SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.5 número1Manifestações em psicoterapia analítica de grupo, como funcionamentos mentais primitivos que não evoluíram para representação simbólicaPsicanálise com crianças: um enfoque vincular índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Vínculo

versão impressa ISSN 1806-2490

Vínculo v.5 n.1 São Paulo jun. 2008

 

ARTIGOS

 

Representações dos grupos (grupos – a perspectiva psicanalítica 2ª. Parte)

 

Group representations (the psychoanalytical perspective – 2nd part)

 

Representaciones de grupo (la perspectiva psicoanalítica – 2ª. Parte)

 

 

Lazslo Antonio Ávila1

Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto. Brasil
Núcleo de Estudos em Saúde Mental e Psicanálise das Configurações Vinculares. Brasil
Sociedade de Psicoterapias Analíticas Grupais do Estado de São Paulo Paulo. Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O presente artigo discute a relação indivíduo x grupo a partir de sua necessária inter-relação. Tomando por base duas metáforas que representam a grupalidade, o mito grego da Hidra de Lerna e a “taça de sorvete”, propomos representações para os grupos que permitem identificar a intersubjetividade e a transubjetividade. Concluímos com a discussão da composição complexa do indivíduo humano que contém, em si mesmo, toda a humanidade.

Palavras-chave: Grupo, Indivíduo, Psicanálise, Grupanálise.


ABSTRACT

The present paper discusses the individual-group relationships, based on their inevitable inter-connections. Departing from two metaphors that represent groupality, the Greek myth of Lerna’s Hydra and the “ice-cream cup”, we propose representations for groups that allow the identification of intersubjectivity and transubjectivity. We conclude with a discussion of the complex composition of the human individual, who has, within himself, all humanity.

Keywords: Group, Individual, Psychoanalysis, Group analysis.


RESUMEN

Ese artículo discute la relación individuo-grupo desde la perspectiva de su necesaria ínter-relación. Tomando por base dos metáforas que representan a la grupalidad, el mito griego de la Hidra de Lerna y la “taza de helado”,  nosotros proponemos representaciones para los grupos que permiten identificar la intersubjetividad y la transubjetividad. En conclusión discutimos la compleja composición del individuo humano que, en si mismo, contiene a toda la humanidad.

Palabras clave: Grupo, Indivíduo, Psicoanálisis, Grupo-análisis.


 

 

A Hidra de Lerna e o modelo da taça.

O presente artigo dá continuidade ao meu anterior “Grupos: a perspectiva psicossomática”, publicado no número anterior da Vínculo.

A idéia norteadora deste texto é trabalhar com o grupo enquanto objeto teórico e método de tratamento psicoterápico. Visamos uma leitura psicanalítica dos grupos. Nosso ponto de partida foi o artigo onde Freud discute as três feridas narcísicas que nos ajuda a compreender porque a psicanálise desencadeia, ainda hoje, resistência, inclusive para sua expansão em novos campos de aplicação. Se Copérnico destituiu o homem como centro do universo, se Darwin destituiu o homem como centro da criação e se Freud o destituiu do centro de sua consciência, então o grupo é a 4ª ferida narcísica.

Certa tradição da psicanálise considera o inconsciente como estrutura individual. Com a teorização grupal, vamos ver o inconsciente como a presença do outro em nós mesmos. O Grupo é uma ferida narcísica porque nos afeta o cerne do narcisismo: o Eu enquanto objeto de amor. Mas se o Eu for formado do Outro como fica o amor narcísico? E o que acontece ao Eu, assim re-significado?

Freud foi bastante explícito ao dizer (em Psicologia de Grupo e Análise do Ego, publicado originalmente em 1921) que não existe processo psíquico que não precise de duas mentes. Tudo o que existe psiquicamente existe na forma de representação. A representação toma seus elementos da experiência e das construções imaginárias da fantasia. Ambas necessitam das vivências do sujeito e da herança filogenética que ele carrega. Foi necessariamente ao interagir que o sujeito formou suas representações, calcadas na experiência. E foi das interações de seus antepassados (ver “Totem e Tabu”) que se formaram as representações que lhe foram transmitidas. Da interação entre ambas se constitui seu processo psíquico. Seu e dos demais indivíduos, formados ambos com a mesma substância: a relação intersubjetiva.

