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Vínculo

versão impressa ISSN 1806-2490

Vínculo v.4 n.4 São Paulo dez. 2007

 

ARTIGOS

 

Reflexões sobre meu trabalho com psiquiatria dinâmica1

 

Reflections about my work with dynamic psychiatry

 

Reflexiones sobre mi trabajo con psiquiatría dinámica

 

 

Waldemar José Fernandes2

NESME - Núcleo de Estudos em Saúde Mental e Psicanálise das Configurações Vinculares
SPAGESP - Sociedade de Psicoterapias Analíticas Grupais do Estado de São Paulo

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Inicialmente o autor introduz o tema da psiquiatria tradicional e seu percurso, acrescentando sua frustração com os rumos da medicina atual, imediatista, repleta de diagnósticos e que trata tudo com antidepressivos. É apresentado um breve histórico, com a ênfase em Kraepelin, a psiquiatria biológica, contribuições freudianas e de Roudinesco, sendo lembrado que no desenvolvimento das doenças psiquiátricas, existem os fatores emocionais, a degeneração de células cerebrais, determinadas por fatores constitucionais e também os desencadeantes do dia-a-dia. A seguir são expostos aspectos conceituais da psiquiatria dinâmica, chegando à contribuição de Gabbard, que a conceitua como uma abordagem ao diagnóstico e tratamento, caracterizada por um modo de pensar acerca do paciente e do clínico - que inclui o conflito inconsciente, os déficits, as distorções das estruturas intrapsíquicas e as relações objetais internas - sendo que é realizado um paralelo com noções da psicanálise vincular. Finalizando, mostra como entende e trabalha em psiquiatria dinâmica, fazendo reflexões a respeito. Não há dúvida que as abordagens biológicas e químicas são muito importantes para a compreensão do comportamento humano, mas não podem abranger ou explicar tudo. Propõe que se possa tentar ajudar aqueles que procuram auxílio - a pensar, a adquirirem autoconhecimento, a se fortalecerem em sua existência, o que inclui a melhoria da qualidade de vida e a superação dos sintomas, quando isso for possível; quando não for, sua mitigação e melhor convívio com o sofrimento, parecem boa opção.

Palavras-chave: Psiquiatria dinâmica, Integração corpo-mente, Medicina atual, Conflito, Matriz vincular.


ABSTRACT

Initially, the author introduces the theme of traditional psychiatry and its trajectory, adding his frustration with the directions of modern medicine; an immediatist science, with a plethora of diagnosis and with a tendency to treat everything with anti-depressants. A brief history is then presented, with an emphasis in Kraepelin, the biological psychiatry, the Freudian contributions and those of Roudinesco, being reminded that in the development of psychiatric diseases, there are the emotional factors, the degeneration of brain cells, determined by constitutional factors and also those unleashing everyday. After that, aspects about the dynamic psychiatry are presented, up to the contribution of Gabbard, who conceptualizes it as an approach to diagnosis and treatment, characterized by an specific way to reflect about the patient, the doctor, which includes the unconscious conflict, the deficits, the distortions in intrapsychic structures and the internal objective relations, noting that a parallel is also made with concepts of linking psychoanalysis. To conclude, the author shows how he understands and works in dynamic psychiatry, expressing his reflections about it. There is no doubt that the biological and chemical approaches are very important to the understanding of the human behavior, but they can’t comprehend or explain everything. The proposition is that it is possible to try to help those who seek us – so as to reflect, to acquire self-knowledge, to strengthen themselves in their existence, which includes an upgrade on the quality of life and the overcoming of symptoms, when this is possible; when it isn’t, its mitigation and the management of the capacity of living daily with the suffering, seem a reasonable choice.

Keywords:Dynamic psychiatry,Body-mind integration, Modern medicine, Conflict, Linking matrix.


