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Vínculo

versão impressa ISSN 1806-2490

Vínculo v.5 n.2 São Paulo dez. 2008

 

ARTIGOS

 

O sintoma da criança e a dinâmica familiar: orientação de pais na psicoterapia infantil

 

The child’s symptom and family dynamics: parent’s orientation in child psychotherapy

 

El síntoma del niño y la dinámica familiar: la orientación de padres en la psicoterapia infantil

 

 

Maíra Bonafé Sei 1; Carolina Grespan Pereira Souza2; Sérgio Luiz Saboya Arruda3

Departamento de Psicologia Médica e Psiquiatria da Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP – Campinas, São Paulo, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O desenvolvimento humano implica num caminho que vai da dependência do meio e da família, em direção a uma maior independência. Assim, estas, questões emocionais apresentadas pelas crianças podem ter estreita relação com a dinâmica familiar. Objetiva-se, então, por meio de um estudo teórico-clínico, ampliar a compreensão acerca dos sintomas da criança, refletir sobre as relações entre os sintomas da criança e a dinâmica familiar, assim como também refletir sobre os e limites e alcances da orientação de pais na psicoterapia psicodinâmica infantil. Optou-se por apresentar um caso clínico em que filha e mãe eram atendidas, respectivamente, em psicoterapia infantil e orientação de pais no ambulatório de psicoterapia de crianças de um hospital universitário. Por meio do atendimento da filha, ficou clara a relação entre os sintomas dela e a dinâmica familiar, com posterior encaminhamento da mãe, para a orientação de pais. Os conteúdos apresentados pela mãe referiam-se as suas questões individuais, próprias da psicoterapia individual. Contudo, compreende-se que seu acolhimento foi pertinente para a promoção do desenvolvimento emocional de ambas: mãe e da filha. Por fim, pensa-se que um olhar investigativo para o funcionamento familiar colabora para o entendimento dos psicodinamismos da criança e para melhores resultados no processo psicoterapêutico.

Palavras-chave: Psicoterapia da criança, Família, Orientação, Pais.


ABSTRACT

Human development involves a path of dependence on the environment and family toward greater independence and thus emotional issues presented by children may have close relationship with the family dynamics. The purpose of this article is then to broaden the understanding about the child symptoms, to reflect about the relations among the children’s symptoms, family dynamics and the limits and scopes of parent’s orientation in psychodynamic child psychotherapy, through a theoretical and clinical study. It was chosen to present a case of daughter and mother attended, respectively, in child psychotherapy and parents guidance at the clinic for children psychotherapy of a university hospital. The attendance showed a clear link between the daughter´s symptoms and family dynamics, with the routing of the mother to the parent’s orientation. The content provided by the mother referred to issues proper to individual psychotherapy, however, it is understood that the acceptance of them was relevant to promote the emotional development of both mother and daughter. Finally, it is thought that a look at the family dynamics can be helpful to understand children psychodynamics and to reach better results in the psychotherapeutic process.

Keywords: Child psychotherapy, Family, Orientation, Parents.


RESUMEN

El desarrollo humano implica un camino de la dependencia del medio ambiente y de la familia hacia una mayor independencia emocional. Por lo tanto, las cuestiones emocionales presentadas por los niños pueden tener una estrecha relación con la dinámica familiar. El objetivo de este trabajo es ampliar la comprensión acerca de los síntomas del niño, reflexionar sobre las relaciones entre los síntomas del niño, la dinámica familiar y los límites y alcances de la orientación de padres en la psicoterapia infantil, utilizando una parte teórica y estudio clínico. Hemos elegido, para presentar, un caso de madre e hija que asistieron, respectivamente, a la psicoterapia de niños y a la orientación de padres en la clínica de psicoterapia para niños de un hospital universitario. A través de este servicio, se puso claro un vínculo entre los síntomas de su hija y la dinámica familiar, con el encaminamiento de la madre a la orientación de padres. El contenido proporcionado por la madre se refiere a las sus cuestiones, lo que es propio de la psicoterapia individual. Sin embargo, se entiende que la acogida de ellos fué necesario para promover el desarrollo emocional de las dos: madre y la hija. Por último, se considera que una mirada a la familia, trabaja para la comprensión de la psicodinâmica de los niños y para los mejores resultados en el proceso psicoterapéutico.