Quando nos utilizamos da metáfora culinária e comparamos o eu com a cebola, verificamos o quanto é persistente dentro de nós a mentalidade de que existe um núcleo duro dentro do ser: seria o seu SELF. Existiriam, recobrindo este “eu verdadeiro”, determinadas cascas que poderiam ser mudadas: seriam as “personas”, ou diferentes máscaras sociais que o indivíduo poderia envergar. A teoria dos grupos nos diz que se formos descascando tudo do indivíduo não acharemos núcleo nenhum, pois não há “eu verdadeiro”. No mais íntimo do indivíduo encontraríamos a relação e os vínculos com os demais. Não são máscaras: são aspectos do Eu que se constroem no percurso histórico de cada sujeito humano.

Há, portanto, uma barreira narcísica que se opõe a nossos esforços de pensar o grupo. Mas há, ainda, dois outros obstáculos que foram, pela primeira vez, levantados por Enrique Pichon-Rivière (1975):

- O obstáculo epistemológico: nossas concepções pré-formadas sobre o Indivíduo e a individualidade nos impedem de representar adequadamente a realidade do grupo. O grupo é uma realidade onde os processos grupais se evidenciam. A análise individual não nos permite ler com clareza os fenômenos grupais. É só nos grupos que as formações próprias do grupo emergem. Enquanto não se desenvolveu uma técnica de grupo, própria para investigar os fenômenos de grupo, foi difícil de ser formulado o fenômeno da grupalidade.

- O obstáculo epistemofílico: há uma resistência que nos opõe a algo que nos faça pôr em risco a nossa subjetividade. Tememos tudo aquilo que subjetivamente seja percebido como perder o contorno. Há uma enorme barreira de afeto que nos impede de explorar qualquer coisa que borre os limites de nossa identidade, daquela fronteira que nos distingue dos demais. Defendemos o nosso eu com veemência. O grupo, tanto enquanto vivência, como enquanto concepção, parece pôr em questão nossa certeza de existirmos de maneira autônoma.

Para prosseguirmos em nosso caminho vamos recorrer a duas novas metáforas, que nos ajudem a representar o que possa constituir a grupalidade e porque, para aceitar o grupo enquanto realidade é preciso renunciar à idéia do indivíduo como unidade fundamental da realidade humana. Precisamos, portanto, provocar um pouco mais as nossas representações de indivíduo. Didaticamente, para visualizar o processo grupal, é preciso distinguir entre o que é o grupo, do que são indivíduos lado a lado, apenas reunidos. Para auxiliar esta visualização, vamos empregar duas imagens:

O modelo da Hidra de Lerna.

O modelo da taça de sorvete.

Hidra de Lerna - é um animal mitológico e foi uma das 12 tarefas de Hércules (Heracles, para os gregos). Existia um pântano, no local chamado Lerna, povoado por muitos monstros. E havia uma grande recompensa oferecida para quem os dominasse, livrando a região dessa grande ameaça. Hércules, o herói descendente de Zeus, deveria enfrentar estes monstros. Ao chegar a Lerna, se depara com sete dragões que o atacam furiosamente. Hércules usa sua espada para decepar as cabeças dos monstros, mas estes, ao serem decapitados, se recompunham imediatamente. Desse modo, morto um monstro, reaparecia outro no lugar. Na luta terrível, afinal Hércules percebe que o poder regenerador era devido ao fato de se tratar de um único dragão de sete cabeças. A Hidra de Lerna só pôde ser vencida quando Hercules atingiu o corpo do monstro, que é sua fonte de vida, mas que permanecia invisível recoberto pelas águas do pântano. Cada cabeça não representava de fato o poder do monstro, e sim seu corpo incógnito.

O corpo do dragão, em linguagem psicanalítica, é o que está e deve permanecer latente. Isso corresponde a uma imagem da estrutura inconsciente dos grupos. Quando visualizamos o grupo pela superfície vemos pessoas individuais. Por exemplo, vemos 10 pessoas “fazendo” um grupo: reunindo-se, traçando metas e objetivos, interagindo. Parece tratar-se de “cabeças” de indivíduos, autonomamente decidindo sua ação, eventualmente conjunta. Mas existe um nível grupal, latente, que vai além dos indivíduos. A idéia de um corpo com várias cabeças é a idéia de um grupo enquanto unidade, além da aparência de diversidade. As regras e leis que derivam da dinâmica de grupo nos permitem aprender o “corpo” grupal, onde reside a verdadeira fonte de poder e vida dos grupos.

Através do modelo da Hidra de Lerna conseguimos abstrair, por trás da aparência de reunião de indivíduos, que é o grupo, quem age, de fato, quando os indivíduos estão agindo. À semelhança do monstro mitológico, não adianta mudar os indivíduos, nem mesmo através da eliminação de alguns membros. O que importa é compreender a totalidade desse “dragão”: seu corpo uno, multi-cefálico.

