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Vínculo

versión impresa ISSN 1806-2490

Vínculo vol.8 no.1 São Paulo  2011

 

ARTIGOS

 

Temos nosso próprio tempo: grupo de orientação das escolhas profissionais com alunos do ensino médio

 

We have our own time: group of the professional guidance in the secondary education

 

Nosostros tenemos nuestro tiempo: grupo de orientación profesional con estudiantes del educación secundaria

 

 

Fabio Scorsolini-CominI,1; Angelita Zamberlan NedelII, 2; Manoel Antônio dos SantosIII, 3

I Departamento de Psicologia do Desenvolvimento, da Educação e do Trabalho da Universidade Federal do Triângulo Mineiro

II Prefeitura Municipal de Içara, SC

III Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este estudo teve por objetivo analisar uma intervenção em grupo desenvolvida com alunos do terceiro ano do Ensino Médio para refletir sobre o tema da escolha profissional. Participaram 70 jovens de uma escola pública, entre 17 e 19 anos de idade. Os grupos ocorreram na própria sala de aula e foram coordenados por estagiários de um curso de licenciatura em Psicologia durante aulas regulares dessa disciplina. A partir da discussão acerca das escolhas profissionais e com auxílio de disparadores, como questionários breves e músicas, os adolescentes refletiram acerca de como a escolha profissional estava sendo pensada na vida de cada um. Os pontos levantados foram: mercado de trabalho, influências da família e do meio social, adolescência e vivência das mudanças nesta fase do desenvolvimento. A disciplina de Psicologia no Ensino Médio mostrou-se um espaço no qual esses conteúdos poderiam ser discutidos e elaborados, tanto por meios didáticos como a partir de recursos como o grupo, que possibilitou a discussão sobre desejos e visões de mundo, levando ao enriquecimento do ambiente escolar, do trabalho interdisciplinar e da formação integral dos adolescentes.

Palabras chave: Orientação Vocacional; Jovens; Ensino da Psicologia; Ensino Médio; Grupo


ABSTRACT

The study aims to analyzing a group intervention with students of the third year of secondary education to reflect upon professional choice. 70 students of a public school aging from 17 and 19 years participated. Groups were conducted at the student's classroom and were coordinated by trainees of a Psychology undergrad course. Based on the concerns with professional choices and aided by of discussion triggers such as brief questionnaires and songs, the students reflected upon the process of professional choice in their lives. Themes discussed were: work market, influences of family and the social environment, adolescence and how they experience the changes in this stage of their development. The intervention was considered a space in which these contents could be discussed and elaborated, both by didactic means and by group discussion. It made possible the discussion about the desires and world views, that ultimately lead to the enrichment of the classroom environment, the interdisciplinary work and the students development.

Keywords: Vocational Guidance; Young Adults; Psychology Teaching; Secondary Education; Group.


RESUMEN

El objetivo fue analizar una intervención en grupo con estudiantes de la educación secundaria para reflexionar sobre la opción profesional. Participaron 70 jóvenes de una escuela pública, entre 17 y 19 años. Los grupos se desarrollaron en la sala de clases y fueron coordinados por pasantes de un curso de licenciatura en Psicología durante las lecciones regulares de esta disciplina. A partir de la discusión sobre las opciones profesionales y con la ayuda de disparadores como cuestionarios breves y músicas, los adolescentes reflexionaron respecto a como la opción profesional era pensada en la vida de cada uno de ellos. Los temas planteados fueron: el mercado de trabajo, las influencias de la familia y del ambiente social, adolescencia y los cambios en esta fase del desarrollo. La Psicología en educación secundaria se mostró como un espacio en el cual estes contenidos podría ser discutidos y elaborados, tanto para medios didácticos como a través de recursos como grupos, que hicieron posible la comunión de deseos y de visiones del mundo, llevando al enriquecimiento del ambiente escolar, del trabajo interdisciplinar y la formación integral de los adolescentes.

Palabras clave: Orientación Vocacional; Jovenes; Enseñanza de Psicología; Educación Secundaria; Grupo.