Palabras clave: Psicoterapia infantil, Familia, Orientación, Padres.


 

 

O desenvolvimento emocional, a dinâmica familiar e o sintoma da criança

No início da vida, o ser humano apresenta-se como um ser extremamente dependente do ambiente e das pessoas que o circundam, ainda incapaz de comunicar suas necessidades via linguagem verbal.

Considerando a maior ou menor dependência em relação ao ambiente, Winnicott (1963) descreve estágios para o processo de desenvolvimento emocional: o primeiro é caracterizado pela “dependência absoluta” do bebê em relação ao meio, sem percebê-lo como algo separado de si próprio. Falhas neste período são sentidas pelo psiquismo humano como invasões, sendo que “o excesso de reações não provoca frustração, mas uma ameaça de aniquilação” (Winnicott, 1956, p. 403).

Posteriormente, ingressa-se no estágio denominado “dependência relativa”, caracterizado pela percepção de um mundo externo à criança, que tolera a espera pelos cuidados ofertados pelo meio. A gradual internalização de cuidados recebidos permite a passagem para o último estágio nomeado “rumo à independência”, já que, segundo Winnicott (1963), o ser humano nunca é completamente independente do meio.

Percebe-se, então, a importância do meio, caracterizado inicialmente pela família, para o desenvolvimento emocional. Na falta de provisões ambientais adequadas, patologias diversas podem se desenvolver e para Winnicott (1971, p. 16) “a sintomatologia da criança reflete doença em um ou ambos os pais ou na situação social, sendo isso que necessita de atenção”. As estratégias de intervenção podem variar desde consultas terapêuticas pontuais com a criança e familiares, até casos em que se observa a necessidade de uma psicoterapia mais demorada ou intensa.

 

Intervenções no âmbito da criança: a psicoterapia infantil e a orientação de pais

A psicoterapia de crianças é um instrumento psicoterapêutico relevante. Por funcionar como “um trabalho preventivo que propicia a construção de bases mais sólidas para a integração mental” (Motta, 2008, p. 115), previne a instalação e complicação de perturbações psíquicas diversas.

Nota-se a valorização do papel da família como promotora de saúde entre seus membros ou também de perturbações, com autores que argumentam que disfunções na família podem ocasionar sintomas nos seus integrantes (DOLTO, 1980; MANNONI, 1980; WINNICOTT, 1971; ARZENO, 1995; GOMES, 1998; ZORNIG, 2001).

Há situações em que a linguagem verbal torna-se insuficiente para comunicar algo e os comportamentos assumem esta função de comunicação. Apesar de não culpabilizar os pais, Dolto (1980, p. 24) considera que “os pais e filhos de tenra idade são dinamicamente participantes, indissociados pelas suas ressonâncias libidinais inconscientes”.

Com idéias similares, Arzeno (1995) propõe a inclusão da entrevista familiar diagnóstica no psicodiagnóstico infantil ao compreender que “o sintoma da criança é o emergente de um sistema intra-psíquico que está, por sua vez, inserido no esquema familiar também doente” (Arzeno, 1995, p. 167). Este procedimento oferece elementos para contra-indicar o tratamento individual, quando: não há condições de mudança da patologia familiar e a criança seria considerada como a única culpada pela disfunção; a melhora pode ocasionar descompensação de outro membro da família; os pais reforçam, de forma inconsciente, a sintomatologia do filho (Arzeno, 1995).

