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Vínculo

versão impressa ISSN 1806-2490

Vínculo v.5 n.2 São Paulo dez. 2008

 

ARTIGOS

 

Do labirinto da saudade: ser ou não ser; ter sido ou não ter sido

 

“The maze of melancholy”, to be or not to be; to have been or to not have been

 

“El laberinto de la añoranza”, ser o no ser; haber sido o no haber sido

 

 

Paula Teresa Carvalho1

Sociedade Portuguesa de Grupanálise, Lisboa – Portugal

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Na história dos povos, dos grupos, como na de cada indivíduo, os mitos, os sonhos, o passado e o presente, entrelaçam-se e entrecruzam-se no desenrolar de um destino, de um futuro e de uma representação de si mesmos. Esta história acontece, nos limites e transcendências do vivido num espaço, território, “setting”, corpo. Excertos de um percurso individual, num grupo de grupanálise.

Palavras-chave: Grupo, Indivíduo, Mitos, Memória, Significado.


ABSTRACT

In groups, as in individual history, myths, dreams, past and present, are crossed in the development of a destiny, of the future and of a representation of selves. This history happens, in the limits and transcendences of what has been lived in a space, territory, setting, body. Excerpts of an individual journey in a group of group-analysis.

Keywords: Group, Individual, Myths, Memory, Meaning.


RESUMEN

En la historia de los pueblos, de los grupos y en la de cada individuo, los mitos, los sueños, el pasado y el presente se entrelazan y entrecruzan en el desarrollo de un destino, de un futuro y de una representación de si mismo. Esta historia trascurre en los límites y trascendencias de lo que es vivido en un espacio, territorio, escenario y cuerpo. Fragmentos de una trayectoria individual en un grupo de grupo-análisis.

Palabras clave: Grupo, Individuo, Mitos, Memoria, Significado.


 

 

Mitos, Destino, Grupo e Narcisismo

Eduardo Lourenço(1999), inicia o seu ensaio

“Portugal Como Destino, Dramaturgia cultural portuguesa”, com o seguinte texto, que passo a citar. “ É tentador assimilar o destino de um povo ao do indivíduo, com o seu nascimento, a sua adolescência, maturidade e declínio. A analogia organicista é, naturalmente falaciosa. Nem a povos ou civilizações extintos o paradigma humano se aplica. O tempo do indivíduo, a leitura que ele próprio faz do seu percurso, pode ajustar-se a esse processo de surgimento, afirmação e desaparição. Um povo tem igualmente uma história (…), mas o tempo dessa história não é, como o dos indivíduos, percebido ao mesmo tempo como finito e irreversível. O tempo de um povo é trans-histórico na própria medida em que é “historicidade”, jogo imprevisível com os tempos diversos em que o seu destino se espelhou até ao presente e que o futuro reorganizará de maneira misteriosa. Cada povo só o é por se conceber e viver justamente como destino. Isto é, simbolicamente, como se existisse desde sempre e tivesse consigo uma promessa de duração eterna. É essa convicção que confere a cada povo, a cada cultura, pois ambos são indissociáveis, o que chamamos “identidade”. Como para os indivíduos, a identidade só se define na relação com o outro. (…)

Continuo com Lourenço, (…) A realidade efectiva de um povo é aquela que ele é como actor do que chamamos “história”. Mas o conhecimento da realidade de um povo enquanto autoconhecimento do seu percurso, tal como a historiografia se propõe decifrá-lo, não cria nem pode criar o sentido desse percurso. (…) A história chega tarde para dar sentido à vida de um povo. Só o pode recapitular. Antes da plena consciência de um destino particular – aquela que a memória, como crónica ou história propriamente dita, revisita - um povo é já um futuro e vive do futuro que imagina para existir. A imagem de si mesmo precede-o como as tábuas da lei aos Hebreus no deserto. São projectos, sonhos, injunções, lembrança de si mesmo naquela época fundadora que, uma vez surgida, é já um destino e condiciona todo o seu destino. Em suma mitos. Fim de citação. (Lourenço, E. 1999)

Parece-me que este discurso de Lourenço, se pode facilmente ligar à concepção grupanalítica da dimensão transcendente do grupo (povo, sociedade, família, díade, tríade etc.), na construção da identidade individual, que é ao mesmo tempo um processo de trans, inter e intrasubjectividade.