RESUMEN

Inicialmente el autor introduce el tema de la psiquiatría tradicional y su trayecto, añadiendo su frustración con los rumbos de la medicina actual, inmediatista, abarrotada de diagnósticos y que trata todo con antidepresivos. Presentase un rápido histórico, con énfasis en Kraepelin, la psiquiatría biológica, contribuciones freudianas y de Roudinesco, y se recuerda que en el desenvolvimiento de los males psiquiátricos, existen los factores emocionales, la degeneración de las células cerebrales, determinados por factores constitucionales e también los desencadenantes del cotidiano. En seguida aspectos sobre la psiquiatría dinámica son presentados, llegando hasta la contribución de Gabbard, que la conceptúa como un abordaje al diagnóstico y tratamiento, caracterizado por un modo de pensar acerca del enfermo, del doctor, que incluí el conflicto inconsciente, los déficits, las distorsiones de las estructuras intrapsíquicas y las relaciones objetivas internas, notándose que se hace un paralelo con conceptos de la psicoanálisis vincular. Para finalizar, el autor demostra como entiende e trabaja en psiquiatría dinámica, ponderando a ese respecto. No hay duda que los abordajes biológicos y químicos son muy importantes para la comprensión del comportamiento humano, pero no pueden abarcar o explicar todo. Propone que se posa intentar a ayudar aquellos que nos procuran - a pensar, a adquirir auto-conocimiento, a se fortalecieren en su existencia, lo que incluye la mejoría de la cualidad de vida y la superación de los síntomas, cuando eso sea posible; cuando no sea, su mitigación y mejor convivencia con el sufrimiento, parecen una buena alternativa.

Palabras clave: Psiquiatría dinámica, Integración cuerpo-mente, Medicina actual, Conflicto, Matriz vincular.


 

 

Seria muito mais fácil se pudéssemos evitar o paciente enquanto exploramos o reino da psicopatologia; seria muito mais simples se pudéssemos nos limitar ao exame da química e da fisiologia de seu cérebro e a tratar os eventos mentais como objetos alheios a nossa experiência imediata, ou como meras variáveis de uma fórmula estatística impessoal.

John Nemiah (1961, p, 4)

 

I. A psiquiatria tradicional e seu percurso

Introdução

Durante muitos anos, lecionando psicologia médica, lutei contra uma forma simplista de pensar e se fazer medicina, em que somente aspectos concretos tinham vez, e mente e corpo eram vistos como coisas separadas.

Muitas vezes combati o uso de expressões, tipo: “a úlcera gastroduodenal do leito 12, aquela reto-colite ulcerativa, o Ca de Próstata etc., e dizia que cada caso era um caso, não existiam doenças, mas pessoas doentes” (FERNANDES, 2001, p.65).

Preocupava-me com que a medicina não voltasse ao jugo da pretensa onisciência científica, baseada em estrutura mecanicista, com raízes apenas no modelo metodológico físico-natural, pois, na visão puramente organicista, ao pobre indivíduo doente só restava silenciar, deixando aos sintomas a tarefa de comunicar seu sofrimento.

Por isso, é com tristeza e consternação que escuto hoje em dia o uso e abuso de expressões do tipo: a depressão..., a esquizofrenia..., a síndrome de pânico, o TOC, como se as entidades falassem por si, não importando quem seria o sujeito portador das mesmas.

O pior é que dificilmente alguém deixa um consultório hoje em dia sem carregar um diagnóstico, seja de fibromialgia, síndrome da fadiga crônica ou das pernas inquietas, assim como as respectivas receitas. Nunca foram tão receitados benzodiazepínicos e antidepressivos como atualmente.

 

Sobre o percurso da psiquiatria.

A primeira nosologia descritiva científica da doença psiquiátrica, criada por Kraepelin há mais de cem anos, era essencialmente biológica.

Desde então houve uma tendência para a compreensão psicológica do funcionamento mental e de seus transtornos, baseada principalmente na teoria psicanalítica desenvolvida por Sigmund Freud e seguidores, que manteve uma influência importante ao longo do século, até o crescimento da psiquiatria clínica e dos conhecimentos em neurobiologia.

No final dos anos 80 o interesse pelo biológico e pelo químico teve resultados que mudaram a visão das doenças mentais. O advento do Prozac em 1988 desencadeou maior interesse e respeito sobre os psicofármacos e os bons resultados em seu uso no tratamento das doenças mentais. Como uma das principais conseqüências, a depressão passou a ser considerada, por muitos, como um distúrbio exclusivamente bioquímico. O fato é que o uso dos inibidores seletivos da recaptação da serotonina – ISRS, e o aumento de sua disponibilidade na fenda sináptica, trouxeram grande alívio aos sintomas depressivos. Desenvolveu-se então a psiquiatria biológica e o raciocínio puramente organicista.