Nos casos em que a “doença” da família emerge via sintoma da criança, defende-se a inclusão de outro terapeuta que se encarrega dos pais (Ferro, 1995) e para Zornig (2001), não é possível excluir os pais da análise de seus filhos, já que “o sintoma da criança desenrola-se nos interstícios do discurso parental”.

Considera, entretanto, que sua construção sintomática traz a marca da função simbólica dos pais, sem, no entanto, ser redutível a ela. Isto significa reconhecer a ligação fundamental entre a criança e seus cuidadores fundamentais, procurando delimitar um espaço no qual os pais e a criança possam diferenciar suas questões, imprimindo um cunho singular e único às suas narrativas. (ZORNIG, 2001, p. 126)

A despeito da ligação entre sintomas da criança e questões parentais e/ou familiares, a preservação de espaços individuais da criança e de seus pais é defendida por Zornig (2001). Assim, a orientação de pais pode mostrar-se como uma possibilidade de intervenção em conjunto com a psicoterapia individual da criança. Seu sentido está atrelado à influência que a família tem para a saúde da criança, ainda dependente dos pais, tanto emocionalmente quanto concretamente, por depender deles para iniciar e comparecer nos atendimentos.

Ao se buscar atendimento para o filho, os pais podem esperar críticas e acusações, devido ao alto valor dado pela sociedade ao atendimento infantil e aos cuidados parentais adequados, “culpados em relação a um dano real ou imaginário causado à criança, mas também com um sentimento de vergonha em relação ao que expor” (Halton e Magagna, 1994, p. 117). Percebe-se, então, a importância dos pais continuarem a explorar as dificuldades em relação à criança após a indicação da terapia individual desta.

De acordo com Motta (2008), nas propostas de intervenções com os pais de crianças em psicoterapia, o psicólogo, ao desenvolver o trabalho de orientação de pais, exerce a função de conter angústias, tanto as da criança quanto a dos pais. Ao terem suas angústias contidas pelo terapeuta, isto é, ao terem suas angústias ameaçadoras ou turbulentas transformadas em apaziguamento e compreensão (insight), os pais podem, por identificação com o terapeuta, desempenhá-la junto ao filho. (MOTTA, p. 122)

Isto é, por meio da intervenção com os pais, estes podem desenvolver a função de conter as angústias dos filhos, inicialmente desempenhada pelo terapeuta. Entretanto, para que isto ocorra, os pais já devem ter constituído uma condição mental que possibilite tal processo e, em caso negativo, a psicoterapia para estes pode colaborar para o desenvolvimento da capacidade de contenção e compreensão. Há situações em que a orientação de pais mostra-se suficiente para um bom caminhar da psicoterapia da criança. Todavia, dadas suas naturais limitações, há situações em que outras estratégias devem ser indicadas. O profissional responsável pelo atendimento da criança deve ser capaz de perceber estas demandas e realizar os encaminhamentos necessários.

 

Reflexões sobre a orientação de pais: objetivos e limites

A família é responsável pelo acolhimento e sustentação do desenvolvimento, sem os quais, sintomas e desajustes podem surgir na criança. Estes motivam encaminhamentos para intervenções para trabalho das questões emocionais. Podem-se citar algumas modalidades de encaminhamento como a psicoterapia infantil, a orientação de pais, a psicoterapia do casal ou da família como um todo, com as últimas propostas já que, por vezes, somente a psicoterapia da criança é insuficiente para melhora do quadro.

Quanto à orientação de pais, a partir de uma vertente pautada na psicanálise e no desenvolvimento emocional, considera-se que esta tem a função de acolher os pais em suas angústias, propiciar maior compreensão acerca da criança, do seu funcionamento mental, da relação pai-mãe-filho, das suas queixas, da evolução e do tratamento lúdico.

