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Vínculo

versão impressa ISSN 1806-2490

Vínculo v.5 n.2 São Paulo dez. 2008

 

ARTIGOS

 

Acting out em um grupo de adolescentes

 

Acting out in a teenagers group

 

Acting out en grupo de adolescentes

 

 

Valéria C. P. Verzignasse1; Antonios Térzis2

Pontifícia Universidade Católica de Campinas

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O presente estudo teve como finalidade compreender psicanaliticamente as atuações de um grupo de adolescentes. O objetivo foi verificar se a técnica de “grupo de diagnóstico” aplicado em adolescentes é eficaz para sensibilizá-los aos fenômenos do acting out e se possibilita a busca de meios apropriados para compreender essas atuações que se implantam no grupo. O método escolhido foi “psicanálise aplicada”, que visa fins práticos. Participaram da pesquisa seis adolescentes, com idades de 13-14 anos, de ambos os sexos. A técnica utilizada foi o “grupo de diagnóstico”. Foram realizados dez encontros, com duração de uma hora e trinta minutos. Para a análise do material coletado foi adotada a técnica de “Análise de Conteúdo”, proposta por Mathieu (1967), e interpretada de acordo com o referencial psicanalítico e grupanalítico. Este estudo possibilitou entendermos o acting out enquanto um processo primitivo, que usa de mecanismos de defesa arcaicos, como projeção, dissociação, negação, cisão. O acting no grupo de adolescentes surgiu através de duas formas. A primeira em forma de comunicação e a segunda enquanto um ataque ao vínculo grupal. No decorrer dos encontros, as atuações foram diminuindo, o que nos fez pensar na importância do grupo para esses adolescentes. Concluímos que o grupo de adolescentes atuou em níveis afetivos e os participantes passaram por diversas situações de sensibilização. A natureza das linguagens utilizadas foi mais simbólicas, emocional e gestual. Desenvolveu-se uma atmosfera de cooperação entre colegas-adolescentes, favorecendo as evoluções individuais. Foi notável que a técnica de grupo praticada nesta pesquisa constituiu-se num instrumento eficaz para estudar o fenômeno do acting out do adolescente no grupo.

Palavras-chave: Passagem ao ato, Psicanálise, Adolescentes, Grupos, Atuações.


ABSTRACT

The aim of the present study was to understand the acting out of a group of adolescents from the psychoanalytic point of view. The objective was to examine if the "diagnostics group" technique applied to adolescents is efficient enough to make them aware of acting out phenomena and if it may be used to provide the appropriate means to understand actings implemented into the group. The chosen method was "applied psychoanalysis" that aims at practical results. Six adolescents between 13 and 14 years old of both genders participated in the research and the "diagnostics group" technique was applied to ten 90 minute meetings. Mathieu's (1967) "Contents Analysis" technique was adopted to analyze the collected data, which was then interpreted according to psychoanalytic and group-analytic references. The present study allowed us to understand acting out as a primitive process featuring archaic defense mechanisms, such as projection, dissociation, denial, disruption. In our group of adolescents, acting out occurred in two different ways, i.e., through communication and as an attack on group ties. As the meetings progressed, acting out decreased, which made us reflect on the importance of the group for those adolescents. We concluded that the group of adolescents acted on affective levels and that its members went through several situations of sensitization. Languages used were mainly symbolic, emotional, and marked by gestures. An atmosphere of cooperation between adolescents-colleagues was developed, which supported individual evolution. It was notable that the group technique applied to this research proved to be an efficient instrument to study the acting out of adolescents within the group.

Keywords: Passing to the act, Psychoanalysis, Adolescents, Groups, Actings.