Esta dimensão transcendente, inclui uma temporalidade, em que passado presente e futuro, que mesclam e cruzam para além do tempo enquanto realidade objectiva e concreta; e um conteúdo que, também ele transcende a mera existência e narrativa de acontecimentos, normas e intenções.

Sabemos da importância que, a forma como foi desejado e fantasiado o bebé ainda antes da sua existência e nascimento efectivos, bem como os mitos familiares e a transgeracionalidade, têm na construção da personalidade e da identidade do indivíduo. Daquilo que vai defini-lo como criatura única ao longo de toda a sua existência.

Se por um lado a grupalidade inerente à formação do Eu, do indivíduo, pode até, como defende Lazslo António Ávila (2007), a partir de referências de Bion e de Kaës, constituir uma das feridas narcísicas infligidas à humanidade, por afirmar que o Indivíduo não existe. Que o Eu não existe por si mesmo, em si mesmo, é uma ilusão, um sub-produto da experiência que o grupo promove nos seus membros. Que estruturalmente, o Eu só existe na relação Eu-Outro, implicando uma reformulação da concepção do indivíduo como uma unidade, completo em si mesmo.

Também, por outro lado esta dimensão do ser humano, como um ser cuja humanidade apenas se realiza, na sua relação com os demais, pode introduzir uma mais-valia narcísica, na medida em que no grupo e através do grupo, pode ultrapassar a sua própria temporalidade e história e, realizar-se no seu destino relacional. E assim, de algum modo transcender o vazio existencial da sua finitude biológica

Recordo o comentário feito por uma garota de 7 anos, quando escutava uma história ocorrido com os pais, antes do seu nascimento: “… Ah! Então isso aconteceu quando eu ainda só existia no teu pensamento, não foi mãe?”

Defesa omnipotente infantil, perante a narcisicamente dolorosa constatação, de um tempo e uma existência familiar em que ainda não existia como sujeito físico, mas seguramente também a intuição certeira, reasseguradora e reconfortante de que a sua existência transcendia a data oficial do seu nascimento. De algum modo, fantasmaticamente, podia afirmar que sempre tinha existido, como uma espécie de destino, na díade parental e até porventura antes. Assim, tinham sido sempre um grupo.

Marina Durand, (2007) à data, presidente do NESME (núcleo de estudos em saúde mental e psicanálise das configurações vinculares), do Brasil, num interessantíssimo artigo intitulado

“O Engano, O Paradoxo, O Brasil”, refere: “…Todo povo, conjunto humano se agrupa em torno de um ideal cuja função é a de ser um eixo ao redor do qual gravitam valores e identificações, que são os fundamentos narcísicos necessários à consolidação e manutenção deste conjunto. Para o conjunto permanecer é necessário apostar e investir nos que nascem e vão perpetuá-lo. Essa é a ideia do contrato narcísico.” (Durand, 2007, p. 96)

Esta autora utiliza o conceito de Piera Aulagnier (1993), que propõe o conceito de contrato narcísico para se referir aos benefícios psíquicos que o sujeito obtém por pertencer a um dado conjunto humano. Aulagnier propõe também o conceito de pacto denegativo, como sendo aquilo do qual não podemos falar para poder continuar juntos. O pacto denegativo e o contrato narcísico, são conceptualizados como alianças inconscientes, responsáveis pelos eventos psíquicos e vinculares entre os elementos do conjunto e que definem a sua pertença a ele. (Durand, 2007, p. 97)

Deste modo, cada grupo, cada conjunto, cria e define um espaço de existência próprio.

 

Corpo, Vazio, Silêncio, Saudade, Memória e Significado

Mas o indivíduo, o Eu, o intrasubjectivo, possui também um território próprio: O corpo

Mas em que consiste este corpo?

De que se fala, quando se fala do corpo?

Do corpo objectivo, concreto, descrito cientificamente como um conjunto organizado e estruturado, de células, órgãos, aparelhos e sistemas orgânicos e funcionais?

Do corpo, sagrado/religioso criado à imagem de Deus?

Do corpo da moda, veículo privilegiado de comunicação narcísica?

Do corpo histérico, que se afasta do corpo da anatomia e, que aproxima de um corpo representado a partir de uma linguagem popular e não científica?

Do corpo psicanalítico, que com Freud assume uma dupla racionalidade, a do somático e do psíquico?

Do corpo, simultaneamente emissor e mensagem da comunicação e sofrimento psicossomáticos?