 

 

Introdução

(...) Nem foi tempo perdido
Somos tão jovens
Tão jovens ... tão jovens!
Renato Russo

 

A escolha profissional, concebida como um processo amplo e complexo, ocorre predominantemente na fase da adolescência (ABERASTUTY; KNOBEL, 1981; OUTEIRAL, 2001; MATHEUS, 2008). Há fatores subjetivos, emocionais e pessoais que estão envolvidos na escolha da futura profissão. Considera-se que a relação entre o homem e o mundo é o que determina muitas das escolhas e, dentre elas, a própria escolha da profissão. Uma escolha profissional satisfatória leva em consideração vários aspectos: o desejo de quem está em processo de escolha, o que é possível escolher em função da condição social, o que se espera do futuro, quais as competências, aptidões e habilidades necessárias, dentre outros fatores determinantes. Pode-se considerar que a melhor escolha é aquela realizada da forma mais consciente e livre possível, considerando-se o que se almeja e o que se pode esperar obter, e tendo em vista ainda as pressões externas, ou seja, a influência do outro (sociedade, família, escola e grupo de pares). Um bom processo de orientação psicológica pode ser um fator decisivo na concretização da melhor, mais clara e consciente escolha profissional (DUARTE, 2009; INOCENTE; SCORSOLINI-COMIN, 2010; LAURENTI; BARROS, 2000; LUCCHIARI, 1993; MELO-SILVA; LASSANCE; SOARES, 2004; RODRIGUES, 1995; SOUZA; SCORSOLINI-COMIN, 2011).

Observa-se que os adolescentes que frequentam o Ensino Médio em escolas públicas, além de enfrentarem as dificuldades inerentes a essa etapa do desenvolvimento, vivenciam ainda necessidades decorrentes de uma camada social menos favorecida, que apresenta menor acesso a bens e serviços – e, portanto, oportunidades mais reduzidas de obterem informação a respeito do complexo processo envolvido na escolha profissional. A clarificação dos fatores determinantes desse processo é considerada primordial para sua elaboração pessoal. O jovem, dentro da escola, deve ter a possibilidade de se confrontar com alguns aspectos da vida profissional que poderá ou não seguir no futuro. Para tanto, parte-se do pressuposto levantado por Levenfus (1997) de que, no trabalho da escolha da profissão, a sensibilização para o momento vivido pelo adolescente dentro desse contexto social mais amplo tem de ser levado em consideração. Essa autora salienta alguns aspectos cruciais nesse contexto, tais como: nível de informação que o adolescente conseguiu abstrair sobre o mundo à sua volta; o contexto sociopolítico e cultural no qual está inserido; suas condições reais de escolha; seu autoconhecimento e a relação que isso tem com a escolha de uma profissão; sua família e a influência que ela exerce sobre a escolha; as possibilidades e as dificuldades emocionais e materiais para a tomada de decisões; e a instituição onde este jovem está inserido e como ela pode facilitar o seu crescimento.

Assim sendo, desenvolveu-se um trabalho com adolescentes do terceiro ano do Ensino Médio de uma escola pública do município de Ribeirão Preto, interior do Estado de São Paulo, como parte dos requisitos de conclusão de uma disciplina-estágio do curso de Licenciatura em Psicologia. O trabalho do professor de Psicologia, nesse caso, dentro de uma instituição de ensino, tem como ponto de partida a necessidade, cada vez mais premente, de oferecer, em suas aulas teóricas e práticas, instrumentos que possam auxiliar no processo de escolha profissional, promovendo debates, busca por informações e incentivando o desenvolvimento do pensamento reflexivo relacionado à carreira (BOCK, 1995; MOREIRA, 1994; NÓVOA, 1990; ZEICHNER, 1993). No entanto, a atuação do professor de Psicologia no ensino médio vem sendo bastante discutida atualmente, notadamente em termos de sua pertinência e escopo.

A implementação da disciplina de Psicologia se deu no ano de 1984 (BRASIL, 1990), todavia o montante de escolas de Ensino Médio com essa cadeira é ainda pequeno se comparado ao número total dessas escolas. Talvez isso esteja relacionado com o fato da Psicologia constar apenas como parte diversificada do currículo, ficando, portanto, como uma opção a critério da escola. A proposta curricular de Psicologia pretende, primeiramente, vincular o ensino dessa disciplina aos objetivos dos cursos de Ensino Médio, destacando a importância da educação geral, na qual deve haver um equilíbrio entre os diversos campos de conhecimento, de modo a assegurar a formação de indivíduos conscientes, dotados de pensamento crítico e agentes de transformação social.

