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Vínculo

Print version ISSN 1806-2490

Vínculo vol.18 no.1 São Paulo Jan./Apr. 2021

http://dx.doi.org/10.32467/issn.19982-1492v18nesp.p25-36 

ARTIGO

 

Caixa de lembranças: relato de experiência com um grupo de mulheres com queixa de depressão em uma clínica escola

 

Ingles - caixa de lembranças: relato de experiência com um grupo de mulheres com queixa de depressão em uma clínica escola

 

Espanhol - caixa de lembranças: relato de experiência com um grupo de mulheres com queixa de depressão em uma clínica escola

 

 

Bruna de Almeida Vidal Henriques e Silva; Talita de Lucena Pallares Moreno; Tomiris Forner Barcelos

Faculdade de Americana, SP, Brasil

 

 


RESUMO

Este artigo apresenta um relato de experiência de duas estudantes do último ano da graduação em Psicologia, com a prática psicanalítica de grupos durante estágio obrigatório com ênfase em Saúde Mental, dentro de uma clínica escola, sob supervisão e orientação da professora supervisora. Os atendimentos foram baseados na perspectiva psicanalítica winnicottiana, com aplicação teórico-prática em um grupo terapêutico composto por mulheres com queixas de depressão, através da oficina terapêutica "Caixa de Lembranças". A proposta do grupo foi pautada no uso de um recurso mediador dialógico, que se caracterizou como materialidade mediadora, que tinha como objetivo favorecer a expressão emocional das integrantes do grupo, de forma livre e menos defendida, favorecendo condutas genuínas e espontâneas. A vivência da grupoterapia apontou a particularidade e subjetividade de cada caso e a necessidade em se adaptar o tratamento para cada indivíduo, uma vez que o atendimento em grupo não teve o mesmo efeito em todas as integrantes, o que não significa que não tenha sido eficaz, acredita-se que movimentos de mudanças foram observados nos envolvidos.

Palavras-chave: Psicoterapia de grupo; Oficina terapêutica; Depressão; Psicanálise; Winnicott.


ABSTRACT

This paper presents the experience report of two undergraduate students in Psychology, with group psychoanalytic practice during compulsory internship with emphasis on Mental Health, within a school clinic, under the supervision and guidance of a qualified supervising teacher. The consultations were based on the Winnicottian psychoanalytic perspective, with theoretical and practical application in a therapeutic group composed of women with complaints of depression, through the therapeutic workshop "Memory Box". The group's proposal was based on the use of a dialogical mediating resource, which was characterized as mediating materiality, which aimed to favor the emotional expression of the group members, freely and less defended, favoring genuine and spontaneous conduct. The experience of group therapy pointed to the particularity and subjectivity of each case and the need to adjust the treatment to each individual, since group care did not have the same effect on all members, which does not mean that it was not effective, it is believed that changes and personal growth were observed in all involved.

Keywords: Group psychotherapy; Therapeutic workshop; Depression; Psychoanalysis; Winnicott.


RESUMEN

Este artículo presenta la experiencia de dos estudiantes de pregrado en Psicología, con práctica psicoanalítica grupal durante una pasantía obligatoria con énfasis en Salud Mental, dentro de una clínica escolar, bajo la supervisión y orientación de un maestro supervisor calificado. Las consultas se basaron en la perspectiva psicoanalítica winnicotiana, con aplicación teórica y práctica en un grupo terapéutico compuesto por mujeres con quejas de depresión, a través del taller terapéutico "Caja de Memoria". La propuesta del grupo se basó en el uso de un recurso de mediación dialógica, que se caracterizó como materialidad mediadora, cuyo objetivo era favorecer la expresión emocional de los miembros del grupo, libremente y menos defendidos, favoreciendo una conducta genuina y espontánea. La experiencia de la terapia grupal señaló la particularidad y subjetividad de cada caso y la necesidad de ajustar el tratamiento a cada individuo, ya que la atención grupal no tuvo el mismo efecto en todos los miembros, lo que no significa que no fue efectiva, es creía que se observaron cambios y crecimiento personal en todos los involucrados.

Palabras clave: Terapia de grupo; Taller terapéutico; Depresión; Psicoanálisis; Winnicott.