RESUMEN

El presente estudio tuvo como finalidad comprender psicoanalíticamente las actuaciones de un grupo de adolescentes. El objetivo fue verificar si la técnica de “grupo de diagnóstico” aplicado en adolescentes es eficaz para sensibilizarlos sobre los fenómenos del acting out y si facilita la búsqueda de medios apropiados para comprender las actuaciones que se implantan en el grupo. El método escogido fue el “psicoanálisis aplicado” que se centra en fines prácticos. En la investigación participaron seis adolescentes de ambos sexos de 13 y 14 años de edad. La técnica utilizada fue el “grupo de diagnóstico”. Se realizaron diez encuentros, con duración de una hora y treinta minutos. Para el análisis del material recolectado se adoptó la técnica de “Análisis de Contenido” propuesta por Mathieu (1967), y se interpretó de acuerdo al referencial psicoanalítico y grupoanalítico. Este estudio facilitó entender el acting out, como un proceso primitivo, que usa mecanismos de defensas arcaicos como proyección, disociación, negación, escisión. El acting en el grupo de adolescentes surgió en dos formas. La primera en forma de comunicación y la segunda como un ataque al vínculo grupal. En el transcurso de los encuentros las actuaciones fueron disminuyendo, lo que nos hizo pensar en la importancia del grupo para esos adolescentes. Concluimos que el grupo de adolescentes actuó en niveles afectivos, los participantes pasaron por diversas situaciones de sensibilización. Las naturalezas de los lenguajes utilizados fueran más simbólicos, emocionales y gestuales, desarrollaron una atmósfera de cooperación entre colegas-adolescentes favoreciendo las evoluciones individuales. Fue notable que la técnica de grupo practicada en esta investigación se constituyera en un instrumento eficaz para estudiar el fenómeno del acting out del adolescente en el grupo.

Palabras clave: Pasaje al acto, Psicoanálisis, Adolescentes, Grupos, Actuaciones.


 

 

Introdução:

Kaës (1976) coloca que o termo grupo vem do italiano “groppo”, e foi utilizado nas escolas de belas artes para designar representações de vários indivíduos juntos, representados em pinturas e esculturas. No século 18, a palavra foi importada pela França, passando a designar um conjunto de elementos, categoria ou uma coleção de seres. Os lingüistas associam a expressão ao termo “grop” (nó), vindo do alemão “Kruppa” que quer dizer massa arredondada.

Associando-se com a força que se tem observado nos grupos, vemos a idéia de “nó” como o laço que conecta os indivíduos e a idéia de massa arredondada associando-se com a imagem de corpo, coeso, determinado e limitado.

Esta força que o grupo traz pode ser vista na própria vida humana, pois estar em grupo faz parte dela. Na adolescência, o grupo passa a ter uma importância muito grande, pois ele funciona como um espelho, onde o adolescente vê refletido no outro suas próprias dificuldades. Assim é possível no grupo e pelo próprio grupo trabalhar suas dúvidas, testar novos papéis, elaborar seus lutos, sentir-se seguro e ir formando sua identidade adulta.

Mas, para que isso aconteça, é necessário um tempo para que o grupo possa estruturar-se enquanto tal e o de adolescentes não é diferente. Castellar (1987, p. 93) coloca que num primeiro momento, os adolescentes estarão muito mais reunidos do que agrupados e poderá surgir o sentimento de desconfiança. Com o passar do tempo, conseguem estabelecer vínculos, trocam experiências, surgem às transferências e assim teremos “um grupo que desenvolverá uma linguagem própria, além de uma forma peculiar de enfrentar problemas e os conflitos”.

Uma das formas de comunicação num grupo de adolescentes é a não-verbal, ou seja, o uso do acting out. Pesquisar e pensar este fenômeno tem sido ultimamente um dos meus objetivos. Assim, em 2006, quando iniciei meu mestrado, realizei uma pesquisa com o intuito de estudar como a ação, especificamente o acting out surgiu em um grupo de adolescentes. Para isso, fizemos um grupo com seis adolescentes em uma escola pública, na cidade de Americana, em um bairro de classe média-baixa, Para analisar os encontros do grupo, partimos do referencial bibliográfico da psicanálise e da Grupanálise.

Dessa forma construímos nosso trabalho com o intuito de sensibilizar os adolescentes aos fenômenos do acting out e possibilitar a busca de meios apropriados para compreender as atuações que se implantaram no grupo.

