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Vínculo

versão impressa ISSN 1806-2490

Vínculo vol.12 no.1 São Paulo  2015

 

ARTIGOS

 

Possibilidades de atuação do psicanalista no Centro de Referência de Assistência Social1

 

Possibilities of psychoanalyst's action at the Social Assistance Reference Center

 

Ámbito de actuación del psicoanalista en el Centro de Referencia de Asistencia Social

 

 

Fernanda Oliveira Queiroz de Paula2, I; Joice de Paiva3, II

IUniversidade Federal do Rio de Janeiro
II
Centro de Referência de Assistência Social – CRAS Dona Chiquinha de São Pedro da União/MG.

 

 


RESUMO

A pesquisa teve como objetivo investigar as possibilidades de atuação do psicanalista no Centro de Referência de Assistência Social – CRAS que integra a rede de proteção básica do Sistema Único de Assistência Social – SUAS. Utilizamos como metodologia de pesquisa a investigação bibliográfica exploratória, realizando um breve histórico sobre a evolução legislativa da assistência social no Brasil e a inserção do psicólogo nas Políticas Públicas de Assistência Social. Foram analisadas as possibilidades da inserção da psicanálise aplicada e da escuta psicanalítica fora do "setting" convencional. Buscou-se refletir sobre a extensão na contemporaneidade da prática da psicanálise aplicada no campo da assistência social, seus limites e possibilidades.

Palavras-chave: Centro de Referência de Assistência Social – CRAS; Psicanálise; Instituição social; Psicanálise aplicada.


ABSTRACT

The research aims to investigate the possibilities of action at the Social Assistance Reference Center – SARC (Centro de Referência de Assistência Social – CRAS) that integrates the basic safety net of the Social Assistance Unique System – SAUS (Sistema Único de Assistência Social – SUAS). We used as research methodology the bibliographic exploratory research making a brief history of the legislative evolution of social assistance in Brazil and the insertion of psychologists in Public Policies for Social Assistance. The possibilities of applied psychoanalysis insertion and the psychoanalytic listening outside the standard "setting" were analyzed. We attempted to reflect on the extent in contemporaneity of the applied psychoanalysis practice in the field of social assistance, its limits and possibilities.

Keywords: Social Assistance Reference Centre – SARC (Centro de Referência de Assistência Social – CRAS); psychoanalysis; Social institution; Applied psychoanalysis.


RESUMEN

El estudio tuvo por objetivo investigar las posibilidades de actuación del analista en el Centro de Referencia de Asistencia Social ( "Trabajo Social") - CRAS que integra la red de seguridad básica del Sistema Único de Asistencia Social ("Trabajo Social) - ITS. Se utilizó como metodología de estudio la investigación bibliográfica exploratoria, haciendo una breve historia acerca de la evolución legislativa del trabajo social en Brasil y la inserción del psicólogos en Políticas Públicas de Trabajo Social. Se analizaron las posibilidades de inserción de psicoanálisis aplicado y la escucha psicoanalítica fuera del escenario ("setting") convencional. Hemos tratado de reflexionar acerca de la medida en la contemporaneidad práctica del psicoanálisis aplicado en el campo del trabajo social, sus límites y posibilidades.

Palabras clave: Centro de Referencia de Asistencia Social (Trabajo Social) - CRAS; Psicoanálisis; Institución social; Psicoanálisis aplicado.


 

 

INTRODUÇÃO

Quando se procura referências sobre a aplicabilidade da psicanálise no Centro de Referência de Assistência Social – CRAS, percebe-se que pouco ou quase nada tem sido publicado a este respeito. Visto ser um campo de atuação novo pode-se dizer que os psicólogos estão descobrindo os limites e possibilidades da escuta da subjetividade no âmbito da assistência social. O CRAS, segundo o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome – MDS é uma unidade pública estatal descentralizada da política de assistência social sendo responsável pela organização e oferta dos serviços socioassistenciais da Proteção Social Básica do Sistema Único de Assistência Social – SUAS nas áreas de vulnerabilidade e risco social dos municípios e Distrito Federal – DF (BRASIL, 2014).

