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Vínculo

versión impresa ISSN 1806-2490

Vínculo vol.16 no.1 São Paulo enero/jun. 2019

http://dx.doi.org/10.32467/issn.1982-1492v16n1p114-136 

ARTIGO

DOI – 10.32467/issn.1982-1492v16n1p114-136

 

O fazer psicológico a partir de necessidades e dificuldades de conselheiros tutelares

 

Psychological doing from the needs and difficulties of guardianship counselors

 

El hacer psicológico a partir de necesidades y dificultades de consejeros tutelare

 

 

Bruno Bonfá Araujo1, I; Wilma M. Henriques2, II

IUniversidade São Francisco (USF-Campinas)
IIUniversidade de Mogi das Cruzes

 

 


RESUMO

Esta pesquisa teve como proposta compreender a atuação de conselheiros tutelares e a atividade do Conselho Tutelar, em relação às suas práticas de atendimento. O conselheiro tutelar é o profissional responsável pelo atendimento de crianças e adolescentes em situação de risco e violação de seus direitos. O objetivo desta pesquisa foi identificar as dificuldades e necessidades relatadas pelos conselheiros tutelares em relação a suas práticas cotidianas. Compreender se a ausência do profissional de psicologia constitui uma dificuldade nas práticas dos conselheiros tutelares e investigar se existe importância para atuação de um psicólogo dentro dos Conselhos Tutelares. A análise foi feita por meio do método oral. Deste modo, foi possível compreender que existem obstáculos que transpõem o dia a dia de conselheiros tutelares, em evidência estão às dificuldades nos atendimentos e a fragilidade de se posicionar como figura principal nos casos.

Palavras-chave: Conselho tutelar; Estatuto da Criança e do Adolescente; Atuação do psicólogo.


ABSTRACT

The purpose of this research was to understand the role of guardianship counselors and the activity of the Guardianship Council in relation to their care practices. The guardian counselor is the professional responsible for attending children and adolescents at risk and violation of their rights. The objective of this research was to identify the difficulties and needs reported by guardianship counselors in relation to their daily practices. To understand if the absence of the professional of psychology constitutes a difficulty in the practices of the tutorial advisers and to investigate if there is importance for the action of a psychologist within the Guardianship Council. The analysis was done by oral method. Thus, it was possible to understand that there are obstacles that transpose the day to day of guardianship counselors, the higher difficulties encompass in the attendances and the fragility of positioning itself as main figure in the cases.

Keywords: Guardianship Council; Child and Adolescent Statute; Psychologist's performance.


RESUMEN

Esta investigación tuvo como propuesta comprender la actuación de consejeros tutelares y la actividad del Consejo Tutelar, con relación a sus prácticas de atención. El consejero tutelar es el profesional responsable por la atención de niños y adolescentes en situación de riesgo y violación de sus derechos. El objetivo de esta investigación fue identificar las dificultades y necesidades relatadas por los consejeros tutelares con relación a sus prácticas cotidianas. Comprender si la ausencia del profesional de psicología constituye una dificultad en las prácticas de los consejeros tutelares e investigar si existe importancia para la actuación de un psicólogo dentro de los Consejos Tutelares. El análisis se realizó mediante el método oral. De este modo, fue posible comprender que existen obstáculos que transponen el día a día de consejeros tutelares, en evidencia están a las dificultades en las atenciones y la fragilidad de posicionarse como figura principal en los casos.

Palabras clave: Consejo tutelar; Estatuto del Niño y del Adolescente; Actuación del psicólogo.


 

 

Introdução

Este trabalho visou refletir sobre a atuação de conselheiros tutelares e a atuação do Conselho Tutelar, em relação às suas práticas de atendimento. Como dito no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) em seu art. 131 o Conselho Tutelar é um "órgão permanente e autônomo, não jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente" (Brasil, 1990). Não jurisdicional significa que em sua criação, o conselho tutelar removeu do judiciário os casos que em um primeiro momento não necessitavam de decisão imediata da lei, colocando assim a responsabilidade e a resolução destes nas relações da comunidade, facilitando a rapidez da resolução de atendimentos envolvendo crianças e adolescentes (Assis. 2010, p151).

O conselheiro tutelar é o profissional responsável pelo atendimento de crianças e adolescentes em situação de risco e violação de seus direitos e cabe a este profissional utilizar da lei para que os direitos sejam cumpridos (Rocha, 2009). Este conselheiro possui autonomia dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e, portanto, o órgão exige participação da sociedade para que suas leis sejam aplicadas e efetivadas (Assis et al., 2010).

