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Vínculo

Print version ISSN 1806-2490

Vínculo vol.6 no.2 São Paulo Dec. 2009

 

ARTIGOS

 

O Narcisismo dos pacientes e terapeutas: uma perspectiva vincular

 

Narcisism in patients and therapists: a linking perspective

 

El narcisismo en pacientes y terapeutas: una perspectiva vincular

 

 

Waldemar José Fernandes1

Núcleo de Estudos em Saúde Mental e Psicanálise das Configurações Vinculares
Sociedade de Psicoterapias Analíticas Grupais do Estado de São Paulo

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O autor desenvolve neste trabalho o que entende por narcisismo, na perspectiva da psicanálise dos vínculos. Faz algumas reflexões sobre o efeito do narcicismo nos pacientes e no próprio terapeuta, no que diz respeito à transferência, à contratransferência e à interferência - o impacto transformador do Encontro entre indivíduos. Tais reflexões partem de uma base de conceitos psicanalíticos, enfocando principalmente Bion, Zimerman e Janine Puget, entre outros psicanalistas e grupanalistas, passando à discussão de algumas idéias do autor. É abordada, ainda, a relação que pode existir entre as interpretações e demais intervenções do terapeuta e o seu narcisismo. Concluindo, o autor comenta sobre a necessidade de conviver e administrar o próprio narcisismo, auxiliando os pacientes a fazer o mesmo.

Palavras-chave: Narcisismo, Vínculo, Interferência, Conviver com a diversidade.


ABSTRACT

The author addresses in this work the understanding of the narcissism concept, in the perspective of linking psychoanalysis. Here are some thoughts about the effect of narcissism in patients and in the therapist himself, in regards to transference, counter-transference and to interference –the transforming impact of the Encounter between individuals. Such thoughts originate from a basis of psychoanalytical concepts, focusing mainly on Bion, Zimerman and Janine Puget, among other psychoanalysts and group analysts, and also approaching ideas discussed by the author. There is also a discussion about the issue of the relationship which may exist between interpretations and further intervention from the therapist and his narcissism. In conclusion, the author comments about the need to live and manage one’s own narcissism, helping patients to do the same.

Keywords: Narcissism, Linking, Interference, Living with diversity.


RESUMEN

El autor discursa en este trabajo que entiende por narcisismo, en la perspectiva de la psicoanálisis de los vínculos. Hace algunas reflexiones sobre el efecto del narcicismo en pacientes y en el mismo terapeuta, con respecto a la transferencia, la contratransferencia y a la interferencia - el impacto transformador del Encuentro entre individuos. Estas reflexiones parten de una base de conceptos psicoanalíticos, destacando con preferencia, Bion, Zimerman e Janine Puget, en medio de otros psicoanalistas e grupo-analistas, y siguiendo a la discusión de algunas ideas del autor. Está abordada, todavía, la relación que puede existir entre las interpretaciones y demás intervenciones del terapeuta y su narcisismo. En conclusión, el autor comenta sobre la necesidad de convivir e administrar el narcisismo personal, para ayudar los pacientes a hacer lo mismo.

Palabras clave: Narcisismo, Vínculo, Interferencia, Convivir con la diversidad.


 

 

INTRODUÇÃO

A clínica da psicanálise das configurações vinculares apresenta algumas particularidades que são relacionadas com a diversidade, assim como com a disponibilidade para conviver com a incerteza e com o novo.

É importante, então, estudar como a presença de um indivíduo afeta a outro indivíduo, e também, refletir sobre o que ocorre no Encontro entre pacientes e terapeutas durante o trabalho no dispositivo grupal.

 

A PERSPECTIVA VINCULAR E O NARCISISMO

A prática psicanalítica é de natureza vincular, o que envolve inexoravelmente a afetividade, e reporta à questão –o que é vínculo?

Para alguns autores, a concepção de vínculo abrange apenas a dimensão intersubjetiva, mas, pessoalmente, defendo uma visão que julgo mais abrangente. Considero que a expressão vínculo refere-se à "estrutura relacional, onde ocorre experiência emocional entre duas ou mais pessoas ou partes da mesma pessoa. Inclui as dimensões intra-subjetiva, intersubje-tiva e transubjetiva, e envolve a transferência e a contratransferência" (Fernandes, 1994, p.28).

Tal conceituação, embora pessoal, situa-se próxima de Pichon e Bion.

Para aqueles que trabalham com grupos, instituições e famílias, a dimensão intersubjetiva tem merecido especial destaque, pois o Encontro entre pessoas reais produz efeitos e cria um espaço intermediário de trocas.

