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Vínculo

versão impressa ISSN 1806-2490

Vínculo vol.7 no.2 São Paulo  2010

 

ARTIGOS

 

Aprendizagem em trânsito: das práticas individuais às grupais... cuidado e zelo no formação de novos terapeutas

 

Learning in transit: of pratical the individual ones to the group ones...care and zeal in the formation of new therapist

 

El aprendisaje en trânsito: de las practivas individuales a las grupales...cuidado y celo en la formación de nuevos terapeutas

 

 

Wilma Magaldi Henriques ,1

Universidade de Mogi das Cruzes

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este trabalho relata um breve fragmento da experiência de supervisão com alunos do último ano da graduação em Psicologia. O texto inicia-se mencionando as dificuldades dos estagiários nas suas experiências em Clínica, bem como relata a passagem das práticas individuais para as grupais. Enfatiza que a aprendizagem acontece em trânsito e que a possibilidade do supervisionando ser o que é e vir a gostar de grupo depende da hospitalidade ofertada pelo supervisor. A supervisão é uma aprendizagem significativa onde as dimensões cognitivas e afetivas se integram, tendo como referência a própria experiência, o próprio fazer do supervisionando como a abertura para as ressignificações.

Palavras chave: supervisão, aprendizagem, hospitalidade, ressignificações.


ABSTRACT

This abstract tells a small part of the experience of supervision with students of the last year of the graduation in Psychology. The text is initiated by mentioning the difficulties of the trainees in its experiences in the Clinic, as well as tells the transition of the practice with individual therapy, into the practice with group therapy. It emphasizes that the learning happens in transit and that the possibility of the student to develop and begin to like to work with groups depends on the hospitality offered by the supervisor. The supervision is a significant learning where the cognitives and affective dimensions if integrate, having as reference the proper experience, the proper one to make of supervising as the opening for the resignifications.

Keywords: supervision, learning, hospitality, resignifications.


RESUMEN

Este trabajo cuenta un fragmiento de la experiencia de supervisión con los estudiantes del ultimo año de la graduación en psicología. El texto se inicia mencionando las dificultades de los pasantes en sus experiencias en clínica, así como relata la pasaje de las practicas individuales a las grupales. Acentúa que el aprender sucede en tránsito y que la posibilidad de lo aprendiz ser lo que es y a venir gustar de lo grupo, depende de la hospitalidad ofrecida por el supervisor. La supervisión es un aprendizage significativo donde las dimensiones cognitivas y las afectivas si integran, teniendo como referencia la propia experiencia, y el propio hacer de lo supervisiónando como la abertura para las "resignificaciónes".

Palabras clave: supervisión, aprendizaje, hospitalidad, resignificaciónes.


 

 

Apresento neste trabalho um breve relato de algumas experiências de supervisão no curso de graduação de Psicologia de uma IES, como uma possibilidade de espaço para a construção de reflexões. Sabemos das dificuldades do aluno estagiário no que tange aos seus primeiros atendimentos em clínica, em especial e quase que unicamente em clínica individual. Aqui neste momento construo este interregno.

Interregno [do lat. Interregnu]. S.m. 1. Tempo que medeia entre dois reinados: "Muito amado entre os fidalgos e mais gente portuguesa, havia probabilidade de ser o infante D. João, num in-terregno, levantado rei de Portugal (Antero de Figueiredo, Leonor Teles, p. 164-15). 2. Interrupção, intervalo: "Apenas alguma sede, um ou outro assopro aos moscardos que os perseguem, e olhadelas ao sol para indagar-se a meia hora do descanso de almoço estará longe. Esse plácido interregno, por pouco alcança" (Fialho d'Almeida. A Esquina, p. 68)2

Diz respeito a uma aparente ruptura na historicidade, para elaborar uma outra organização... interregno como passagem ou expressão de um movimento em trânsito, o que nos permite compreender as primeiras experiências clínicas dos alunos, do último ano do curso de Psicologia agora numa dimensão de práticas grupais. Tais experiências, venho tentando implantá-las há mais de uma década e, atualmente, o currículo do curso a que me refiro tem a disciplina Psicoterapias Grupais (teórica e prática), como optativa.