Não tem, contudo, por objetivo “dar conselhos”, estabelecer padrões de comportamento ou um “guia de normalidade”. Busca utilizar “o conhecimento psicanalítico sobre as bases essenciais de estruturação e constituição do psiquismo, assim como do desenvolvimento psíquico saudável e suas características a favor do desenvolvimento infantil” (MOTTA, 2008, p. 122).

Contudo, nem todos os pais podem acolher suficientemente os filhos. Por não terem desenvolvido uma condição mental que permita o uso benéfico do processo de orientação, alguns pais necessitam de um espaço psicoterapêutico próprio para lidarem com questões individuais.

A partir de um estudo teórico-clínico, pautado nos pressupostos de Eizirik (2003) e Turato (2003) para a pesquisa qualitativa em Saúde e Ciências Humanas, procura-se refletir sobre as relações entre os sintomas da criança, a dinâmica familiar e limites e alcances da orientação de pais na psicoterapia psicodinâmica infantil. Para tanto, fez-se a revisão teórica acima descrita, optando-se por apresentar um caso clínico de filha e mãe atendidas, respectivamente, em psicoterapia infantil e orientação de pais no ambulatório de psicoterapia de crianças de um hospital universitário.

 

Recortes de um caso

Trata-se de recortes do atendimento de Renata, uma menina de 8 anos de idade, a segunda filha de Cristina e Mauro. Marina, a irmã mais velha, tem 15 anos e Felipe, o caçula, 10 meses.

Quando começou, nesse ambulatório, a psicoterapia atual, Renata tinha 7 anos, com Cristina grávida de Felipe. Antes efetuara, no mesmo serviço, outras duas psicoterapias, cada uma com a duração de dois anos. Cristina havia feito psicoterapia no ambulatório de adultos, interrompida em função das regras deste último serviço. Marina também fora atendida em psicoterapia de adolescentes, mas desistiu. Percebe-se que, por iniciativa materna, quase toda família nuclear inseria-se nos diversos atendimentos disponibilizados pela instituição.

A queixa atual de Renata era de ser uma criança “terrível”. A mãe atribuía essa “rebeldia” ao problema de absorção de frutose que a filha possuía. Renata sempre foi “boa de boca” e gulosa; comia escondido até o que não podia e passava mal (sic), questão presente no início da psicoterapia.

Na hora de jogo, Renata brincou de “casinha” e de fazer “comidinhas”. O tema central relacionava-se com a dinâmica mãe-filha, com inversão de papéis, isto é, a criança dava muitas ordens para a terapeuta, que precisava arrumar a casa, limpar e varrer as sujeiras. Envolvia-se rapidamente em um mundo de fantasias e faz-de-conta, demonstrando bom vínculo com a terapeuta. Hipotetizava-se que Renata não tinha espaço para brincar em sua casa.

Em uma sessão, pediu para desenhar uma casa e, apesar do uso da régua, argumentou que estava feia e torta, que não desenhava direito. Pediu ajuda para a terapeuta e desenharam, juntas, uma casa, enfeitava com árvore e flores e com um prédio vizinho. Renata pediu que a terapeuta desenhasse um castelo e encantou-se com o desenho, colorindo-o para ressaltar o lugar onde podia fantasiar e elaborar angústias.

Nas entrevistas iniciais com a mãe, destacou-se a necessidade de encaminhá-la para orientação de pais, dada sua relação simbiótica e de dependência com Renata. A mãe afirmava que a filha era muito “pegajosa” e “grudada” nela e que a psicoterapia era muito importante para Renata, pois ela, como mãe, não conseguia lidar sozinha com a filha, percebida doente e fraca, que precisava de ajuda.

Mauro era, segundo a mãe, um pai ausente. Era pedreiro e, no começo da psicoterapia, viajava muito. Cristina relatou brigas com o marido e, muitas vezes, os filhos presenciavam estas discussões. Renata dormia na cama da mãe, quando o pai viajava. Faltavam regras e limites tanto para Renata, como para a família. Ao longo do atendimento, descobriu-se que não existiam portas na casa dessa família, que denota uma confusão, que se apresenta no plano concreto da casa, de limites, entre interno e externo, público e privado.

