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Vínculo

versão impressa ISSN 1806-2490

Vínculo vol.14 no.2 São Paulo  2017

 

ARTIGO

 

O que é ser um psicoterapeuta analítico de grupo /grupanalista? Reflexões teóricas e clínicas

 

What is it to be a group analytic psychotherapist group / group psychotherapist? Theoretical and clinical reflections

 

¿Qué es ser un psicoterapeuta analítico de grupo / grupalista? Reflexiones teóricas y clínicas?

 

 

Mário David1

Neuro-Psychoanalysis (N-PSA)

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O psicoterapeuta analítico de grupo ou grupanalista tem uma enorme influência nas dinâmicas do grupo e na Matriz. Apesar das características pessoais e psicológicas (emocionais e mentais) dos membros do grupo, a presença do grupanalista tem um papel particular e único o qual deriva da sua formação treino e supervisão enquanto candidato a grupanalista/psicoterapeuta de grupo. Este papel é também condicionado pelas suas características de personalidade e de carácter, enfim pelas suas capacidades afetivas/emocionais e mentais (empatia, disponibilidade interna, curiosidade, verdade, aceitação do Outro e das diferenças, etc.), quando ele se disponibiliza e interage com cada membro do grupo e com o grupo no seu todo.

Palavras-Chave: Grupanálise; Grupanalista; Padrão Grupanalítico.


ABSTRACT

A group psychotherapist or group analyst has a huge influence over the group's dynamics and Matrix. Although the group members' personal and psychological characteristics (mental and emotional), also the group analyst's presence has a particular and unique role which derives from his training, practice and supervision while candidate for group psychotherapist which is also conditioned by his characteristics of personality and character and his affective/emotional and mental skills (empathy, internal availability, curiosity, acceptance of others and their differences, etc.), when he faces and interacts with each group member or with the group-as-a-whole.

Keywords: Group Analysis; Group Analyst; Groupanalytic Pattern.


RESUMEN

El psicoterapeuta analítico de grupo o grupanalista tiene una enorme influencia en las dinámicas del grupo e na Matrix. Apesar de las características personales y psicológicas (emocionales y mentales) de los miembros del grupo, la presencia del grupanalista tiene un papel particular y único que deriva de su formación y supervisión de entrenamiento enquanto candidato a psicoterapeuta analítico de grupo/grupanalista. Este papel también está condicionado por sus características de personalidad y carácter, por fin por sus capacidades afectivas/emocionales y mentales (empatía, disponibilidad interna, curiosidad, verdad, aceptación del otro y diferencias, etc.), cuando pone a disposición e interactúa con cada miembro del grupo y con el grupo en su totalidad.

Palabras clave: Grupanálise; Grupanalista; Padrão Grupanalítico.


 

 

INTRODUÇÃO

Imaginemos nós terapeutas analíticos de grupo estarmos à espera de nossos pacientes para mais uma sessão de grupo e em muitas ocasiões, nós estaremos a realizar diversos tipos de reflexões e de operações mentais, tais como:

A) Libertar as nossas mentes de nossas preocupações e angústias;

B) Avaliar sobre a nossa disponibilidade afetiva e balanço emocional interno;

C) Fazer uma breve revisão sobre alguma questão contra transferencial ocorrida nas últimas sessões;

D) Fazer uma breve revisão sobre algum processo transferencial em curso com determinado (s) membro (s) do grupo;

E) Fantasiar sobre a presença ou não de determinados (s) membros (s) do grupo e assim por diante...

Entretanto tudo isto é colocado num fundo mental, a fim de se minimizarem possíveis interferências sobre a nossa disponibilidade interna e postura analítica em relação ao grupo.

Se continuarmos a pensar e a refletir é natural que emerge na vossa mente a seguinte pergunta: "O que é ser um terapeuta de grupo"?

Para já saberemos responder que é uma tarefa complexa e exigente, mas simultaneamente muito envolvente e gratificante e para além do significativo envolvimento pessoal durante o treino, estudo e investigação grupanalíticos e psicanalíticos, exige de nós que trabalhemos inúmeras capacidades e qualidades de índole pessoal e técnica, a fim de obtermos os conhecimentos e a experiência necessários para atingirmos qualidade e profundidade desejáveis na orientação de processos individuais de análise psicológica através de dinâmicas de grupo.