Traçado esse breve panorama e considerando os dados disponibilizados pela literatura da área, observa-se uma carência de estudos que enfoquem as estratégias de ensino-aprendizagem que poderiam facilitar o alcance dos objetivos propostos pela disciplina Psicologia ministrada a estudantes do Ensino Médio. Nota-se, em particular, uma lacuna no que tange ao desenvolvimento de estratégias que motivem os alunos a refletirem sobre a complexa questão da escolha vocacional/profissional.

Considerando o exposto, o presente estudo teve por objetivo analisar uma intervenção em grupo desenvolvida com alunos do terceiro ano do Ensino Médio sobre o tema da escolha profissional.

 

Método

Participantes: Participaram do estudo 70 adolescentes que cursavam o terceiro ano do Ensino Médio de uma escola pública estadual do município de Ribeirão Preto, Estado de São Paulo. Tais participantes tinham entre 17 e 19 anos de idade, eram solteiros e viviam com suas famílias de origem. Esses alunos participaram de uma atividade de estágio coordenada por alunos do curso de Licenciatura em Psicologia de uma universidade pública. Todos foram previamente esclarecidos acerca da participação na pesquisa e deram seu consentimento formal para que os dados coletados pudessem ser divulgados posteriormente em trabalhos de cunho acadêmico, desde que preservados os direitos ao sigilo e à confidencialidade quanto às informações recolhidas.

Local: As atividades foram desenvolvidas em uma escola estadual que atende aproximadamente 1600 alunos apenas no ensino médio, funcionando em três períodos diários. Durante cada período funcionam as três séries do ensino médio. A escola tem uma área total de aproximadamente 400 m2.

Intervenção em grupo: As atividades foram desenvolvidas em sala de aula, com apoio do professor responsável pela disciplina de Psicologia. Foram realizados grupos em duas aulas duplas (de 100 minutos cada) em cada turma. Esses grupos ocorreram em um período de duas semanas, conforme a organização da disciplina e de acordo com a disponibilidade do professor e dos estagiários. A intervenção foi planejada em dois módulos.

No primeiro módulo da intervenção (primeira reunião com o grupo), abordou-se o tema "A Universidade de São Paulo: Vestibular, estrutura e cursos", com o objetivo de apresentar a Universidade de São Paulo, Campus de Ribeirão Preto, sua estrutura, recursos, cursos (carreiras), processo seletivo para o acesso (vestibular - FUVEST) e cursinhos pré-vestibulares (da USP e de outras organizações da cidade de Ribeirão Preto). Os alunos receberam material informativo sobre a Universidade e seu vestibular, com explicações sobre todos os cursos oferecidos no campus e as possibilidades oferecidas em termos de incentivo ao corpo discente, como os auxílios financeiros disponibilizados sob a forma de bolsas a alunos de baixa renda, bolsas de estudos concedidas por agências de fomento à pesquisa, restaurante, rede de transporte interno, serviços médicos, odontológicos e de suporte psicológico (inclusive de orientação profissional), moradia estudantil, entre outros.

No segundo módulo da intervenção, abordou-se o tema" Refletindo as escolhas e o processo de escolha da profissão: Nuanças, dificuldades e possibilidades". Esse módulo teve como objetivo promover a reflexão dos alunos sobre a questão das escolhas de um modo geral e, particularmente, da escolha da carreira profissional. Após a apresentação do tema do grupo para a turma, iniciou-se uma breve discussão a respeito do tema. O roteiro dessa discussão seguiu a seguinte orientação: primeiramente, os participantes foram estimulados a debaterem sobre as escolhas que fazemos em nossas vidas; em seguida, solicitou-se que discorressem sobre a escolha profissional. Posteriormente, os alunos responderam um questionário sobre suas escolhas profissionais, a fim de aquecê-los para uma discussão posterior. Como recursos complementares, foram também utilizadas duas músicas ("Tempo perdido" e "Será", da banda Legião Urbana) e um texto de Rubem Alves ("Muito cedo para decidir") como disparadores de uma reflexão acerca do processo de escolha.

Os grupos foram coordenados e observados pelos estagiários, na forma de observação participante. Os dados colhidos foram registrados em diário de campo. Esses registros constituíram o corpus da pesquisa, que permitiu a sistematização da análise a partir da livre inspeção do material.