No decorrer do atendimento, Renata demonstrou curiosidade com relação à família da terapeuta. Queria saber onde morava, quantos anos ela tinha, se possuía irmão, filhos e namorado e no desenho da família ideal, desenhou a terapeuta, o namorado desta e ela própria.

Brincava constantemente de “escolinha” e, geralmente a terapeuta era a professora, que tinha que passar lições “difíceis” para a criança. Renata repetia e escrevia muitas vezes o alfabeto e os numerais. Percebeu-se que Renata sabia identificar as letras, mas não conseguia juntá-las para formar sílabas e palavras. Ficava bastante angustiada e desistia de tentar ler as palavras das “lições”. Parecia que seu mundo interno estava desintegrado.

Posteriormente, a terapeuta decidiu desenhar o nome de Renata com letras com “carinhas”, “mãozinhas” e “perninhas”, brincando com seu nome. Após observar por alguns instantes, Renata disse: “É meu nome! Ficou lindo!” e agradeceu-a. Parecia que, dessa forma, a terapeuta conseguiu ajudá-la a juntar partes suas que estavam separadas, atribuindo-lhe sentidos. Nas brincadeiras de matemática, demonstrava muita dificuldade em somar os números, tentava resolver as “continhas” e desistia.

Quanto ao atendimento de Cristina, observou-se grande dificuldade em centrar-se em questões relativas à Renata. Trazia questões relacionadas à outra filha, à sua história de vida e relacionamento conjugal. O atendimento foi marcado por faltas, quase no mesmo número que as sessões efetivamente realizadas. Teve o bebê e, após pouco mais de um mês, ingressou em um trabalho no período noturno, visto que o marido não estava colaborando financeiramente com a manutenção da casa. Imaginava que teria a colaboração dele com as crianças, mas sem esta, ficava sobrecarregada.

Às vezes, Cristina trazia o bebê na consulta e relatava cansaço e esgotamento e questionava se poderia já inserir Felipe em algum atendimento. Relatava de forma dissociada situações de grande sofrimento, sem transparecer a emoção que naturalmente permearia a vivência descrita. Parecia dedicar-se à família, buscar saídas para as situações enfrentadas, sem, contudo, conseguir escolher os melhores caminhos.

Relatou situações de intensa violência conjugal, com troca de agressões físicas entre o casal, presenciadas pelos filhos, que tentavam separá-los. Após o episódio em que o marido, pela primeira vez, iniciou a troca de agressões físicas, Cristina decidiu se separar.

Por meio do atendimento de mãe e filha, no mesmo serviço, com eventuais discussões em conjunto, pode-se constatar a importância de um olhar para a família como um todo. A orientação de pais, focada apenas na criança, mostrava-se insuficiente para esta mãe, que trazia suas questões pessoais para o setting, nem sempre pertinentes à relação mãe e filha. Acreditava-se, contudo, na necessidade de acolhimento destes conteúdos e caminhava-se no limiar entre orientação de pais e psicoterapia da mãe.

Tal como apontado por Motta (2008), para que os pais possam beneficiar-se da orientação de pais, devem ter alcançado um determinado grau de desenvolvimento emocional e ter uma capacidade de continência das angústias da criança, pouco observado em Cristina. Com isso o atendimento buscava fornecer-lhe espaço para seus pensamentos e angústias, para, então, habilitá-la a aproveitar mais profundamente da orientação, focada na filha.

Ressalta-se que o simples encaminhamento da mãe para a psicoterapia de adultos, em outro serviço, não seria suficiente para abarcar as questões apresentadas por ela, que exigiam um olhar mais amplo para a família, aspecto que contribuía para a psicoterapia de Renata. A instituição, por meio de seus diferentes serviços, configurou-se como uma acolhida para esta mãe, que sozinha se sentia desamparada e fraca, precisando de ajuda e, assim, o contato entre as psicoterapeutas de mãe e filha, com discussões em conjunto, colaborou para ampliação da compreensão da dinâmica familiar e do alcance do trabalho realizado.