O percurso inicial do profissional de psicologia no CRAS é o de conhecer o campo de atuação e as políticas públicas da assistência social. Neste sentido são realizadas várias capacitações sobre o Sistema Único de Assistência Social (SUAS), a Política Nacional da Assistência Social (PNAS) e demais assuntos que envolvem o laço social. Em pouco tempo, o profissional é bem instruído e preparado para o que irá encontrar: situações de risco e vulnerabilidade social; pessoas em descumprimento das condicionalidades do programa do Bolsa Família; pobreza extrema; miséria absoluta, entre outros fatores que a desigualdade social e precariedade material e simbólica pode produzir. No entanto, as pessoas não procuram o CRAS somente em busca de benefícios. Com isso, a prática profissional nos coloca diante de uma série de questões que exigem elaboração. Desse modo, começamos a elaborar as seguintes questões: Quais as possibilidades do reconhecimento da singularidade do sujeito no atendimento em instituições de Assistência Social? É possível aplicar a psicanálise no CRAS? Quais são as possibilidades e limites da inserção do discurso da psicanálise no campo da Assistência Social? Qual trabalho é possível dentro do CRAS para uma proposta que toma a psicanálise como direção?

É importante refletir que, no Brasil, a preocupação com a Assistência Social enquanto política pública é relativamente recente sendo que, como nos diz Yazbek (2012, p.304-305) "A assistência social como campo de efetivação de direitos emerge como política estratégica, não contributiva, voltada para o enfrentamento da pobreza e para a construção e o provimento de mínimos sociais de inclusão e para a universalização de direitos, buscando romper com a tradição clientelista e distribuição de auxílios financeiros".

A partir das investigações iniciais percebemos que algumas questões assolam o "praticante" da escuta psicanalítica inserido na instituição social. No entanto, começamos a averiguar, que a psicanálise pode ser um caminho de intervenção nas questões que envolvem o indivíduo social. O indivíduo social possui direitos e deveres que lhe são assegurados desde a Constituição Federal de 1988, de tal modo que muitas vezes ele se apresenta ao mesmo tempo dependente e demandante do Estado. O psicanalista não responde a esta demanda prontamente, mas visa que esse indivíduo se aproprie da sua condição de sujeito, através da investigação do seu inconsciente, dos seus impasses subjetivos. Como nos ensina Freud (1917/1996, p.295) "o Eu não é o Senhor de sua própria casa", ou seja, não há apenas a consciência dos direitos e deveres, mas uma maneira singular de cada sujeito se relacionar com o laço social.

Desse modo, o objeto geral desta pesquisa é analisar quais as possibilidades da psicanálise aplicada no CRAS. Com isso, pretendemos contribuir para as reflexões sobre a escuta e atuação dos profissionais de psicologia, de psicanálise e dos profissionais que atuam no CRAS como um todo.

 

METODOLOGIA

Utilizamos como metodologia de pesquisa a investigação bibliográfica exploratória tomando como referencial teórico os ensinamentos de Sigmund Freud, essencialmente suas obras "Caminhos da terapêutica psicanalítica" (1918/1996); "Linhas de processo na terapia psicanalítica" (1919 [1918]/1996); "O mal-estar na civilização" (1929/1996); "O interesse Sociológico da Psicanálise" (1913/1996) e "Psicologia de grupo de análise do ego"(1921/1996). Outro referencial teórico que embasou nossas reflexões foi o ensino de Jacques Lacan, principalmente sua obra "Ato de fundação" (1964/2003). Foram buscadas contribuições teóricas de outros autores que realizaram estudos sobre a aplicabilidade da psicanálise no contexto social. Para a coleta de dados foram analisados artigos científicos, periódicos, revistas eletrônicas e livros. A inclusão dessas publicações foi definida a partir da análise dos títulos, resumos e palavras-chave das respectivas bibliografias.

Além disso, foi preciso analisar o percurso da legislação da assistência social no Brasil tomando como base a Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais: Centro de Referência de Assistência Social, Sistema Único de Assistência Social (Suas) e a Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS).

 

O PERCURSO DA ASSISTÊNCIA SOCIAL NO BRASIL

A construção do direito da Assistência Social é recente na história do Brasil. Durante muitos anos a constituição do contexto social e suas vulnerabilidades e especificidades esteve ausente das formulações de políticas no país. O grande marco é a Constituição de 1988, chamada de Constituição Cidadã, que confere, pela primeira vez, a condição de política pública à assistência social, constituindo, no mesmo nível da saúde e previdência social, o tripé da seguridade social que ainda se encontra em construção no país. A partir da Constituição, em 1993 temos a promulgação da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), nº 8.742, que regulamenta esse aspecto da Constituição e estabelece normas e critérios para organização da assistência social, que é um direito que exige definição de leis, normas e critérios objetivos (BRASIL, 2009A).

Esse arcabouço legal vem sendo aprimorado desde 2003, a partir da definição do governo de estabelecer uma rede de proteção e promoção social, de modo a cumprir as determinações legais. Dentre as iniciativas, destaca a implementação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), em 2005, conforme determinações da LOAS e da Política Nacional de Assistência Social (PNAS).