Por agora, o autor gostaria de vos relembrar de um modo sucinto quais as tarefas principais de um terapeuta analítico de grupo/grupanalista:

1) Cuidar e manter a estrutura e as fronteiras físicas e psicológicas do grupo;

2) Estar atento a toda a espécie de acontecimentos e fenómenos que irão ocorrer dentro do espaço grupal;

3) Proceder aos mais diversos tipos de intervenções e interpretações com a finalidade de facilitar e promover a continuidade dos processos de análise pessoal.

4) Com um propósito fundamental, o de ajudar os nossos analisandos a ultrapassar os seus sofrimentos e conflitos, em se conhecer melhor, seja através do autoconhecimento, seja através da resolução de áreas de conflito pessoal ou relacional e de tudo mais que lhes seja inconsciente, ambivalente ou mesmo desconhecido.

Ao longo das décadas de 40 e 50 do Século XX, os autores iniciais do movimento grupanalítico não abordaram este assunto do papel do grupanalista em profundidade, pois eles deram mais ênfase ao grupo, dado ser este o principal objeto e estrutura das suas investigações e reflexões, incluindo, os seus fatores terapêuticos e dinâmicas próprias. Assim estas reflexões irão culminar no conceito abrangente de "Matriz de Grupo" (Foulkes, 1948/1983;1949/1964;1967) (Foulkes & Anthony, 1957/2014), o qual irá ser ampliado pela autora portuguesa Maria Rita Mendes Leal (Leal, 1983;1997) através do seu conceito de "Matriz de Relacionamentos Internos no Grupo".

Quanto à posição e influência do condutor de grupo/grupanalista perante o grupo, o fundador do movimento grupanalítico, S. H. Foulkes considerava que o grupanalista se devia colocar numa: "postura e presença similar ou equivalente à do Psicanalista" (Foulkes, 1948/1983) e ao longo do processo de análise diluir-se na própria matriz do grupo. Ele escreveu: "o condutor deve usar o grupo como um instrumento para a terapia. Ele pode ser considerado o primeiro servidor do grupo" (FOULKES, 1948/1983: p.139).

S. H. Foulkes (1948/1983;1949/1964;1967) e em conjunto com E.J. Anthony (1957/2014), pretendiam acima de tudo demonstrar que este novo método de análise psicológica beneficiando dos fenómenos e das dinâmicas curativas do grupo, também poderia atingir uma profundidade e qualidade equiparáveis à de um processo psicanalítico.

Recentemente o autor (David, 2016) reviu como a maioria dos autores grupanalíticos encaram o papel do condutor de grupo/ grupanalista, tendo apurado dois modos bastante distintos:

Uns consideraram que o condutor de grupo devia reduzir ou minimizar a sua influência, a fim de, não interferir com as capacidades potenciais e reais dos membros do grupo em se analisar e em interagir entre si. O condutor de grupo/grupanalista devia permitir o máximo de liberdade e espaço para a espontaneidade e criatividade dos seus analisandos, a fim de lhes facilitar momentos para eles sentirem, pensarem e autoavaliarem-se, de modos cada vez mais críticos e verdadeiros, maximizando as suas reais possibilidades para um crescimento pessoal interno e não interferidos por qualquer atividade mais ou menos proactiva por parte daquele.

Recentemente analisar todos os artigos publicados por S. H. Foulkes, Sylvia Hutchinson (2009) apercebeu-se que este autor apresentou duas bem diferenciadas posições perante esta questão da presença e da autoridade do Condutor, uma proactiva e uma outra passiva, "quando o condutor define e mantém a configuração, as regras e limites, até à posição de um "perito" no comportamento humano e nas dinâmicas de grupo, tornando-se um "recipiente e analista/tradutor de comunicações" (HUTCHINSON, 2009; p. 356).

Outros autores grupanalíticos, nomeadamente, Christine Garland e colegas (1984), Terence Lear (1985), Allan Horne (1992), Morris Nitsun (1996, 2006), Eduard Klain (2009), Sylvia Hucthinson (2009), Göran Ahlin (2010) ou Rocco Pisani (2014) e assim como, muitos dos autores da chamada Escola Portuguesa de Grupanálise: Eduardo L. Cortesão, (1967;1989/2008), Maria Rita Mendes Leal (1983;1997), César Vieira Dinis (2000;2002;2005) Guilherme Ferreira, (2002a; 2002b), Isaura M. Neto (1999;2002;2006;2010), Ana Sofia Nava (2006) e Mario David (2016) têm refletido sobre este assunto e de um modo geral todos eles consideram a presença do terapeuta, per si, como sendo sujeito e objeto de interações e fenómenos projetivos conscientes e inconscientes que podem envolver qualquer dos membros do grupo independente do grau de discrição revelada pelo grupanalista ao longo do processo grupal.

