliar a perceber novos recursos ou, ainda, a falta deles.

A vivência que o trabalho psicoterápico desenvolvido em grupo proporciona, facilita e amplia a descoberta de necessidades, potencialidades, faltas, anseios, medos, fantasias, etc. encobertas pelo recalcamento que estes aspectos vão sofrendo no desenvolvimento emocional. Haveria apenas um estranho dentro do grupo? Ou haveria também um estranho dentro do grupo que habita em cada um de nós?

O grupo terapêutico de base psicanalítica possibilita a explicitação dos processos transferenciais e contratransferenciais presentes nas relações humanas, assim como dos aspectos intersubjetivos, intra-subjetivos e transusbjetivos envolvidos nos relacionamentos.

Seus participantes, sem exceção, imersos no espesso caldo que o grupo produz, são colocados frente a diferentes necessidades emocionais. Não é mais o bebê/homem que chora à espera da mãe/terapeuta provedora, nem do deus que tudo escuta.

Aprender, aqui, diz respeito a uma experiência. A descobrir. A desvelar algo que contém a chave para novas perspectivas.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FOULKES S. H. (1964) Psichothérapie et analyse de groupe, Paris, Payot,1970, in Kaes, R (1997). O grupo e o sujeito do grupo. São Paulo: Casa do Psicólogo 1997.        [ Links ]

KAËS, R (1997). O grupo e o sujeito do grupo. São Paulo: Casa do Psicólogo 1997, p.64-67.        [ Links ]

ZIMERMAN, D. E. (1993) Fundamentos básicos das grupoterapias. Porto Alegre: Artes Médicas 1993, p. 114-118.         [ Links ]

 

Endereço para correspondência
E-mail: rufatto@uol.com.br

Recebido em 04/12/2005
Aceito em 14/03/2006

 

 

1 Psicólogo. Grupoterapeuta, Membro efetivo do NESME, Coordenador do CAPSi CRIA Santo Amaro, Presidente do NESME no biênio 2001 a 2003.

Creative Commons License