Tal crescimento da psiquiatria biológica nas últimas duas décadas provocou na compreensão da doença psiquiátrica um retorno para um modelo de doença mais somático, mais bioquímico.

Houve então certo declínio das psicoterapias psicanalíticas, que podiam parecer dispensáveis, caras e de resultados concretos duvidosos, e o correspondente crescimento do uso desenfreado de medicações associadas ou não a psicoterapias cognitivas e comportamentais.

Diante do impulso da psicofarmacologia, a psiquiatria abandonou o modelo nosográfico usado até então, passando a privilegiar uma classificação comportamental, reduzindo a psicoterapia a uma técnica de supressão dos sintomas e dos tratamentos de emergência na linha de se há sofrimento, deve ser aliviado, não importa a causa.

Médico especialista em psiquiatria pela ABP - Associação Brasileira de Psiquiatria, psicoterapeuta, membro titular e docente do NESME - Núcleo de Estudos em Saúde Mental e Psicanálise das Configurações Vinculares; e da SPAGESP - Sociedade de Psicoterapias Analíticas Grupais do Estado de São Paulo. Membro da ABRAP - Associação Brasileira de Psicoterapia.

“Quer se trate de angústia, agitação, melancolia...., é preciso,..., tratar o traço visível da doença, depois suprimi-lo e, por fim, evitar a investigação de sua causa de maneira a orientar o paciente para uma posição cada vez menos conflituosa... Em lugar das paixões, a calmaria, em lugar do desejo, a ausência de desejo, em lugar do sujeito, o nada, e em lugar da história, o fim da história” (ROUDINESCO, 1999, p.41).

Apesar disso, alguns profissionais já percebiam a importância de uma concepção psicossomática das doenças e tentavam uma integração entre o físico e o psicológico, agregando também o social nessa visão integrada, como relata Gildo Katz.

“Estudos mostraram evidente relação entre o estresse ambiental e as mudanças estruturais no cérebro do indivíduo deprimido. Outras pesquisas mostraram que tensões nas relações primitivas podem alterar as conexões nervosas que controlam a emoção, exagerando as respostas. Ou seja, as pesquisas sobre o cérebro validaram o ponto de vista psicanalítico de que primitivas adversidades na infância podem criar psicopatologias no adulto” (KATZ, 2003, p.1).

Há pouco mais de oito anos, com o uso de técnicas como a tomografia de emissão de pósitrons - PET e outras, a origem e a fisiopatogenia da depressão vêm se esboçando e uma revisão radical no entendimento da depressão e dos transtornos de ansiedade vem ocorrendo, com expectativas de utilização em futuros tratamentos.

Da mesma forma, mudanças também acontecem na compreensão das psicoterapias. Assim, conclui Katz (2003, p.5):

“a psicoterapia de orientação analítica, modificando a conexão dos neurônios entre si, pode transformar o cérebro dos pacientes e, desse modo, alterar a constituição da mente. Essa reformulação neuronal propicia mudanças na maneira do paciente produzir, integrar, vivenciar, compreender informações, emoções e novas representações internas de si mesmo e do outro, alterando os padrões neuronais arraigados a relações estabelecidas na primitiva infância”.

No desenvolvimento das doenças psiquiátricas, conhecemos os fatores emocionais, assim como a degeneração de células cerebrais, determinadas por fatores constitucionais e também os desencadeantes do dia-a-dia. Devido a tal interdependência entre cérebro e mente as psicoterapias que não visem somente aplacar sintomas, associadas ao uso dos modernos psicofármacos, desempenham importante função, já que o distúrbio bioquímico não é o único, nem mesmo o principal causador dos transtornos de ansiedade ou depressivos (Fernandes, 2004).

 

II. Psiquiatria dinâmica

Pode-se se entender a Psiquiatria Dinâmica tal como propõe Bettarello (1998, p.26):

“1 - Uma maneira de conceber a própria Psiquiatria; 2 - Um esquema referencial que, fundamentado em conceitos psicodinâmicos, procure integrar os fatores biológicos, psicológicos e sociais; 3 - Uma perspectiva que, centrada na personalidade, permita melhor compreender a doença (o doente) e, conseqüentemente, a saúde (o hígido) mental”.