Bion dizia que num vínculo intersubjetivo, quando duas personalidades se encontram, cria-se uma tempestade emocional, isto é, se eles têm um contato, um estado emocional se produz pela conjunção destas duas personalidades.A perturbação resultante produz um estado muito diferente do que se nunca tivessem se encontrado.

Tal perturbação é inevitável. Mas, já que eles se encontraram e desde que essa tempestade emocional ocorreu, as partes devem decidir "Como tornar proveitoso um mau negócio", título de curioso trabalho de Bion (1979).

Nesse caso, o vínculo transferência-contratransferência está presente, assim como os mecanismos de identificação projetiva e introjeções identificativas, mas, há algo mais: a notável repercussão da presença real do outro no mundo interno e no processo da comunicação.

Sem dúvida, o que ocorre não é inócuo, pois o narcisismo fica abalado na presença desse outro, causador de tal impacto, ainda mais se houver exagero na concepção de si mesmo como de alguém inabalável e centro das atenções.

Pode-se dizer que,

"...da mesma forma como Copérnico demonstrou que o planeta Terra não passa de um corpo opaco que gira em torno do Sol, do qual recebe luz e calor, também na psicanálise contemporânea o sujeito narcisista deve sofrer a dor de renunciar a sua ilusão de ser o cenro, em torno de quem tudo e todos se movem. Na verdade, ele é que gira em tomo de suas carências básicas, mascaradas por uma pretensão de autonomia, ilusão de indepen-dência e presunção de auto-suficiência" (Zimerman, 2001, p. 279).

 

OS EFEITOS DO PRESENTE

A clínica atual nos questiona, impondo valores, formas de pensar, linguagens e conflitos. Estamos acostumados a considerar o passado no trabalho psicanalítico. Para Puget, entretanto, o presente causa efeitos da maior importância, e deveria também ser ponderado: "O presente impõe seus próprios significados, seus próprios sinais, que seriam uma via de abordagem para o que não pode ser pensado como repetição do passado. A isto poderíamos chamar a imposição de um presente" (Puget, 2006, p.251).

A diversidade é uma das principais características dos grupos, pois trás novos significados com a presença real dos participantes, ao lado dos aspectos projetivos, relacionados às fantasias inconscientes.

Tal como relata Janine, também em minha experiência na clínica com grupos terapêuticos, casais e psicoterapia individual, fui aprendendo que há enorme diferença entre estar na presença real do outro e pensar ou falar do outro em sua ausência, já que o outro não é apenas um produto ou projeção das fantasias de cada um, mas sim alguém com existência real, especificidades e qualidades pessoais.

O problema é que esse outro se apresenta sempre novo, alheio. Tal presença perturba, provoca efeitos de surpresa e desgosto, mas também de descoberta, ao poder enriquecer a vida de cada um, e proporcionar aprendizagem.

Sabe-se que a aprendizagem está relacionada à capacidade de lidar com o novo, ainda que seja assustador, incômodo e hostil. A idéia nova contém um potencial disruptivo e ameaçador, que desperta reações contrárias dos porta-vozes de estruturas que desejam perpetuar, seja para manter o poder ou alimentar o narcisismo.

Aspectos insuspeitados de alguém podem produzir os mesmos efeitos.

Dentro do que está sendo exposto, idéia difícil de abrigar é a da imprevisibilidade, inclusive no referencial psicanalítico, já que é muito mais fácil considerar que tudo já estava inscrito nos primeiros meses de vida, e que o resto é apenas repetição.

É essencial a disponibilidade para aceitar outras influências que não apenas a influência linear do tempo histórico. Se isso for possível, algo da ordem do incerto e do imprevisível poderá conviver com o determinismo, que perde sua supremacia, como enfatiza Puget:

"Estas formulações levam a adicionar aos Princípios de organização psíquica, estipulados por Freud (Principio de prazer - desprazer, Princípio de realidade - principio de nirvana etc.), um princípio que tome em conta o aleatório da vida. A este princípio o denominei Princípio de incerteza baseado no Princípio de Indeterminação de Heisemberg - que dará conta da regularidade do imprevisível" (Puget, 2002, p.141; 2009, p. 03).

Reconhecer com juízo crítico a presença possibilita saber-se em relação com o outro, isto é, perceber que o outro resiste a ser reduzido à condição de objeto, o que Zimerman também descreve quanto ao Vínculo do Reconhecimento (Vínculo R), em duas de suas acepções: 1) a de Reconhecimento das vinculações intra-subjetivas, possibilitando tomar consciência de si; e 2) Reconhecimento do outro, possibilitando dar-se conta que o outro é um ser autônomo e não uma extensão de si mesmo (1995).