O grupal é, então, aquilo que temos que ver através dos indivíduos, mas que não está nos indivíduos e nem se pode deduzir diretamente das ações dos indivíduos. À semelhança do conceito da Lei da Gravidade, diríamos que enquanto não temos o conceito de força da gravidade, por mais que vejamos os corpos caindo, não compreendemos o porquê isso acontece. O Inconsciente também é uma lei; é uma ordem simbólica que rege manifestações humanas. O conceito do inconsciente aplicado aos fenômenos grupais nos permite ver aquelas manifestações intersubjetivas e pluri-subjetivas, que só podemos compreender de fato ao apreender o significado do grupal, mais além do indivíduo.

Outro modelo importante é o da “taça de sorvete”. Essa metáfora muito simples é bastante ilustrativa do que denominamos Sujeito grupal, ou estrutura inconsciente dos grupos. Foi originalmente, até onde eu saiba, proposta pelo psicanalista argentino Rodolfo Bohoslavski.

Se colocarmos algumas bolas de sorvete de sabores diferentes em uma taça e deixarmos descansando certo tempo, vamos ver, através do vidro, três planos diferentes.

- Um plano de superfície: unidades individuais, ou seja, a bola de morango não se confunde com a de chocolate, ou a de menta. Cada bola de sorvete aparece como uma identidade inconfundível, sabor e cor próprios.

- Já num segundo plano, intermediário, as cores se mesclam e ao paladar ainda é possível distinguir a composição dos sabores.

- No fundo da taça temos uma mistura completa, uma cor indistinguível e um novo sabor não reconhecível; não há mais distintividade, embora ainda reconheçamos como “sorvete” esse produto final, mesclado.

Esse modelo mostra os três planos constitutivos dos grupos.

No 1º plano encontra-se a singularidade e um plano fenomênico próprio para a observação: cada pessoa tem uma identidade própria e é singularizada em seus traços e atributos, que a distinguem como individualidade.

No 2º plano encontra-se aquilo que temos devido a nosso intercâmbio com os demais. Em psicanálise o denominamos de plano das identificações (Freud o desenvolveu magistralmente no cap. 7 do livro A Psicologia de Grupo e Análise do Ego, 1921). Nesse nível as identidades se confundem, pois a interação entre os participantes faz com que uns passem a portar características dos demais. Nesse plano ocorrem as trocas e a comunicação e corresponde à dinâmica dos grupos. 

O 3º plano, ou nível basal, é o plano da indiscriminação, da massa e do inconsciente. Aqui não há distintividade, individualidade ou particularidades. Esse é o plano do universal humano. Cada indivíduo é determinado por esse plano, pois ele é a ordem estrutural que organiza o inconsciente dos indivíduos.

Falamos em planos, mas estes são planos de análise e não planos da realidade. A experiência humana, aquilo que na taça corresponde a substância do sorvete, apresenta-se nessa dupla aparência: unidades individuais e grupos, pequenos e grandes, ou massas onde o que é humano também é indivíduo e/ou grupo.

Quando eu faço uma psicanálise individual eu opero no primeiro plano: corto imaginariamente os laços do indivíduo e o analiso como sujeito singular. Procuro nele as representações que lhe são próprias e faço abstração do fato de que elas nasceram dos intercâmbios desse indivíduo com muitos outros indivíduos. Mas, através da análise, vou encontrar necessariamente os planos neste indivíduo que me mostram também o grupal. A análise é feita através do sujeito e isso me leva a concluir que este é um trabalho individual. Mas, de duas formas somos forçados a concluir que este não é um trabalho individual:

a) em primeiro lugar, ao perceber que tudo o que acontece em uma análise ocorre no contexto intersubjetivo da relação analítica - esse é o campo transferencial e não há fenômeno que possa ser pensado senão nesse enquadre;

b) mas o indivíduo e seu inconsciente são compostos também como um grupo: nele habitam seus pais, seus irmãos, seus amigos, seus mestres, toda sua história pessoal, e também a infindável cadeia de seus antepassados, que vivem nele como linguagem, como tradições, como mitos, como herança (KAËS, 1997).

O indivíduo é a soma de suas relações. Uma psicanálise é uma relação e só pode ser uma relação.

Assim o modelo da “taça de sorvete” nos aponta para a simultaneidade do individual e do grupal: tudo depende de que tenhamos um instrumento para ler esses diferentes planos. Ao fazer uma análise individual, posso apreender o grupal. Ao fazer grupo-análise posso pesquisar como indivíduos se combinam para gerar um grupo e como, ao mesmo tempo, é o grupo que os antecede e os determina como indivíduos.