Se o acting será uma das formas de comunicação dos adolescentes, penso ser importante conceitualizá-lo.

 

Considerações teóricas:

Será no texto Fragmentos da Análise de um caso de histeria (Freud, 1905), que Freud vai pela primeira vez descrever o acting out. Neste texto, o autor vai vincular as ações da paciente com os sentimentos e transferências. Mas será em Recordar, Repetir e Elaborar (1914, p. 198) que o conceito irá surgir de uma forma clara. Neste trabalho, o autor não faz nenhuma diferença entre os termos atuação e repetição, mas pontua que a repetição está intimamente ligada a transferência. Na segunda parte deste trabalho, Freud irá relacionar a transferência com a resistência “... mas, se à medida que na análise a transferência se torna hostil ou excessivamente intensa, e, portanto, precisando de repressão, o recordar imediatamente abre caminho à atuação”.

Em 1920, Freud amplia sua concepção do acting out, associando-o com a sexualidade edípica infantil, mas reafirma que ele é uma repetição do passado reprimido, mas vivido de forma atual na transferência. Ele irá manter está postura até o fim, demarcando sempre que o acting é uma ação destinada à pessoa do analista por causa da transferência, portanto ele só pode ocorrer na relação analítica. Paiva (1968) vai classificar este tipo de ação como “atuação transferencial”.

Berlim (1997) vai demarcar dois momentos importantes do acting out. Para este autor, quando o paciente atua algo que ele esqueceu ou reprimiu, ele está tentando obter gratificação de desejos eróticos ou infantis. Portanto esta forma de atuação está vinculada ao principio do prazer. Aqui o acting caracteriza-se como uma resistência. Mas quando a própria ação (compulsão à repetição) substitui o recordar, ele está relacionado com acontecimentos reais ou fantasias vividas num período infantil muito primitivo da vida, não faz parte do pensamento, só podendo ser recordado através da ação.

Portanto, podem existir duas formas de atuação. Uma que vai ser um ataque ao vínculo analítico (relacionada com a resistência) e outra que será uma forma de comunicação (relacionada com a transferência). Perceber quando se trata de uma ou de outra vai depender da capacidade do analista de avaliar o processo como um todo (Berlim, 1997; H. A. Rosenfeld, 1965).

Após Freud, outros autores contribuíram para a evolução e ampliação do conceito. Klein (1952) vai associar o acting com a relação transferencial, a qual vai reativar a repetição de situações passadas.

Evoluindo em seu conceito, Klein (1957, p.105) vai associar o acting a uma defesa contra a ansiedade e a integração: “no meu conceito, a atuação, na medida em que é empregada para evitar a integração, torna-se uma defesa contra as ansiedades despertadas pela aceitação da parte invejosa do eu”.

Anna Freud (1986), emO Ego e os Mecanismos de Defesa,vai colocar que o acting é uma forma de transferência. Ela pontua três tipos: transferência do impulso libidinoso, transferência da defesa e atuação na transferência.

Para esta autora, a atuação na transferência se dará quando houver na relação analítica um aumento da transferência. A partir disso, o paciente passa a burlar as regras do tratamento, atuando os impulsos instintivos e as reações defensivas que estão contidos em seus afetos transferidos.

Diferentemente de Freud, ela não dará ênfase, na situação analítica, ao recordar, mas, sim, ao reviver da experiência emocional e o repetir (acting out) na transferência, pois irá associar o acting a uma perturbação nas primeiras interações mãe e bebê, portanto, a fases mais primitivas do desenvolvimento. Para ela, o que foi esquecido pertence ao período pré-verbal e, portanto, não faz parte da organização do ego, só podendo ser repetido e atuado no comportamento.

Fenichel (1945), destaca que o acting é geralmente uma ação organizada e não um simples pensamento, movimento, gesto ou expressão mímica isolada. Para ele, o acting vai estar sempre associado com fixações orais e dificuldades do sujeito em lidar com frustrações. Aqui o autor se diferencia de Freud, pois a ênfase recai na fixação e na intolerância à frustração.