 

Resultados e Discussão

Durante a aplicação do primeiro módulo da intervenção, alguns alunos às vezes já introduziram a questão da escolha, perguntando sobre as carreiras. Constatou-se, nessas falas, que algumas claramente despertavam maior interesse do que outras e que muitas eram totalmente desconhecidas da maioria dos participantes. Na percepção dos estagiários de Psicologia, muitas inquietações e dúvidas foram despertadas pela exposição: o desejo de terem acesso à universidade, de escolherem a profissão mais acertada, de se formarem em um curso universitário e de serem bem sucedidos na vida profissional. A experiência foi muito significativa, tanto no sentido de entender os múltiplos caminhos que se configuram no fazer dialógico do professor, quanto para compreender o rico universo desses adolescentes, suas perspectivas de vida, projetos e sonhos. Ao final da intervenção, alguns alunos procuraram os estagiários, curiosos para obterem mais informações no Guia de Profissões da USP.

No segundo módulo da intervenção, os estagiários iniciaram a discussão indagando o que eles normalmente escolhem em suas vidas. Partiu-se de uma pergunta propositalmente bem aberta, uma vez que a proposta era justamente provocar o surgimento de várias possibilidades de diálogo, que remetessem a temáticas que poderiam ser destacadas para, posteriormente, focalizar a escolha profissional. Nesse momento emergiram aspectos como: roupas, penteado, namorados, estar na escola, entre outras temáticas relacionadas ao cotidiano dos alunos. Na sequência, os coordenadores questionaram sobre as influências percebidas nessas escolhas que realizavam diariamente, como, por exemplo, a roupa que vestiriam, se seguiam a moda, algum(a) artista da novela, o grupo de amigos. A maioria afirmou que não seguia nenhuma influência e que só se vestia de modo que se sentisse bem.

Já em relação a estar na escola, alguns mencionaram que os pais os obrigavam, ou que precisavam frequentar a escola para serem"alguém na vida", passar no vestibular, ter um emprego no futuro, entre outras respostas. Os coordenadores então indagaram se essas escolhas seriam definitivas ou se poderiam mudar. A maioria respondeu que poderia mudar se achasse algo melhor, ou se deixasse de gostar daquilo que fazia. A partir desse aquecimento preliminar, foi introduzida a questão das escolhas profissionais, inquirindo se já haviam decidido sobre o que iriam fazer no final do ano e se pensavam em prestar vestibular. A maioria manifestou que já estava decidida a prestar vestibular.

Após a aplicação do questionário, por cerca de 25 minutos, levantou-se a questão das influências. A maioria disse que escolheria a profissão de maior preferência e que não sentia a influência de amigos ou dos pais nessa decisão. Existiria, sim, uma tendência dos pais de sugerirem ao filho determinadas profissões, mas o que realmente teria valor nessa decisão seria sua própria opinião. Alguns falaram sobre a necessidade de"ganhar dinheiro". Levantou-se, então, a questão de até que ponto o mercado de trabalho influenciaria nessa decisão. Alguns responderam que ganhar dinheiro seria apenas uma consequência do trabalho e que, se gostassem realmente daquilo que estavam fazendo, conquistariam o sucesso financeiro.

Depois de preencherem o questionário, retomou-se o formato de discussão grupal. A reflexão do grupo partiu das próprias respostas dos adolescentes ao questionário. A maior parte dos comentários girou em torno do que desejavam fazer quando eram crianças. Muitos falaram sobre a mudança de opinião: quando eram crianças queriam ser professores, médicos, veterinários, simplesmente por acharem "bonito", ou por gostarem de algum aspecto relacionado à profissão. Por exemplo, escolherem ser veterinários só porque gostavam de animais. Os estagiários conversaram sobre a maturidade dessas escolhas. Muitos alunos responderam:"Sei lá, porque eu gostava","Eu gostava de bicho, por isso queria ser veterinária","Eu gostava da minha professora, e queria ser professora como ela". Questionou-se se eles fariam algo de que não gostassem, mas que trouxesse dinheiro, retorno material. A maioria respondeu que não, porém uma das alunas levantou que, mesmo gostando de algo, provavelmente teria de enfrentar situações não prazerosas no exercício de sua profissão. Os estagiários trouxeram, então, a questão das dificuldades presentes em todas as profissões e a necessidade de termos contato com esse tipo de informação quando escolhemos uma determinada opção. Questionou-se qual seria, na opinião deles, o peso de uma escolha profissional, abordando questões acerca da importância dessa escolha, fatores facilitadores e que dificultariam esse processo, se ela seria definitiva ou se poderia mudar ao longo do tempo. Muitos falaram que poderiam mudar caso não gostassem, mas que deveria ser uma decisão rápida, que não poderia ocorrer depois de ter"trabalhado 40 anos naquilo"; já outros falaram que não, que a opção escolhida poderia ser mudada em qualquer momento da vida.