Quanto ao espaço físico Assis et al. (2010) aponta que são necessárias "salas de atendimento individual, que garanta a privacidade do atendimento ao público; sala adequada para pequenas reuniões de trabalho" e quanto aos materiais, "material permanente para escritório; aparelho celular para os plantões; serviço postal; automóvel para locomoção do conselheiro para o atendimento a denúncias e visitas domiciliares" entre outros providos pelo Poder Executivo.

Já em relação ao instrumento utilizado pelos Conselhos Tutelares, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é a peça chave, esse documento transpôs em nossa realidade os princípios que estão presentes na Declaração Universal dos Direitos da Criança e do Adolescente da Organização das Nações Unidas (Silva, 2009). O documento assegura à criança e ao adolescente o direito à vida, à saúde, à liberdade, ao respeito e a dignidade, a convivência familiar e comunitária, à educação, à cultura, ao esporte e ao lazer, e o direito à profissionalização e a proteção no trabalho. Portanto, coloca a responsabilidade na família, no Estado e na sociedade para efetivar esses direitos e prevê maneiras para que essas medidas sejam cumpridas.

As atribuições do Conselho Tutelar estão dispostas no art. 136 da Lei nº 8069/90 que instaura o ECA, em suma são, aplicar medidas em crianças e adolescentes, atender responsáveis e garantir atendimento completo de proteção aos atendidos. Segundo Sêda (2003), a sociedade (nela inclusos os pais e familiares) deverá prover às necessidades básicas da criança, garantido as condições para que seja possível a criança e o adolescente viverem dignamente.

Quando o conselheiro tutelar se depara com um caso que ultrapassa sua competência, cabe a ele encaminhar para um técnico que seja capaz de realizar o atendimento, não cabe ao conselheiro tutelar a realização da função técnica dos profissionais de psicologia, serviço social, direito ou medicina. Também não cabem aos conselheiros ações assistencialistas como distribuir remédios, cestas básicas ou roupas para a comunidade. O conselho não estabelece qual será a ação técnica do profissional que atenderá a criança, o adolescente ou a família, mas deve garantir que eles tenham acesso ao atendimento fundamental com a devida orientação e assistência (Assis et al., 2010).

Sêda (1999) ao falar sobre os atendimentos de terceiros, nós trás que a requisição é uma ação realizada por alguém que tem poder legal para solicitar algo, neste campo estão inclusos os conselhos tutelares. Aragão (2011) destaca que, os conselhos tutelares em suas redes de atendimento têm apoio completo do Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA), sendo este o órgão principal que cria e aplica políticas envolvendo os dispositivos de atendimento.

Todos esses dispositivos envolvidos com o conselho tutelar preveem a garantia completa de serviços multiprofissionais, devendo ser um dos órgãos privilegiados quando se trata de intervenções intersetoriais. O trabalho realizado por outros órgãos da rede, inúmeras vezes são restritos, de maneira que alcançar resoluções para os casos é um tema complexo (Paula, 2014).

Sequeira, Monti, Braconnot (2010) em sua pesquisa, destacam a falta de políticas públicas que preguem a defesa da criança e do adolescente, sendo mais ainda defasada quando tem ligação com o núcleo familiar. É possível observar que pesquisas nessa área são escassas e necessitam de maior investimento para investigar por que um órgão vital a sociedade ainda é deixada em segundo plano (Araujo, 2016).

Deste modo, o objetivo desta pesquisa foi identificar as dificuldades e necessidades relatadas pelos conselheiros tutelares em relação a suas práticas cotidianas. Compreender se a ausência do profissional de psicologia constitui uma dificuldade nas práticas dos conselheiros tutelares e investigar se existe importância para atuação de um psicólogo dentro dos Conselhos Tutelares.

 

Método

Para Forghieri (1993) os cientistas almejam com suas investigações conseguir enunciar o verdadeiro significado da realidade e para isto vários meios por eles têm sido utilizados. Para esta pesquisa foi utilizado o caminho da pesquisa qualitativa, que segundo Gomes (1998) trabalha com "capta", ou seja, o que é tomado, o que é vivido. O entrevistador deixa-se conduzir pela expressão do entrevistado criando assim uma mutualidade de experiências entre os dois comunicantes.

