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Vínculo

versão impressa ISSN 1806-2490

Vínculo vol.9 no.1 São Paulo jun. 2012

 

ARTIGOS

 

Entre o rompimento concreto e a manutenção simbólica do vínculo: particularidades do luto de cuidadores familiares de portadores de doenças crônico-degenerativas

 

Between the concrete rupture and the symbolic maintenance of bonding: particularities of grief for family caregivers of patients with chronic-degenerative diseases

 

Entre el rompimiento concreto y la manutención simbólica del vínculo: particularidades del duelo de cuidadores familiares de portadores de enfermedades crónico-degenerativas

 

 

Ludymilla Zacarias Martins Gonzaga1; Rodrigo Sanches Peres2

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O luto em cuidadores familiares de portadores de doenças crônico-degenerativas que evoluíram a óbito após receber assistência domiciliar prolongada pode apresentar importantes particularidades. Nesse sentido, o presente estudo teve como objetivo analisar a oscilação entre o enfrentamento orientado à perda e o enfrentamento orientado à restauração na população em questão. As participantes foram seis cuidadoras familiares de seis pacientes diferentes e o instrumento adotado para a coleta de dados foi um roteiro semiestruturado de entrevista aplicado individualmente. A análise temática de conteúdo e o Modelo do Processo Dual nortearam a análise de dados. Constatou-se que, tanto antes quanto após a perda, as participantes se mostraram propensas ao enfrentamento orientado à perda em detrimento do enfrentamento orientado à restauração. Desse modo, apresentaram dificuldades marcantes no empreendimento da oscilação, movimento essencial para a consolidação do trabalho de luto. Tais dificuldades parecem associadas à vivência de uma perda decorrente de uma “morte anunciada”, sobretudo porque esta foi precedida pela prestação de cuidados prolongados.

Palavras-chave: Luto; Cuidadores; Família; Atitude frente à morte; Saúde mental.


ABSTRACT

Grief in family caregivers of patients with chronic-degenerative diseases who died after receiving prolonged home care may present important particularities. This study’s objective was to analyze the oscillation between loss-oriented coping and restoration-oriented coping in this population. The participants were six family caregivers of six different patients. Semi-structured interviews were held individually to collect data. Thematic content analysis and the Dual Process Model guided data analysis. We verified that both before and after their loss, the participants were inclined to loss-oriented coping at the expense of restoration-oriented coping. Therefore, they faced marked difficulties in undertaking oscillation, an essential movement to consolidate grief. Such difficulties seem to be associated with an experience of loss that results from a “announced death”, especially because it followed long-term care.

Keywords: Grief; Caregivers; Family; Attitude to death; Mental health.


RESUMEN

El duelo en cuidadores familiares de portadores de enfermedades crónico-degenerativas que murieron tras recibir atención domiciliar prolongada puede mostrar importantes particularidades. Es en ese sentido que la finalidad del presente estudio fue analizar la oscilación entre el enfrentamiento orientado a la pérdida y el enfrentamiento orientado a la restauración en la población estudiada. Las participantes fueron seis cuidadoras familiares de seis pacientes diferentes y el instrumento adoptado para la recolecta de datos fue un guión semiestructurado de entrevista aplicado individualmente. El análisis temático de contenido y el Modelo del Proceso Dual orientaron el análisis de los datos. Se constató que tanto antes como después de la pérdida, las participantes se mostraron propensas al enfrentamiento orientado a la pérdida, en detrimento del enfrentamiento orientado a la restauración. Así, vivieron dificultades distintivas en el emprendimiento de la oscilación, movimiento esencial para la consolidación del trabajo de duelo. Tales dificultades parecen asociadas a la vivencia de una pérdida consecuente a una “muerte anunciada”, sobretodo porque fue precedida por la prestación de cuidados prolongados.

Palabras clave: Duelo; Cuidadores; Família; Actitud frente a la muerte, Salud mental.