Para Fenichel (1945), é possível formular algumas precondições para o acting out: a) disposição autoplástica (talvez de natureza constitucional); b) fixações na oralidade, intensa necessidade narcisista e intolerância às tensões; c) traumas primitivos (p.300-301).

Greenacre (1950) vai concordar com as idéias de Fenichel (1945), mas acrescenta dois outros fatores: ênfase na sensibilização visual, que produz uma tendência à dramatização e uma crença inconsciente na magia da ação.

Para a autora, pacientes que produzem acting na situação analítica terão, durante estes períodos, deformações na linguagem, na comunicação. São pacientes que apresentam um intenso exibicionismo, deformação da realidade e o emprego da magia.

Para ela, estes pacientes também apresentarão fixações na fase oral, pois foram frustradas oralmente, e expressarão suas angústias através da ação exacerbada, além de possuírem pouca tolerância à frustração e um narcisismo exagerado. Aqui também a ênfase não será dada à relação transferencial, mas à frustração.

Para Silverberg (1955), o acting é uma dramatização da transferência. Para ele, o que o paciente apresenta na transferência é a memória de uma experiência traumática que não pode ser verbalizada. A repetição da ação é uma tentativa do paciente de restaurar o desamparo da experiência traumática original. Além disso, para ele, o acting é uma forma de resistência e um ataque contra o “insight”.

Em 1956, Bion, estudando pacientes severamente perturbados e dando continuidade às idéias de Klein, salienta que as atuações destes tipos de pacientes são uma defesa contra ansiedades depressivas. Existe uma dificuldade do paciente em chegar à posição depressiva, portanto, uma dificuldade para o uso do pensamento verbal.

Utilizando sua idéia de evacuação, Bion, em 1965, vai postular que alguns pacientes vão depositar no analista seus sentimentos invejosos e que isto irá aparecer através do que ele denominou “acting out de rivalidade”.O paciente tentará o tempo todo, provar que suas ações são superiores à técnica analítica.

Portanto, para Bion, o acting é uma defesa contra a ansiedade, mas também uma forma de descarga, de evacuação (alivio da tensão).

Jacobson (1957) coloca que a resistência do paciente a recordar é uma forma de negação, que se dá através da ação. A negação do recordar também surge com a distorção da realidade e a magia da ação. Além disso, para esta autora, pacientes que produzem muito acting necessitam negar sua dependência de uma mãe ativa arcaica e da realidade, negando o próprio desamparo através da ação.

Kestenberg (1968) possui uma visão diferente dos outros autores. Para ela, o acting seria uma tentativa do paciente de viver com o analista uma situação relacionada com a mãe e com a fase pré-genital. Coloca que o paciente, numa tentativa de negar a frustração da relação analítica, tenta induzir o analista, através da transferência, a atuar para satisfazer seus próprios desejos, ou seja, fazer do analista um protetor da tensão, que é intolerável, assim como um dia a mãe foi.

Para Rangell (1968), o acting será sempre uma resistência contra o processo analítico, uma forma de não permitir o surgimento do que foi reprimido. Para a autora, quando um acting é interpretado e elaborado, é possível chegar a um insight terapêutico.

Greenson (1969) coloca que o acting é como um sonho. O paciente tem novamente a chance de reviver seu passado, pondo fim a uma experiência penosa, modificando-o. Este autor verá as atuações enquanto uma forma de comunicação e não de resistência.

Para Gaddini (1982), o acting out tende a não considerar a realidade, sendo uma forma de funcionamento mágico e onipotente. Representa uma forma de funcionamento mental primitivo, onde o sujeito tende a manter-se imutável, lutando contra o desenvolvimento, a integração e o reconhecimento da própria autonomia. Portanto, ele verá na atuação uma forma de resistência contra o processo analítico.