Como afirma Serres (1993), experienciar seria um apreender possível, se sairmos, partimos e empreendermos uma viagem. Impõe em deslocar-se em trânsito entre um lugar e outro, que não se constitui apenas como passagem, mas como descentramento, a partir de um centro possível.

Recorre a duas metáforas que em sua visão revelam como ocorre a aprendizagem numa própria experiência de ser canhoto. Em ambos está presente o sentido de "ser contrariado" e do aproveitamento dessa experiência na constituição do (obrigatoriamente novo), resultado da aprendizagem. Na transformação, ocasionada pela experiência de tornar-se um terceiro educado, por meio de ter sido contrariado no modo básico de ser, baseia-se a constituição do conhecimento, tomando-se como base "o passar pela experiência".

O autor se refere à situação do aprendizado tornar-se um corpo completado, como a dura travessia realizada por um nadador em mares adversos. O nadador só pode chamar-se assim, depois de atravessar um rio, ou braço de mar turbulento (tendo como referência, a margem de onde partiu). A ela sente-se ligado, como se não a tivesse deixado, na medida em que a ela pode retornar. Passada a metade da travessia, é atraído pela margem oposta, à qual deve chegar, por se constituir um desafio. Contudo, é no meio da travessia que o terreno lhe foge aos pés. Ali na imensidão do mar aberto, percebe-se à deriva, pela inexistência de margens como referência, mas ao mesmo tempo impelindo-o a conduzir-se adiante, por si mesmo, atravessar esse espaço, vivido como abertura de possibilidades, por meio da própria sobrevivência (demanda). É desse modo que se faz possível, aprender a solidão do experienciar como trânsito: um significado sentido. Eis aí o desafio para o estagiário; abandonar as margens seguras (da clínica individual), para lançar-se ao lugar da passagem, da mudança, um lugar onde tudo é possível. É a partir dele que, segundo Serres (1993), o homem se constitui como terceiro instruído. Atravessando a fronteira de ser desterritorializado, onde as referências são possíveis, mas não estáveis nem mesmas, é aí que acontece o aprendizado.

Após escolher fazer por seis meses a disciplina teórica de grupo, o estagiário se matricula na parte prática e a partir dos plantões psicológicos realizados na Clínica Escola, seleciona pacientes para um grupo de psicoterapia, cuja duração habitualmente é de quatro meses de tratamento. O trabalho é desenvolvido em coterapia com supervisões semanais. Sentimentos de estranheza, angústia, incapacidade e etc., são experienciados a cada sessão. Observo que o cuidado, o zelo, a atenção a preocupação com o supervisionando, são condições fundamentais para o seu acontecer, conforme afirmo em minha tese de doutorado. Compartilhar da experiência vivida pelo supervisionando, o conduz à serenidade, em especial quando a ação do supervisor o singulariza e cria aberturas, para que possa apropriar-se de seu estilo de ser e possa vir a gostar e acreditar no atendimento grupal. O supervisionando narra ao supervisor o que apreendeu e, sobretudo, o que elaborou de seu encontro clínico. O supervisor escuta o que vai além das palavras, o que surge de estranho no discurso, nos seus tropeços e nos seus silêncios, abrindo possibilidade para que o supervisionando se desfaça de representações definitivas e ouse afirmar-se na incerteza. Este é o trânsito.

Dessa forma, a clínica e a supervisão são conversações terapêuticas que remetem a uma busca recíproca de compreensão e exploração, através do diálogo, as quais implicam um processo de "estar ali juntos", pois tanto o grupo de pacientes fala para o grupo terapeuta, quanto este fala para o supervisor. Falam um com o outro, não ao outro, dando abertura a novos significados, a novas narrações, a novas realidades.