 

 

Introdução

Conforme Parkes (2009), o termo "luto" pode ser definido, de modo geral, como a reação a uma perda. Porém, de modo mais específico, se refere à reação a uma perda por morte e implica não apenas um pesar, mas também uma complexa revisão das concepções sobre o mundo que antes forneciam segurança ao indivíduo. Desde o início do século XX, diversos autores têm se dedicado ao assunto e adotado predominantemente essa definição mais específica. Freud (1915/1996) foi um dos pioneiros nesse sentido ao publicar um estudo baseado em observações clínicas no qual defendeu que a melancolia resulta, essencialmente, de uma perda cujo luto não foi devidamente elaborado.

Nesse mesmo estudo, Freud postula a noção de "trabalho de luto", segundo a qual a perda de uma pessoa significativa desencadeia um processo doloroso que envolve, em um primero momento, a descatexização do objeto perdido e, em um segundo momento, a recatexização de um novo objeto. Ressalte-se também que, em termos psicanalíticos, o trabalho de luto deve ser "... aproximado da noção mais geral de elaboração psíquica" (LAPLANCHE; PONTALIS, 2000, p. 510). Nesse sentido, a teorização freudiana inovou ao esclarecer que o luto demanda a execução de determinadas operações mentais, de modo que não se afigura apenas como uma atenuação espontânea da dor da perda.

O Modelo do Processo Dual é um modelo teórico sobre o luto concebido no final da década de 1990, o qual, conforme Bennett, Gibbons e Mackenzie-Smith (2010), tem sido cada vez mais valorizado nas pesquisas internacionais dedicadas ao assunto. Tal modelo se apoia na noção de "trabalho de luto", mas não se limita à mesma e acrescenta dois novos conceitos para a compreensão do processo de enlutamento, a saber: "enfrentamento orientado à perda" e "enfrentamento orientado à restauração" (STROEBE; SCHUT, 2001). O enfrentamento orientado à perda engloba o trabalho de luto e a busca da pessoa perdida, de modo que se refere à vivência da perda propriamente dita. Sendo assim, esse tipo de enfrentamento se traduz em uma expressão da dor dela decorrente.

Já o enfrentamento orientado à restauração, ainda de acordo com os autores em apreço, se refere à reorganização da vida. Logo, inclui desde o atendimento às mudanças implementadas pela perda e o engajamento em novas atividades até o estabelecimento de novas relações. Mas vale destacar que o Modelo do Processo Dual inova de fato ao estabelecer a noção de "oscilação", a qual foi definida por Stroebe e Schut (1999) como um movimento dinâmico e regulatório do processo de enlutamento. Esse movimento demanda a alternância entre o enfrentamento orientado à perda e o enfrentamento orientado à restauração e é essencial para a construção de significados positivos sobre o luto, como bem observou Mazorra (2009).

Reforçando a importância da oscilação, Parkes (2009) defende que, como resultado da mesma, o enlutado percebe que muito do passado continua a ser importante para a vivência do presente e o planejamento do futuro, de modo que, para além do rompimento concreto do vínculo, é possível mantê-lo simbolicamente. Em contrapartida, surgirão dificuldades caso o enfrentamento orientado à perda ou o enfrentamento orientado à restauração venham a ser utilizados de maneira exacerbada. Afinal, o indivíduo que não abre mão da busca da pessoa perdida tende a sofrer os efeitos de um luto crônico, ao passo que aquele que evita o pesar e se engaja excessivamente na reorganização da vida se coloca em situação de risco para o desenvolvimento de um luto inibido.

Não obstante, deve-se reconhecer que, conforme Delalibera (2010), estratégias típicas do enfrentamento orientado à perda tendem a ser predominantes nos primeiros meses subsequentes à morte, sendo que, após esse período, irão gradativamente – a partir do percurso de uma trajetória singular – ceder espaço a estratégias típicas do enfrentamento orientado à restauração. O enfrentamento orientado à perda, contudo, não deixa de ter relevância com o passar do tempo, uma vez que contribuirá para a manutenção simbólica do vínculo com o ente querido. Entretanto, como destaca Carr (2010), ainda não se sabe ao certo como a oscilação pode atingir um nível ótimo de funcionamento.