Do corpo, ao mesmo tempo mensagem e receptor dos comportamentos auto-mutilatórios e suicidários?

Do corpo, veículo ou meio da satisfação pulsional?

Do corpo, veículo ou meio de expressão da dor e do sofrimento?

Do corpo grupanalítico, que se constrói e organiza somática e psiquicamente, a partir das vivências acontecidas nas matrizes relacionais. Em que matriz é definida segundo a conceptualização de Foulkes, como

A teia hipotética de comunicação e relação num dado grupo. É o terreno partilhado em conjunto que, em última instância, determina o sentido e a significação de todos os acontecimentos e, no qual se integram todas as comunicações e interpretações, verbais e não verbais”. (Foulkes, 1967, p.93-94)

Corpo, labirinto onde o indivíduo se perde e/ou se encontra em desencontros e encontros felizes ou trágicos, na relação com os outros?

Maria é uma jovem adulta que procura tratamento por episódios de pânico.

Uma das formas possíveis de contar a história infantil de Maria é através das ausências, dos vazios:

Ausência do pai, que só recentemente vem a procurar e conhecer, já no decurso do seu processo grupanalítico.

Ausência dum discurso familiar sobre este pai e sobre a história entre os pais, da qual foi originária. Assunto tabu, qual pacto denegativo, sobre o qual pairava um silêncio tornado discurso e normalidade e, sobre o qual só no grupo de análise se começa a interrogar e a atribuir importância.

Ausência do espaço relacional que lhe permita ainda hoje, contar à mãe que foi há dois anos atrás, à procura e encontro do pai.

Ausência do meio ambiente físico e relacional familiar a partir dos 5, 6 anos, trazida pela mãe, quando esta se muda para uma grande cidade, longe da pequena aldeia, onde tinha nascido e vivido até então.

Ausência da mãe, que a deixa ao cuidado de amas diversas, até aos 11 anos, em que a visitava um dia por semana.

Ausência de intimidade e de cumplicidade com esta mãe, ilustrada por uma fotografia que fez questão de trazer e mostrar, em que estão ambas, a mãe num plano mais à frente, ela mais atrás, ambas de braços caídos e olhar triste, como que numa impossibilidade de contacto.

Ausência de empatia e incómodo da mãe perante o seu mal-estar físico e a sua angústia, que como que só se podia comunicar através do silêncio.

Ausência/dificuldade, no estabelecimento de relações actuais onde se permita prazerosamente a espontaneidade e a intimidade.

E das ausências se formou o pânico, bandeira do desamparo.

Aos vazios relacionais, responde o corpo somático de modo desesperado e caótico, numa vertigem de sintomas físicos e de sensações, que apesar de tudo é uma afirmação de SER.

No lugar do outro, o próprio corpo como objecto.

No lugar do EU-OUTRO, o EU-CORPO (PIERA AULAGNIER, 1999)

Corpo que nestes momentos existe como expressão de elementos/sintomas em que a representação pela palavra não é possível, simultaneamente tradução e reacção, ao medo de deixar de existir.

E o pânico, a ameaça de pânico, estabeleceu-se como um modo de relação, uma espécie de sensor que disparava quando o outro era sentido como estando demasiado longe ou, demasiado perto. Como que estratégia essencial numa autorregulação autoprotectora da proximidade.

Na minha tentativa de compreender a origem do pânico, encontrei algumas referências que me fizeram sentido: Por exemplo, Ana Maria Sigal (2002) diz:

“… O pânico se produziria por uma falha no recalque originário, que permitiria o surgimento de elementos arcaicos, marcas primitivas inscritas a fogo na psique, que deveriam ficar seladas por este recalcamento. Esses elementos, impossibilitados de associar-se a outros, seja por continuidade ou por contiguidade, permanecem desligados sem encontrar tradução possível. Permanecem inalteráveis, e a pulsão a eles se fixa. Sua presentificação no Eu produziria manifestações de ordem física, tais como taquicardia, tontura, paralisação, por não terem sido integradas ao circuito da representação-palavra, que facilitaria a via da simbolização.” (Sigal, 2002)