 

Participantes

Os depoentes da pesquisa foram dez conselheiros tutelares de duas cidades do Alto Tietê, efetivos e em plena atividade.

 

Instrumentos de coleta de dados

O instrumento escolhido foi uma entrevista do método oral descrito por Meihy (1991) e Henriques (2005). A entrevista teve a seguinte pergunta disparadora: Pode me contar das dificuldades e necessidades de suas experiências no Conselho Tutelar?

 

Procedimento

De acordo com os padrões éticos, o projeto de pesquisa foi previamente aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa, por meio da Plataforma Brasil, com parecer número 1.517.701, sendo os dados só coletados apenas após aprovação. O contato com os conselheiros ocorreu na sede de seu respectivo Conselho Tutelar, no qual foi explicado o conteúdo do projeto, coletado a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e entrevista que com seu consentimento foi gravada.

 

Análise dos dados

A análise foi feita por meio do método oral, descrito por Meihy (1991) e Henriques (2005). Em que uma pergunta disparadora é feita, o áudio é então digitalizado fielmente e palavras-chave são buscadas de acordo com o objetivo da pesquisa realizada, segundo Meihy (1991), a palavra-chave é básica e fundamental. É por ela que se define a musicalidade da entrevista e se afiança o tom pretendido pelo narrador.

Em seguida o texto passou por um processo de textualização onde a voz do entrevistador foi anulada e foi contextualizada. Para Meihy (1991) a textualização

[...] "é o estágio mais graduado na feitura de um texto de história oral. Consta desta tarefa a reorganização do discurso, obedecendo a estruturação requerida para um texto escrito. Através da soma das palavras-chave, estabelece-se o corpus, isto é, a soma dos assuntos que constituem o argumento. Faz parte do momento da textualização, a rearticulação da entrevista de maneira a fazê-la compreensível, literariamente agradável" (Meihy, 1991, p 30).

Durante esse processo foi realizado o que Henriques (2005) chama de cartografia (inclui o acompanhamento, em campo, das vibrações/pulsações, configuradas na práxis cotidiana), onde o pesquisando entrou em contato com todo o material colhido para encontrar em cada discurso aquilo que se buscava com a questão inquietadora. Selecionando a partir de exemplaridade algumas vinhetas. Após este processo ocorreu o chamado entrelaçamento com citações de autores estudados e reflexões do pesquisador, como uma busca de encontrar sentido e refletir acerca dos objetivos da pesquisa.

 

Juízes de valor

As entrevistas foram encaminhadas a colegas psicólogos, para que estes realizassem o processo de busca de palavras-chave descrito por Meihy (1991) assim como realizado pelos autores. Finalmente os resultados obtidos pelo autor e pelos juízes de valor foram comparados e aqui serão apresentadas a seguir.

 

Resultados e Discussão

Ao serem questionados sobre suas dificuldades e necessidades, os conselheiros relataram suas experiências e abordaram a situação a partir do vivido de cada um, não ficando evidenciado nos relatos a separação entre dificuldades e necessidades, sendo elementos entrelaçados. Gostaríamos de nos apropriar do conceito de hibridismo3 utilizado por Henriques (2005), tanto as falas dos conselheiros quanto em nossas que estão mescladas de vivências e experiências anteriores e do encontro realizado, no qual o conselheiro foi convocado a pensar sobre suas vivências e relatá-las.

Após ser cruzado os resultados dos pesquisadores com os resultados encontrados pelos juízes de valor, foram destacados os seguintes temas nos discursos das(os) conselheiras(os) tutelares: a grande quantidade de demanda, a falta de recursos e materiais, a demora encontrada nos encaminhamentos, a falta de outros profissionais e a dificuldade sentida em seus próprios atendimentos. Como o leitor irá observar, esta pesquisa teve enfoque sobre os tópicos "falta de outros profissionais" e "dificuldade sentida em seus atendimentos", pois foram os temas de maiores resultados durante a verificação dos dados, por ser um tema extenso são sugeridas outras pesquisas sobre o assunto para que possam englobar dificuldades não discutidas aqui.

