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Vínculo

versão impressa ISSN 1806-2490

Vínculo v.4 n.4 São Paulo dez. 2007

 

ARTIGOS

 

As configurações vinculares no pequeno grupo potencializando e/ou limitando seu processo

 

Bond configuration in small groups improving the potential and/or limiting group processes

 

Las configuraciones vinculares en el pequeño grupo como incremento y/o limitación de su proceso

 

 

Nedio SeminottiI,1; Cassandra CardosoII,2

I Grupo de Pesquisa Processos e Organizações dos Pequenos Grupos do PPG Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
II Curso de Psicologia, Universidade Regional Integrada

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Neste artigo discutimos as pertenças dos sujeitos ao pequeno grupo, desde a perspectiva das configurações vinculares, como organizadoras de seus processos. Estes são organizados pelo coordenador/terapeuta e pelos demais participantes e pela instituição e cultura da qual faz parte o grupo. Os processos são da ordem do imaterial ou abstrato e somente podem ser observáveis, descritíveis e analisáveis quando são organizados segundo as idéias e palavras dos participantes. Nisso o coordenador/terapeuta, também participante, detém maior poder na estrutura do grupo e mais saber acerca de conceitos teóricos sobre eles e, portanto, seu discurso tem maior influência na tarefa de dar visibilidade aos processos. Os participantes fomentam processos psíquicos e, ao mesmo tempo, autonomamente, constroem técnicas que possibilitam que os processos sejam nomeados e haja comunicação entre os sujeitos. As organizações dos processos garantem a vida do grupo e a realização dos objetivos do mesmo. As configurações vinculares entre os sujeitos e suas maneiras de pertencer, ao organizar a vida do grupo, contribuem para a potencialização e/ou limitação dos processos grupais e dos sujeitos que o compõem.

Palavras-chave: Grupo, Vínculos, Processo, Pertença, Organizadores.


ABSTRACT

This article considers subjects feelings of belonging to a small group from the perspective of bond configurations as processes organizers. The participants are organized by the group coordinator/therapist, other participants, the institution and culture. Since those are abstract processes, they can only be observed, described and analyzed when expressed through participants’ ideas or words. Hence the group coordinator/therapist, who is also a participant, has a greater power over group structure and a higher knowledge about theorical concepts, he is the one whose speech influences the most processes visibility. The participants generate psychological processes and at the same time, autonomously, they construct techniques that enable the processes to be named and communication among themselves. Processes organization is vital for the group and objectives achievement. The way participants interact, and how they feel they belong in the group, contribute to the potential improvement or limitation to group processes and participants.

Keywords: Group, Bonds, Process, Belonging, Organizers.


RESUMEN

En este artículo discutimos las pertenencias de los sujetos al pequeño grupo, desde la perspectiva de las configuraciones vinculares, como organizadoras de sus procesos. Estos son organizados por el coordinador/terapeuta y por los demás participantes y por la institución y cultura de la cual es parte el grupo. Los procesos son del orden del inmaterial o abstracto y solamente pueden ser observables, descriptibles y analizables cuando son organizados según las ideas y palabras de los participantes. En eso el coordinador/terapeuta, también participante, detiene mayor poder en la estructura del grupo y más saber acerca de conceptos teóricos sobre ellos y, por lo tanto, su discurso tiene mayor influencia en la tarea de dar visibilidad a los procesos. Los participantes fomentan procesos psíquicos y, a la vez, autónomamente, construyen técnicas que posibilitan que los procesos sean nombrados y haya comunicación entre los sujetos. Las organizaciones de los procesos garantizan la vida del grupo y la realización de los objetivos del mismo. Las configuraciones entre los sujetos y sus maneras de pertenecer, al organizar la vida del grupo, contribuyen para el incremento de la potencia y/o limitación de los procesos grupales y de los sujetos que lo componen.

Palabras clave: Grupo, Vínculo, Proceso, Pertenencia, Organizadores.


 

 

A vida e organização do grupo

Historicamente compreendemos o pequeno grupo como um conjunto de partes, ou uma totalidade única na qual, segundo o ponto de vista do observador, foi sublinhada a parte ou o todo, o conjunto ou os indivíduos. Assim, houve perenemente uma dicotomia, antagonismos e concorrências entre elementos que compõem a totalidade, ou esta como unidade. No entanto, com os avanços teóricos relativos às relações entre seres vivos, passamos a conceber o grupo como uma unidade múltipla “...constituída pelos indivíduos/sujeitos e seus subgrupos, e as inter-relações produzidas entre eles, além da relação entre esse sistema e o contexto social-histórico do qual faz parte” (ALVES & SEMINOTTI, 2006, p.13).