Passemos agora a outra discussão que vai nos orientar para novos desdobramentos.

Adorno e Horkheimer, importantes teóricos da Escola de Frankfurt, investigaram o Indivíduo do ponto de vista sociológico. Demonstraram que a própria palavra indivíduo é interessante para a análise porque sua etimologia (do latim endividou) quer dizer o que é não divisível, não repartível - como na concepção tradicional do átomo. Portanto, uma matéria sólida que é o indivíduo seria contrastada com a infinita repartição dos grupos, das instituições e das sociedades. Vão mais além os autores:

"A vida humana é, essencialmente e não por mera casualidade, convivência. Com esta afirmação, põe-se em dúvida o conceito do indivíduo como unidade social fundamental. Se o homem, na própria base de sua existência, é para os outros, que são os seus semelhantes, e se unicamente por eles é o que é então a sua definição última não é a de uma indivisibilidade e unicidade primárias mais, igualmente, a de uma participação e comunicação necessárias com os outros. Mesmo antes de ser indivíduo, o homem é um dos semelhantes, relaciona-se com os outros antes de se referir explicitamente ao eu; é um momento das relações em que vive, antes de poder chegar, finalmente, à autodeterminação." (ADORNO & HORKHEIMER, 1978, p. 47)

Já a psicanálise nos ensina que o indivíduo é repartido (cortado ao meio), pois tem um inconsciente. Não uma unidade, mas pelo menos duas partes e, na verdade, múltiplas partes: as instâncias que Freud (1923) descreveu na segunda tópica são verdadeiros sujeitos dentro do sujeito e seu Ego, ou Eu, é um campo de batalha onde se digladiam muitos adversários (as pulsões, as interdições superegóicas, as exigências da realidade etc.).

Com a psicanálise dos grupos radicalizamos essa idéia e concebemos que o indivíduo tem que ser analisado em seus planos constituintes: aquilo que nele lhe veio dos outros. O psiquismo tem uma origem que é trans-individual, ou seja, é comum a todos os indivíduos. Recorrendo novamente ao modelo da “taça de sorvete” diríamos que é necessário conhecer a “massa” de que somos feitos: por exemplo, somos da mesma espécie. Este é o plano biológico que nos assemelha, pois nos situa no mesmo ramo de primatas superiores portadores do mesmo código genético. Mas a idéia de uma base comum, uma mesma “massa”, não é primariamente biológica e sim simbólica. Aquilo que temos psiquicamente e que nos constitui como sujeito humano é algo que nos vem do conjunto dos demais seres humanos, presentes e passados. Isso provoca o obstáculo epistemofílico - pois eu não apenas posso reconhecer que o outro é meu semelhante, eu devo reconhecer que ele e eu somos tributários da mesma matéria mental. A família é a primeira concretização dessa experiência de todos nós. Minha constituição física e psíquica depende dessa transmissão. O corpo que eu tenho tive que receber. A mente é também recebida - e isso é difícil de aceitar.

“Sou Eu é que penso, eu é que sinto”: é difícil quebrar essa ilusão, pois é como sair fora de mim. Podemos recorrer a uma metáfora hindu. Os indianos cultuam muitos deuses, mas para eles os deuses não existiram desde sempre, não são eternos, eles nascem e morrem. Mas houve um deus que nasceu antes de todos, Brahman, e quando os demais surgiram já o encontraram reinando. Por isso todos os demais deuses do panteão acreditaram que esse deus os havia criado e o consideraram pai dos demais. Nosso Eu age semelhantemente: acredita na ilusão de que ele veio antes, os demais surgiram depois, o que é evidentemente falso. Porém é uma ilusão necessária e nosso narcisismo se apóia fortemente nela.

Em relação aos nossos pensamentos e afetos é importante a apreensão individual dos mesmos, pois nos asseguram a apreensão de nós mesmos como individualidades. Mas os meus pensamentos e afetos em um grupo não são assim, pois já não são apenas meus, são parte de um intercâmbio, tanto no nível visível das interações quanto no plano invisível, submerso, da estrutura grupal, ou massa, o corpo da Hidra.

Temos que enxergar e ter acesso a esses três planos constitutivos de cada indivíduo: o plano fenomênico da individualidade, o plano intermédio das identificações e das interações intersubjetivas e o plano fundamental da trans-individualidade, matéria de que todos são feitos.

O sujeito grupal é o verdadeiro sujeito, os outros sujeitos são secundários, “cabeças de Hidra”. O EU é uma ilusão do “NÓS”. Cada “eu” corresponde a uma manifestação do que é o todo e é esse todo humano que é o verdadeiro eu. Existe, assim, o EU coletivo e emanações de “eus” individuais.