 

 

Introdução

O presente artigo visa relatar a experiência de um atendimento a um grupo de mulheres, realizado no contexto de uma clínica escola, por estagiárias de Psicologia, a fim de evidenciar a importância do estágio para a apreensão aprofundada sobre o uso da grupoterapia como ferramenta eficaz de atendimento aos usuários. Acredita-se que ainda possa existir certo grau de preconceito com as terapias grupais, como se fossem inferiores, em termos de qualidade e potencialidade terapêutica, além da crença existente de que grupos são utilizados apenas para atender a uma demanda maior de pessoas, com mais rapidez. Em função da riqueza terapêutica vivenciada no processo grupal, acredita-se ser importante relatar essa experiência, como forma de contribuir para compreensões mais reais e menos preconceituosas sobre essa modalidade terapêutica.

Para tanto, considera-se fundamental abordar os pressupostos que embasam a perspectiva de grupo tratada aqui. Nesse sentido, parte-se da compreensão que toda terapia de grupo deve considerar a subjetividade e alteridade, compreendendo que a construção da subjetividade só é passível de ser apreendida à luz da alteridade, ou seja, de alguma forma, na relação com o outro, o sujeito tem a possibilidade de constituir sua subjetividade (Aiello Vaisberg, 2009).

Com esse paradigma em vista, aproximando-se também do que propõe Bleger (1963), ao dizer que toda conduta humana é dotada de sentido, por mais bizarra que possa parecer, e que a intersubjetividade é fator fundamental a ser considerado nas ciências humanas, especialmente na Psicologia, buscou-se também relações com a teoria winnicottiana, uma vez que as contribuições do autor dialogam de forma mais próxima com a lógica apresentada. Embora Winnicott não tenha trabalhado diretamente conceitos de grupo, ao fazer menção à mãe-bebê e, de certa forma ao pai também, o autor nos concede contribuições favoráveis para compreensão dos fenômenos grupais, uma vez que trata de questões presentes nas relações humanas.

Winnicott (1983) afirma que o processo de desenvolvimento individual e social atravessa a relação com o meio ao qual este se insere. Uma vez que entendemos que a subjetividade é um produto que se formar a partir das experiências vividas lhe permitindo "ser" como self constituído, se faz necessário um diagnóstico para perceber se os integrantes do grupo se reconhecem como indivíduo que já existe, analisando sua forma de viver: dramática, de necessidade ou desejo (Winnicott, 1945/2000).

Também optou-se por usar como embasamento teórico o olhar winnicottiano sobre a depressão, que foi um tema central no grupo desenvolvido e que será apresentado. Assim, sabe-se que Winnicott, em sua teorização psicológica acerca da depressão, afirma que é possível notar a relação entre a preocupação de um indivíduo com o outro a partir do risco de se deprimir, sem fazer referência ao medo de perder um objeto e sua identificação ou reparação da agressividade, mas ao fato de se auto responsabilizar por suas próprias ideias destrutivas, o que implicaria em um tipo de preocupação com a identificação do reconhecimento da alteridade. Ao se estabelecer essa ótica - identificar-se com as necessidades alheias - concerne a uma mudança de paradigma central da psicanálise tradicional - complexo de Édipo, remetendo a uma ruptura que dá surgimento a um novo paradigma, ou seja, o cuidado, temática amplamente estudada e discutida pelo autor, e que tem no conceito de holding sua maior explicação (Manola Vidal & Theodor Lowenkron, 2008).

Winnicott (1964/1999), ao apresentar um lado saudável da depressão, cria um paradoxo onde se tem, por um lado, pessoas depressivas podendo cometer suicídio, sofrendo transtornos psiquiátricos ou outros riscos característicos; e por outro, encontram-se ligadas intimamente ao conceito de força do ego, ao self , podendo descrevê-las como depressão saudável e depressão patológica. Desta forma, faz-se necessário compreender mais a fundo a depressão a partir da importância que se dá ao significado das impurezas que levarão à um âmbito patológico, ou seja, torna a depressão uma entidade mórbida (Manola Vidal & Theodor Lowenkron, 2008).

Através dessa apresentação, Winnicott sugere que a estrutura do ego é um fator que determina a aproximação, continuidade ou diminuição da experiência depressiva. Isto aponta que as purezas ou impurezas desta experiência dependem da capacidade da estrutura do ego do indivíduo em suportar fases de crise para que, consequentemente, alcance sua integração. Em se tratando da origem dos transtornos depressivos, haveria uma demanda de reavaliação interna, uma vez que ocorreria sempre uma nova experiência de destrutividade e de ideias destrutivas. Tais reavaliações são constituídas como uma experiência depressiva (Manola Vidal & Theodor Lowenkron, 2008).