Com esta virada começamos a pôr em relevo os processos ou relações que ocorrem internamente ao grupo e dele com o contexto sócio-histórico. E a vida do grupo passa a ser entendida como resultado de uma tessitura conjunta em que se priorizam as relações entre as partes ao invés das partes, distinguido-o do sistema mecânico que acentua as unidades constitutivas (CAPRA, 2002).

O mesmo acorreu na Psicanálise das Configurações Vinculares (PCV). Berenstein (2004) considera que no pensamento contemporâneo o vínculo e a vincularidade contemplam a intersubjetividade como uma relação entre sujeitos. Passa-se o mesmo na filosofia e na etologia (COELHO JÚNIOR, 2002). Argumentamos (CARDOSO & SEMINOTTI, 2005) que a crise paradigmática que atravessa a ciência contemporânea (SANTOS, 2003), — e da qual emerge a complexidade — influenciou, também, os psicanalistas vinculares que perceberam que o modelo teórico psicanalítico vigente não era suficiente para contemplar uma discussão acerca dos acontecimentos que emergem das relações entre os sujeitos. Ao acentuar o vínculo, e não as relações objetais, abre-se a perspectiva de discutir a relação movida pelo excesso ou a estranheza provocados pelo outro sujeito e não apenas pelas faltas ou pulsões de um em relação ao outro, como objeto de projeção ou de identificação. A lógica da relação vincular é a da suplementação e não a de complementaridade própria das relações de objeto. É necessário sublinhar que os vínculos e as relações objetais coexistem na intersubjetividade, em diferentes dimensões (BERENSTEIN, 2001).

Assim, a consideração do relacional ou vincular é própria da contemporaneidade e se estende ao entendimento dos grupos como uma configuração de vínculos, como dissemos, uma relação entre sujeitos (BERENSTEIN, 2001). Essas noções se articulam com outros campos do saber como a sociologia que traz à consideração as noções de indivíduo e sujeito. O indivíduo é único e egocentrado e o mundo é compreendido a partir de seu egocentrismo. O sujeito expressa o modo particular de ser de cada indivíduo, segundo a relação com o outro/mundo, e daí advém a intersubjetividade na qual o que é particular de cada indivíduo se conecta e transforma-se com outro. A autonomia individual e a interdependência do sujeito estão contempladas na auto-eco-organização da vida (MORIN, 2002). Hall (2003) assevera que o sujeito com uma identidade fixa e estável definida no Iluminismo passou a ser, na pós-modernidade, descentrado nas identidades abertas, contraditórias, inacabadas e fragmentadas.

Na PCV a subjetividade passa a ser entendida como um conjunto (PUGET, 2002; BERENSTEIN, 2001/2003; 2004), já que é construída nos múltiplos vínculos em que o sujeito participa. O vínculo é uma zona de encontro entre dois ou mais sujeitos, uma estrutura inconsciente, que os liga numa relação de presença, constituindo-os como sujeitos do vínculo. Mas, como a estrutura vincular é inconsciente, seu registro dá-se apenas pelo sentimento de pertença do sujeito, que designa a ocupação de um lugar na estrutura vincular. A pertença não é definida a priori, e precisa ser constantemente reconhecida pelos outros, assim como renovada pelo próprio sujeito. Este necessita justificar sua ocupação do lugar na estrutura vincular, e o faz a partir de investiduras simbólicas possessivas, mantendo seu status de presença e também de investiduras simbólicas referenciais, acreditando compartilhar representações, fantasias, objetivos e sonhos/projetos com os outros sujeitos vinculados (BERENSTEIN, 2003; PUGET, 2000).

Um dos princípios da complexidade sistêmica é a possibilidade de operar em unidades da totalidade dos conjuntos vivos com estratégias de simplificação. Não uma redução às partes, e sim uma práxis no sentido de focar processos específicos que possam auxiliar na compreensão do “complexus” (MORIN, 2004, p.13). A pertença, pelo dito, é o que é observável dos processos do grupo. O conceito permite uma simplificação teórica para compreender e intervir na complexidade das relações. Simplificação que deve ser entendida como um dos vértices possíveis, como uma dimensão de um objeto multidimensional, dialógico e complexo como é o grupo. Na intervenção em grupo aprendemos que a manifestação de um indivíduo pode indicar a emergência de processos latentes. Assim, podemos pensar que o sentimento de pertencimento manifesto pelos sujeitos vinculados é um indicador que dá acesso à estrutura inconsciente intersubjetiva e, assim vista a pertença, está posta uma estratégia que permite tanger e organizar os processos intersubjetivos do grupo.