A pergunta que emerge naturalmente dessas considerações é se não estaríamos nos aproximando do conceito de “inconsciente coletivo”, de Carl Gustav Jung. Em verdade não, pois estamos construindo uma concepção de inconsciente diretamente tributária das concepções freudianas. Quando Freud propôs a noção das protofantasias, as estruturas arcaicas que se organizam antes das fantasias, ele estava trabalhando com a idéia de um material originário, prévio à experiência de cada sujeito. O bebê tem as protofantasias diretamente, pois as recebemos através da herança filogenética dos nossos ancestrais. Freud escreveu Totem e Tabu exatamente no ano de sua ruptura com Jung. A sedução materna, a aliança com os irmãos e o assassinato do pai são protofantasias, matrizes para os complexos de Édipo individuais e nos vem através das gerações. Estas matrizes transubjetivas organizam o nosso inconsciente e modelam nossas fantasias individuais.

A massa com todos os seus fenômenos intra-subjetivos ou intersubjetivos mantêm relação com a herança filogenética, com aquilo que recebemos não só da família que nos gerou e sim da historia humana, desde os primeiros homens. Considerada desse ponto de vista, diríamos que a massa (a 3ª estrutura) para se manter e evoluir em algum momento produziu um derivado, um subproduto: ela gerou o EGO. O ego se apóia nas identificações, não existe uma formação de ego sem o processo das identificações. Mas, como dizia Freud, somos habitantes da superfície, nossa experiência do EGO é interna, pois “estamos” no ego. Não suportaríamos se o inconsciente fosse mantido por muito tempo como o campo de nossa experiência e então trilhamos o caminho da organização do EGO. Com a relativa autonomia que ele goza podemos vivenciar a ilusão da nossa independência de seres individuais frente aos demais indivíduos que nos cercam, e nos esquecer da “massa” que nos compõe.

Quando Freud concebeu um começo determinado para a espécie humana supôs que houve um primeiro indivíduo que foi o líder da horda (pai da horda) e que dos seus filhos surgiria a psicologia das massas.

A psicologia grupal, para ocorrer, precisa constituir os indivíduos. Sem eles não há como realizar suas operações no mundo. A hidra não pode existir sem suas cabeças que são o que vem para fora, emergem na realidade. Quando pensamos no grupo temos que desfazer a idéia de que o grupal é feito pelos indivíduos. O correto é reconhecer que o indivíduo é feito pelo grupal.

Não falamos por conta própria e sim somos falados, e isso é psicanálise. No ato falho ocorre o desejo. É quando o ego fracassa que emerge o sujeito. Sabemos disso, mas não radicalizamos essa visão. Ninguém suporta ficar o tempo todo no inconsciente. É uma ilusão necessária acreditar no que falo enquanto indivíduo, enquanto ego. O difícil é conceber o transubjetivo.

A sociedade é uma reunião de indivíduos, mas aquilo que realmente acontece quando estão reunidos é que eles a produzem, os indivíduos e a matéria comum de que são feitos a produzem. Então é uma ordem antecedente do indivíduo e determinante dele. Mas para cada sujeito agir é necessário partir de seu ego. Não existe o trans-individual se não se constituir o individual. Mas não existe indivíduo se não for modelado a partir de sua “massa”: os outros indivíduos, vivos e mortos; passados, presentes e futuros.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FREUD, S. Psicologia de Grupo e Análise do Ego. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas de S. Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1995. Volume XXI.        [ Links ]

KAËS, R. O Grupo e o Sujeito do Grupo. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1997, 225 p.        [ Links ]

FREUD, S. Totem e Tabu. (1912). Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas de S. Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1995. Volume XIII.        [ Links ]

FREUD, S. O Ego e o Id (1923). Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas de S. Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1995.  Volume XIX.        [ Links ]

HORKHEIMER, M. - ADORNO, T. Temas Básicos da Sociologia. São Paulo: Cultrix, 1978. p. 268.        [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
E-mail: lazslo@terra.com.br

Recebido em: 10/01/2008
Aceito em: 10/03/2008

 

 

1 Psicólogo, grupo-analista, mestre, doutor, pós-doutorado pela University of Cambridge, professor adjunto da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, membro e professor do Núcleo de Estudos em Saúde Mental e Psicanálise das Configurações Vinculares – NESME e Sociedade de Psicoterapias Analíticas Grupais do Estado de São Paulo – SPAGESP. São José do Rio Preto – S. Paulo – Brasil.

Creative Commons License