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Vínculo

versão impressa ISSN 1806-2490

Vínculo vol.8 no.2 São Paulo dez. 2011

 

ARTIGOS

 

Por uma política de saúde numa instituição privada de formação universitaria

 

For health policy in a private institution of college education

 

Por una política de salud en una instituición particular de formación universitaria

 

 

Tiago Corbisier Matheus1

Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae

Faculdade Getulio Vargas

 

 

 


RESUMO

Este trabalho pretende expor as diretrizes e desafios enfrentados por um programa de atenção à saúde psíquica de alunos em uma instituição universitária privada paulistana, voltada à formação de profissionais que tendem a ocupar posições de destaque tanto no meio empresarial quanto governamental. As ações deste programa se dividem em duas frentes: a) atendimento emergencial, focado em atendimentos clínicos individuais, fora do espaço universitário, a fim de circunscrever conflitos e questões que mobilizam o jovem em seu processo de formação, e elaborar encaminhamentos possíveis; b) ações profiláticas, que visam ampliar o espaço de interlocução entre agentes institucionais, o que permite explicitar conflitos vividos e, consequentemente, oferecer melhores condições de simbolização. O desenvolvimento deste serviço permite analisar as tensões que acompanham a realidade deste instituição, que busca corresponder às demandas de mercado, mas também resguardar seu compromisso ético na formação crítica e reflexiva de profissionais voltados à transformação da realidade brasileira, perspectivas nem sempre convergentes entre si. Os jovens que buscam atendimento vivem as turbulências de seu percurso subjetivo, são, eles próprios, nas angústias que enfrentam, sintomas da instituição, bem como do cenário social em que esta se inscreve.

Palavras-chave: subjetividade, saúde institucional, universidade, profilaxia.


ABSTRACT

The present work aims at exposing the policies and challenges faced in a psychological health care program for students in a private institution of college education in São Paulo, which offers graduation and post-graduation programs for professionals willing to take high positions in the governmental and corporate fields. The psychological health care actions happen in two fronts: a) emergency counseling focused on individual counseling outside of the college environment, aimed at identifying issues and conflicts faced by the student during his/her graduation program and thinking up possible outcomes; b) preventive action aimed at improving communication among institutional agents, which allows conflict exposition and, as a result, offers better conditions of symbolization. The development of this program makes it possible to analyze the tensions faced by an institution which is committed to meeting the market demands as well as fulfilling its ethical commitment to offer critical and reflexive education to young professionals who will take part in transforming Brazilian reality, perspectives which don’t always converge. The young people who look for this counseling program are facing the turbulence of their subjective journey and are also symptoms of the institution and of the social environment that surrounds it.

Keywords: subjectivity, institutional health care, university, prevention.


RESUMEN

Este trabajo tiene la intención de exponer las directivas que orientan y los desafíos que enfrenta un programa de atención a la salud psíquica de alumnos en una institución universitária particular de la ciudad de São Paulo, volcada a la formación de profesionales que tienden a ocupar posiciones destacadas en empresas y en el aparato estatal. Las acciones de este programa comprendem dos frentes: a) atención de emergencia, en consultas clínicas individuales, fuera del espacio universitário, a fines de delimitar conflictos y cuestiones que mobilizan el joven en su proceso de formación y proponer caminos posibles; b) acciones profilácticas, con el objetivo de ampliar el espacio de diálogo entre agentes institucionales, lo que permite explicitar conflictos vividos y, pues, ofrecer mejores condiciones de simbolización. El desarrollo de este servicio permite analizar las tensiones que acompanãn la realidad de aquella institución, la cual busca corresponder a las demandas del mercado, pero al mismo tiempo, resguardar su compromiso ético con la formación crítica y reflexiva de profesionales volcados a la transformación de la realidad brasileña; y tales perspectivas no son siempre convergentes entre ellas. Los jóvenes que buscan atención viven las turbulencias de su percurso subjetivo. Son, ellos mismos, en sus angustias, síntomas de la institución, bien así del escenário social en que esta está situada.

Palabras clave: subjectividad, salud institucional, universidad, profilaxis.