Janine chama de efeito de imposição o que ocorre no encontro entre duas alteridades quando o outro necessariamente impõe tal alteridade, e, ao fazê-lo, altera a estabilidade das identidades, sendo necessário: 1) dar lugar em uma sessão ao que é da ordem da repetição e pode ser compreendido dentro do marco da transferência; 2) considerar que há algo que excede este mecanismo.

Para conceituar o efeito da presença em uma sessão a autora usa o termo "interferência" (Berenstein, I.; Puget, J. 2004, p.05). A diferença passa –grosso modo –por separar o que se traslada de um contexto ao outro (que abrange a transferência) e o que atravessa o outro e o desaloja (da ordem da interferência).

Nos intercâmbios pode-se tentar anular a diferença. Nesse caso poderá ocorrer uma perda de articulação das comunicações vinculares, com prejuízo da qualidade do vínculo.

No trabalho com grupos é necessário reconhecer que tais dispositivos funcionam a partir de diferenças, as quais devem ser acatadas - nunca anuladas ou transigidas.

 

A DIMENSÃO TRANSUBJETIVA E O NARCISISMO

Chamo de dimensão transubjetiva do vínculo à maneira como indivíduos e grupos se vinculam com normas, leis e valores, englobando o contexto social, político e cultural, em que cada um está inserido.

Esse espaço trans abrange, ainda, as fantasias inconscientes que são compartilhadas por todos, como os mitos, lendas e contos de fadas.

O narcisismo vem influenciando toda a história do homem. Na sociedade há comportamentos em que se pode observar muitas vezes o predomínio da vivência narcísica, sendo que, desde o início dos tempos existe o anseio narcisista da coincidência absoluta do ideal com o real.

Entretanto, as realizações imediatas, sem possibilidade de espera impedem o pensar e a busca da realização através de esforço concentrado no objetivo. Apesar disso, não se pode eliminar tais tendências da natureza humana, sempre presentes nas vinculações, como lembra Maria Cristina Rojas:

"O narcisismo constitui uma dimensão intrínseca e constitutiva de todo vínculo humano. Junto a esta dimensão, outra, simbólica, coexiste ligada à castração e à alteridade. Seu predomínio dá lugar a laços estáveis, recíprocos e solidários; aqueles que sustentam e fundamentam a sociabilidade humana" (Rojas, 2004).

Freud, em 1917, já enfatizava as barreiras narcísicas no progresso do autoconhecimento.

O colega Lazslo Antônio Ávila (2007) considera que todos nós temos uma determinada representação do que é um ser humano – "um ser dotado dos atributos supremos da inteligência, razão, capacidade de produzir cultura, dominar a natureza etc. (...), porém, exatamente de uma de suas armas mais poderosas - a ciência - emergiram três fortes ataques a essa suposta superioridade. Freud os denominou de feridas narcísicas" (Ávila, 2007, p.19).

Resumindo suas idéias, os conhecimentos e técnicas científicas causaram três grandes transformações no narcisismo humano:

1) Copérnico - o homem foi deslocado para a periferia do sistema solar.

2) Darwin - descreveu a evolução dos seres vivos e nos colocou junto aos primatas superiores.

3) Freud - o homem não é mais o centro de si mesmo (o inconsciente nos coloca junto com um desconhecido). Não somos senhores de nossa própria casa...

4) "os grupos são a quarta ferida narcísica" (p.21).

Considerando o enraizamento do sujeito em suas vivências grupais, o EU não existe por si mesmo, é uma ilusão, um subproduto da experiência que o grupo promove em seus membros, como confirma BION, em Experiência com Grupos, e KAËS, em O grupo e o sujeito do grupo.

Junto com Freud, Ávila compara o Eu a uma cebola, hortaliça cujo bulbo é formado só por cascas, não existindo um núcleo:"... pois o núcleo é a própria cebola, suas camadas mais interiores. O EU é em tudo semelhante. As nossas cascas são os vínculos eu-outro, (...) O que me compõe é o meu "eu com o outro" (...) Gostaríamos de ter algo só nosso, íntimo e pessoal, essa é a quarta ferida narcísica" (ÁVILA, L. A. 2007, p.24).

 

PENSANDO NA TEORIA DA TÉCNICA

Parte do que foi dito até aqui vale para os pacientes e para o analista. Vou agora me deter mais especificamente no trabalho do psicoterapeuta de grupos, famílias, casais e instituições, ou seja, na abordagem psicanalítica das configurações vinculares, enfatizando, desde já, a importância da figura do psicoterapeuta.