Montrelay (1985) fala de um mestre, em Bali, que guia a aprendizagem de um jovem bailarino colocando-se atrás deste: o mestre passa-lhe a arte de dançar através de situação na qual o jovem bailarino dance por si. Assim precisa ser a supervisão. A comunicação com o supervisor pode permitir que o supervisionando ouça a si mesmo. Muitas vezes o supervisionando espera por caminhos, por dicas, por respostas, mas também espera a delicadeza de uma escuta que propicie abertura de espaço de busca para respostas em si mesmo. Afinal, aprender é abrir-se ao outro, situação em que está completamente exposto. Após tal exposição, nunca mais será possível ser o mesmo. Aprendizagem acontece em trânsito, conforme salienta Serres (1993, p.15-16):

é deixar-se conduzir por outros, o guia temporário e o mestre conhecem o lugar para onde levam o iniciado, que ainda o ignora, mas a seu tempo o descobrirá. Este espaço existe, terra, cidade, língua, gesto ou teorema. A viagem é para lá (...). O jogo da pedagogia não é jogado a dois, viajante e destino, mas a três. O lugar mestiço intervém aí como soleira da passagem. Ora, quase sempre, sem o aluno nem o iniciador, conhecem o lugar e o uso dessa porta.

A enorme diversidade de práticas clínicas em contextos diferentes e variados faz a clínica apresentar-se por um etos , ou seja, pela sua ética: comprometida com a escuta do interditado e com a sustentação das tensões e dos conflitos. Trata-se de um acolhimento ao excluído, como sustentação da processualidade que impele para o movimento, para as transformações, conforme Figueiredo (1993). Para este autor as éticas têm em comum algo a ver com habitar o mundo. O homem é arremessado num mundo que não escolheu, e, aí, ele é a abertura ao que desse mundo lhe vem ao encontro.

Considerar o etos como casa ou morada, é ver nele algo equivalente à morada de onde se pode contemplar, a uma certa distância, as coisas lá fora. Nela podendo receber estranhos, tratar de nossos males, repousar.é primordial sentir-se em casa, onde se criam condições para as experiências de encontro com o outro e para os consequentes acontecimentos desalojadores.

No trânsito da aprendizagem deve-se levar em conta a singularidade de cada supervisionando, e apenas no estilo de mestria se pode esperar algo da ordem de uma singularização do processo educativo. Que estilo de mestria é este?

Educar vem do latim educare que significa criar, alimentar, adestrar, instruir. Em sua acepção poética significa moldar, esculpir, escrever... Assim o processo educativo atualiza algo da ordem de uma marca que molda, fazendo que aquele que aprende algo não só obtenha o domínio deste algo, mas também seja marcado pelo apre(e)ndido no coração da vida. A revelação da singularidade de cada supervisionando transparece na supervisão como afetabilidade que proporciona o trânsito para as experiências desalojadoras e mobilizadoras de novos acontecimentos. É um movimento de trânsito entre desalojamento e alojamento, ao permitir que, pela abertura, o estranho se torne familiar, que a prática da psicoterapia de grupo vai ganhando sentido. Portanto alcançar a possibilidade de ser o que é e vir a gostar de grupo, depende da hospitalidade ofertada pelo supervisor.

Polanyi (apud Figueiredo, 1993) fala do conhecimento tácito ou pessoal em oposição ao que chama de conhecimento explícito. O conhecimento tácito ou pessoal, como pré-reflexivo, desenvolve-se a partir da experiência direta e da ação e está incorporado às capacidades afetivas, cognitivas, motoras e verbais, ele é aprendido pela experiência e não por teorias. Portanto considero necessário, para a formação do aluno e a compreensão do fenômeno clínico, escutá-lo na organização de sua experiência, que traz em seu bojo o espaço da investigação, do pensamento, do encontro com o inesperado.