Para estes autores, todo o condutor de grupo/grupanalista acabará por transparecer algo da sua maneira de ser, enquanto ele vai esclarecendo, interpretando ou facilitando as vivências/experiências afetivas e emocionais para os membros do grupo. Mais, o condutor de grupo/grupanalista acabará por ter uma clara influência sobre a qualidade do trabalho analítico realizado por cada um dos membros do grupo.

A título de exemplo, este assunto tem sido abordado de modo sistemático por Morris Nitsun (1996;2009) esta questão da presença e autoridade do grupanalista, a qual ele considera ser de crucial importância e que se estabelece, desde logo, ao iniciar-se o processo grupal: "Desde que o grupo fica estabelecido, (da responsabilidade do grupanalista) (comentário do autor), o outro aspeto da autoridade surge em pleno direito" (NITSUN, 2009, p.327). Para este autor, a experiência de se estar num grupo é influenciada pela dupla natureza humana: sexual/libidinal e relacional/social e a simples presença de um grupo-terapeuta vai naturalmente promover o surgimento de atitudes e reações por partes dos membros perante tudo aquilo que o grupanalista pode representar enquanto figura de autoridade, seja em termos de valores maternais, paternais, figura composta ou mesmo enquanto figura primordial à existência do próprio grupo. Assim poderão surgir distorções nas atitudes dos membros do grupo e nos seus relacionamentos revelados através de denegação, do desafio, da inveja, da submissão, ou de ataques deslocados a uma outra autoridade, aos quais Morris Nitsun designou de "anti grupo" e que se manifestam sejam por faltas às sessões e atrasos repetidos, sejam por "actings-outs" e "drop-outs" ou por fenómenos mais específicos, tais como: o bode expiatório, o espelhamento maligno ou a violência verbal, etc.. (David, 2016). No entanto, ao conseguir manejar com destreza estes fenómenos de "anti grupo", isto pode representar um ponto de viragem, no desenvolvimento do grupo e no crescimento pessoal de cada membro, ao reduzir as possibilidades de atuação das forças destrutivas, fortalecendo a sobrevivência do grupo e libertando todo seu potencial criativo.

 

A CONCEPTUALIZAÇÃO DA ESCOLA PORTUGUESA DE GRUPANÁLISE

Esta questão do papel do grupanalista perante o grupo tem estado presente nas reflexões teóricas e apresentações clínicas de muitos dos Grupanalistas Portugueses, tendo como referencial teórico-clínico, a conceptualização do Padrão Grupanalítico proposta por Eduardo Luís Cortesão (CORTESÃO, 1967;1979;1989/2008;1991) como uma representação sobre a natureza, funções e propósitos do grupanalista, enquanto transmissor de atitudes e posturas, que segundo este autor são condicionados: "pela sua Personalidade e Caráter, pelas representações internalizadas das matrizes familiares e socioculturais e ainda pelo seu treino analítico pessoal" (CORTESÃO, 1988; p. 11). Para além dele, a professora e grupanalista Maria Rita Mendes Leal (1983;1997) considerava que a simples presença do Grupanalista é um fator de significativa influência para o processo grupal e é totalmente distinta das influências da Matriz no Grupo.

Entretanto esta conceptualização foi sendo aprofundada e sistematizada por outros autores, tal como, Leonardo Ancona (1989/1992) a propósito da integração do Padrão no Grupo, ele referiu-se a um "padrão exógeno" ou aquilo que é transmitido pelo grupanalista e a um "padrão endógeno" como o resultado da elaboração do "padrão exógeno" pela Matriz, criando assim características próprias de funcionamento do grupo.

A questão da liderança e autoridade do grupanalista não poder ser escamoteada ou evitada, para César Vieira Dinis (2000;2002;2005) quando ele se referiu aos modos como proceder perante as situações difíceis de lidar, nomeadamente, com as passagens ao ato, as faltas sistemáticas, os momentos de maior tensão psíquica ou mesmo de conflito explícito entre membros do grupo. Segundo este autor, apesar de cada um de nós trabalhar de modo distinto em função do seu Padrão Grupanalítico, nós temos de ser capazes de os trabalhar de modo analítico, isto é, quando nós estamos a explicitar ou clarificar o que se está a passar, nós temos de simultaneamente relembrar quais os limites a colocar para a situação em questão.