 

Considerações Finais

A família é o espaço de acolhimento e saúde, conforme defende Winnicott (1971), mas nem sempre as famílias apresentam as condições para um bom desenvolvimento de seus integrantes, como observado no caso de Renata (filha) e Cristina (mãe). Os sintomas trazidos por Renata refletiam aspectos da dinâmica familiar, havendo inclusive uma ligação inadequada da mãe para com uma criança da idade dela. Além disto, os sintomas que Renata apresentava no contexto escolar eram reproduzidos nas sessões. Compreendeu-se que a psicoterapia da criança deveria ser aliada, conforme o proposto por autores como Halton e Magagna (1994), Zornig (2001) e Motta (2008), à orientação de pais.

Para que esta orientação pudesse ajudar no processo lúdico da criança, é importante que os pais possam se desenvolver emocionalmente, trabalhando com questões da dinâmica mãe-pai-filho. Quando isto não foi feito, compreende-se que o foco no próprio adulto e nas suas vivências pessoais é necessário.

Ao se iniciar a orientação de Cristina, percebeu-se que suas angústias iam além da preocupação com a filha em psicoterapia e remetiam à sua vida pessoal, à relação com o companheiro. Assim, houve a necessidade de também se estender o olhar para estas questões pessoais da mãe, apesar de o espaço inicialmente ofertado não estar dirigido para a contemplação destas dificuldades.

Pôde-se perceber que algumas dificuldades de ordem emocional na criança estavam relacionadas com uma dinâmica familiar inadequada para um desenvolvimento emocional saudável. Nestes casos, além da psicoterapia da criança é necessário o encaminhamento da família para outras formas de atendimento e, no caso estudado, apenas foi possível o encaminhamento inicial da mãe para orientação de pais. Na orientação, ora a mãe expressava conteúdos relativos à filha e à dinâmica mãe-filha, ora trazia conteúdos individuais dela própria, apesar de, em tese, a orientação de pais não se propor a ser um espaço para a apresentação e para a elaboração de questões individuais próprias da psicoterapia individual. Acredita-se, entretanto, que o acolhimento destas questões era a escolha pertinente para promoção do desenvolvimento emocional tanto da mãe, como da filha.

Ao se refletir sobre a ilustração clínica trazida neste artigo, reafirma-se a ligação entre os sintomas da criança e a dinâmica familiar. Com isso pode haver um aprofundamento do conhecimento, por parte dos psicoterapeutas infantis, não só do psiquismo da criança, mas também da família e da sua dinâmica. Entende-se que, no caso apresentado, houve uma integração entre o trabalho desenvolvido pela psicoterapeuta da criança e o trabalho da psicoterapeuta responsável pela orientação de pais, com um olhar cuidadoso para o funcionamento familiar, que colaborou para a compreensão dos psicodinamismos da criança e para melhores resultados no processo psicoterapêutico.

 

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Endereço para correspondência
Email: mairabonafe@hotmail.com

Recebido em: 02.02.08
Aceito em: 10.03.08

 

 

1 Psicóloga; Mestre e Doutoranda em Psicologia Clínica pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo; Aluna do VI Curso de Especialização em Psicoterapias na Infância – pelo Departamento de Psicologia Médica e Psiquiatria da Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP – Campinas, São Paulo, Brasil.
2 Psicóloga; Aluna do VI Curso de Especialização em Psicoterapias na Infância – pelo Departamento de Psicologia Médica e Psiquiatria da Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP, Campinas, São Paulo, Brasil.
3 Professor Doutor MS3, Departamento de Psicologia Médica e Psiquiatria da Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP, Campinas, São Paulo, Brasil.

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