Parece razoável supor que a oscilação apresentará particularidades quando o luto for decorrente de uma "morte anunciada", ou seja, uma morte previamente identificável por meio da presença de um conjunto de sinais e sintomas. Ocorre que esse tipo de morte comumente acomete portadores de doenças crônico-degenerativas, os quais demandam cuidados prolongados prestados no âmbito residencial por cuidadores familiares que não possuem formação técnica especializada (FONSECA; FONSECA, 2002). A compreensão do luto nesses casos é importante, em primeiro lugar, tendo em vista que os avanços científicos, econômicos e industriais das últimas décadas transformaram o perfil epidemiológico da população tanto nos países desenvolvidos quanto nos países em desenvolvimento e, em função disso, tem sido observada uma evolução progressiva das taxas de mortalidade por doenças crônico-degenerativas (MELO; SAINTRAIN, 2009).

Em segundo lugar, uma "morte anunciada" é incompatível com a chamada "morte interdita", a qual se efetiva fora do convívio público e sem o conhecimento prévio do paciente ou de seus familiares. Como bem observou Ariès (2003), a "morte interdita" representa um ideal na sociedade ocidental atual, posto que a morte não é mais considerada um fenômeno natural, e sim um fracasso do homem em manter a vida. Assumindo as assertivas precedentes, desenvolvemos uma pesquisa qualitativa com o intuito de investigar a vivência do luto em cuidadores familiares de portadores de doenças crônico-degenerativas que evoluíram a óbito após receber assistência domiciliar prolongada. O presente estudo é um recorte dessa pesquisa e, mais especificamente, teve como objetivo analisar a oscilação entre o enfrentamento orientado à perda e o enfrentamento orientado à restauração na população em questão.

 

Método

Participantes

Participaram do presente estudo seis cuidadoras familiares – sendo três filhas, uma nora, uma esposa e uma sobrinha – de seis pacientes diferentes. Cada uma delas foi selecionada por atender, basicamente, aos seguintes critérios de inclusão: a) ter idade acima de 18 anos; b) não apresentar antecedentes psiquiátricos, suspeita de déficit intelectual, quadros demenciais ou distúrbios da comunicação capazes de comprometer a interação com os pesquisadores e c) ter exercido o papel de cuidadora familiar de um paciente que evoluiu a óbito há no mínimo três e no máximo quatro meses quando da coleta de dados. Vale destacar que o critério de saturação, tal como preconizado por Fontanella, Ricas e Turato (2008), foi adotado para a definição do número de participantes.

Deve-se mencionar também que todas as participantes foram recrutadas a partir de consultas realizadas com a devida autorização institucional junto aos arquivos do Programa de Assistência Domiciliar do Hospital de Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia (PAD-HCUFU). O ingresso de um paciente no serviço em questão exige a definição de um responsável no contexto familiar para ser o receptor das orientações da equipe multidisciplinar e colocá-las em prática. Ou seja, demanda a definição de um cuidador familiar.

Instrumento

O instrumento adotado para a coleta de dados foi um roteiro semiestruturado de entrevista elaborado especialmente para o presente estudo e aplicado individualmente. De acordo com Turato (2003), o emprego de um roteiro semiestruturado de entrevista tem como principal vantagem viabilizar a coleta de dados no contexto da relação que se estabelece entre o pesquisador e os participantes da pesquisa, o que é extremamente relevante no campo das pesquisas qualitativas. Além disso, é capaz de dirigir a coleta de dados segundo questões relacionadas ao objetivo da pesquisa, tornando os relatos mais homogêneos no que diz respeito aos temas abordados.

Coleta de dados

A coleta de dados foi agendada em horários de comum acordo e realizada na residência das participantes com a anuência do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Uberlândia. Todas elas assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, por meio do qual os pesquisadores apresentaram os objetivos e procedimentos do estudo e se comprometeram a manter em sigilo a identidade das mesmas. Por esse motivo, serão usados nomes fictícios ao longo do presente estudo. Deve-se esclarecer que a coleta de dados envolveu a gravação das entrevistas em áudio, sendo que cada uma delas teve duração média de 50 minutos e ocorreu ao longo de um único encontro com cada participante.