Piera Aulagnier (1999), no seu ensaio

“Nascimento de um corpo, origem de uma história”, refere: “…O Eu só pode ser quando ele se torna seu próprio biógrafo e, na sua biografia, ele deverá dar lugar aos discursos através dos quais fala e através dos quais seu próprio corpo se torna falante. (…) o Eu vai imputar uma mesma função relacional e uma mesma causalidade a um certo número de experimentos e de experiências, embora tenham sido vividos por seu corpo em tempos e situações diferentes. Esta analogia reconstruída num depois, próximo ou longínquo, do acidente- evento é necessária para colocar no lugar estes pontos de alcochoado religados entre eles por um fio vermelho, graças ao qual o Eu pode achar o caminho e se orientar nesta história (a sua) que, como toda a história, se especifica pelo seu movimento contínuo. (Aulagnier, 1999)

Ao longo do percurso grupanalítico, foi-se fazendo uma anatomia deste pânico da Maria.

Para além dos episódios de ansiedade/pânico evidentes e intensos, referia mais frequentemente, ter a sensação de que o pânico poderia surgir, uma espécie de pré-pânico e, que tinha desenvolvido estratégias de o “controlar”.

Estas estratégias passavam essencialmente por fazer uma retirada relacional em que ficava centrada em si própria e nas suas sensações e, em que habitualmente se seguia uma premente necessidade de dormir. De dormir longas horas.

Este sono, era descrito como algo prazeroso, reconfortante e reabilitador. Como que um processo regressivo e autoerótico.

Na sua evolução clínica, as sensações de pânico foram desaparecendo. Surge então a consciência paradoxal de que se por um lado isto era obviamente uma coisa boa, por outro, sentia como que saudades dele. Como que um sentimento de nostalgia e de perda. Como que se precisasse de elaborar uma espécie de luto, para se poder separar desta espécie de pânico-objecto.

Mas os sonos de Maria, estão povoados de sonhos.

Sonhos-memória, de recordações felizes da infância, onde recupera e alimenta referências histórico-familiares, que lhe reforçam o sentimento de ligação vincular e de identidade.

Sonhos-encenação, de diferentes dinâmicas conflitivas internas.

Sonhos-consciência, dos movimentos transferenciais com a grupanalista e com o grupo

Apesar da importância que ela própria e o grupo atribuem aos seus sonhos, no seu percurso analítico, um dia desabava com tristeza: “ Acha queé possível alguém viver a partir dos sonhos?Sinto inveja dos outros que são capazes de viver as coisas aqui, em directo no grupo, sinto que é como se eu vivesse através dos sonhos, como se vivesse sempre numa realidade paralela, tipo second-life. Vivo nos sonhos aquilo que não sou capaz de viver no real, fica sempre uma espécie de barreira, de distância, entre mim e os outros, como se nunca me conseguisse aproximar e deixar que me toquem, se aproximem muito de mim”. Sente e associa esta maneira de estar à existência do pânico. Sente que estão de algum modo, ligados.

Na biografia analítica de Maria, foram aparecendo diferentes personagens - mãe:

A mãe poderosa, que não cria um espaço para a existência de um pai e que o retira do seio familiar, para o colocar com estranhos.

A mãe fria e distante, surda e muda perante as suas necessidades e dificuldades.

A mãe corajosa, que foi capaz de assumir sozinha um filho e arriscar separar-se para tentar uma vida melhor.

Num dado momento da vida do grupo, surge uma outra representação, em que a mãe começa a aparecer também como um ser frágil, em risco de desorganização, necessitado de contenção e cuidados. Acontece então um sonho significativo.

Estávamos em vésperas de interrupção das sessões por férias de Verão da grupanalista.

Maria traz um sonho que a tinha perturbado. Conta. “Estava um dia de muito sol, de muito calor, havia o mar e à superfície surge uma baleia que vinha respirar. Só que depois ficava quieta, parada, como se não conseguisse voltar a submergir. O sol estava cada vez mais quente e, a baleia continuava á superfície da água. Começava a ficar queimada pelo sol e em risco de vida. Bastava-lhe voltar a mergulhar, mas não o fazia e por isso estava em risco de morrer. Não conseguia perceber porque é que ela estava ali parada, a deixar-se morrer e, sem conseguir fazer nada. Acordei aflita, quase que em pânico.”

O comentário que me fez sentido fazer e que colheu sentido no grupo, foi.” A Maria e os outros podem ficar tranquilos que eu vou de férias mas sei cuidar bem de mim, não vou apanhar nenhuma insolação. Na data combinada estarei de volta no grupo.”