Winnicott traz no artigo "Los efectos de la enfermedad depresiva en ambos os progenitores o en uno de ellos" (1958/1967) uma visão mais ampla da psicologia da depressão, onde esta é abordada como uma desorganização da família, quando encontrada em um ou ambos os pais. Em seu artigo sobre a depressão pura, Vidal e Lowenkron (2008) enfatizam a forma como a depressão se manifesta nos transtornos antisociais de adultos e no delírio persecutório, pela ótica winnicottiana. Os autores afirmam que a depressão no transtorno anti-social será apresentada como a impossibilidade de ignorar situações de privação experienciadas na infância, realizando o luto do que não se tem. Ainda segundo os autores:

Na tendência anti-social como uma compulsão na vida adulta, a obrigar a realidade externa a aumentar o trauma original, existiria uma tentativa de ser compensado pela privação. Winnicott aborda seguidamente o delírio persecutório como uma complicação da depressão que serve para ocultá-la, para deixa-la menos evidente, por meio de um desvio que canaliza o sentimento de culpa. (Manola Vidal & Theodor Lowenkron, 2008, p.54).

O "delírio persecutório" é definido por Winnicott como a complicação do quadro depressivo, que age como um fator ocultante da depressão, deixando-a menos evidente, através de um desvio canalizador da culpa. Winnicott apresenta a hipótese de que na psicologia da depressão, caso as etapas desenvolvimentais primárias das emoções não sejam concluídas com êxito, não haverá a ação de deprimir-se.

Será então a capacidade individual de suportar a culpa que permitirá a busca de uma atividade construtiva. Esta, por sua vez, liga-se à aceitação de que o amor pleno inclui ideias destrutivas e de que o sentimento de culpa em relação a essas ideias é inerente ao ato de amar, sendo seguido pela necessidade de reparar e de amar de forma mais adulta. (Manola Vidal & Theodor Lowenkron, 2008, p.54).

A seguir, apresenta-se a construção metodológica da proposta realizada.

 

Método

O grupo terapêutico fez parte de uma proposta de estágio de graduação de alunos do último ano de Psicologia, com ênfase em Saúde Mental, ocorrido em uma clínica escola de uma faculdade do interior de São Paulo, em que o grupo de estagiários foi dividido em duplas para atuarem em variados campos.

Após as definições do campo de atuação e as duplas formadas, foi definido o perfil do grupo terapêutico, ficando acordado que seria um grupo composto por mulheres, com faixa etária entre 20 e 60 anos, com quadro de depressão, manifestos de formas variadas, demanda existente na fila de espera do serviço em questão. Foi realizado contato telefônico com quinze mulheres, das quais doze aceitaram passar por triagem, sendo que cinco concordaram com atendimento grupal. Durante o período de triagem individual, foi possível notar que as cinco pacientes que aceitaram participar de psicoterapia em grupo tinham similaridade em suas queixas: depressão por luto.

Cabe ressaltar que a proposta aqui apresentada se pautou na construção de um grupo heterogêneo, possibilitando a inclusão de pessoas com idades variadas, sem distinção de gênero ou queixa. No entanto, a partir das entrevistas individuais para escuta qualificada e apresentação da proposta grupal, percebeu-se a similaridade entre as demandas das possíveis participantes.

Por conta de tal similaridade, as estagiárias iniciaram o processo de elaboração de uma oficina terapêutica que poderia ser adequada e eficaz para o grupo, chegando ao consenso, junto da professora orientadora, da criação da oficina psicoterapêutica "Caixa de Lembranças".

Tal oficina consistia em convidar semanalmente as participantes a levarem aos encontros algo que contivesse um significado afetivo-emocional e que desejassem compartilhar com os demais, podendo ser algo palpável ou não. O grupo sentava-se em roda, tendo a Caixa no centro. Todo objeto levado era depositado na caixa, de forma que todos pudessem visualizá-lo, e seu significado era relatado ao grupo espontaneamente. Caso o que foi trazido não fosse palpável, as participantes podiam escrever em um papel e depositá-lo na caixa ou apenas imaginá-lo e descrevê-lo.