Não podemos perder de vista que a compreensão ampla da condição humana tem como referente último o homem em situação, isto é o homem e seus vínculos, em sua dimensão intra, inter e transubjetiva.

A psiquiatria dinâmica já existe há mais de cem anos e deve seu maior tributo à contribuição de Freud, pois está fundamentada no conhecimento e na teoria psicanalítica. Durante muito tempo a psiquiatria dinâmica moderna foi considerada o ramo da psiquiatria que explicava o fenômeno mental como resultante do desenvolvimento do conflito. O conflito originar-se-ia a partir de poderosas forças inconscientes que buscam expressão e requerem monitorização constante de forças opostas que impedem sua emergência.

O psiquiatra Glen O. Gabbard é um dos expoentes da psiquiatria dinâmica moderna, exercendo a clínica e a docência em psiquiatria e psicanálise em Kansas, e autor de inúmeros livros; tem procurado mostrar a importância do estudo integrado do corporal, psicológico e social.

Para ele, acima de tudo, a psiquiatria psicodinâmica é um modo de pensar - não apenas sobre o paciente, mas também acerca de si próprio no campo interpessoal entre o paciente e o terapeuta.

“De fato, a fim de caracterizar a essência da psiquiatria dinâmica, é preciso utilizar a seguinte definição: a psiquiatria dinâmica constitui uma abordagem ao diagnóstico e tratamento, caracterizada por um modo de pensar acerca do paciente e do clínico, que inclui o conflito inconsciente, os déficits e as distorções das estruturas intrapsíquicas e as relações objetais internas” (GABBARD, 1994, p.24).

Sendo a psicoterapia tão eficaz para modificar o funcionamento do cérebro como as drogas antidepressivas, a psicanálise e as neurociências devem continuar a importante interlocução que vem existindo entre si, pois, nesse trabalho conjunto se amplia a compreensão, para, cada vez mais, se entender a complexidade do funcionamento mental, o nível simbólico da mente humana, e a influência das estruturas neuro-hormonais.

No estudo dos vínculos - cujo componente mais importante é a experiência emocional, e, portanto, a fantasia inconsciente - sabe-se que há um nexo entre corpo e emoção, organizando os processos cognitivos, e também, conectando as mentes e os corpos entre os indivíduos.

Para a neurociência, a maior parte das emoções ocorre longe da consciência, o que a psicanálise vem dizendo há certo tempo.

“Visto que a transformação do cérebro é um processo célula a célula, a psicoterapia de orientação analítica pode, de fato, transformar significativamente a mente... com o passar do tempo. À medida que vão sendo obtidos progressos na terapia, principalmente pela análise sistemática da transferência, o paciente começa a adquirir insight adicional e a efetuar mudanças por conta própria” (KATZ, 2003, p.5).

Nós nos relacionamos a partir de modelos de vínculos - as matrizes vinculares. O bebê introjeta as estruturas vinculares a partir do mundo externo, começando pelos pais, e passa a conservá-las como padrão.

“Cada um de nós traz dentro de si as representações psicológicas das figuras significativas do passado, as quais se elaboram como uma rede complexa de representações e vinculações intra-subjetivas que constituem uma constelação particular de cada indivíduo, o que temos chamado matriz vincular (matriz relacional interna - M. Rita Leal) (matriz pessoal de grupo - Foulkes) - introjetada a partir da relação do bebê com a mãe” - Fernandes, In (FERNANDES, W.J.; SVARTMAN, B.; FERNANDES, B. S. 2003, p.146).

Outra forma de dizer o que acabei de afirmar é como faz Gabbard, que ainda acrescenta como as mudanças podem ocorrer:

“A experiência molda o cérebro; há fases críticas para esse processo; a interação com os pais molda padrões de relacionamento interpessoal, que são armazenados na memória de procedimento implícita (inconsciente); tais padrões repetem-se na transferência analítica; a psicoterapia pode mudar a memória implícita por meio de experiências afetivamente significativas, que modificam a memória de procedimento” (GABBARD, G. O. 2000).