O direito a assistência social estava previsto na CF, mas, foi somente com a criação da LOAS que ela passou a ser reconhecida como política pública, de responsabilidade do Estado e de direito do cidadão. A LOAS determina que a assistência social seja organizada em um sistema descentralizado e participativo, composto pelo poder público e pela sociedade civil.

Em 2004 ocorre a aprovação da Política Nacional de Assistência Social (PNAS) – Resolução Nº78, de 22 de junho de 2004. Em 2005 advém também o fortalecimento da política e da rede de assistência social com aprovação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS).

O SUAS organiza a oferta da assistência social em todo o Brasil, visando a promoção do bem-estar e proteção social a famílias, crianças, adolescentes e jovens, pessoas com deficiência, idosos e a todos que dela necessitarem.

A proteção social básica tem como objetivo a prevenção de situações de risco, por meio do desenvolvimento de potencialidades e aquisições, o fortalecimento de vínculos familiares e comunitários da população que vive em situação de vulnerabilidade social decorrente da pobreza, privação e/ou fragilização de vínculos afetivos. É operacionalizada pelos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) e por serviços de proteção básica (BRASIL, 2009B).

Nesse contexto, o Centro de Referência Técnica em Psicologia e Políticas Públicas – CREPOP surgiu para oferecer à Psicologia um novo olhar sobre os compromissos com as Políticas Públicas e com os Direitos Humanos. Segundo a publicação das referências técnicas para atuação do/a Psicólogo/a no CRAS/SUAS a psicologia pode contribuir para resgatar o vínculo do usuário com a Assistência Social. O psicólogo poderá desenvolver um plano de trabalho que inclua a dimensão subjetiva. Trata-se de um plano de desenvolvimento do usuário ou da família que, com base nos objetivos estabelecidos na Tipificação Nacional (MARIANO, 2011). Segundo Poli (2005a, p.50) "É da condição humana, do campo da cidadania que os assistentes sociais, psicólogos, educadores, etc., se vêem convocados a responder" (POLI, 2005a).

 

PSICANÁLISE E SOCIAL - AS ESPECIFICIDADES DO DISCURSO DA PSICANÁLISE ENQUANTO MÉTODO DE TRATAMENTO

A psicanálise enquanto método de tratamento associa-se tradicionalmente a análise individual. No entanto, não é exclusivamente direcionada ao consultório particular e podemos afirmar que existem possibilidades da psicanálise aplicada a instituições públicas.

Antes de abordar a aplicabilidade da psicanálise no campo social é importante acrescentar que existem alguns equívocos no que diz respeito à psicanálise aplicada em instituições. Um desses equívocos se relaciona a afirmação de que a psicanálise tem função apenas nos extratos sócio econômicos mais abastados. O que não é verdade. O não elitismo da psicanálise é defendido por Quinet (1991) afirmando não haver nenhuma contra indicação dessa clínica no campo público. O sujeito do inconsciente, tomado pela psicanálise, é um sujeito sem qualidades ou valorações essenciais e não admite atribuições sociais (negro/branco; pobre/rico; culto/inculto; entre outras) por isso podemos dizer que o sujeito do inconsciente é ‘público'. (ELIA, 2006b). Segundo Freud,

(...) é possível prever que, mais cedo ou mais tarde, a consciência da sociedade despertará, e lembrar-se-á de que o pobre tem exatamente tanto direito a uma assistência à sua mente, quando o tem, agora, à ajuda oferecida pela cirurgia, e de que as neuroses ameaçam a saúde pública não menos do que a tuberculose (...) Quando isto acontecer,haverá instituições ou clínicas de pacientes externos, para os quais serão designados médicos analiticamente preparados (...). Tais tratamentos serão gratuitos. Pode ser que passe um longo tempo antes que o Estado chegue a compreender como são urgentes esses deveres (FREUD, 1919 [1918]/1996, p.180-181).

Em 1918, no artigo "Caminhos da terapêutica psicanalítica" Freud (1918/1996) pensava em como seria responsabilizar o Estado em condições de pobreza no oferecimento ao tratamento psicanalítico. Além do tratamento psíquico seria necessário um auxílio material. A falta de perspectiva de vida e à conformação ao sintoma seriam uma dificuldade a mais. Quando uma instituição oferece auxilio material várias questões se colocam, ocorre muitas vezes a "falta de demanda psi" e a reincidência dos casos.