A proposta terapêutica grupal baseou-se no uso de um recurso mediador dialógico, caracterizado como materialidade mediadora, visando o favorecimento da expressão emocional das participantes, de maneira mais livre e menos defendida possível, para que cada uma pudesse experimentar diferentes formas de se colocar e vivenciar as relações, favorecendo condutas mais genuínas e espontâneas. Cabe ressaltar que o uso das materialidades mediadoras funciona como um convite aos participantes de um grupo, para uma expressão afetivo-emocional mais livre. Esse recurso tem como base o Jogo do Rabisco winnicottiano (1968/1994), no qual o autor convidava a criança a brincar de um jogo que gostava e ambos completavam os rabiscos uns do outro, configurando em algum desenho. Da mesma forma, a materialidade apresentada é como um rabisco, que possibilita ao outro completar da forma que melhor lhe convier.

As estagiárias, além de oferecer escuta qualificada e atenta, visaram propiciar a construção de um ambiente suficientemente bom, na medida em que desse sustentação para os gestos das participantes, fossem eles quais fossem, partindo do pressuposto de que toda conduta humana é dotada de sentido, por mais entranha ou incompreensível que possa parecer (Bleger, 1963).

Após cada encontro, as estagiárias coordenadoras entregavam ao grupo uma foto da caixa da semana anterior com os objetos que haviam sido levados, tendo como objetivo que as participantes tivessem uma recordação palpável do que se levantou em cada encontro, bem como trabalhar indiretamente a importância da sensação de continuidade das experiências vividas. Dessa forma, lidaram com os gestos e narrativas do grupo, no decorrer do acolhimento dos objetos levados pelas integrantes, quando ofereciam as fotos de cada encontro, colaborando para a elaboração de uma narrativa pessoal acerca do encontro psicoterapêutico, ou seja, acredita-se na existência de uma convergência dramática que se pauta nas lembranças e materialidades dos objetos trazidos, o que permite a vivência de questões existenciais de cada integrante, de forma particular e dramática (Gil, Tardivo, Vaisberg & Machado, 2003). Cabe ressaltar que o termo "dramática", nesta ocasião, distingue-se do ato de fazer drama, aproximando-se do drama enquanto experiência vivida ligada à história particular do ser, desta forma, as características representadas pela vida dramática tornam-se capazes de serem estudadas de forma científica (Politzer, 1975).

As vivências atuais, ligadas ou não aos objetos trazidos, propiciavam diferentes discussões e expressão de sentimentos, comunicações essas que eram trabalhadas ativamente pelo grupo. Ainda que se desse atenção e importância aos temas evocados pelos objetos trazidos, considera-se que o que é relevante ao terapeuta são os indivíduos implicados na discussão, seus sentimentos e relatos, de forma que não se pode separar os participantes do que foi evocado, pois se tornam complemento um do outro (Bleger, 1980/2003).

Os encontros do grupo ocorriam semanalmente, às quartas-feiras, com duração de 1h30min, sendo 1h20min de atendimento e 10min de preenchimentos dos devidos documentos e prontuários, totalizando treze encontros ao longo do semestre, prazo que foi combinado previamente com o grupo e lembrado algumas vezes durante o processo. O processo terapêutico foi iniciado no dia 5 de setembro de 2018, com cinco participantes, e encerrou-se no dia 28 de novembro de 2018, com três participantes, pois duas integrantes acabaram sendo desligadas do projeto, já que excederam o número de faltas combinado inicialmente, fator que é regra do serviço prestado na clínica escola.

Ao fim de cada encontro, era elaborada uma narrativa transferencial (Aiello-Vaisberg & Machado, 2005) acerca do que foi vivenciado, sendo que essas eram escritas de memória, levando em consideração não só os fatos, mas também as associações e sentimentos vividos durante e após os encontros e, assim, era discutido com o grupo de supervisão a fim de compreender e trabalhar da melhor forma os movimentos grupais.

 

Resultados

Logo na primeira sessão, ainda permeada pelo clima de ansiedades variadas durante as apresentações, as estagiárias notaram que a experiência com o luto parecia ser um tema com significado importante para o processo terapêutico grupal, pois todas as participantes de alguma forma escolheram, consciente ou inconscientemente, pontuar a dificuldade em superar e retomar suas vidas após o falecimento de um ente querido. Freud, em sua obra Luto e Melancolia (1915), apresenta o luto como um processo doloroso justificado pela condição de expressar a caracterização da dor.