 

 

Apresentação do programa e diretrizes

Este trabalho pretende expor as diretrizes e os desafios enfrentados por um programa de atenção à saúde psíquica de alunos em uma instituição universitária privada, paulistana, voltada à formação de profissionais que aspiram a ocupação de posições de destaque tanto no meio empresarial quanto governamental. Fruto de um processo de reformulação desta instituição, quando dirigentes e professores se dispuseram a rever a formação oferecida e alguns de seus efeitos, o programa surgiu em 2003, com o objetivo de oferecer apoio psicológico a jovens em seu processo de formação, inspirado em outras experiências institucionais semelhantes.2 Foi concebido e coordenado durante seus seis anos iniciais de existência, por Moisés Rodrigues da Silva Jr., que contou com a participação e apoio institucional do professor Luis Guilherme Galeão. Sob o eco de uma vertente da chamada análise institucional, se nortearam por uma proposta de trabalho que não se restringia a uma estratégia de atendimento individual apenas, pois almejava uma ação mais ampla, coletiva e profilática. Por meio de intervenções junto a vários agentes institucionais, buscava-se evitar a produção de sintomas individuais. Partia-se do suposto, conforme os ditames desta corrente de pensamento, que os conflitos vividos pelos sujeitos que se encontram mergulhados no caldo institucional dizem respeito, inclusive e necessariamente, aos processos e mecanismos que nela ocorrem (ver por ex, BLEGER, 1991, p.48).3

No início de 2010, assumo a coordenação do programa, compondo a equipe de trabalho com os analistas Andrea Carvalho e Carlos Livieres, que respondem pela condução dos atendimentos clínicos e participam da formulação da política de trabalho institucional desenvolvida. Esta equipe de trabalho, em consonância com as diretrizes anteriormente estabelecidas, mantém o escopo do atendimento psicológico individual oferecido - uma a quatro sessões fora do espaço da instituição, com analistas com experiência clínica e institucional. Os atendimentos têm como proposta a escuta das demandas dos jovens, a fim de discriminar as questões que os mobilizam e, a partir daí, pensar em desdobramentos possíveis de serem adotados, como iniciar um processo de análise, rever a escolha da carreira universitária ou a posição do jovem em seu meio familiar, entre outros. Os encaminhamentos, no entanto, passaram a ser feitos por mim, na própria instituição, num contato direto e pessoal com os jovens que solicitam ajuda, por e-mail ou telefone. Tal mudança permitiu a realização de uma triagem prévia aos atendimentos, momento em que são apresentados os parâmetros do atendimento oferecido (número de sessões, escuta, espaço fora da universidade, sigilo e pagamento já incluso na mensalidade da mesma). Além disso, neste pré-atendimento é feita uma primeira escuta do pedido do jovem, a fim de buscar o melhor encaminhamento para cada caso, considerando as possibilidades de oferecer o atendimento do programa (uma a quatro sessões num espaço externo à universidade), o encaminhamento direto para uma análise (para aquele, por exemplo, que já tem maior clareza das dimensões de seus conflitos e investimento necessário para um trabalho analítico) ou outros recursos eventualmente considerados.

Este pré-atendimento tem permitido à equipe um maior discernimento e cuidado diante das demandas apresentadas pelos jovens. Para estes, por sua vez, nota-se um maior comprometimento com as próprias solicitações feitas, pois, ao enunciarem seus pedidos e formularem suas expectativas, diante de um outro reconhecido para tal função, mostram-se muitas vezes provocados por seus próprios discursos, antecipando assim parte dos objetivos do próprio atendimento.O sigilo frente ao conteúdo tem sido condição para a sustentação do espaço transferencial proposto, bem como para a pertinência institucional do programa. Tal garantia, no entanto, tem exigido cuidado: se, por um lado, a mudança nos encaminhamentos trouxe benefícios, por outro, não deixa de suscitar fantasias no meio institucional, quando se considera que, como responsável pelo recebimento dos alunos, também sou professor e, desse modo, participo da vivência cotidiana na instituição, circulando por seus corredores e encontrando-me com os alunos diariamente.4 A suspeita indica a dúvida quanto à possibilidade, neste meio institucional, de que diferentes posições ocupadas possam ser suficientemente discriminadas e exercidas, conforme suas demandas específicas, sem uma subordinação imediata aos ditames funcionais predominantes na cultura desta instituição. É um traço cultural comum a tantas outras instituições, de promover um movimento de indiferenciação entre seus membros, como se todos tivessem de agir e pensar de modo semelhante, em favor dos objetivos imediatos e funcionais da instituição. A tendência à homogeneidade (FREUD, 1921) visa abafar diferenças e tensões presentes em seu meio, que ameaçam pela pluralidade do dissenso e pelo risco de ruptura que representam. O programa faz parte do jogo de forças institucionais e vive os efeitos dos laços estabelecidos por seus membros, em seu meio. Os conflitos e tensões presentes no contexto institucional se fazem presentes nas angústias enunciadas pelos jovens que procuram o programa, mas também no próprio contexto da atuação deste, seja no modo de ser percebido por outros agentes institucionais, quanto nas resistências com a qual se depara em suas propostas de intervenção. Entende-se, portanto, que a dúvida levantada é expressão da tensão que surge entre o programa e as demais forças institucionais, como reação refratária ao posicionamento almejado por um professor que se coloca como alguém que possui legitimidade institucional para escutar as inquietações que mobilizam os jovens membros desta instituição.Reuniões regulares entre os membros da equipe (coordenador e os dois analistas) têm auxiliado neste momento. Servem como espaço de reflexão sobre os aspectos institucionais que se fazem presentes tanto na situação clínica como fora dela: o material clínico permite o levantamento de hipóteses sobre aspectos institucionais presentes nos discursos enunciados, como pistas de mecanismos que teriam fomentado tais sintomas. A discussão sobre as questões institucionais (modos de funcionamento da universidade, seus conflitos e tensões, a partir das manifestações dos corpos docente e discente, em seus respectivos canais de comunicação), por sua vez, permite uma melhor contextualização dos discursos singulares, dando suporte, assim, à escuta clínica dos jovens atendidos.