Depois disso, os coordenadores convidaram o grupo a ouvir duas músicas da Legião Urbana, justificando que as letras dessas canções tinham algo em comum com tudo o que havia sido discutido até então. As músicas trabalhadas foram:"Tempo perdido" ("temos todo o tempo do mundo..." mas, por outro lado,"não temos tempo a perder") e"Será" ("será que é tudo isso em vão / será que vamos conseguir vencer?"). Após a audição das músicas, pediu-se para que se dividissem em duplas e discutissem sobre o que essas letras suscitavam em cada um e se teriam algo a ver com o que fora discutido até o momento. Após 10 minutos, abriu-se para a discussão em grupo. Uma das alunas relatou que a primeira música ("Tempo Perdido") abordava aspectos bastante pertinentes com a realidade deles, como a questão da cobrança de não poder perder tempo. Essa participante relatou que acreditava que tudo o que passara até o momento não havia sido em vão, nem tempo perdido, pois estamos sempre aprendendo com nossas tentativas, mesmo que elas se mostrem, tempos depois, erros ou acertos. Outros alunos também comentaram sobre essa questão e o medo do desconhecido, da possibilidade de errar, do fato de serem"tão jovens" e de terem a possibilidade de tentar novamente, caso sintam necessidade de repensar as escolhas realizadas.

Quando perguntados se já haviam escolhido uma profissão, muitos alunos levantaram a mão e começaram a falar sobre o curso que escolheram. Poucos falaram sobre dúvidas, a maior parte já estava com um curso em mente e pareciam convencidos acerca da adequação das escolhas. Os coordenadores comentaram a respeito dessas escolhas, de como elas estão de algum modo presentes no nosso cotidiano, e perguntaram para os alunos o que e como eles percebiam que escolhiam, e como escolhiam. Muitos comentaram sobre a escolha das roupas, que escolhem de acordo com o que gostam, o que está na moda, ou de acordo com a temperatura, a estação. Colocou-se, então, que na escolha da roupa o gostar estava muito presente como determinante, mas será que o gostar bastaria para explicar as escolhas que fazemos? A escolha de se estudar, por exemplo, ocorreria somente pelo gostar ou quais seriam os outros motivos envolvidos? Os alunos, então, mencionaram que estavam na aula porque os pais queriam, mas também porque gostavam - embora não de tudo, mas gostavam. Falaram da vontade de"querer ser alguém na vida" e por isso teriam que estudar, e até do controle da presença. Então, emergiram as dificuldades que tinham para a escolha da carreira, ou mesmo a escolha da faculdade ou universidade na qual iriam prestar o vestibular.

Os participantes exploraram diversas questões: sobre o desejo dos pais (que pareceu não pesar muito, na percepção desses alunos), o próprio anseio de passar em uma faculdade pública, apesar da impossibilidade de pagar um bom cursinho preparatório, a dificuldade de honrar as mensalidades da faculdade particular, mesmo se obtivessem o acesso ao crédito educativo, já que logo depois de formados teriam que começar a pagá-lo e poderia não haver uma boa perspectiva de emprego para eles.

Os estagiários utilizaram a metáfora do caminho para falar sobre a escolha profissional: é como se escolhêssemos um caminho para ser trilhado, onde também estarão presentes obstáculos, e estaremos decidindo sobre ele durante todo o percurso, com a possibilidade, muitas vezes, de pegarmos um desvio e irmos por outra rota. Os alunos mostraram-se bem receptivos a essa metáfora e uma aluna disse que o caminho pode ser difícil, mas que não se pode desanimar, porque sempre se deve pensar no objetivo, em onde se quer chegar. Por fim, colocou-se para os adolescentes se, a partir da discussão, eles se achavam totalmente livres para a escolha da carreira. Os alunos respondem que não. Então, concluíram que podem existir vários caminhos, mas nem todos estão disponíveis para serem trilhados, cada um vai fazer suas próprias opções. Além disso, quando se escolhe um caminho, deixam-se todos os outros de lado. Se a decisão depois for pela mudança de caminho, o tempo não retrocederá: haverá de se levar em conta esse pedaço de caminho trilhado, que provavelmente já terá trazido mudanças positivas para a vida da própria pessoa que o trilhou. E a melhor maneira de continuar caminhando seria gerenciar o autoconhecimento e ampliar a consciência acerca das opções oferecidas, para que a escolha seja mais consciente e acertada.