O significado maior da ne-cessidade atual do cumprimento da regra da absti-nência por parte do psicanalista inclina-se mais para os riscos que estão ligados à configuração narcisista dele próprio.

Vale destacar, pois, alguns desses riscos, como é o caso de o analista gratificar os desejos manifes-tos pelo paciente - nos casos em que tais desejos visam compensar deficiências internas suas - des-sa forma impelindo o terapeuta a substituir um ne-cessário entender por um infantilizador e narci-sístico atender (Zimerman, 1999, p. 294).

Em 1962, Bion se referiu à possibilidade de, tolerando a ignorância, poder-se aceitar um fato novo, inesperado, e aprender com tal evento. Isso tem importância para pacientes e terapeutas.

De fato, pode-se aprender muito com os pacientes, desde que o profissional esteja aberto aos seus modelos de pensar, e às teorias de sua mente.

Um analista que possa abrir mão de certa dose de narcisismo, e que esteja atento aos pacientes e às teorias que habitam suas mentes, não irá ignorar as comunicações trazidas por eles, muito menos considerá-las regularmente como resistências ao processo analítico.

No vínculo psicoterapeuta - clientes, a possibilidade de evolução só existe quando a reação é compreensiva, isto é, aquela que tem o efeito de levar o paciente ao insight e elaboração. "Ela corresponde ao fato das teorias da mente do psicoterapeuta e do paciente coincidirem" (Mabilde, 2004, p.02).

Vou além, e arrisco-me a dizer, que, mais do que coincidirem, deveriam conviver e possibilitar reflexões. Se existir a reação compreensiva - fruto da superação de diferenças que pareciam instransponíveis - poderá ocorrer uma convivência respeitosa com as diferenças. Nesse caso, a principal resposta do paciente será o crescimento mental, como propõe Bion (1977).

Isso implica certo grau de mudança psíquica, com efeitos no cotidiano de cada um e no Aprender com a experiência (BION, 1962).

Entretanto é bom sermos prudentes, não esquecendo a impotência humana e as limitações de pacientes e de terapeutas.

O poder do analista é importante, sendo representado pela interpretação, quando está correta e é feita no momento adequado. Deve ser baseada nos indícios e na cooperação inconsciente do paciente que está fornecendo material, que é reunido e justifica a interpretação.

Winnicott (1960) mostrou que as mães que já não são de primeira viagem, com a experiência adquirida com vários filhos começam a ficar tão boas na técnica de criá-Ios que procuram fazer tudo certo, e no momento apropriado. O bebê, que mal começa a ficar separado da mãe não tem como assumir o controle sobre todas as coisas boas que vão acontecendo. Assim, faltam o gesto criativo, o choro e o protesto, pequenos sinais utilizados para levar a mãe a realizar o que faz, pois ela já satisfaz suas necessidades, previamente, e, embora aparentemente seja uma boa mãe, faz pior do que castrar o bebê.

O analista pode cair na mesma situação.

Muitas vezes acontece de o paciente falhar em dar os indícios, ficando claro que o analista nada pode fazer. Esta limitação do poder do analista também é importante para o paciente, e pode funcionar bem com principiantes.

Deste modo o analista em treinamento muitas vezes faz análise melhor do que o fará passados alguns anos, quando ele souber mais. Quando tiver tido diversos pacientes ele começará a achar entediante ir tão devagar como o paciente vai, e começará a fazer interpretações baseadas não no material fornecido em um dia especial pelo paciente, mas em seu conhecimento próprio acumulado ou em sua adesão no momento a um grupo particular de idéias. Isto é inútil para o paciente. O analista pode parecer muito esperto, e o paciente pode expressar admiração, mas no final a interpretação correta é um trauma, que o paciente tem que rejeitar, porque não é sua (Winnicott, 1960, p. 50).

A maior parte da chamada patologia da interpretação –interpretações elaboradas demais, sofisticadas etc. - está relacionada com os temas candentes da onipotência e do narcisismo, dos quais ninguém escapa. Muitas vezes eu próprio tive dificuldade para trabalhar, por exemplo, quando recebi julgamentos desfavoráveis, que abalaram a minha auto-estima, ficando ora perseguido, ora deprimido, com a situação.

Provavelmente ninguém pode jogar a primeira pedra, e dizer que nunca sentiu algo do tipo: como ousa denegrir meu trabalho! Logo eu que tanto me esforço para ajudá-los!