A partir daí, torna-se possível pensar nos dispositivos de intervenção nos diferentes contextos de atuação do programa. No plano clínico, tem-se privilegiado o uso de intervenções diretas e assertivas, que visam explicitar com maior prontidão os conflitos e questões presentes nos discursos manifestos, dialogando assim com as referências simbólicas predominantes neste universo, frequentemente pautadas por ambivalentes expectativas funcionais que almejam garantir seu sucesso acadêmico e profissional (ver MATHEUS, 2012). No plano institucional, com base na experiência precedente do programa, uma política de intervenção em favor do uso das forças institucionais tem sido desenvolvida.

 

A proposta de intervenção institucional

No histórico do programa, vários instrumentos de intervenção foram ensaiados ou mesmo praticados, como maior ou menor sucesso, diante do complexo e arriscado desafio de realizar uma intervenção institucional capaz de explicitar conflitos e promover alguma elaboração a respeito destes. Grupos abertos para jovens interessados em trocar experiências entre si, sobre suas inquietações e angústias, com a coordenação de profissionais clínicos, foram propostos, sem o sucesso esperado. A perspectiva de uma atividade tão subjetiva (falar de inquietações) e tão flexível (grupo aberto) parecia distante do universo de referências predominante neste contexto institucional.

O suporte ao grupo de tutores - professores responsáveis pelo acompanhamento e orientação de alunos, durante os primeiros anos de formação - por sua vez, teve melhor resultado. Apesar das turbulências vividas com um grupo heterogêneo e inconstante de 16 participantes, foi um espaço que pode oferecer legitimidade a conflitos e angústias destes, sustentando a reflexão sobre as implicações entre este conteúdo e os diversos aspectos institucionais implicados. No entanto, diferentemente do primeiro grupo, que dependia do interesse e iniciativa dos jovens, que não tinham qualquer implicação formal com a atividade, neste grupo (de tutores) havia um compromisso profissional em jogo, fazendo parte do próprio contrato de trabalho.Muitas são as oportunidades, atividades e ações que diariamente ocorrem no espaço da universidade, como palestras, seminários, feiras, competições. São atividades que transitam entre os planos acadêmico, profissional ou de lazer, mobilizando alunos, ex-alunos, professores ou outros agentes institucionais. É, portanto, um espaço institucional com vitalidade e dinamismo, resultante da ação de diferentes personagens da hierarquia organizacional. A inclusão de novas atividades exige interesse e mobilização e, para tanto, constatou-se a necessidade de mudar a estratégia de ação. Era preciso buscar apoio nas próprias forças correntes na instituição, múltiplas e heterogêneas como o são, para a realização de quaisquer novas ações. Com isso, a partir de 2010, o programa adotou como proposta a busca por um maior diálogo entre os agentes institucionais, a partir de seus próprios interesses e ações, a fim de favorecer a enunciação e simbolização dos conflitos vividos na diversidade daquele contexto.