 

Considerações finais

A intervenção em grupo apontou para a necessidade de adaptação da técnica utilizada aos diferentes contextos de aplicação, evidenciando, ainda, a necessidade de que reflitamos acerca do próprio curso de Licenciatura em Psicologia, seus avanços e retrocessos nos últimos tempos. Um ponto a ser criticado é o descaso com a organização e inserção da disciplina de Psicologia no Ensino Médio, uma vez que os conteúdos não possuem sequência didática adequada à realidade dos estudantes, bem como um diálogo fortuito com outras disciplinas, como apregoado nos documentos oficiais que regulamentam o Ensino Médio. Na verdade, nem sequer o próprio significado da Psicologia para a formação desses adolescentes é algo que está claro, tanto para os professores quanto para os alunos. Os estudantes investigados neste estudo veem a Psicologia como um horário na grade curricular que supostamente os auxiliaria na escolha profissional, desconsiderando os saberes da Psicologia como ciência e também reduzindo a atuação psicológica a uma intervenção em Orientação Profissional. O que pontuamos, ao final desse percurso, é tanto a necessidade de maior delimitação do que compete à ementa da disciplina de Psicologia no Ensino Médio quanto de um olhar desse campo do conhecimento para as questões do contexto no qual os jovens se situam.

Desse modo, a inserção do psicólogo no ambiente escolar, como professor ou como psicólogo da instituição, pode favorecer a transformação dessa realidade, dentro de uma atuação inter e multidisciplinar. Ao manter essa preocupação em seu horizonte profissional, a possibilidade do trabalho com temas transversais pode se tornar efetiva, por exemplo, com os recursos de intervenção em grupo que o psicólogo pode desenvolver. Para tanto, é imprescindível ter um conhecimento contextualizado sobre a realidade na qual se está intervindo, a fim de que a Psicologia não seja um saber elitizado e distante, mas justamente uma prática aberta a diferentes possibilidades de ação. Dessa maneira, o professor de Psicologia poderá trabalhar diretamente com os conflitos e angústias despertados no cotidiano desses alunos no ambiente escolar, por meio, dentre outras estratégias possíveis, de recursos como os grupos de reflexão e também de informação sobre temáticas emergentes, como a da escolha profissional.

Por meio de uma intervenção sistemática e planejada, o profissional pode contribuir, em se tratando de educação para a vida em sociedade, para o efetivo desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o mundo do trabalho. Assim, a disciplina de Psicologia teria sua proposta voltada para a compreensão do homem concreto, situado historicamente e em condições objetivas de vida e inserção comunitária, e não uma entidade abstrata, teórica e idealizada. Desse modo, é fundamental que o licenciado em Psicologia possa trabalhar com os temas transversais e também com questões contemporâneas, como a escolha profissional, em grupos de reflexão e de informação, inclusive em formato breve como o mostrado no presente estudo, já que possui conhecimentos teóricos e práticos para tal intervenção. Almeja-se, desse modo, que esse profissional contribua para o enriquecimento dos ambientes educacionais, do trabalho inter e multidisciplinar e da formação de adolescentes conscientes de seu papel junto à sociedade.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Endereço para correspondência
e-mail: scorsolini_usp@yahoo.com.br

Recebido: 17/07/2009
Aceito: 16/05/2011

 

 

1 Doutorando em Psicologia pela Universidade de São Paulo. Psicólogo e Mestre em Psicologia pela Universidade de São Paulo. Docente do Departamento de Psicologia do Desenvolvimento, da Educação e do Trabalho da Universidade Federal do Trângulo Mineiro
2 Graduada em Psicologia pela Universidade de São Paulo. Psicóloga da Prefeitura Municipal de Içara, SC
3 Psicólogo, Mestre e Doutor em Psicologia Clínica pela Universidade de São Paulo. Docente do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo. Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq.
Agradecimentos: Este artigo contou com a colaboração dos psicólogos Ana Cláudia Matsuda, Nelson Bretanha Neto e Melissa Fernanda Fontana.

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