Em relação aos profissionais C1 nos diz que:

[...] as dificuldades aqui são assim, pautadas na necessidade de outros profissionais. (sic)

O discurso do C2 complementa:

[...] não temos aquilo que seria assim o básico, o necessário para o atendimento de uma criança/adolescente na nossa sede, vou dizer no nosso município, porque às vezes falta assistente social, falta o serviço público em geral, e psicólogo, falta assim estrutura. (sic)

A falha básica apresentada pelos conselheiros tutelares foi à falta de suporte de outros profissionais, assim como C1 e C2 trazem em seus discursos, o trabalho deles é permeado pela ausência de técnicos, mas ao pensarmos nessa falta podemos nos remeter ao ECA. O documento assegura em seu art. 136 que é de atribuição do conselheiro tutelar encaminhar e requisitar serviços nas áreas necessárias para atendimento técnico (Brasil, 1990). Portanto, não é apenas uma discussão sobre a criação de novos cargos técnicos, e sim quais desses dispositivos estão funcionando coerentemente, o que torna a discussão muito mais ampla.

Fernandes (2005) em seu livro "Negatividade e Vínculo: A mestiçagem como ideologia", ao falar sobre a luta antimanicomial faz a ressalva de que as situações enfrentadas socialmente necessitam passar por níveis de discussão amplos, só assim seremos capazes de compreender quão profundas essas situações são. Ela destaca que esses níveis devem perpassar por quatro âmbitos "o jurídico político, o sócio cultural, o teórico conceitual e o técnico assistencial" (Fernandes, 2005, p 40).

Gostaríamos, portanto de transportar este pensamento para nossa análise em relação ao órgão em estudo. O Conselho Tutelar é composto de dois níveis hierárquicos, na base os próprios conselheiros e acima deles o juiz, qualquer outro profissional que realize funções para a entidade como técnico é um adendo ao corpo de funcionários e, portanto, não está presente diariamente nos atendimentos. Sêda (2003) esclarece que o órgão do Conselho Tutelar não é submetido à subordinação em qualquer âmbito por qualquer órgão.

Voltando a análise de Fernandes que adaptamos para esta pesquisa, o pensamento jurídico político possui o judiciário (Juízes e Promotores) como base, portanto é representado em minha análise nos níveis descritos por Fernandes (2005). O nível sócio cultural é representado pela figura dos conselheiros tutelares, que são eleitos por meio de votos da sociedade. Já o âmbito teórico conceitual é representado pela Lei nº 8069/90, que institui o Estatuto da Criança e do Adolescente, portanto possui embasamento para ser cumprida. Finalmente chegamos ao nível técnico assistencial, é neste nível que pretendemos desenvolver alguns resultados desta pesquisa. Vejo que quando falamos de nível técnico assistencial, estamos falando de profissionais que são capazes de representar uma ciência específica, obtendo resultados satisfatórios, e auxiliando no funcionamento principal do órgão por meio de seu conhecimento. Nossa linha de raciocínio começa a ser justificada mediante o discurso dos conselheiros, como C5

[...] a presença do psicólogo nesse momento seria uma triagem, ao perceber que eu preciso do acompanhamento psicológico, imediatamente o cliente que está à frente do conselheiro tutelar já seria encaminhado com relatório pronto, para ele (o psicólogo) ter acesso, quais seriam as providências tomadas mediante ao lado emocional. (...) então se nós fossemos pensar em um Conselho Tutelar multifuncional, nós teríamos um clínico geral, psicólogos, advogados e assistentes sociais, conseguindo assim um Conselho Tutelar disponível para nossa sociedade, completíssimo. (sic)

E quanto aos dispositivos que realizam o serviço intersetorial? Por meio da Lei nº 8069/90, no art. 136 fazem parte das atribuições dos conselheiros tutelares "III- promover a execução de suas decisões, podendo para tanto: a) requisitar serviços públicos nas áreas de saúde, educação, serviço social, previdência, trabalho e segurança." (BRASIL, 1990, p. 46). Portanto todos os dispositivos do município estão inclusos neste artigo, de maneira a contribuir para o desenvolvimento dos casos atendidos pelos conselheiros tutelares.