O programa assumiu, então, como principal interlocutor, a entidade estudantil que toma o próprio meio estudantil como publico alvo, o órgão representante dos alunos (Diretório Acadêmico). Junto a este, em cada uma de suas gestões, vem sendo definidas as demandas e ações necessárias para cada atividade. São alunos pensando na concepção das atividades, participando de sua produção e realização, além de fazer a divulgação entre seus pares, tornando-se assim responsáveis pelos eventos e por seus resultados.

Assim foram promovidas atividades pontuais, sem o compromisso de sua continuidade, justificando-se pelo que produziam em cada encontro: um professor foi escolhido para conversar sobre o tema da escolha profissional a partir do debate de um filme (A Partida); uma mesa redonda entre alunos discutiu diferentes caminhos feitos no processo de formação (meditação, religião e pesquisa e análise crítica); um professor foi escolhido para discutir a recorrente crise dos alunos (tal como eles próprios a nomearam, aquela que cada um passa durante o curso sobre a dúvida sobre o curso e a opção profissional) entre outras.

Desse modo, o programa não assume o papel de protagonista das ações, mas busca auxiliar na concepção e realização de cada evento junto ao diretório acadêmico. Ao marcar sua presença no imaginário estudantil, se apresenta como referência em relação a dificuldades enfrentadas pelos alunos, facilitando, indiretamente, a procura pelo atendimento individual, quando surge demanda para tanto. Ao rejeitar a autoria das ações, aliás, evita-se assumir o papel heróico de promotor da saúde, o que atrairia para o programa as projeções dos ideais de diferentes membros da instituição. Tal posição poderia provocar a reversão dos próprios objetivos almejados, na medida em que concentraria na imagem do programa a porção saudável da instituição, dispensando os demais equipamentos ou personagens institucionais de tal compromisso. Funcionaria assim como uma válvula de escape para as tensões e conflitos vividos, sem produzir maiores efeitos na dinâmica de funcionamento da instituição e em sua estrutura. É um risco que não deixa de estar presente e, por isso, pede acuidade no constante esforço de anunciar o compromisso coletivo diante desta função de promoção da saúde.

A proposta de explorar as forças institucionais exige disponibilidade para a escuta dos sinais de conflito que se anunciam nesta universidade, bem como das demandas (diretas ou indiretas) que ali surgem, em relação à saúde institucional deste conjunto de jovens estudantes. A estratégia adotada junto ao diretório acadêmico não é definitiva, nem suficiente para os objetivos propostos pelo programa. É preciso mobilidade na circulação institucional e desprendimento para explorar outros espaços e situações.

O jornal estudantil, por exemplo, tem sido uma fonte privilegiada de expressão das questões institucionais, tendo em vista que entre os diversos agentes institucionais, os alunos demonstram maior facilidade para apontar conflitos e impasses vigentes, em função da posição que ocupam no meio (como objeto fim), bem como da irreverência de sua postura (maior possibilidade de desprendimento diante do instituído). O fundamento democrático que acompanha a história desta instituição se efetiva particularmente na tradição deste meio de comunicação protagonizado por seus alunos, que assumem a função de porta-vozes na instituição. Ali surgem reflexões e questionamentos das políticas institucionais vigentes, por vezes com posicionamentos antagônicos, que manifestam entre alunos as contradições presentes entre os vários agentes institucionais. Matérias sobre o desafio da entrada no mercado de trabalho, no ano de 2009 (quando o país viveu os efeitos da crise mundial), sobre demissões ocorridas na instituição, sobre a invisibilidade de determinados funcionários dos quais depende o cotidiano da universidade, bem como sobre as festas estudantis são exemplos do posicionamento destes sujeitos diante do cenário em que vivem, com suas tensões e oportunidades. O jornal estudantil serve, portanto, como termômetro desta realidade institucional e canal privilegiado do trabalho de produção simbólica realizado por alguns de seus agentes.

 

Conflitos e desafios

O desafio da promoção de saúde numa instituição implica, inevitavelmente, a investigação de suas contradições e conflitos, pois é também aí que se encontram suas possibilidades de renovação e criação. Isto porque, como já defendia Pichon-Riviérè, uma instituição não se mostra mais saudável pela ausência de conflitos, mas pela possibilidade de enunciá-los e de buscar mecanismos para sua mediação (ver PICHON-RIVIÉRÈ, 2005). O trabalho de intervenção institucional exige, portanto, o constante e sistemático exercício de pesquisa e reflexão sobre as tensões e antagonismos que contrapõem e mobilizam seus agentes, e que ora os permite a criação de novos recursos e instrumentos simbólicos, ora os aprisiona em impasses estéreis.