"Ansiamos por receber mostras de gratidão, e não ataques de inveja! Temos, evidentemente, o desejo de curar e de propiciar mudanças positivas, segundo nossos critérios" (Fernandes, 1989, p. 63).

Recentemente, concluí que a dificuldade que vinha passando para montar novos grupos tinha a ver com a falta de adaptação minha aos novos tempos, diretamente ligado ao apego ao que estava acostumado.

O fato é que na década de 60 tivemos o boom da Psicoterapia Analítica de Grupo (PAG): os colegas tinham 10 grupos ou mais em seus consultórios particulares. Hoje, apenas uma parte desses mesmos colegas chega a ter um grupo em funcionamento. Por outro lado, há profissionais que estão atendendo muitos grupos breves em instituições, ainda que sem formação específica.

Em congresso realizado em Serra Negra dei mensagem um tanto depressiva quando apresentei esses dados. Alunos cogitaram: deveriam abandonar o curso de formação? Creio que captaram corretamente o desencanto de minha parte.

"Em meio à discussão, foi ficando mais claro para mim, certa resistência que tenho tido a me adaptar à demanda. Creio agora, que tem sido um ferimento difícil de cicatrizar, o fato de ser menos procurado como psicoterapeuta de grupo hoje do que há anos atrás. O contrário também tem sido difícil - ser mais procurado, hoje em dia, para curar todos os males, transtornos e síndromes que são inventados dia a dia pelos colegas que dão diagnósticos a qualquer sofrimento" (Fernandes, 2009, p. 12).

A realidade é que, apesar de a Psicoterapia Analítica de Grupo continuar existindo, e a psicanálise vincular ser um avanço, é necessário uma adequação aos novos tempos.

O que vem sendo ratificado nos congressos é que, cada vez mais, deve-se praticar uma atividade que possibilite algum desenvolvimento pessoal aos interessados, dentro de suas possibilidades de tempo, financeiras e disponibilidades internas.

Há que lembrar ainda de outro aspecto da teoria da técnica, relacionado com o narcisismo, que é o da violência da interpretação, expressão cunhada por Piera Aulagnier, em 1979.

Há muitas ocasiões em que as intervenções do psicoterapeuta são claras acusações, conselhos ou exigências.

Outra forma comum de violência no trabalho psicanalítico é o do conluio inconsciente com os pacientes, por exemplo, com uma recíproca fascinação narcisística, que pode impedir o crescimento mental.

 

PARA CONCLUIR ALGUMAS IDÉIAS

Foram vistos diversos aspectos da vincularidade e do narcisismo, que afetam os pacientes e os terapeutas.

Como Freud já dizia, referindo-se à análise, o mesmo pode ser dito no caso dos grupos, isto é - para iniciar bem um grupo terapêutico, o terapeuta teria de procurar ouvir mais e tentar não cometer erros muito grandes.

Embora essencial, falar pouco, evitando mostrar sabedoria, é o mais difícil. Vale a máxima de Winnicott (1966,): "não importa, na realidade, quanto o terapeuta saiba, desde que possa ocultar esse conhecimento, ou abster-se de anunciar o que sabe".

Penso ainda que um dos objetivos do trabalho grupal seja manter ativo e vivo o espaço interpessoal - de alteridade - não esquecendo que nossas intervenções são transformações do que ouvimos e pensamos ao observar o grupo.

Algumas intervenções estarão relacionadas aos processos transferenciais, e outras serão da ordem das interferências, produto de interferências recebidas, que causarão novas interferências (FERNANDES, 2009).

O narcisismo do terapeuta estará sempre presente, e não é um elemento que se possa examinar com precisão, pois tem a qualidade do abstrato.

Entretanto, conviver com o narcisismo é preciso, no sentido de podermos aceitá-lo e administrá-lo, auxiliando os pacientes a fazer o mesmo.

 

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Endereço para correspondência
Waldemar José Fernandes
Endereço eletrônico: wbfernandes@terra.com.br

Recebido em: 30/06/2009
Aceito em: 30/08/2009

 

 

1 Médico especialista em psiquiatria pela ABP – Associação Brasileira de Psiquiatria; Membro fundador e docente do NESME –Núcleo de Estudos em Saúde Mental e Psicanálise das Configurações Vinculares, e da SPAGESP –Sociedade de Psicoterapias Analíticas Grupais do Estado de São Paulo. Co-organizador e autor de vários capítulos do livro "Grupos e configurações vinculares", São Paulo, SP, Brasil.

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