Para Bloss (1978), o acting out não é apenas uma descarga de necessidades instintivas, mas um mecanismo organizado, onde o sujeito tenta dominar ativamente experiências primitivas vividas de maneira passiva..

Este autor vem a algum tempo se dedicando à temática da adolescência. Para ele, os actings devem ser vistos por uma perspectiva cultural, pois as transformações sócio-culturais irão trazer um impacto nas questões psíquicas. Compartilhando desta idéia, Aydo (2005) coloca que além da questão histórica é necessário também, através do olhar clinico, a análise de cada caso.

Knobel (1980, p. 50) nos aponta uma outra face do acting out. Para este autor, o período da adolescência, por ter características especificas, também obriga o terapeuta a manejar a técnica psicanalítica de uma forma especifica. Uma destas formas ele irá chamar de “acting out terapêutico” ou “atuação terapêutica”. Para ele, essa atuação pode ser “uma forma expressiva do terapeuta, na qual este se permite mover-se, rir-se, expressar surpresa etc como pessoa real”, mas de forma consciente e mantendo o enquadre psicanalítico.

Mas numa situação grupal, o acting out terá um caráter particular e uma evolução especifica. Quem nos mostra isso é Grinberg, Langer e Rodrigué (1971). Eles colocam que num primeiro momento, irá existir um grande temor em confundir a vida particular com o grupo. Mas que, aos poucos, a análise vai transpondo os limites espaciais e temporais. Primeiro os elementos do grupo começam a compartilhar os minutos que ficam na sala de espera. Mais tarde, vão juntos para casa, se encontram em bares, conversam sobre a sessão etc. Surgem amizades dentro do grupo, mas sua força fica fora dele. Portanto, extrapola os limites do processo grupal.

Assim, para estes autores, o acting out adquire sua estrutura, seu próprio código moral e seus segredos, tanto com relação ao meio familiar quanto ao grupo. Em todas estas atuações, o terapeuta fica excluído, impotente e desconcertado, pois ele passa a perceber que ocorrem coisas importantes que ele não sabe. Suas interpretações são refutadas, os componentes do grupo fazem referencias superficiais sobre acontecimentos desconhecidos, os indivíduos do grupo tornam-se cúmplices. O terapeuta percebe que existe um material importante, mas que não é controlado por ele.

Para os autores, só existe um jeito de lidar com essa forma de comunicação: a interpretação das fantasias inconscientes que estão por trás das atuações.

Assim, Grinberg et al. (1971) distinguem dois tipos de acting out:

1. Acting out normal: caracteriza-se por encontros dos membros do grupo após o término da sessão, troca de serviços, encontros durante as férias etc. Está relacionada a uma disposição constante do grupo de dramatizar e descarregar suas tensões. Além disso, seria uma expressão de angústia sentida pelo grupo em função do término da sessão e uma reação defensiva contra esta mesma angústia. Para os autores, este tipo de acting sempre irá existir.

2. Acting out patológico: surge em momentos de conflitos agudos. Para os autores, em alguns momentos o grupo poderá funcionar de forma dissociada, utilizando os mecanismos de identificação e contra-identificação. Para se integrar novamente, é necessária a interpretação do analista e do entendimento de seus mecanismos dissociativos. Mas, algumas vezes por vários motivos, o grupo pode se sentir exposto a uma integração difícil de tolerar pela qualidade da intensidade dos sentimentos envolvidos nesta integração. Assim recorrem ao acting como uma técnica defensiva extrema diante desta integração que sentem como perigosa.

Leal (1994), uma psicanalista portuguesa que trabalha com grupos de crianças e adolescentes, coloca que o acting out é uma comunicação simbólica que traz sempre mensagens inconscientes, e que deve ser reconhecido enquanto uma catarse.

Portanto, nas psicoterapias de grupo, o acting out tem a mesma solução: a análise constante da situação transferêncial e sua interpretação no “aqui e agora” do grupo.