Desta perspectiva, percebe-se nesta instituição uma contradição entre a busca, por um lado, por corresponder às demandas de um mercado competitivo e complexo e, por outro, por pretender resguardar o compromisso ético na formação crítica e reflexiva de profissionais voltados ao desenvolvimento da realidade socioeconômica do país, a fim de permitir uma melhora na qualidade de vida de seus cidadãos. Tais parâmetros, no entanto, nem sempre se mostram convergentes e compatíveis entre si, na medida em que o mercado, em sua demanda diversa e desigual, tende a reproduzir e acirrar a composição de forças que o sustenta, o que não resulta, necessariamente, no desenvolvimento social brasileiro como um todo, considerando seus diferentes estratos e respectivas necessidades.

Os jovens que buscam atendimento, por sua vez, vivem as turbulências de seu percurso subjetivo, conforme seu histórico pessoal e familiar, mas são também sintomas institucionais, na medida em que não deixam de estar referidos ao jogo de forças do cenário em que se encontram, tanto em relação a sua instituição de pertinência, quanto à realidade social mais ampla em que se encontram. Entre a expectativa que manifestam em favor da transformação de algum aspecto de sua realidade (sob a perspectiva, por exemplo, da preservação ecológica e da promoção de políticas de sustentabilidade) e os anseios de garantir seu sucesso profissional (configuração de uma carreira com rápido e significativo retorno financeiro e status social), muitos destes jovens tendem a privilegiar a segunda opção, mas não sem anunciar sinais de angústia.

A ambição de seus projetos pessoais de busca por sucesso encontra terreno fértil num espaço institucional competitivo, que reproduz internamente os parâmetros promovidos pelas organizações que disputam um mercado globalizado e instável. O anseio por personificar uma cultuada imagem de liderança soa como estratégia necessária para se conquistar os objetivos profissionais almejados, intensificando assim as rivalidades presentes nas redes de relações entre pares. A angústia de exclusão em meio a tais disputas é constante e, por vezes, insuportável, quando se soma a marcas na história de vida daqueles que se identificam com a posição de loosers, como dita o meio. Mesmo aqueles que se colocam ou são colocados em posições de destaque entre os demais (no desempenho acadêmico ou relacional) anunciam a angústia de ter que corresponder a um determinado ideal de sucesso como única possibilidade de realização pessoal ou mesmo de existência. Neste sentido, as imagens de sucesso e de liderança funcionam, em sua idealização, também como fonte de opressão e angústia, produzindo afetos ambivalentes e contraditórios capazes de minar os projetos previamente estabelecidos.

Em contrapartida, a diversidade de oportunidades que a instituição oferece dá espaço ao anúncio destas e de outras turbulências. Neste sentido, poder realizar uma palestra com o tema escolhido, pelos próprios jovens, da “crise do aluno no processo de formação”, mostra a plasticidade de uma instituição como esta, onde é possível construir sentido diante de contradições e impasses que carecem de sentido. A crise que ali vivem não se restringe às tensões da instituição, na medida em que também diz respeito a um processo singular adolescente, de saída do universo familiar e confronto com as incongruências de um mundo não mais protegido pela lente paterna (ver MATHEUS, 2007, cap.3). No entanto, as contradições da instituição oferecem a possibilidade para que os alunos ali possam viver sua angústias de pertencimento, onde colocam em xeque as referências que até então tomavam como inquestionáveis. A instituição, com suas contradições, neste momento, oferece condições para tantos sujeitos se confrontarem com suas próprias contradições, como o são, por exemplo, as possibilidades de buscar um sucesso profissional num mundo desigual e, concomitantemente, buscar a transformação da realidade social brasileira em favor de uma melhoria da qualidade de vida para sua população como um todo.