Em todas as sessões, com os relatos acerca dos objetos depositados na Caixa, as participantes puderam recordar, ressentir - em seu significado de sentir novamente - e ressignificar os sentimentos e sensações trazidos pelas histórias advindas daqueles objetos. Estes sentimentos relatados faziam com que as demais integrantes se identificassem com a história apresentada, contassem suas próprias histórias e oferecessem outro olhar, apoio e acolhimento para aquela que fazia seu relato.

Observou-se que as histórias dos objetos também faziam com que problemas da atualidade emergissem e fossem trabalhados durante os encontros. No decorrer das sessões, as participantes demonstravam apoio e ajudavam umas as outras a se sentir confiante para enfrentar seu problema. De alguma forma, foi possível reconhecer um movimento de consolidação da possibilidade de ser no grupo, no sentido em que as participantes mostraram ir encontrando, cada uma no seu tempo, formas de colocar-se enquanto pessoa dona de seus sentimentos e direitos, na presença das demais.

Ao longo dos encontros, foi possível observar que muitas das dificuldades vivenciadas não eram decorrentes apenas do luto, em si, mas também pelo reconhecimento de variados graus de dependência que as participantes apresentavam de outras pessoas, como se não se sentissem capazes de, após a perda, dar conta de questões do cotidiano, que antes não eram de suas responsabilidades. Esse ponto foi trabalhado a partir do fenômeno de dependência que começaram a mostrar em relação ao próprio grupo terapêutico. No pressuposto básico de dependência, Bion (1975) colocou que tal fenômeno consistia na demanda em que o grupo apresentava por um líder que fosse capaz de satisfazer seus membros, ou seja, haveria a existência de um objeto externo capaz de oferecer segurança para o organismo. Tal objeto poderia ser uma pessoa, uma ideia ou uma história do grupo.

Uma característica importante no processo em grupo é o fenômeno denominado por Bion (1975) como o espírito do grupo. Para o autor, este fenômeno descreve-se pela existência de um propósito comum ao grupo, de forma que reconheçam seus limites individualmente e valorizem seus membros por suas contribuições, sejam capazes de enfrentar o que causa descontentamento em si e visualizem meios de lidar com ele. Tal fenômeno pôde ser melhor visualizado a partir de um encontro onde o grupo vivenciou a perda de um membro, valorizando assim a presença e colocação de cada uma durante as discussões e tornando-se capazes de enfrentar seus descontentamentos, o que demonstrou um sinal de maturidade do grupo, que se caracteriza pela capacidade de perder e absorver membros, sem se desintegrar (Bion, 1975).

Evidentemente, como não poderia deixar de ser em um processo psicanalítico, vivenciou-se em diversos encontros, a transferência e contratransferência, algo que foi significativo para o aprendizado das estagiárias e fundamental para o processo grupal. Para Zimerman (2000), transferência é um dos fenômenos essenciais para basear o processo de terapia analítica, no entanto, questiona-se se a transferência é uma repetição de uma necessidade advinda do passado ou uma necessidade de repetição. Freud (1915) afirma que a transferência resulta de reimpressões com edições recentes de experiências traumáticas passadas. Acredita-se, também, que a transferência seja a repetição de uma necessidade primitiva que é retomada a partir da relação individuo-terapeuta (Andrea, 2006).

Ainda segundo a autora, contratransferência se caracteriza pela necessidade de pensar nos sentimentos do terapeuta em relação ao paciente naquele momento. Zimerman (2000) acredita que a contratransferência é uma forma de comunicação primitiva de sentimentos que o paciente possui em seu mundo interno, porém não o reconhece e nem verbaliza, sendo sentidos pelo terapeuta. Ainda segundo o autor, infere-se que "as manifestações transferenciais nos grupos variam de acordo com o momento evolutivo do mesmo", e que inicialmente ocorrem as transferências cruzadas (necessidade de amor e dependência/descrença e desesperança) e, posteriormente, passa a existir uma preocupação entre os membros do grupo, visando a importância de que todos desenvolvam a capacidade de reconhecer os próprios sentimentos contra transferenciais que os outros lhe despertam. Dessa forma, é possível diferenciar o que é seu, o que é do outro e também o que desperta no outro. Pode-se observar este movimento no grupo de formas variadas, mas principalmente quando relatos despertavam sentimentos de identificação, mas também se mostravam capazes de diferenciar e distinguir o que eram sentimentos próprios do que a relatora estava sentindo, e oferecer suporte e acolhimento para a participante.