 

Método:

Foi formado um grupo com oito adolescentes, sendo seis meninos e duas meninas, com idade entre 13 e 14 anos. Os meninos eram estudantes da sétima série (Ensino Fundamental), enquanto que as meninas eram estudantes do Primeiro Colegial (Ensino Médio), com queixa de atuações no âmbito escolar.

A pesquisa foi realizada numa instituição escolar pública na cidade de Americana. O espaço em que o grupo se reuniu foi uma sala dentro da própria escola.

Esta sala é usada na instituição como um lugar de estudo dos professores, portanto, ela é mobiliada impessoalmente, propiciando um ambiente tranqüilo, arejado e bem iluminado, já que ela se encontra afastada das salas de aula.

A técnica utilizada foi o grupo de diagnóstico (Kaës e Anzieu, 1989) tem por objetivo possibilitar a cada participante viver e compreender uma experiência afetiva de grupo. Tudo é feito para que cada um possa ter lucidez quanto ao funcionamento do grupo, à compreensão do seu próprio modo de ser no grupo e o dos outros.

Consiste essencialmente em colocar em evidência a significação inconsciente das palavras, das ações e das produções imaginárias de uma pessoa.

Esta técnica se assenta principalmente sobre as associações livres dos participantes e que são a garantia da validade da intervenção.

A minha função como psicóloga do grupo de adolescentes pautou-se por uma disposição afetiva, atenção flutuante, empatia, capacidade de acesso ao outro e uma boa experiência empático-simbólica.

Para formar o grupo, foi feito contato com a instituição educacional, situada em Americana. Foi solicitada permissão para a participação de adolescentes interessados em colaborar com este estudo e entrevistas com professores para identificar adolescentes que possuíam queixa de atuações.

Após, foi feita uma reunião com a coordenação pedagógica da Escola, que através de contatos telefônicos marcou uma reunião com esses adolescentes e seus pais. Esta reunião tinha como finalidade expor os objetivos da pesquisa, sua importância, etc. Após esta explanação, feita pela pesquisadora, cada participante levou para casa um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, que assegura aos participantes de pesquisa envolvendo seres humanos receber esclarecimentos sobre seus objetivos e ter seu consentimento firmado através de seus pais.

Oito adolescentes se mostraram interessados. Fizemos, então, uma entrevista individual para a seleção e confirmação quanto à participação no grupo. Nenhum adolescente apresentou contra-indicações.

Com o intuito de alcançarmos os objetivos propostos por esta pesquisa, definimos que o grupo seria fechado e homogêneo com relação à queixa principal. Assim, mesmo que algum participante desistisse, ninguém entraria em seu lugar. No dia do primeiro encontro do grupo, dois adolescentes informaram que não queriam mais participar. Após os dois primeiros encontros, um adolescente, por problemas familiares, mudou-se para São Paulo. Em virtude disso, o grupo desenvolveu-se com cinco participantes.

O trabalho foi dirigido pela própria pesquisadora. Era a única integrante que tinha seu papel antecipadamente definido, pois, ao mesmo tempo em que fazia parte do grupo, também ocupava o papel de estar fora, podendo, assim, realizar intervenções que ajudassem no progresso do grupo. Essas intervenções surgiam sob forma de perguntas no “aqui - agora” dos encontros e tinham o objetivo de oferecer aos adolescentes a possibilidade de aprender algo sobre o grupo ou sobre si mesmo, principalmente no que diz respeito a suas atuações.

Para que houvesse objetividade no estudo, gravamos as entrevistas individuais e os encontros grupais (Kaës e Anzieu, 1989). Nas gravações, ficam registradas as linguagens faladas, como intensidade e entonação, o que auxilia a análise dos dados. Em seguida, os encontros foram transcritos na íntegra, respeitando a seqüência e a forma como se apresentaram. Isso possibilitou o trabalho de análise e interpretação.

 

Análise do Material

A análise do material foi feita a partir do referencial bibliográfico da psicanálise e da grupanálise, utilizando como técnica “Análise do Conteúdo”, de Mathieu (1967), aplicada em pesquisas de cunho qualitativo e que visa ultrapassar os conteúdos manifestos, até atingir os latentes.