Vamos nos deter, por um momento, nas noções de processo. Ela é muitas vezes mencionada na literatura de grupo e pouco discutida. Processo, no latim procedere, é verbo que indica a ação de avançar, ir para frente (pro+cedere). No senso comum é conjunto seqüencial e peculiar de ações que objetivam atingir uma meta. Aurélio assinala o processo como ir por diante, prosseguir. “Sucessão de estados ou de mudanças”, e na filosofia, Ferrater Mora (1969) faz notar que processo se opõe à noção de polaridade. Com isso, afirma, se torna possível o movimento e, ao mesmo tempo, evita o choque, o conflito entre oposições que, historicamente, foi resolvido pelo pensamento dialético. Pichon-Rivière (1994) sugere que processo de grupo é a sucessão de acontecimentos com certas denominações e Lane (1984; MARTÍN-BARÓ 2003) remetem ao fato de o próprio grupo ser uma experiência histórica expressa nas contradições que emergem no grupo. Nos sistemas complexos, processo é homologado a relação (MORIN, 2002). Para Ponciano Ribeiro (1993), processo tem sentido de mudança, pois há uma dimensão permanente denominada matriz e outra transitória que é o processo e, Lapassade (1983) afirma que o processo emerge da tensão entre a serialização e totalização.

O grupo é especialmente vida ou processo. São fluxos engendrados nas relações, e invisíveis a não ser que se os denomine segundo certo recorte teórico acordado por uma comunidade, seja ela científica ou não. Os participantes, cada um à sua maneira, nomeiam os processos que emergem no grupo segundo seus saberes singulares ou os constituídos no grupo. O psicoterapeuta de grupo observa, descreve e analisa os organizadores de seu processo e ele o faz a partir de pressupostos teóricos. Com isso nomeia e dá visibilidade às relações do grupo, auxilia no sentido de que o sujeito compreenda seu processo e o do grupo. Os demais participantes, afirma Anzieu (1993), fomentam fantasias e representações e, ao mesmo tempo e autonomamente, constroem técnicas, as quais possibilitam que sejam nomeados e comunicados Através destas técnicas, denominadas por Anzieu (1993) e Kaës (1995) organizadores dos grupos, as pessoas evitam especialmente a fusão e indiferenciação pronunciadas e por longo tempo, o que ameaçaria a continuidade da vida do grupo. Quer dizer, os organizadores são a garantia do respeito às particularidades, às relações, à vida do grupo e ao cumprimento dos objetivos coletivos.

Para essa proposta, Anzieu e Kaës se apoiaram nos organizadores embrionários de Spitz (1972) e sugeriram como organizadores as fantasias individuais e protofantasias, as representações, os organizadores socioculturais, etc. Seminotti (2001), com o mesmo fim, propôs os subgrupos e as relações intra e inter subgrupos. Moreno (1972), Bion (1970) e Pichon-Rivière (1988), entre os clássicos, sugeriram conceitos para dar visibilidade/organização a eles: as cenas, a mentalidade de grupo e a tarefa, respectivamente. Nesse processo e organização, certas fantasias e representações individuais passam a ser do grupo e com isso engendram as do grupo (ANZIEU, 1993). Outras são instituídas em sua história e servem ao mesmo fim. Com isso, a mente do grupo (BION, 1994), a ideologia (BAULEO, 1974) passam a ser, com freqüência, classificadores para verificar se emergentes estão de acordo com o instituído e se prejudicam o grupo ou o beneficiam. Quer dizer, há um processo instituinte e de institucionalização. As dimensões imaginárias e conjuntista identitária travam uma relação de força na vida do grupo (CASTORIADiS, 1998). Não é incomum que nesta relação vença o instituído e com isso haja um constrangimento à emergência do impensado, novo, inconsciente. Neste artigo estamos sugerindo que as pertenças sejam entendidas como organizadoras da estrutura vincular inconsciente e, em decorrência, do processo grupal.