Já depois do período de férias, surge outro sonho, com dois momentos diferentes, mas sequenciais. Numa primeira cena do sonho, havia um quarto, onde eu, a grupanalista estava deitada na cama. A Maria entra no quarto e há uma tentativa de contacto físico, de toque, comigo, antecipado como agradável. Só que a janela do quarto tinha uma portada que estava sempre a cair. Ela tinha que ir tentar pôr a portada no lugar e, tentava que ficasse segura. Mas não conseguia, a portada voltava sempre a cair. Para além do incómodo causado pela portada caída, havia a sensação de perigo eminente. A portada podia cair para a rua em cima de alguém e, ela podia cair, defenestrar-se, ao tentar pô-la no lugar. Enquanto isso eu permanecia na cama como que indiferente ao que se estava a passar ao meu redor.

Este episódio sonhado, permitiu a Maria recordar um sonho angustiante e recorrente, até há uns anos atrás, em que o cenário e a acção eram sobreponìveis, com a diferença de que quem estava na cama era a sua mãe.

O segundo episódio do sonho, passava-se no numa sala, que seria o meu consultório. O ambiente era agradável, apesar de por detrás das cortinas, se perceber que havia uma janela com um vidro partido. Tinha acabado uma sessão de grupo e, antes de sair do edifício, eu peço à Maria que fique a tomar conta da sala. Só que quando volta a entrar na sala, percebe que esta estava completamente vazia, que eu tinha retirado todos os móveis que lá estavam. Eu tinha-a deixado a tomar conta de um espaço vazio. Acontece também que, quando volta à sala, Maria não está sozinha, traz a sua mãe pela mão e ficam ambas a olhar, em silêncio, sem compreender e sem saber o que fazer perante aquela sala vazia.

Através dos sonhos e das sensações perturbadoras por eles provocadas, num claro processo transferencial, Maria parece poder tomar consciência duma outra dimensão da mãe. A mãe deprimida e ela própria necessitada de cuidados.

Talvez agora, a imagem que tem de si própria, como uma menina submissa, bem comportada e pouco exigente, possa ser compreendida como resposta perante uma figura materna, afinal também frágil, de cuja consistência interna duvidou e que não aguentaria com as exigências da filha.

Talvez agora, ao ousar sonhar com o possível vazio da grupanalista, a partir do grupo e duma nova matriz relacional, Maria possa finalmente perder o medo de tocar e de pensar o vazio da depressão da sua mãe. O vazio da ausência de um discurso materno suficientemente organizador e produtor de sentido. Possa começar a representá-lo e a simbolizá-lo, a resolvê-lo e assim, prescindir do pânico. Possa perder o medo de no íntimo, se confundir e se perder, na fragilidade e incompetência relacionais do outro. Primeiro mãe, insuficientemente incapaz do gesto e da palavra necessários, depois, todos os outros com quem desejava uma intimidade.

Saudades afinal do quê? Do que não foi vivido e que se arrisca a tornar num destino fatal?

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

LOURENÇO, E. Portugal como Destino. Lisboa: Gradiva, 1999. 182p.        [ Links ]

ÁVILA, L.A. Grupos – A Perspectiva Psicanalítica. Vínculo, Revista doNESME, S. Paulo, nº 4, p. 17-25, 2007.        [ Links ]

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AULAGNIER, P. Nascimento de um corpo, origem de uma história. RevistaLatinoamericana da Psicopatologia Fundamental 2 (3), p. 9-45, 1999. Disponível em: http://www.geocities.com/HotSprings/Villa/3170/PieraAulagnier.htm Acesso em 14 Out. 2007        [ Links ]

SIGAL, A. M. O Originário: um conceito que ganha visibilidade. Trabalho apresentado no “Colóquio de homenagem a Piera Aulagnier”, organizado pelo Programa de Pós-Graduação da PUC-SP, 08/06/2002. Revisado e ampliado. Disponível em: http://www2.uol.com.br/percurso/main/pcs30/30Sigal.htm Acesso em 14 Out. de 2007        [ Links ]

FOULKES, S. H in: Cortesão, E. L. Grupanálise, Teoria e Técnica. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1989. 379p. p. 93-94.        [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Email: paulateresacarvalho@sapo.pt

Recebido em: 31.01.2008
Aceito em: 20.07.2008

 

 

1 Psiquiatra, grupanalista, membro efectivo da SPG – Sociedade Portuguesa de Grupanálise, Lisboa – Portugal.

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