Foi possível acompanhar o desenvolvimento e evolução das participantes de forma individual e como grupo. Cada integrante apresentou sua queixa, sua história, permitindo-se ser acolhida e receber abertamente as opiniões e sugestões que lhes eram oferecidas. Como grupo, notou-se a formação do vínculo entre as integrantes, que inicialmente apresentavam relatos que pareciam vagos e com informações mínimas, demonstrando a fragilidade e insegurança frente a terapia em grupo. A partir de certo momento as participantes se permitiram sentir e ressentir suas angústias, medos, frustrações e tristezas, abrindo suas histórias de forma mais real. Tal movimento foi observado quando passaram a expor mais abertamente questões que eram fonte de angústias variadas, num movimento que parecia ser de confiança no vínculo e na possibilidade de despir-se de algumas defesas.

 

Discussão

A experiência em coordenar um grupo terapêutico foi algo novo e extremamente enriquecedor para as estagiárias, tanto em crescimento profissional quanto o pessoal. Esta experiência pôde romper preconceitos sobre a terapia grupal, tornando possível vivenciar e observar sua efetividade.

Com a grupoterapia foi possível vivenciar diversas histórias, sentimentos e opiniões diferentes acerca de uma mesma ocasião. A formação do vínculo tornou possível um maior conhecimento e domínio da teoria, e com o andamento das sessões, possibilitou à estagiárias a sensação de pertencerem ao grupo. As intervenções levantavam reflexões que refletiam mudanças tanto no grupo, como nas estagiárias.

Trabalhar o luto, uma questão tão sensível e ainda um tabu para certas pessoas, se tornou um aprendizado compartilhado. Para auxiliá-las no processo de enfrentamento do luto o estagiário não pode utilizar apenas do acolhimento e escuta terapêutica, ou apenas da observação dos relatos esperando que a mudança surgisse a partir somente das participantes. Faz-se necessário e de suma importância estudar mais afundo o significado do luto, as diversas experiências e enfrentamentos, para assim aplicá-los e compartilhar com as integrantes, visando levá-las a reflexão e vivência daquele momento de forma única e genuína.

Como esperado, a perda não foi o único assunto abordado durante as sessões. Desta forma, foram trabalhadas queixas como ciúmes, autoestima, autocontrole, autoconfiança, entre outros. Foi observável que, apesar da variedade de temas, alguns participantes não se sentiram confortáveis para abrirem suas histórias, ficando apenas como ouvintes em algumas ocasiões e auxiliando o grupo com reflexões, mas nada que revelasse algo de sua história particular. Tais gestos também eram acolhidos pelas participantes com muito respeito. Analisando todo o processo terapêutico, a necessidade de se respeitar o tempo do outro, para que este só trabalhe suas questões quando achar que se faz necessário foi mostrado de forma mais clara dentro da grupoterapia.

As vivências também apontaram as particularidades e subjetividades de cada caso e a necessidade em se adaptar o tratamento para cada indivíduo. Ou seja, observou-se que o atendimento em grupo não teve o mesmo efeito para todas as participantes, no entanto, todas as integrantes observaram mudanças e crescimento pessoal em suas vidas.

 

Referências

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Bruna de Almeida Vidal Henriques e Silva: Graduada em Psicologia - FAM - Faculdade de Americana /SP.
Talita de Lucena Pallares Moreno: Graduanda em Psicologia - FAM - Faculdade de Americana/SP.
Tomiris Forner Barcelos: Professora e supervisora da FAM - Faculdade de Americana/SP; Mestre em Psicologia Clínica pela USP - Universidade de São Paulo. Graduada em Psicologia pela PUC-Campinas. Aperfeiçoamento em Teoria Winnicottiana pelo Instituto Sedes Sapientiae, SP. Especialização em psicoterapia analítica de grupos pela SPAG - Sociedade de Psicoterapia Analítica de Grupos de Campinas.

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