Mais recentemente, Isaura Neto (1999) em colaboração com Ana Sofia Nava (Nava & Neto, 2004; Nava, 2006) reviram e aprofundaram a conceptualização do Padrão Grupanalítico, recorrendo a informação mais atualizada provinda da Grupanálise e da Psicanálise, a fim de melhor descriminar quais as características pessoais e técnicas e as posturas/atitudes que um grupanalista deverá revelar:

 

AS DIMENSÕES DO PADRÃO A NATUREZA:

O Grupanalista, como uma PESSOA:

1-Personalidade (Estilo);

2- Caráter;

3- Matriz de Relacionamento Interno (Leal, 1968;1969;1983;1997);

4- Processo Analítico Pessoal

As Qualidades do Grupanalista:

1-Empatia apurada; Calor Humano não-Possessivo; Autenticidade (Terence Lear, 1985)

2-Honestidade; Veracidade (Martin Grotjahn, 1987)

3-Identidade estruturada em termos pessoais e profissionais (Earl Hopper, 1982)

4-Sinceridade; Abertura; Tolerância; Segurança; Competência (S.H. Foulkes, 1948;1949;1957)

5-Capacidade de estabelecer uma relação (Ronald Fairbairn, 1949/1972)

6-Capacidade de estar em grupo (Ana Sofia Nava, 2006)

Da Formação Prática do Grupanalista:

Só é possível através de Análise Pessoal (em grupo) e é dependente:

1- Os Cursos Teóricos e Práticos de Treino Grupanalítico

2- Atualização da Informações Científica

3- Da Supervisão Individual ou em Grupo

 

AS SUAS FUNÇÕES

1. Algumas das REGRAS:

A- Seleção Apurada

B- Ao trabalhar o Contrato Terapêutico deverá haver: Segredo / Contatos Fora do Grupo Proibidos / Contatos Familiares Proibidos / Prioridade dada às Comunicações Orais; Renúncia para Obtenção de Benefícios Secundários

C- O Grupanalista fornece/decide: Espaço Físico / Frequência das Sessões / Duração da Sessão (1H30m) / Regularidade / Pontualidade / Configuração: Face a Face, em círculo, temas de conversa devem surgir espontaneamente, Livre verbalização, (nenhuma Censura Social).

 

2. ATITUDES

A- As Intervenções Analíticas e as Interpretações

B- Abstinência de Intervenções Coloquiais (Opiniões)

C- Critério Analítico (ele não deverá falar sobre si mesmo)

D- Passividade / Atividade (G. Alhin, 2010) / Atitude empática (H. Kohut, 1984) /Atitude "Quente" (Racker H., 1988) / Como lidar com o Indivíduo/Grupo (E.L. Cortesão, 1967;1979;1988;1989/2008); (I.M. Neto, 1999) (A Escola Portuguesa de Grupanálise enfatiza o indivíduo no contexto de grupo).

 

OS SEUS PROPÓSITOS

1- Promover uma Visão Racional e Emocional

2- Trazer Mudanças Significativas em cada um Self

3- Proporcionar um desenvolvimento e restruturação diferenciada das funções do Self num qualquer membro do grupo para aceder à autônoma, natural e coerente Interdependência psicológica

4- Numa palavra: O Processo Grupanalítico (Neto, 1999) (Nava & Neto, 2004) (Nava, 2006)

 

AS CARACTERÍSTICAS DOS PSICOTERAPEUTAS, EM GERAL E DOS GRUPANALISTAS, EM PARTICULAR

Os terapeutas analíticos de grupo (Grupanalistas) têm a obrigação de desenvolver e melhorar as suas qualidades humanas de tolerância, compreensão, empatia e aceitação, em particular, perante tudo o que lhes é diferente ou estranho.

Durante o seu processo de crescimento pessoal e analítico, os Grupanalistas devem melhorar as suas capacidades de pensamento crítico e as perícias de comunicação e ainda serem assertivos nas questões interpessoais e relacionais, para mais tarde, serem mais capazes de entender e pensar sobre aquilo que os Outros lhes vão revelando enquanto lhes pedem ajuda e esclarecimento.

Eles devem estar atentos a tudo aquilo que faz sofrer os seus analisandos quando eles tentam confrontar e ultrapassar as suas dificuldades pessoais ou relacionais.

Nós, os Grupanalistas, devemos ser capazes de estar atentos às nossas dificuldades e limitações pessoais dado que elas são condicionadas pelas nossas características emocionais e intelectuais.