Encontramos no mesmo Castoriadis, desde outra perspectiva teórica, apoios para discutir essa idéia. Ele põe em discussão a relação entre imaginário e instituição se respaldado no conceito de representação das pulsões criado por Freud (1915). Este afirma que não temos acesso a pulsão, mas apenas ao seu representante que é a representação. Castoriadis ancorado em Freud propõe que o imaginário radical só pode criar por via da sua institucionalização. Quer dizer, os sonhos para ser postos em ação precisam passar de uma dimensão imaginária para uma conjuntista identitária. Nos conjuntos ou relações humanos nosso imaginário passa a condição de instituição: palavra, normas, grupos ou sociedade. Com isso é possível a vida coletiva. Ao examinar a pertença como aspecto tangível da estrutura vincular inconsciente, desde essas noções, podemos afirmar que o que é tangível no processo são as palavras e ações que expressam a sensação de pertença. Mas, a representação é outra coisa e não a pulsão, o mesmo ocorre com pertença que significa a estrutura vincular, mas é outra coisa e não o processo intersubjetivo. Este é imaterial e significado segundo saberes acordados no âmbito de certa comunidade de pertencimento.

Ao declararmos nossa pertença a um grupo, às vezes, o qualificamos no intuito de justificar nosso pertencimento a ele e o distinguir de outros. Assim, vamos-nos diferenciando e distinguindo no próprio grupo. Nesse processo de configuração grupal há fronteiras que delimitam o dentro e o fora que Anzieu (1993) as definiu como um envelope. Berenstein e Puget (1997) denominam enquadre o conjunto de prescrições e de proibições que marca um limite de espaço-tempo, um dentro e fora do vínculo, objetivando o desenvolvimento da tarefa: um tratamento psicanalítico, a participação em uma instituição, casal ou família. O enquadre produz um espaço-tempo do grupo, que é um “espaço mental e relacional”, mais do que um espaço físico ou organizacional do grupo. É um espaço comum, que liga indivíduos separados uns dos outros e que “é intimamente relacionado ao sentimento de pertencer ao grupo e à idéia de diferenciação entre aquilo que é o grupo e aquilo que não é”. (NERI, 1995/1999, p.67).

Assim, a partir de investiduras simbólicas referenciais e possessivas compartilhadas, estabelece-se o enquadre grupal e o limite entre o dentro e fora. Os participantes de um grupo, ao referir-se ao seu grupo, empregam a primeira pessoa do plural. Constitui-se o Nós (PICHON-RIVIÈRE,1968). No entanto, pertencer significa ganhos e perdas para o sujeito: ganha a vida coletiva e restringe a individualidade. Ora o grupo mantém uma constância, ora há rupturas que o transforma e os pertencimentos se re-configuram, assim como os sujeitos se modificam. Quer dizer, ao pertencer ao grupo o sujeito terá o sentimento de fazer parte dele à sua maneira e também pelas imposições dos outros.

Isso ocorre porque a pertença, além de justificada pelo sujeito, precisa ser constantemente reconhecida pelos outros sujeitos vinculados, o que implica obrigações e direitos. Assim, a identificação com os outros e a imposição sobre ou pelos outros também são estados constitutivos do vínculo. A identificação consiste no desejo de ser como o outro, de parecer-se em parte com ele. Já a imposição consiste na obrigação de dever ser como esse outro (BERENSTEIN (2001/2003), a partir da qual são estabelecidas condições de pertença ao sujeito. Em outro trabalho (CARDOSO & SEMINOTTI, 2005), apontamos que, apesar de o conceito de identificação possuir importância central e conotações variadas na teoria psicanalítica, sendo considerado o mecanismo pelo qual a personalidade se constitui e se diferencia (LAPLANCHE & PONTALIS, 1967/1991), o conceito de imposição é tanto um conceito novo proposto pela PCV, quanto é sempre originário nas relações, pelas marcas inéditas que produz. Assim, os sujeitos vinculados constituem-se pela inscrição de sua pertença a essa relação e pela aceitação do que é instituído pela pertença. A imposição do outro, independentemente de seu desejo, produz marcas inconscientes no sujeito que são próprias de sua pertença a cada relação e uma forte marca cultural, instituindo, juntamente com a identificação, os sujeitos como sujeitos sociais, tanto pela sua obrigação quanto pelo desejo de ser como o outro (BERENSTEIN, 2001; 2004). A imposição alude às relações de poder no vínculo, como resultado de um posicionamento dos sujeitos em lugares em que a comunicação se estabelece entre alguém que impõe a outro. O mecanismo da imposição pode estabelecer as relações entre os sujeitos no modelo dominador/dominado (BERENSTEIN, 2001).