Cada encontro do grupo foi analisado separadamente, sendo que alguns fragmentos foram descritos na íntegra. A análise interpretativa do material foi realizada concomitantemente pela pesquisadora e pelo orientador do trabalho. Os pontos em concordância e que estavam relacionados com nosso objetivo foram considerados para a discussão. As leituras dos encontros permitiram descrever em detalhes os fenômenos recorrentes que apareceram no grupo de adolescentes. Mathieu (1967) considera que a disposição dos temas de um relato mostra a maneira da qual o inconsciente se utiliza para buscar a interpretação psicanalítica do texto e define que o sentido simbólico surge quando se leva em conta o conjunto dos temas de um relato que revela o material ideativo das produções emocionais.

Tendo este enfoque como norte, foi, a princípio, definido que utilizaríamos dez encontros em nossa análise. No entanto, levando em consideração a densidade e riqueza do material, optamos por utilizar apenas cinco encontros, decisão que também foi tomada por acreditarmos que esses seriam suficientes para responder aos nossos objetivos. Para que pudéssemos acompanhar o desenvolvimento do grupo, resolvemos utilizar, na análise, o primeiro encontro e o segundo encontro; um que representasse o meio do processo, que foi o quinto, e os dois últimos - o que possibilitou acompanhar a trajetória percorrida pelo grupo (Térzis, 2005; Cociuffo, 2001).

Dessa forma, construímos nosso trabalho com o intuito de sensibilizar os adolescentes aos fenômenos do acting out e possibilitar a busca de meios apropriados para compreender as atuações que se implantaram no grupo, atingindo, assim, nosso objetivo. No entanto, salientamos que nosso trabalho não teve a intenção de esgotar as possibilidades de realização de futuras pesquisas a respeito do tema, pois, como dito por Cociuffo (2001): “o símbolo é polissêmico e, portanto, inesgotável na produção de sentidos”.

 

Resultados e Discussão:

O nosso grupo de pesquisa inicialmente apresentou-se não-integrado, atuando através de palavras, que denominamos “acting out verbal”, e através de gestos, com atuações dirigidas aos professores, aos pares, à instituição ou ao próprio grupo.

O grupo, no primeiro encontro, apresentou-se em estágios de integração precária, predominantemente em processo primário. Utilizou-se de defesas primitivas como projeção, dissociação. Estas estão intimamente relacionadas com a dinâmica do acting out.

No primeiro encontro, percebemos que os adolescentes encontravam-se mais limitados na sua capacidade de inter-relação e comunicação com o mundo externo. Os adolescentes apresentaram níveis de comunicação muito elementares, narcisistas e persecutórios. Estes constituíam os aspectos característicos que refletia a comunicação e a relação nesse grupo de adolescentes.

Neste primeiro momento, o grupo nos apresenta duas formas de entendermos o acting. A primeira, em forma de comunicação (nos falam sobre seus meios de atuação com o mundo externo).A segunda, com a atuação se dando dentro do próprio grupo, através de atrasos e brigas entre os participantes. Entendemos que este tipo de acting é um ataque ao vínculo grupal, pois está relacionado com a resistência.

No segundo encontro, através das falas do grupo, fomos percebendo o quanto fica difícil para eles seguirem as regras. Além disso, apresentaram uma agressão destrutiva dirigida ao grupo. Os mecanismos de defesa eram ainda muito arcaicos, como a clivagem, negação e projeção. O grupo entra num processo de regressão, atuando muito mais pelo princípio do prazer.

A técnica de grupo também permitiu a possibilidade de se repensar reações impensadas. Assim, neste encontro, quando os adolescentes relataram como agrediram um colega do grupo, foi oferecida, através de uma integrante, a possibilidade de pensarem alternativas diante das atuações que exprimiram.

Neste segundo encontro, o grupo estava mais centrado nele mesmo; conseguiram estabelecer vínculos, trocaram experiências. Surgiu uma abertura para uma maior coesão grupal.