Numa comunicação oral apresentada no XIº Congresso Nacional da SPG sob o título: "Horizontes e Odisseias do Processo Grupanalítico", Isaura Neto (2010) expressou-se publicamente sobre quem podia ser psicoterapeuta analítico, partindo de uma proposta de Otto Kernberg (2003) quando este se referia a cinco caraterísticas fundamentais para se ser um "suficientemente bom analista":

"1 - Inteligência superior, 2 - suficiente maturidade emocional; 3 - sólida e profunda integridade moral; 4 - narcisismo suficientemente maduro; 5 - traços paranoides quanto baste (não ser ingénuo)".

A estas características, ISAURA M. NETO (2010) acrescentou mais algumas para se ser um "suficientemente bom analista/grupanalista":

6 - Autenticidade;

7 - Capacidade de manter a autoanálise;

8 - Conhecimentos profundos de Grupanálise, teoria psicanalítica, psiquiatria, psicologia;

9 - Formação básica com alguns conhecimentos de Matemática, Física, Filosofia, História;

10 - Preocupação constante com a atualização de conhecimentos;

11 - Disponibilidade para conhecer, criticar e, eventualmente aceitar o diferente;

12 - Tolerar o paradoxo de qualquer cientista: acreditar veementemente numa hipótese bem estruturada mas estar disposto a analisá-la, experimentá-la, e, eventualmente, aceitar a frustração do insucesso, recomeçando o processo" (NETO, 2010).

Para além destas qualidades pessoais, na mesma ocasião Isaura M. Neto (2010), considerou para um

"suficientemente bom analista/grupanalista" este tem: "acreditar, transmitir esperança na transformação do sofrimento de quem nos procura, mas estar aberto a alterações necessárias em caso de insucesso; alterações de hipóteses diagnósticas, de técnica, procura de outras alternativas terapêuticas" (Neto, 2010).

 

A "Atitude Grupanalítica"

Para S. H. Foulkes (1948), a "atitude grupanalítica", trata-se de "uma disposição interna", enquanto para E. L. Cortesão, esta se revela: "através da forma pessoal, como ele (grupanalista) emite as suas interpretações; como as diz e o que ele diz". (CORTESÃO,1989/2009) e que vai determinar a qualidade e a profundidade do trabalho grupanalítico, e nos auxilia a encontrarmos os equilíbrios necessários e possíveis para uma melhor orientação do processo grupal.

Esta "disposição interna", mais tarde, designada de "atitude grupanalítica", é a mais fundamental de todas as variáveis que um grupanalista pode controlar, sendo "um fator específico adentro de um contexto característico - a matriz do grupo" (CORTESÃO,1988; pp. 7).

A "atitude grupanalítica" é pré-existente ao grupo, segundo Maria Rita Mendes Leal (1983;1997) e ela vai influenciar de modo significativo, os modos como os membros do grupo vão reexperimentar emocionalmente as suas necessidades relacionais primitivas e induzir uma nova e progressiva ressocialização destes dentro da matriz global, e ainda, em última instância, uma maturação das matrizes individuais intrapsíquicas (Leal 1983;1997).

Partindo de princípios gerais que devem reger uma "atitude analítica para o grupo" ou "atitude grupanalítica", Isaura M. Neto (1999;2002;2010) apresentou uma proposta de sistematização sobre o que ela considera ser pertinente:

-"Um analista tem essencialmente de facilitar a liberdade de pensamento e de expressão de emoções e conflitos.

- Um analista trata, facilitando a descoberta dos pacientes sobre as suas vidas e personalidades.

- A empatia e o desejo de compreender são as atitudes básicas dos analistas.

- Um analista deve formular hipóteses de compreensão para as ocorrências patológicas ou geradoras de sofrimento de quem o procura. Deve estar preparado para as confirmar ou infirmar com alguma frequência e sempre que necessário.

- Deve avaliar o que foi o sofrimento infantil com os objetos primários e introspetivamente antecipar se está ou não disposto a e capaz de suportar a inevitável transferência.

- Um analista não se pode confundir com os seus pacientes

- Um analista não se pode envolver emocionalmente com os seus pacientes fora do contexto e da atitude analítica.

- Um analista tem de avaliar o que tem de idêntico e ou diferente dos seus pacientes, antecipando áreas de incompreensão e eventual conflito.

- Um analista tem que tentar discernir em cada momento o que é predominantemente projetivo e defensivo, em sentido geral, do que é real na narrativa e sofrimento dos pacientes.

- Estar atento aos sinais da Contratransferência, em sentido estrito, e que tem a característica de pertencer ao domínio do inconsciente.