C3 narra uma dificuldade em relação a estes dispositivos:

Uma das dificuldades que a gente tem é que como é meio saturada toda a parte política, quando a gente encaminha para a saúde, para qualquer órgão que a gente encaminha é difícil o retorno. (sic)

C5 complementa:

[...] desde quando eu assumi meu primeiro mandato, que foi no ano 2000, já sentíamos as necessidades de profissionais próximos aos nossos atendimentos, motivos e demandas, então precisamos de um atendimento do psicólogo, do clínico geral, do encaminhamento, seja lá para quem for, então precisamos hoje de agendamentos e muitas vezes os casos necessitam de urgência ou emergência e nós vamos para a fila. (sic)

Portanto os conselheiros relatam que de algum modo seu atendimento é afetado, C1 narra:

[...] (a falta do psicólogo) afeta por conta da gente não poder dar uma solução de imediato para essa criança, porque realmente o problema às vezes é o psicológico e a gente não consegue detectar, apenas o técnico, nós conversamos, porém é difícil conseguir um resultado 100% positivo e de que maneira podemos avaliar para dar continuidade no acompanhamento. (sic)

C10 falando de suas experiências nos conta que,

[...] são inúmeras, aprendemos cada vez mais, é um trabalho enriquecedor, com muitas informações que me fazem ter uma visão diferente da vida, trabalhamos corpo a corpo e o problema do usuário passa a ser nosso isso é inevitável. (sic)

E que solução seria possível para o alívio das referidas angústias e a falta de profissionais que acompanhem os atendimentos? Uma das soluções encontradas por Sequeira, Monti e Braconnot (2010), foi à realização de um estágio, no qual os alunos de psicologia desenvolveram grupos de atendimento com adolescentes e discussão com os conselheiros sobre os casos atendidos.

Já outra solução proposta por Pedroso, Silva e Tarasconi (2011) foi à realização de encontros semanais com conselheiras tutelares de uma unidade do CT do Rio Grande do Sul, o objetivo do trabalho das autoras era a realização de um estágio obrigatório no qual a proposta de atendimento foi criar um espaço para que as conselheiras tutelares pudessem expressar seus pensamentos, algumas temáticas discutidas pelas autoras foram "funções e atribuições do conselheiro; o desenvolvimento da capacidade de trabalhar em equipe, ressaltando a importância do respeito quanto às diferenças individuais" (PEDROSO, SILVA E TERASCONI, 2011) entre outros temas. Como vemos é premente a vinculação com estágios de Psicologia nas Universidades. Afinal estas estão responsáveis pela pesquisa e extensão.

Uma proposta que gostaríamos de discutir é narrada por C6,

[...] teríamos uma sala, diante do problema que surgisse encaminharemos ou para o psicólogo ou para o assistente social, fariam o atendimento nessa sala mais reservada, como é feito, como deve ser feito, eu tenho certeza que sairiam daqui com uma boa orientação, não sei se a solução do problema, mas pelo menos uma forma bem mais tranquila do que quando chegaram, ao passo que nós conselheiros independente das nossas atribuições ou da nossa formação não temos condição de dar porque não somos especialistas nessas áreas, o que mais precisamos é o assistente social e o psicólogo. (sic)

Novamente aqui as angústias dos Conselheiros Tutelares são apresentadas, o que nos leva a indagar. Seria o plantão psicológico um meio no qual essa proposta de C6 possa ser concretizada? Mas, se existem dispositivos que realizam os atendimentos às crianças e aos adolescentes, para quem esse plantão psicológico seria disponibilizado?

Como discutido por Pedroso, Silva e Tarasconi (2011), é possível a realização de um trabalho com os conselheiros, as autoras puderam concluir que o atendimento com os profissionais esclarece quais são as questões pertinentes, não apenas isso mais a criação de um espaço no qual os conselheiros podem ter apoio para seus próprios questionamentos.

C3 tem um pensamento similar:

[...] (ao falar sobre o atendimento psicológico) para o conselheiro, porque ele também ter que ter seu acompanhamento, pensa só, o psicólogo é preparado para isso e se sobrecarrega, imagina o conselheiro que não está preparado nem um pouco para isso? (sic)

C7 complementa,

[...] O psicólogo para o conselheiro faz uma falta tremenda, nós carregamos e levamos os problemas para casa, acabamos absorvendo. Nós deveríamos ter uma política de trabalho que garanta passarmos no psicólogo, porque piramos aqui dentro. (sic)

C8 relata o sofrimento pessoal:

[...] Os casos que encontrei foram muito chocantes, eu sofri muito, tenho filhos e situações de crianças violentadas sempre foram um abalo muito grande. Chego em casa e choro, todos os dias, porque para mim foi muito forte, eu ia para o banheiro para os meus filhos não verem o que eu estava sofrendo. (sic)