Análise de dados

As gravações foram transcritas e submetidas à análise temática de conteúdo tal como proposta por Bardin (1979), a qual se destaca como uma técnica de tratamento de dados amplamente utilizada no campo das pesquisas qualitativas. A análise temática de conteúdo tem como propósito básico a identificação de significados latentes manifestos em uma comunicação e, conforme Minayo, consiste basicamente "em descobrir os núcleos de sentido que compõem uma comunicação, cuja presença ou frequência signifique alguma coisa para o objetivo analítico visado" (2000, p. 209). Ademais, a análise de dados fundamentou-se teoricamente no Modelo do Processo Dual, sendo que a noção de oscilação foi empregada como operador conceitual central para tanto.

 

Resultados e discussão

A análise dos resultados obtidos aponta que cinco das seis participantes do presente estudo tendiam à centralização do cuidado antes da perda. Aparentemente, em alguns casos, essa tendência era associada ao próprio desejo de cuidar (relato 1). Mas certamente ganhos secundários também podem ter motivado as participantes a se tornarem cuidadoras. De qualquer forma, a centralização do cuidado antes da perda possivelmente se afigura, de acordo com Stroebe e Schut (2001), como um preditor de dificuldades no movimento de oscilação após a perda. Obviamente manter-se próximo ao paciente – e não apenas fisicamente – é um imperativo para o cuidador familiar. Contudo, quando essa proximidade é excessiva, tende a acarretar, para Mazorra (2009), uma série de obstáculos à reorganização da vida após a perda.

Relato 1: [...] o meu amor por ela que é imenso, muito, demais, muito.... demais, eu queria ter mais e cuidar mais, sabe? Eu queria mais (Araci, 58 anos)

Em função da tendência à centralização do cuidado, algumas participantes não aceitavam ajuda ou não confiavam em outras pessoas para cuidar, o que ensejava a negação de seus limites físicos e emocionais (relato 2). Essa situação pode ser considerada, nos termos do Modelo do Processo Dual, representativa de uma fixação no enfrentamento orientado à perda e, consequentemente, de uma dificuldade marcante em engajar-se no enfrentamento orientado à restauração. Como já mencionado, o enfrentamento orientado à perda engloba o trabalho de luto. Contudo, quando não há oscilação entre o enfrentamento orientado à perda e o enfrentamento orientado à restauração, o trabalho de luto não se completa, uma vez que, conforme Freud (1915/1996), esse trabalho, quando bem-sucedido, viabiliza a recatexização de um novo objeto.

Relato 2: Então eu achava assim, se outra pessoa fosse cuidar dela, eu achava que não tava cuidando igual era eu, teve dia que eu não saia, sabe? Minhas irmãs tudo saia, viajava, eu não saia, não deixava. [...] (A participante relata sobre um acontecimento em um de seus raros passeios) [...] Aí eu falei: "Não, meu filho, eu quero ir embora." Aí ele falou: "Não, mãe, a senhora tem que descansar, a tia Clara tá lá, deixa ela cuidar da minha avó, a senhora não sai, a senhora tem que descansar." Aí eu falei: "Não, meu filho, eu não me sinto cansada". Mas o meu semblante tava cansado, aí eu fiquei lá mais um pouco, aí pedi pra ele: "Meu filho, me leva lá em casa?". Aí ele falou: "Pra que, mãe?". "Tô preocupada com minha mãe" (Dilma, 56 anos)

A forma como cada participante vivenciou a perda foi variável, mas a análise dos resultados obtidos subsidiou a identificação de algumas convergências. Para todas as participantes, possivelmente por terem desempenhado o papel de cuidadoras por um período prolongado, os primeiros momentos foram repletos de dor psíquica intensa. Tal dor se tornou mais branda com o passar do tempo, mas, ao contrário do que se poderia pensar a princípio, isso não ocorreu espontaneamente, posto que demandou a execução de operações mentais, dentre as quais a manipulação de pensamentos (relato 3).