- Tudo o que o analista diz ou faz é importante. Inclui-se o silêncio." (NETO, 2010).

Nessa mesma comunicação, Isaura Neto (2010) conclui:

"um analista tem essencialmente de facilitar a liberdade de pensamento e de expressão de emoções e conflitos; tentar tratar, facilitando a descoberta dos pacientes sobre as suas vidas e personalidades; ter de possuir capacidades de empatia e desejo de compreender; formular hipóteses de compreensão para as ocorrências patológicas ou geradoras de sofrimento de quem o procura". (NETO, 2010).

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tendo em conta esta resenha teórica, o autor gostaria de compartilhar a sua opinião e experiência sobre o que será decisivo sobre as nossas responsabilidades enquanto psicoterapeutas analíticos de grupo, enquanto nós estamos a apoiar e manejar clinicamente qualquer processo de análise pessoal em grupo que se pretenda ser frutuoso e criativo:

1) Gostarmos em estar em situação grupal e, estar à partida à vontade com esta situação.

2) Devemos estar atentos a qualquer perda de ânimo ou de esperança, em particular, em momentos de crise ou de destrutividade no grupo, independentemente da fase de crescimento ou desenvolvimento deste.

5) Além disso, temos de estar conscientes sobre a forma como somos percebidos por cada membro do grupo; que tipo de defesas psicológicas e que tipo de projeções são usadas com mais frequência.

3) Devemos dispor de uma capacidade interna genuína para vivenciar toda a espécie de desafios, em particular, os mais inusitados ou inesperados sejam eles, oriundos dos relacionamentos entre os analisandos, sejam eles diretamente connosco.

4) Se possível, nós devemos estar conscientes do grau de empatia que vamos sentindo com cada um dos membros do grupo, a fim de se conseguirmos um certo equilíbrio entre a nossa disponibilidade e a nossa capacidade de compreensão para com cada um deles.

5) Além disso, temos de estar conscientes sobre a forma como somos percebidos por cada membro do grupo; que tipo de defesas psicológicas e que tipo de projeções são usadas com mais frequência.

6) Nós temos de aprofundar as nossas capacidades de compreensão sobre o material consciente e inconsciente que nos é apresentado e experienciado por eles.

7) Nós precisamos ser capazes de capturar num registo afetivo/emocional, os conteúdos latentes nas comunicações implícitas ou nas comunicações explícitas e simultaneamente, o que está a acontecer a nível interpessoal dentro do grupo.

8) A qualidade e relevância das nossas intervenções dependem da nossa capacidade de consciencialização e de escrutinar sobre aquilo que é comunicado e interagido entre os membros do grupo.

9) Qualquer falha ou diminuição da qualidade do nosso trabalho analítico é rapidamente percebida pelos membros mais perspicazes e empenhados e as suas consequências vão repercutir-se mais cedo ou mais tarde, nas sessões seguintes, até sermos capazes de recuperar a confiança depositada em nós.

10) Ao longo do nosso processo de análise psicológica, nós devemos ter acumulado e aprofundado experiências e conhecimentos, especialmente, em áreas que nos sejam mais problemáticas em termos pessoais.

11) O nosso processo de análise psicológica deverá ter sido o mais diversificado e enriquecedor, tanto em termos de vivências pessoais, assim como, em conhecimentos partilhados com os nossos colegas nesta "viagem analítica".

12) Por fim, o autor considera os aportes clínicos e experienciais transmitidos pelos nossos supervisores, como uma outra muito importante contribuição para os nossos esforços em encontrar e estabelecer um estilo pessoal e padrão pessoais para o nosso trabalho grupanalítico.

Mais poderá ser pensado e aprofundado sobre este tema da natureza, funções e propósitos do papel de um terapeuta analítico de grupo o autor julga ter contribuído para uma renovada e mantida investigação e reflexão sobre esta tão essencial questão do nosso mister de Grupanalistas.

 

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Endereço para correspondência
Mário David
E-mail: mjmmdavid@gmail.com

Rua Conselheiro Martins de Carvalho Nº 9 -2º Andar
Direito-1400-069 Lisboa - Portugal

Recebido em: 17.07.2017
Avaliado em: 10.08.2017
Aceito em: 20.08.2017

 

 

1 Grupanalista, Membro Efetivo da SPGPAG, da GASI (Internacional) e da Neuro- Psychoanalysis (N-PSA). Médico Psiquiatra de Adultos e Especialista em Adições.

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