Podemos dizer que o dispositivo analítico pode se estender as instituições públicas e não deve ser restrito ao consultório particular. Freud recebeu seus pacientes assim e a partir dessa forma pode constituir uma estrutura da prática que nomeou psicanálise, mas o dispositivo analítico é esta estrutura inventada por Freud que não se reduz e nem se confunde com nenhuma configuração espacial (AMANCIO, 2012). De acordo com Rosa,

Os lugares apontados para o psicanalista são diferenciados entre si, mas têm em comum uma condição política e metodológica de um trabalho psicanalítico: seja em que âmbito for, sustenta-se na possibilidade de tomar o discurso do mestre pelo avesso, ou seja, em uma vertente não totalitária ou fundamentalista, que torna homogêneos os modos de gozo. E uma posição: permitir uma transferência de trabalho que focalize os projetos, e que o pulsar dos sujeitos envolvidos não seja ameaça de destruição, mas a sinalização de uma nova direção. Nesse sentido, ocupar esses lugares será entendido como modo de sustentação do desejo e promoção de um atravessamento que rompa algo do simbólico e do imaginário e toque o real do sujeito e do Outro, promovendo separações que possibilitam construir uma história institucional com seus avanços e fracassos (ROSA, 2004, p.15).

Apesar de Freud ter desenvolvido um método de investigação individual podemos perceber que ao longo de sua obra o autor ainda descreveu sobre diversos outros temas relacionados à vida mental e social. Tomando como ponto de referência o texto Psicologia de Grupo e análise do Eu (FREUD, 1921/1996) no qual Freud afirma que a psicologia individual é ao mesmo tempo psicologia social, verificamos que a psicanálise não parte de uma concepção maniqueísta de uma oposição entre o indivíduo e o laço social.

As ideias de Freud apresentadas no texto O mal-estar na civilização (FREUD, 1929/1996) são de grande valia para pensarmos sobre o tema e nos fornece elementos para iniciar uma reflexão sobre as relações entre psicanálise e instituição, considerando que a psicanálise foi inicialmente proposta como um tratamento possível para o mal-estar, um tratamento que se estabelece ao dar voz e lugar ao estranho, ao caos que desconcerta as normas de convivência social.

Freud em seu artigo sobre o interesse sociológico da psicanálise (FREUD, 1913/1996) afirma que ao fazer investigações sobre o indivíduo, não se pode deixar de tratar da base emocional da relação dele com a sociedade. A sociedade impõe exigências, restrições e repressão da pulsão ao sujeito e que o princípio do prazer de evitar o desprazer domine as ações humanas até ser substituído pelo princípio de realidade de adaptação ao mundo externo.

Uma pessoa se torna neurótica porque não pode tolerar a frustração que a sociedade lhe impõe, a serviço de seus ideais culturais, inferindo-se disso que a abolição ou redução dessas exigências resultaria num retorno a possibilidade de felicidade (FREUD, 1927-1931/1996).

Assim, aposta-se que para aplicar a psicanálise nesse contexto requer dar lugar ao que resta e escapa à lógica do "para-todos", para que, a partir daí, possam ser construídos arranjos singulares pelos sujeitos do seu encontro com o mal-estar no laço social.

 

OS LIMITES E AS POSSIBILIDADES DA INSERÇÃO DO DISCURSO DA PSICANÁLISE NO CRAS

A proposta da psicanálise na instituição não é a mesma proposta de uma análise que visa à travessia da fantasia fundamental e à política do passe. Nesse contexto, a psicanálise pode possibilitar uma escuta diferenciada, mas que esteja em consonância com os propósitos da instituição, isto é, no caso do CRAS, com o propósito da proteção básica, que visa à prevenção de situações de risco e violação de direitos, assim como o fortalecimento de vínculos familiares. Nesse sentido, o profissional orientado pela escuta psicanalítica não considera o indivíduo que dirige sua demanda ao CRAS, apenas em sua condição de sujeito totalizado do direito, como se ao deparar com a falta do sujeito só pudesse nela ver a falta do objeto do direito e que ele precisa se completar. Desse modo, o psicanalista oferece ao sujeito que se endereça ao CRAS, a possibilidade de uma escuta e direção do tratamento que inclui sua dimensão subjetiva. Segundo Mariano (2011), os profissionais não devem voltar o olhar apenas para o discurso dos direitos em que a subjetividade não tenha a menor possibilidade de aparecer.