O desenvolvimento de um trabalho institucional em favor da promoção da saúde é um privilégio e uma contradição. Privilégio na medida em que há um reconhecimento formal da instituição da necessidade desta função, o que confere, a princípio, espaço de circulação e escuta neste meio para a abordagem de questões que tantos outros agentes institucionais temem explicitar ou não encontram respaldo para tanto. Contradição, em contrapartida, na medida em que se assume, com uma função formalmente instituída para tal fim, que há algo a ser tratado e que é preciso um agente específico para promover aquilo que, a rigor, é função de todos. Ao deslocar para um agente interno a promoção da saúde, os demais estariam desincumbidos desta função, perfazendo assim uma cisão dicotômica e estática, entre a porção da saúde e sua contraparte complementar, expiada em sua culpa. As contradições, no entanto, podem tanto servir ao imobilismo, quando não há possibilidade de enunciação e reverberação dos conflitos institucionais entre os diferentes agentes, quanto podem ser fonte de ressignificação (do instituído) e de criação (de sentido e de novos posicionamentos institucionais), colocando em movimento a força pulsional que sustenta o sujeito humano em cada realidade socialmente instituída.

Todo trabalho institucional é um exercício inconcluso, tendo em vista o incessante confronto de forças que sustenta cada instituição e que a torna viva. Este trabalho buscou descrever, em grandes linhas, os rumos deste desafiador exercício, na tênue linha sinuosa que percorre, fazendo notar o espaço de reflexão que neste contexto é possível estabelecer. A reflexão acerca dos conflitos vividos por um segmento juvenil socioeconomicamente privilegiado dá sentido ao trabalho institucional, permitindo-lhe não ficar aprisionado no imediatismo de sua ação, em meio aos movimentos ou conflitos de seus agentes institucionais. Poder olhar quais conflitos são enfrentados por muitos destes jovens permite à análise institucional a realização de sua finalidade, estabelecendo um sentido às tensões que aponta, na medida em que indica a relação entre sintomas singularmente experimentados e o contexto sociocultural vigente. A nomeação do conflito vivido a partir dos significantes sucesso profissional e realização pessoal permite ver como estes candidatos a novos membros do corpo social ficam muitas vezes imobilizados por ideais preconizados pela cultura que reproduzem e buscam sustentar. Mais do que trazer uma formulação que se proponha conclusiva, este trabalho busca compartilhar esta experiência complexa e desafiadora, tal como ocorre em cada trabalho institucional, fazendo ver as potencialidades que sua análise que permite. Cada realidade institucional porta uma força centrípeta, capaz de imobilizar seus agentes num olhar ensimesmado, cerceado das possibilidades de uma contextualização, quando é possível olhar a própria condição em meio ao universo no qual cada um se encontra. Assim, a narrativa da própria experiência é um convite àqueles que, inquietos em suas instituições, buscam interlocução fora dela, no anseio de buscar novos sentidos para sua condição.

 

4. Referências

BLEGER, J. O grupo como instituição e o grupo nas instituições. In: R. KAËS et all. A instituição e as instituições. São Paulo, Casa do Psicólogo, 1991.         [ Links ]

FREUD, S. (1921). Psicologia de las masas y análisis del yo. Trad. J. L. Etcheverry. Buenos Aires, Amorrortu, 1993. (Obras Completas, vol. 18)        [ Links ]

KAËS, R. et all. A instituição e as instituições. São Paulo, Casa do Psicólogo, 1991.         [ Links ]

MATHEUS, T. C. Adolescência: história e política do conceito na psicanálise. São Paulo, Casa do Psicólogo, 2007.         [ Links ]

____. O sujeito adolescente e a ameaça de exclusão na contemporaneidade. Rev. Latinoam. Psicopat. Fund., São Paulo, v. 15, n. 5, p. 83-93, março 2012        [ Links ]

PICHON-RIVIÉRÈ, E. O processo grupal. 7ª ed. São Paulo, Martins Fontes, 2005.         [ Links ]

 

 

Recebido em 26/07/2011
Aceito em 25/11/2011

 

 

 

 

1 Tiago Corbisier Matheus é psicanalista e membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae. Graduado em Psicologia pela PUC/SP, em Filosofia pela USP e doutor em Psicologia Social pela PUC/SP, exerce também a atividade docente na FGV. F: 38135923 (res.), 30343988 (cons.). Endereço eletrônico: tmatheus@uol.com.br
2 O atendimento psicológico a alunos é uma prática desenvolvida há alguns anos por diferentes escolas, como FMUSP ou IPUSP.
3 Instituição aqui concebida como “conjunto das normas, das regras e das atividades agrupadas em torno dos valores e das funções sociais”.
4 Questão esta que foi levantada por uma professora, numa das apresentações do programa.