O aluno estagiário vai para o encontro clínico suscetível a re-experienciar seus grupos internos e suas intervenções grupais reveladas no conhecimento tácito, muitas vezes ocultam materiais contratransferenciais, que uma vez apontados pelo supervisor, descristalizam conteúdos que podem conduzir, desde que trabalhados em análise pessoal, a novos lugares, a novos fazeres. Deste modo, aprendizagem vai se construindo no desvelar, através da experiência, de diversas dimensões de pertinência a um grupo, a afetabilidade provocada pelo outro, a formas de compreender a prática.

No tempo que medeia os dois reinados (práticas individuais e práticas grupais), a ação de supervisão enquanto um ato clínico e a aprendizagem significativa são condições para a criação de sentidos, onde as dimensões cognitivas e afetivas se integram, tendo como referência a própria experiência, o próprio fazer do supervisionando como abertura para resignificações.

O supervisor deve estar disponível para ajudar que aconteçam raízes em todos os processos de singularização, permitindo-se afetar pela alegria das descobertas e sem pressa de afastar o sofrimento e assim permanecer junto do supervisionando o tempo necessário para abarcá-lo, exercitando sua capacidade de rèverie onde pode sustentar e transformar, com sua experiência, o que lhe é trazido no nível emocional, da relação com o supervisionando e deste com o grupo.

A metáfora proposta por Pompéia e Sapienza (2004, p. 66) ajuda a compreender esta experiência:

(...) o grande carvalho, que se encontra lá no caminho, precisa mergulhar profundamente suas raízes na terra escura. É na obscuridade da terra que ele vai buscar a força que o mantém vivo e lhe dará condições de expandir sua copa em direção à imensidão do céu.

Como afirmo na minha tese, trabalho árduo, mas também de exuberância e leveza, é a supervisão, na qual há sempre alguma coisa que recomeça, e as raízes penetram na terra, de modo profundo, silencioso e lento.

Como já mencionado, é pela via da narrativa que o supervisionando conta suas experiências e o supervisor cuidadosa e amorosamente transita por elas. A aprendizagem acontece em trânsito, em passagem pelo lugar do desalojamento, entre o já conhecido e o ainda a conhecer. Assim vamos sendo testemunhas de que o estagiário passa a acreditar na modalidade terapêutica de grupo, podendo desenvolver o que Zimerman (1993) assinala como os principais requisitos na formação de prática de um grupo terapeuta: empatia, intuição, discriminacão, respeito, comunicação, etc.

Ainda que rudimentar e incipiente este fragmento de minha experiência enquanto docente prima pela importância de, já na graduação em Psicologia, abrirmos espaços para a formação nas diferentes modalidades grupais, já que no Brasil, como assinala Zimerman (1993) há uma necessidade premente de expansão das atividades grupoterápicas e de formação de técnicos especializados.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FIGUEIREDO, L.C.M. Revisitando as Psicologias: da epistemologia à ética das práticas e discursos psicológicos. Petrópolis, Vozes, 1993.         [ Links ]

HENRIQUES, W. M. Supervisão: Lugar mestiço para Aprendizagem Clínica. São Paulo. Tese (Doutorado). Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, 2005.         [ Links ]

MONTRELAY, M. Entrevistas sobre supervisão. Revista Pátio. Paris, n.2, 65-75, 1985.         [ Links ]

POMPÉIA, J.A.; SAPIENZA, B.T. Na presença do sentido: uma aproximação fenomenológica às questões existenciais básicas. São Paulo, Educ, 2004.         [ Links ]

SERRES, MICHEL. Filosofia Mestiça. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993.         [ Links ]

ZIMERMAN, D.E. Fundamentos Básicos das grupoterapias. Porto Alegre. Artes Médicas, 1993.         [ Links ]

 

 

 

Endereço para correspondência
Endereços eletrônicos : wilmahenriques@hotmail.com

Recebido em: 21/10/2010
Aceito em: 01/12/2010

 

 

1 Psicanalista. Doutora em Psicologia pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. Professora Supervisora do Curso de Psicologia da Universidade de Mogi das Cruzes
2 Cf. Aurélio Buarque de Holanda Ferreira. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1ª Ed., 3ª imp

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