O trabalho do psicanalista na instituição não se resume a reproduzir sua prática de consultório (a dois), pois há todo um trabalho que se desenvolve "entre muitos" (ABREU, 2008). Abreu (2008) descreveu algumas experiências de trabalho desenvolvido por psicanalistas de orientação lacaniana em instituições na Europa. O autor enfatiza em especial o trabalho de Antonio Di Ciaccia na Bélgica, a frente de uma instituição para crianças autistas fundada por ele, cujo nome é Antenne 110, que deu origem a um dispositivo nomeado por Jacques-Alain Miller de "prática entre vários" (pratique à plusiers). Esse dispositivo tem sido discutido por psicanalistas europeus e brasileiros, como uma forma de pensar a prática do psicanalista na instituição (ABREU, 2008).

Nesse contexto, é preciso que a prática da psicanálise continue dando lugar para o que não incluí no campo social e do direito possa comparecer no circuito da fala e no campo da linguagem. É neste ponto que a psicanálise pode ensinar alguma coisa à instituição, ou seja, pela "des-alienação" do significante que o sujeito chega encarcerado, seja ele a pobreza, o abuso, a posição de vítima, etc (MARIANO, 2011).

Assim, o psicanalista se orienta em direção a um real como impossível, que considera que há um ponto de mal-estar que é ineliminável, constituinte do sujeito, na medida em que viver em comunidade implica à renúncia à satisfação das exigências pulsionais. Isso significa que, frente a este ponto de real, de mal-estar, o psicanalista pode colocar para cada sujeito a dimensão da responsabilidade subjetiva quanto ao seu posicionamento no laço social. Nessa perspectiva, o sujeito torna-se o responsável por enlaçar suas exigências pulsionais ao pacto civilizatório e isso não é realizado sem perda e sem mal estar.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho, de forma alguma teve a pretensão de esgotar o assunto o anseio, talvez, foi muito mais deixar lacunas e aspirações para pesquisas posteriores no que diz respeito a aplicabilidade da psicanálise no social. A psicologia está sendo cada vez mais convocada a contribuir para novos projetos que vem surgindo no contexto social, temos que responder a estas exigências seja com a teoria psicanalítica, seja com outra modalidade, pois assim, estaremos no âmbito das políticas públicas.

A psicanálise não vem a ser uma prática que visa salvar o Brasil de seus problemas. Contudo, acreditamos que ela venha a ser uma prática que proporcione uma melhoria na condição de vida de muitas pessoas essencialmente população que se encontra marginalizada da sociedade, na medida em que considera o sujeito do inconsciente, responsável pelo seu posicionamento no laço social, no processo de constituição da cidadania.

Enfim, acredita-se que existem limites, mas existem também possibilidades do discurso psicanalítico no CRAS. A estratégia da práxis psicanalítica na instituição aponta a possibilidade da clínica em um espaço coletivo, sem excluir ou negligenciar a produção de cada sujeito e pautando-se numa ética: a ética da psicanálise.

 

REFERÊNCIAS

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1 Esta pesquisa integra a monografia de pós-graduação de Joice de Paiva, cujo título é "Possibilidades de atuação do Psicanalista no Centro de Referência de Assistência Social", defendida em 2014 no Programa de Pós-graduação em Teoria e Clínica Psicanalítica da Universidade José do Rosário Vellano – UNIFENAS/Varginha/MG, sob a orientação da Profa. Mestre Fernanda Oliveira Queiroz de Paula.
2 Doutoranda e Mestre em Teoria Psicanalítica pelo Programa de Pós-Graduação em Teoria Psicanalítica da Universidade Federal do Rio de Janeiro – PPGTP/UFRJ; Especialista em Psicanálise, Subjetividade e Cultura pela Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF; Graduada em psicologia pelo CES/JF; Docente do curso de Especialização em Teoria e Clínica Psicanalítica da Universidade José do Rosário Vellano Alfenas/MG; Membro-adjunto do Instituto Sephora de Ensino e Pesquisa de Orientação Lacaniana – ISEPOL; Psicóloga do Centro de Acolhimento à Infância e à Adolescência – CAIA (Juiz de Fora/MG). Bolsista do CNPQ – Brasil; E-mail: feoqp@yahoo.com.br
3 Pós-graduada em Teoria e Clínica Psicanalítica pela Universidade José do Rosário Vellano – Unifenas – Varginha/MG(2014). Graduada em Psicologia pela Universidade José do Rosário Vellano – Unifenas – Alfenas/MG (2008), Trabalhou 3 (três) anos no Presídio de Guaranésia-Guaxupé e ministrou aulas na escola Galeno de Guaxupé. Atualmente trabalha no Centro de Referência de Assistência Social – CRAS Dona Chiquinha de São Pedro da União/MG. E-mail: psijoice@yahoo.com.br

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