 

III. Como trabalho em psiquiatria dinâmica.

Há alguns anos venho atendendo pessoas em psicoterapia, individualmente ou em grupo, e, ao mesmo tempo, se necessário, eu as medico. Como isso ocorre? Em primeiro lugar faço as consultas iniciais, onde é discriminado o conjunto de sintomas, relações prováveis com a vida em seu corte longitudinal (desde o nascimento) e a situação atual, quando pensamos juntos sobre os possíveis desencadeantes. Costumo então informar sobre condições de psico-higiene, preventivas e auxiliares no tratamento, como atividade física, encaminhamento a outros especialistas, endocrinologista, cardiologista etc., e tratamentos paralelos, como terapia de casal ou família, quando necessário.

Só então vamos discutir sobre medicação e psicoterapia. Geralmente informo que não acredito em tratamento só com psicofármacos, e me posiciono quanto ao que entendo por evolução, crescimento, amadurecimento, não ficando disponível para tratamento apenas sintomático. No caso de medicá-las, evito os benzodiazepínicos, devido à dependência química, e, no caso de antidepressivos, explico como seu uso poderia ajudá-los a tolerar os sintomas, aliviá-los parcialmente, dando oportunidade de darem um primeiro passo em seu desenvolvimento psicoterápico. Deixo claro que não daria remédios indefinidamente. Nessas alturas, alguns clientes já se decidiram por outra forma de tratamento, com outros colegas.

Quando o paciente se decide pelo tratamento comigo - e é necessário medicá-lo, por estar excessivamente ansioso, deprimido ou com sintomas produtivos de cunho psicótico - então passamos a avaliar a medicação em algumas consultas isoladas e iniciamos a psicoterapia concomitante, com horários fixos, geralmente algumas sessões individuais, que serão mantidas ou posteriormente, combinamos grupoterapia.

Freqüentemente recebo cientes que tomam remédios há oito ou dez anos, continuando com os sintomas, agravados por dependências químicas e psicológicas, tendo tomado quase todos os produtos que existem no mercado, sempre em doses crescentes, o que me preocupa. Pessoalmente não me sentiria útil trabalhando assim, pois não vejo possibilidades de crescimento para os pacientes nessas condições.

Não pretendo entrar em confronto com os colegas que procedem dessa forma, mas, realmente, prefiro estudar caso por caso, não me contentando com a cura dos sintomas.

Na psiquiatria dinâmica, tal como fazem alguns outros colegas, utilizo uma ampla variedade de intervenções que dependem de como avalio as necessidades de cada cliente.

“A psiquiatria dinâmica simplesmente fornece uma fundamentação conceitual coerente dentro da quais todos os tratamentos são prescritos. Independente de o tratamento ser psicoterapia dinâmica ou farmacoterapia, ele é dinamicamente fundamentado. O psiquiatra dinâmico atual deve clinicar no contexto dos impressionantes avanços nas neurociências, integrando o insight psicanalítico com a compreensão biológica das enfermidades” (GABBARD, 1994, p.24).

 

Comentários finais

Um dos fatos mais lamentáveis na visão da saúde mental atual é a polarização entre os psiquiatras biologicamente e psicodinamicamente orientados. Isso é um resquício do dualismo corpo-mente.

Conforme Nemiah (1961, p.9):

“para um entendimento prático do ser humano, algumas vezes é a linguagem da psicologia, e outras vezes a linguagem da fisiologia e da bioquímica que se mostra mais pertinente; e quando temos sorte, ocasionalmente vislumbramos as inter-relações complexas entre estes modos de discurso”.

Dessa forma, se nos comportarmos de modo exclusivamente psicologista, negligenciando a dimensão biológica da experiência ou biologicamente obcecados, recusando a compreensão psicológica, seremos em ambos os casos, culpados de reducionismo e visão estreita.

Se pudéssemos conciliar e aliar o extraordinário desenvolvimento da neurociência e o grande avanço da psicofarmacologia, ao conhecimento que Freud, Bion, Winnicott e outros tantos pensadores que trouxeram sua contribuição sobre o mundo mental, aí sim, teríamos um trabalho integrado.

Como já enfatizado por Freud, todo médico que estiver exercendo a medicina plenamente, estará fazendo psicoterapia, ainda que não saiba ou que não tenha essa intenção...; do contrário, estará fazendo psico-hiatrogenia, como citou Marco Antônio Brasil em seus comentários, no XXIV Congresso Brasileiro de Psiquiatria (2006).