No quinto encontro, surgiu uma atuação em relação aos estudos. Os adolescentes nos contaram seu mau desempenho na sala de aula.Ainda predominava uma dificuldade de pensamento, de lidar com os acontecimentos através do processo secundário e não primário.

No grupo, a forma de comunicação se atribuiu a todos os membros, e foi possível perceber uma maior integração do grupo. Os participantes, nesse encontro, puderam compartilhar coletivamente suas intimidades, seus mitos e complexos familiares. Ao falarem, possibilitaram o início de um processo de elaboração e ressignificação destas experiências. Demonstraram, assim, que confiam na tarefa do grupo. O grupo foi vivenciado como um espaço de segurança e acolhimento.

As atuações, a partir deste encontro, foram diminuindo. Assim, compreendemos que os participantes do grupo necessitam de um ambiente externo, um objeto capaz de conter suas emoções. Nesse sentido, o grupo foi representado como um objeto-bom, que estimulou os participantes a expressarem seus sentimentos.

O nono encontro iniciou-se com um sonho. Pensamos que o grupo constituiu-se em um espaço que proporcionou a realização de fantasias. As atuações surgiram através de um ataque agressivo ao outro, com o uso de palavrões. Mas o que mais se destacava era a crise de identidade vivida pelos adolescentes.

O décimo encontro, por ser o último, nos trouxe um novo fenômeno: os adolescentes, em vez de atuarem, foram mostrando como supriram essa falta do grupo através de um outro.

Para lidar com a angústia da separação, criaram uma “ilusão” (Anzieu, 1993), onde idealizaram esses outros grupos como “ego ideal”, e também idealizaram o grupo, investindo suas pulsões libidinais e organizando-se como uma unidade.

Compreendemos este movimento como positivo, pois é somente na relação com o outro e com o grupo que as experiências poderão ser simbolizadas e, portanto, elaboradas.

 

Conclusões

O grupo de adolescentes atuou em níveis afetivos, os participantes passaram por diversas situações de sensibilizações. A natureza das linguagens utilizadas foi mais simbólica, emocional e gestual.

A partir destas formas de linguagem concluímos que o acting é uma descarga (podendo ser motora ou verbal), portanto não existe pensamento apenas uma necessidade de descarga de tensão que se torna insuportável para o sujeito. Utilizam assim, mecanismos de defesas arcaicos como projeção, dissociação, negação, clivagem.

Constatamos que o acting pode surgir através de duas formas. A primeira, em forma de comunicação, e a segunda, enquanto um ataque ao vínculo grupal. Todo acting deve ser interpretado. Quando vivido no aqui-agora do grupo, a manifestação serve para elaboração da situação com todos os integrantes e para o psicólogo, que vai ter diante de si uma série de situações latentes. A partir disso, foi possível aos adolescentes do grupo desenvolver uma atmosfera de cooperação entre colegas adolescentes, favorecendo as evoluções individuais.

Portanto, a técnica de grupo praticada nesta pesquisa constituiu-se em um instrumento eficaz para estudar o fenômeno do acting out do adolescente no grupo.

O espaço grupal, ao possibilitar aos participantes a oportunidade de expressarem seus conflitos e sofrimentos, e também seus sonhos e seus desejos, ajudou os adolescentes a se sensibilizarem aos fenômenos do acting out e de buscarem meios mais criativos para resolverem estas atuações.

 

REFERÊNCIAS BILBIOGRÁFICAS

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Endereço para correspondência
Email: valroger@uol.com.br

Recebido em: 19.11.07
Aceito em: 10.02.08

 

 

1 Psicóloga, aluna da Pós-Graduação em Psicologia da PUC Campinas/SP;
Rua das Azaléias, 73, apto.305, Cidade Jardim, Americana/SP, CEP 13470-120. Fone (19) 9735.7897
2 Grupoanalista, Professor da Pós-Graduação em Psicologia da PUC Campinas/SP.

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