Há, de outro lado, a possibilidade de o sujeito registrar o seu desejo e a imposição como coincidentes, especialmente, quando não há suficiente diferenciação entre o seu desejo e o do outro. Nestas relações há um predomínio da lógica da unidade, do “Um”, própria das relações objetais, que é a da integração e do indivíduo (BERENSTEIN, 2004). Tal ética pressupõe relações de complementaridade, baseadas em semelhanças e diferenças entre os sujeitos. Seminotti (2000) aponta que os indivíduos nos grupos se unem inicialmente por suas semelhanças, para depois reconhecer e legitimar as diferenças entre si. Quando as relações se baseiam nas semelhanças e diferenças, mantém-se na lógica do “Um”, do indivíduo, do semelhante ou diferente dele.

A lógica do “Um” põe em risco a autonomia individual, o atingimento dos objetivos do grupo e mesmo a continuidade de sua vida. Se de um lado é desejável e necessário desenvolver o pertencimento e a interdependência ao grupo com vistas a sua instituição, manutenção e alcance dos objetivos, de outro, se a pertença é pautada por esta lógica, significa redução da singularidade e autonomia dos sujeitos e da própria vida do grupo. No entanto, coexiste com a lógica do “Um” a do “Dois” (PUGET, 2003, p.3) e esta lógica da diversidade que é uma dialógica (MORIN, 2001/2002 b), porque abarca as diversas lógicas dos sujeitos, as quais podem ser contraditórias entre si sem a obrigatoriedade de formar uma unidade, mas, uma multiplicidade.

Fascioli (1998) entende que pertencer a um grupo ou a uma instituição implica oscilar entre dois pólos: um de escassa discriminação, no qual o sujeito tem sua identidade individual apoiada maciçamente sobre o outro, no grupo e na instituição, sentindo-se parte deles. No outro, a pertença é considerada uma referência que marca o indivíduo, influi nele, mas não o determina totalmente; o sujeito relaciona a si e ao grupo ao qual pertence, discriminando-se dele, reconhecendo a si e ao outro, como sujeitos singulares com a opção de decidir. No caso dos grupos psicoterapêuticos, o enquadre permite a oscilação entre esses dois pólos, sendo que há um encaminhamento progressivo em direção à discriminação e à aceitação de diferenças. Essa oscilação lembra que a autonomia total é tão ilusória quanto a fusão grupal. A interdependência pressupõe ao mesmo tempo, a autonomia e a dependência (ROJAS, 2005). Ser sujeito e, ao mesmo tempo, assujeitado são características próprias do sujeito que se constitui na relação. Ser sujeito significa ser aberto e fechado. Comporta em si a singularidade, sendo o único que pode dizer Eu, ocupar seu espaço egocêntrico. E, ao mesmo tempo, a alteridade e a interdependência (MORIN, 2002).

Temos uma pluralidade de saberes que organizam e dão visibilidade à vida do grupo. A PCV sugere um modo de acessar aos vínculos através das palavras que expressam a sensação de pertença, outros teóricos lançam mão da demografia do grupo, a configuração de subgrupos, e as fantasias ou ideologia são, igualmente, meios para o mesmo fim. A noção de pertença sugere ao mesmo tempo, que fazer parte de um grupo, ser sujeito dele, é constitutivo do sujeito, da intersubjetividade e do sujeito coletivo. Assim, está mais e menos sujeito aos seus desejos e necessidades e aos do grupo. Tem autonomia e dependência mais ou menos em evidência. Há necessidade de um equilíbrio entre o processo e a organização do grupo para que seja possível a vida em grupo, haver prazer em estar nela e alcançar os objetivos do grupo.

 

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Endereço para correspondência:
Nedio Seminotti
E-mail: nedio.seminotti@pucrs.br
Cassandra Cardoso
E-mail: cassandra@uricer.edu.br

Recebido em: 15/12/2006
Aceito em: 08/03/2007

 

 

1 Médico psiquiatra e psicanalista. Psicanalista Didata da Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre (SPPA). Professor-convidado da ULBRA (do RS) e da AJURIS (Associação de Juristas do RS). Autor de 8 livros sobre Psicanálise e sobre Grupos.
2 Mestre em Psicologia (PUCRS), professora do Curso de Psicologia (URI), Universidade Regional Integrada – Campus de Erechim (URI).

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