Relato 3: (depois da perda) Eu só pensava nela, pensava que ela tinha ido embora pra sempre [...] O primeiro mês foi difícil, aquela dor, aquele aperto no peito, sentimento de perda, mas foi passando, foi amenizando a dor, acabando. Agora é praticamente só saudade, não tá doendo mais não, igual doía não. Eu procuro também não ficar pensando muito, pensar em outras coisas (Andréa, 44 anos)

De acordo com o Modelo do Processo Dual, esse tipo de manipulação de pensamentos representa uma iniciativa capaz de favorecer a adaptação à perda (STROEB; SCHUT, 2001). Afinal, não há comprovação de que as pessoas que vivenciam o luto apenas em seu aspecto doloroso se ajustam melhor do que aquelas que eventualmente recorrem à manipulação de pensamentos para evitar o contato frequente com a perda. Silva (2004) esclarece que ora lidar com o aspecto doloroso da perda e ora buscar a evitação da dor é algo característico da oscilação entre o enfrentamento orientado à perda e o enfrentamento orientado à restauração e, portanto, pode ser benéfico, desde que não haja uma predominância acentuada de um ou de outro comportamento.

Vale destacar ainda que uma das participantes relatou que havia decidido não doar os objetos da paciente da qual cuidava, mas, como sofria muito em função do contato constante com os mesmos, foi aconselhada por sua irmã a fazê-lo. Essa participante chegou a empacotar os objetos. Porém, apresentando indícios de uma fixação no enfrentamento orientado à perda, desistiu da doação. Esse achado evidencia que o curso do luto envolve o percurso de uma trajetória singular e que a oscilação é um processo extremamente complexo. Além disso, ilustra que, conforme Bennett, Gibbons e Mackenzie-Smith (2010), ainda que possa parecer favorável à reorganização da vida, um determinado comportamento – a doação dos objetos, no caso – pode dificultar o ajustamento à perda se não estiver ancorado em uma mudança psicológica.

Por fim, deve-se mencionar que algumas participantes relataram sintomas físicos como sonolência, fraqueza, tremores e dor de cabeça após a perda. E reportaram também prejuízos sociais, posto que, por um período significativo, deixaram de frequentar eventos e reuniões de família. Duas delas, inclusive, admitiram que, em função de repercussões físicas, psíquicas ou sociais da perda, se automedicaram com ansiolíticos. Essa iniciativa poderia, a princípio, ser entendida como uma estratégia de enfrentamento orientação à restauração. No entanto, trata-se de um comportamento pouco resolutivo no que tange à reorganização da vida, pois, para Mazorra (2009), o abuso de substâncias químicas – psicofármacos, álcool ou outras drogas – é prejudicial ao curso do enlutamento, na medida em que dificulta a vivência da perda.

 

Considerações finais

Em síntese, a análise dos resultados obtidos aponta que, tanto antes quanto após a perda, as participantes se mostraram propensas ao enfrentamento orientado à perda, o que obliterava substancialmente a oscilação. Tal achado foi inesperado, uma vez que a coleta de dados ocorreu em um momento em que, em tese, as participantes poderiam apresentar algumas iniciativas correspondentes ao enfrentamento orientado à restauração. De qualquer forma, as dificuldades encontradas por cada uma delas na reorganização da vida após a perda parecem associadas à vivência do luto decorrente de uma "morte anunciada", sobretudo porque esta foi precedida pela prestação de cuidados prolongados. Porém, é preciso advertir que o luto, para as mesmas, ainda se encontrava em curso quando da coleta de dados. Portanto, são necessários novos estudos para que se possa confirmar uma eventual associação entre a propensão ao enfrentamento orientado à perda e complicações mais severas do trabalho de luto, tais como a instalação de um quadro clínico de luto crônico a partir da inexequibilidade da recatexização de um novo objeto.

 

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Endereço para correspondência

Rodrigo Sanches Peres
Universidade Federal de Uberlândia – Instituto de Psicologia
Avenida Pará, 1720 – Bloco 2C
Campus Umuarama
Uberlândia - MG
38401-136
Telefone: (34) 98166401
E-mail: rodrigosanchesperes@yahoo.com.br

 

Recebido em 10/05/2012
Aceito em 30/06/2012

 

 

1 Psicóloga e mestre em Psicologia pela Universidade Federal de Uberlândia.
2 Psicólogo, mestre e doutor em Psicologia pela Universidade de São Paulo. Especialista em Psicologia Clínica. Professor do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Uberlândia