C9 expressa suas frustrações dizendo,

[...] Não resolver o problema afeta o seu psicológico, isso frustra demais, você sempre depende de outras pessoas para conseguir resolver. Creio que o psicólogo iria me mostrar caminhos, porque atualmente eu chego em casa acabada. (sic)

Segundo os relatos coletados, o sofrimento dos conselheiros tutelares vai para além do aspecto profissional, ele afeta aspectos pessoais na vida desses profissionais. Pensamos, portanto, que a disponibilidade do psicólogo em plantão psicológico seria feita com os conselheiros tutelares, de maneira a elaborar e ressignificar angústias diárias deste cargo. Como sugerido anteriormente aqui, mais uma vez vemos retratada a necessidade de vinculação com as Universidades, podendo ser utilizada como mão de obra dos estagiários de Psicologia, Serviço Social e Direito.

 

Considerações Finais

Vamos retomar as hipóteses criadas para este trabalho, eram elas identificar as dificuldades e necessidades relatadas pelos conselheiros tutelares em relação a suas práticas cotidianas, identificar se a ausência do profissional de psicologia constitui uma dificuldade nas práticas dos conselheiros tutelares e investigar se existe importância para atuação de um psicólogo dentro dos Conselhos Tutelares.

Foi possível esclarecer que existem sim dificuldades que permeiam o dia a dia de conselheiros tutelares, em destaque estão às dificuldades nos atendimentos e a fragilidade de se posicionar como figura principal nos casos. É pertinente neste momento, discutirmos sobre quais são as possíveis estratégias que podem contribuir para que as dificuldades sejam facilitadas e amenizadas de alguma maneira.

Durante o desenvolvimento deste projeto, refletimos em diversos momentos sobre a inserção do psicólogo no conselho tutelar, devendo ser para a realização de atendimento às crianças e aos adolescentes, mas quando são lidas e analisadas as entrevistas conseguimos observar que a maior fragilidade não está presente nos casos atendidos, até porque existem dispositivos com trabalho multiprofissional para realizar atendimento aos usuários, a maior fragilidade está presente no discurso dos conselheiros sobre a insegurança em seus próprios atendimentos, a exposição a casos tão complexos que exigem muito mais do que uma simples decisão.

A realização de uma supervisão institucional desenvolvida com os conselheiros tutelares, pode ser uma boa solução, este trabalho já desenvolvido por algumas autoras se mostrou eficiente, é uma maneira encontrada para desenvolver autonomia entre os membros do conselho, criar discussões que estimulem a capacidade crítica quanto seus posicionamentos frente aos casos e um modo de expor fragilidades encontradas diariamente neste cargo que tanto exige por quem o desempenha.

Nesta modalidade pode ser utilizado o plantão psicológico como estratégia de atendimento, esta é uma modalidade de atendimento que acontece para aquele que vai pedindo socorro ao plantonista, com objetivo de ter suas angústias escutadas, cuidadas, se entregando ao outro, sendo assim afetado pelas palavras deste outro. Não é um fazer tradicional como um fazer em clínica, mas sim uma modalidade de atendimento que possibilita o exercício profissional como um ato clínico em ação.

Como o leitor pôde observar, esta pesquisa teve enfoque sobre alguns tópicos essenciais ao dispositivo Conselho Tutelar, como dito anteriormente este é um tema extenso e, portanto, são sugeridas outras pesquisas que englobem o assunto para que seja possível discutir dificuldades não apresentadas aqui.

 

REFERÊNCIAS

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Endereço para correspondência
Bruno Bonfá Araujo

E-mail: brunobonffa@outlook.com

Wilma M. Henriques
E-mail: wilmahenriques@hotmail.com

 

 

1 Psicólogo (UMC), mestrando do Programa de Pós-Graduação da Universidade São Francisco (USF-Campinas). Lattes: http://lattes.cnpq.br/4283575256970845 | ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0702-9992
2 Psicóloga (UBC), Mestre em Psicologia Clínica (PUC-Campinas) e Doutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano (USP). Lattes: http://lattes.cnpq.br/0615526545060423
3 Hibridismo, conceito constituinte e constituído a partir de uma experiência de vida. "[...] Assim sendo, não cabe aqui contextualizar, pois se os conceitos falam de uma certeza, e apenas busco explicitar algo que se revelou em meu percurso: como fui constituída e constituindo um modo de compreender minha experiência de vida em um mundo" (HENRIQUES, 2005).

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