Podemos tentar ajudar aqueles que nos procuram - a pensar, a adquirir autoconhecimento, a se fortalecerem em sua existência, o que inclui a melhoria da qualidade de vida e a superação dos sintomas, quando isso for possível; quando não for, sua mitigação e melhor convívio com o sofrimento, parecem boa opção.

É importante para o profissional de saúde uma visão do ser humano do tipo binocular, com perspectiva reversível, como propõe Bion, apud Fernandes (FERNANDES, W. J.; SVARTMAN, B.; FERNANDES, B. S. 2003, p.133-134) que nos permite ver cada parte e ver o todo, dependendo do olhar a cada momento. Da mesma forma, indivíduo e grupo se confundem e podem se mostrar mais enfaticamente, conforme nossa visão das partes e do todo. A verdade não é parcial, mas está na integração e nas diferentes perspectivas possíveis, de qualquer situação, seja da pessoa doente, seja do ser no mundo.

As abordagens biológicas e químicas são muito importantes para a compreensão do comportamento humano, mas não podem abranger ou explicar tudo. Para tentar penetrar na mente de nossos clientes precisamos enveredar pelos caminhos de suas associações e experiências emocionais, sendo necessário que tal estudo seja realizado no vínculo conosco, pesquisando os afetos envolvidos.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BETTARELLO, S. V. (1998) Perspectivas psicodinâmicas em psiquiatria. São Paulo: Lemos editorial, 1998, 363p.        [ Links ]

BRASIL, M. A. (2006) Psiquiatria: Medicina, Humanismo e Neurociências. Comentários. Texto editado Psiquiatria Hoje. Ano XXVIII – n.5. 2006, p.21        [ Links ]

FERNANDES, W.J. (2001) Medicando Pacientes em Processo Grupanalítico - atendendo pessoas. Anais do IV Congresso de Psicanálise das Configurações Vinculares e III Encontro Paulista de Psiquiatria e Saúde Mental. Serra Negra, 2001. p.63-67        [ Links ]

FERNANDES, W. J. (2003) Crescimento mental e modelos no processo grupal. As dificuldades de comunicação. In FERNANDES, W. J.; SVARTMAN, B.; FERNANDES, W. J. Grupos e configurações vinculares. Porto Alegre: Artmed, 2003.        [ Links ]

FERNANDES, W. J. (2004) Que Pena, Há Algo Além da Serotonina? CD Rom com os trabalhos publicados do II Congresso da SPAGESP; II Encontro de Saúde Mental da Região de Ribeirão Preto;VIII Jornada do NESME. Ribeirão Preto, 2004.        [ Links ]

GABBARD, G. O. (1994) Psiquiatria psicodinâmica. Porto Alegre: Artmed, 2. ed. 1998, p.23.        [ Links ]

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KATZ, G., (2003) A atualidade da psicoterapia de orientação analítica: além da serotonina ou a fala também cura - Apresentado no I Encontro Brasileiro de Psicoterapia, pré-XXI Congresso Brasileiro de Psiquiatria, Goiânia, out./2003.        [ Links ]

NEMIAH, J. (1961) Foundations of Psychopathology. New York: Oxford University Press, 1961.         [ Links ]

ROUDINESCO, E. (1999) Por que a Psicanálise? Jorge Zahar Editor, RJ, 2000, 163p.        [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência:
E-mail: wbfernandes@terra.com.br

Recebido em: 20/01/2007
Aceito em: 10/03/2007

 

 

1 XVII Congresso Latino-Americano FLAPAG; VI Congresso do NESME; VIII Jornada da SPAGESP - Mesa Redonda: "Diálogos entre Psiquiatria e Psicanálise”. Santos, Maio/junho 2007.
2 Médico especialista em psiquiatria pela ABP - Associação Brasileira de Psiquiatria, psicoterapeuta, membro titular e docente do NESME - Núcleo de Estudos em Saúde Mental e Psicanálise das Configurações Vinculares; e da SPAGESP - Sociedade de Psicoterapias Analíticas Grupais do Estado de São Paulo. Membro da ABRAP - Associação Brasileira de Psicoterapia.

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